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Roberto Acioli de Oliveira

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26 de ago. de 2011

A Mulher Casada e a Censura na França de Godard



“Fiz um filme
de entomologista
.
Considerei a mulher
como consideraria
um instrumento
:
de um ponto de
vista técnico
(...)”

Jean-Luc Godard,jornal Le Monde, 1964



O Consumo da Relação

Acompanhamos um dia da liberada Charlotte, e também seu marido, seu amante, seu filho e o novo mundo do consume em plena década de 60 do século passado. Ouvimos e vemos muitos slogans, além do monólogo interior de Charlotte enquanto ela perambula por Paris. Charlotte e Pierre moram num novo bloco de apartamentos em Paris (Elysée 2), cujas qualidades descrevem orgulhosamente para um convidado. Pierre é engenheiro (típica profissão daquela fase de progresso tecnológico do pós-guerra na Europa), ela uma jovem mãe. A divisão de sua vida emocional (entre o marido e o amante) parece refletir sua existência fragmentada em meios aos muitos estímulos consumistas que a rodeiam. Ao mostrar sua nova televisão, Pierre declara orgulhosamente que se trata de tecnologia aeronáutica (1). A vida de Charlotte segue, entre a desconfiança do marido e os encontros com o amante. Na seqüência final, ela está com ele, que tenta decorar o texto de Berenice, a peça de Jean Racine (1639-1699). Estão recitando a cena da despedida entre a rainha Berenice e o imperador Tito. Terminada a fala, vemos a mão de Charlotte no meio da tela (com sua aliança enfiada no dedo) acariciando a mão e o braço do amante. Ele pergunta se ela está chorando, depois de alguma hesitação a resposta é positiva. “Justo agora preciso ir”, responde o amante (que deve tomar um avião). “Sim, acabou”, comenta Charlotte, cuja mão já estava solitária no lençol branco a alguns segundos. (todas as imagens são de Uma Mulher Casada; abaixo, à direita, Charlotte não tira a aliança, mesmo quando está com o amante)



Godard havia
mostrado a iconografia
do cons
umismo capitalista
já em Acossado. Em Uma
Mulher C
asada torna-se
o princípio estrutural
do filme (2)



Uma Mulher Casada (Une Femme Mariée, 1964) descreve o adultério como uma série de fragmentos: corpos, palavras, fatos, trajetos, lugares, atos, palavras, imagens. Nas palavras de Antoine de Baecque, o filme mostrava o adultério como um produto da sociedade da “sociedade de consumo” contemporânea (os sociólogos começavam naquela época a utilizar esta expressão), onde a mulher, seu marido, seu amante, são objetos como quaisquer outros – sendo negociados pelas sociedades através do dinheiro, das mídias e da publicidade. Godard disse que se inspirou em La Vie Conjugale (direção André Cayatte, 1963), embora segundo ele o filme apresentasse friamente os pontos de vista da mulher e do homem. Frieza e falta de emoção que o próprio cineasta admite até certo ponto em Uma Mulher Casada, por tratar de personagens considerados como objetos de consumo. Abordagem que “recorta” uma mulher, Charlotte, suas atitudes, leituras, trabalho (ela é fotógrafa de moda da revista Elle) e homens, reinserindo tudo no contexto publicitário (de um recondicionamento dos indivíduos pelas mídias) (3).




“É perfeito.
Você fala muito. Não
terei necessidade de
escrever diálogos”

Godard para Macha Méril,
a atriz no papel de Charlotte (4)


Esses personagens vivem integrados num mundo de imagens, slogans e jornais, repetindo, sem sofrimentos nem alegria aparente, clichês de bem estar e felicidade: “Eu te amo”, “Eu sou feliz, eu sou feliz”, “Eu faço aquilo que eu quiser”. O filme nem tinha um roteiro, tanto que em seu início podemos ler: “Fragmentos de um Filme rodado em 1964”. Contudo, Baecque afirma que essa escolha formal tinha o objetivo de afasta ao máximo uma questão de foro íntimo que ocorria com Godard naquele exato momento: uma mulher, entre seu marido e seu amante. Traduzindo: Anna Karina, entre Godard e Maurice Ronet. Mas Godard insistia que seu ponto de vista era puramente sociológico – ele dizia que gostava dos cientistas sociais, que considerava a mais bela definição do cineasta. Em 1964, Godard afirmou ao jornal Le Monde que havia feito um filme de entomologista – o cineasta espanhol Luis Buñuel gostava de dizer que olhava para seus personagens como alguém interessado acompanha o comportamento das formigas. Uma Mulher Casada, explicou Godard, poderia ser visto como um folheto sobre a mulher que se compõe de braços, de pernas, de ventre, de rosto, de mãos, de “eu te amo”... Uma abordagem sociológica que não se preocupa em estabelecer o certo e o errado.

“Numa outra entrevista ao mesmo jornal, Godard acrescenta: ‘Imagine alguém que, como o Persa de Montesquieu ou o [índio] Huron de Voltaire, faça perguntas sobre um planeta desconhecido. Ele dirá ‘O que são homens?’, e responderemos: ‘São seres que, sem mulher, não pode viver e morrem’. Ele dirá então: ‘O que são mulheres?’, e responderemos: ‘Elas são feitas de braços, de pernas, de olhos, de saias, de suéteres e também de casamentos, de mentiras, de encontros, de ternura, de amizade” (5)

A Mulher Liberada em Pedaços



A expressão
vazia no rosto de
Macha Méril é um

elemento chave
  do filme (6)




No papel de Charlotte, a atriz Macha Méril estava à vontade num filme sobre a sexualidade e a contracepção – a cena onde um ginecologista comenta sobre métodos de contracepção é significativa, já que naquela época poucos países haviam legalizado se uso. Macha, explica Baecque, é uma “mulher liberada”, que fala sem preconceitos sobre sua sexualidade, seus desejos, sobre o prazer. Uma Mulher Casada foi o primeiro francês a falar abertamente sobre a pílula anticoncepcional. Por outro lado, observa Baecque, Godard revela um pudor protestante na representação do amor: fragmentos de rostos, de pernas, de coxas, ventre, garganta; mas nunca um seio, um sexo que não esteja coberto, ou alguma visão do ato sexual propriamente dito. Godard faz diferente: mãos que se aproximam e se acariciam, se apertam; uma perna entre duas outras; uma boca sobre uma orelha; um gesto que faz cair a alça do sutiã, que abaixa a calcinha.

Foi assistindo a
Mônica e o Desejo,
de Ingmar Bergman,
que Godard e Truffaut
aprenderam como
filmar uma mulher


Antoine
de Baecque (7)

O filme começa: uma mão de mulher surge da parte inferior da tela, no dedo correspondente uma aliança determina: uma mulher casada. Uma mão de homem vem a seu encontro e agarra-lhe o pulso com firmeza. Passamos às pernas de uma mulher, que se cruzam com as de um homem. Como letras de um alfabeto do corpo humano. De acordo com Jean-Luis Leutrat, as primeiras imagens de Uma Mulher Casada devem ser relacionadas às imagens iniciais de dois filmes, o filme anterior de Godard, O Desprezo (Le Mépris, 1963) e Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, 1959), dirigido por Alain Resnais. Charlotte utiliza as mesmas palavras de Camille em O Desprezo: “Eu não sei”, padrão entre as mulheres godardianas desse período, explica Leutrat com alguma ironia. Charlotte recita a ladainha narcísica e amorosa de suas perguntas (“Você ama meus ombros? Meus tornozelos?”). Quando o homem (o amante) fala, faz afirmações definitivas sobre o corpo dela: “Eu amo seus dentes”. Na opinião de Leutrat, essa afirmação, além dos tradicionais “eu te amo” e “eu também”, são afirmações bem fracas se comparadas às de Paul Javal diante de Camille: “Eu te amo totalmente, ternamente, tragicamente” (8). (imagem acima, à direita, planos em negativo se repetirão em Alphaville; talvez esta imagem seja uma homemagem a Bergman, em certo momento de Mônica e o Desejo, a protagonista se lava de forma semelhante; no prólogo de Persona, uma cena de desenho animado também reproduz esse movimento. A única diferença é que nos dois filmes do cineasta sueco as figuras femininas lavam os seios por dentro da blusa e o maiô, enquanto no filme de Godard a moça lava o rosto. Censura? Auto-censura? A quem diga que o cineasta francês tem um "tabu" em relação a seios)

Amante: Você deveria fazer
como nos filmes italianos,
as mulheres não se raspam debaixo dos braços;
Charlotte: Eu prefiro os filmes americanos de Hollywood, é mais bonito;
Am
ante: Sim, mas menos excitante!


Enquanto em O Desprezo os corpos imóveis de Camille e do marido são mostrados num plano-sequência, os de Charlotte e seu amante são mostrados de forma fragmentada (recortada) e em breves movimentos. Para Leutrat, esses corpos são justapostos em oposição às estátuas de Aristide Maillol (1861-1944) que veremos pouco depois nas ruas de Paris: corpos roliços, florescentes e maciços (imagem abaixo, à esquerda). Para Godard, explica Leutrat, Camille lembra a Eva de Piero Della Francesca (1415-1492). Por sua vez, Eva lembra a serpente. Atuando como ele mesmo, Fritz Lang (1890-1976) afirma em O Desprezo que o CinemaScope foi feito para as serpentes e para os funerais, não para os homens. Leutrat sugere que o corpo alongado (deitado) de Camille lembra a linha de uma serpente, por sua vez evocada pelo movimento da mão de Charlotte deslizando pelo lençol branco. Podemos distinguir o masculino e feminino em Uma Mulher Casada, o que não já acontece nas cenas iniciais de Hiroshima Meu Amor. Aqui as epidermes não parecem humanas. No filme de Resnais, a histórias dos amantes está ligada à História (a bomba atômica), enquanto que a aparição de um avião rasgando o idílio do casal no filme de Godard anuncia apenas o retorno do marido de Charlotte. Temos que esperar os campos de concentração no final para encontrar a História.

Auschwitz e a Má Consciência  



Até então,
o cinema francês

não havia mostrado
o Holocausto, pelo
menos num filme 
de ficção



O dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956) falava de um teatro épico onde a platéia encontraria distração e ao mesmo tempo engajamento. Ele insistiu que para alcançar esse objetivo deve-se proceder a uma separação radical de elementos: música, diálogo, encenação. A ficção não deve ser unificada por sua forma, deve apresentar seus elementos à platéia para ser analisada e recombinada. De acordo com Colin MacCabe, em Uma Mulher Casada temos o verdadeiro início da aplicação da estética brechtiana, que irá dominar a obra de Godard até Tudo Vai Bem (Tout va Bien, 1972). Ainda de acordo com MacCabe, um dos maiores apoiadores de Brecht na França de então era o semiólogo Roland Barthes. MacCabe acredita que o pensamento de Barthes ainda serve de contraponto a Uma Mulher Casada – Barthes recusou um convite para atuar em Alphaville (1965). Em seu livro Mitologias (que afetou bastante a Truffaut ao ser lançado em 1957), Barthes toma como texto a sociedade de consumo, analisando as maneiras como a apresentação burguesa do mundo constantemente nega a história em favor de um apelo totalmente falso à natureza. As propagandas que se pode ver em Uma Mulher Casada apontam justamente para o apelo falso a uma Paris criada a partir do nada. Com a referência a Auschwitz no documentário Noite e Neblina (Nuit et Brouillard, direção Alain Resnais, 1955), Godard mostra que a história da Segunda Guerra Mundial não pode ser apagada (9).




No documentário
A Tristeza e a Piedade
(1969
), Max Ophuls mostraria
que os franceses colaboraram
bastante com o seu ocupante nazista
, que são tão (ou
mais?) anti-semitas





O escritor e cineasta Roger Leenhardt (1903-1985) surge no filme de Godard trazido por Pierre em seu avião, ele faz a Charlotte um comentário sobre Auschwitz. Para Baecque, trata-se de uma referência a um episódio ocorrido meses antes daquela filmagem. Em 20 de dezembro de 1963, vinte e duas pessoas que trabalharam no campo de extermínio enfrentaram um processo em Frankfurt. Quando terminar, em 1965, dezoito serão condenados à morte ou prisão perpétua e quatro absolvidos. Pouco antes, em 1961, houve o julgamento do carrasco Eichmann em Israel. Tudo isso aponta para uma tomada de consciência do extermínio de judeus e para a necessidade de julgar os responsáveis. De acordo com Baecque, Uma Mulher Casada foi o primeiro filme onde o extermínio dos judeus foi mencionado. Ao ser apresentado a Charlotte ainda na pista do aeroporto, Leenhardt pergunta a ela se já ouviu falar de Auschwitz. Ela retruca: “é a Talidomida?”. Não exatamente, responde o homem, é uma velha história judia, um campo.... Charlotte: “Ah sim, Hitler”. A Talidomida é um medicamento contra insônia que estava então no centro dos debates. Prescrito para mulheres grávidas, provocou deformações nos recém-nascidos. Para Leenhardt, conclui Baecque, o horror na história é o campo da morte. Para Charlotte, o horror na vida de uma mulher grávida seria uma criança-monstro (10).




Segundo Godard,
a
verdadeira obscenidade
era a reutilização das imagens
dos campos de morte
em
filmes comerciais
(11)




A seguir Leenhardt conta outra história em que duas pessoas conversam e alguém afirma que foram mortos todos os judeus e os cabeleireiros. O interlocutor pergunta por que os cabeleireiros, e Charlotte também. Baecque explica que Godard filma aqui o bom senso francês, que ele julga anti-semita por natureza, como uma boa consciência monstruosa. Fazendo referência a Roberto Rossellini, Pierre conta que certa vez em 1955 (dez anos depois da libertação) o cineasta italiano viu um grupo de ex-prisioneiros de Auschwitz. Eles não estavam magros e haviam ganhado algum dinheiro. Rossellini pensou que se tratava de uma falsa memória do campo de extermínio. Noutra parte do filme, quando Charlotte se encontra com o amante no cinema, por acaso está sendo exibido o documentário Noite e Neblina. Godard justapõe Auschwitz e a relação sexual entre os dois – através do recurso da montagem, uma demonstração da banalização do mal. O cineasta francês via com desconfiança as cerimônias e filmes sobre Auschwitz, uma memória adulterada que ele associa à obscenidade da boa consciência de uma sociedade que ignora milhões de excluídos.

“A idéia de que uma sociedade possa comemorar o passado, erigindo como mártires oficiais as vítimas dos campos, ao mesmo tempo em que aceita que milhões de pessoas vivam mal e morram em condições miseráveis no presente, esse paradoxo das memórias irrita o cineasta. Ele retornará regularmente em seus filmes, de 1964 há nossos dias, sobre essa questão com explosiva carga simbólica” (12)

O Caso da Mulher Casada


Em 1964,
oito Deputados Democrata-
Cristãos questionaram o Ministro
i
taliano sobre a presença do filme de
Go
dard no Festival de Veneza. Sendo um
evento financiado com dinheiro público,
viam o Estado como cúmplice de
uma obra considerada

 imoral (13)




No Festival de Veneza de 1964, Uma Mulher Casada será derrotado por O Deserto Vermelho (il Deserto Rosso, 1964), do italiano Michelangelo Antonioni. De qualquer forma o filme foi ali apresentado, tendo recebido poucos aplausos e alguma atenção da crítica. Entretanto, poucos dias depois, a comissão de controle impõe uma proibição total da obra. Henry Segogne, o presidente da comissão, procura explicar as razões em carta a Alain Peyrefitte, então Ministro da Informação do governo de François de Gaulle: “Em primeiro lugar, o próprio título dessa produção, A Mulher Casada, pela generalização que implica, surge como uma espécie de ultraje para todas as mulheres que se encontram nesse estado. Em segundo lugar, esse filme é mais ou menos exclusivamente direcionado à fotografia, em close-up, das travessuras amorosas de uma mulher com seu amante. As cenas de nu são numerosas, hábil e viciosamente fotografadas, sempre o gesto sugestivo, a atitude no limite do atentado ao pudor. Não são apenas algumas cenas que a comissão poderia solicitar o corte, mas a metade do filme. Esse filme propõe uma ilustração devassa da sexualidade” (14).




Com exceção de
Carmen de
Godard,
a nudez
das atrizes nos
filmes do cineasta francês
é
, de modo geral, até
bastante pudica

Alain Bergala (15)

 


A carta não era pública, Segogne divulgou apenas uma nota: “imagens contrárias aos bons costumes”. A comissão não poderia instituir a censura, apenas indicar, a tarefa seria do Ministro. A imprensa se mobiliza, é o terceiro caso de censura em poucos meses. Pouco antes, O Silêncio (Tystnaden, 1963), do sueco Ingmar Bergman, só foi liberado após corte de mais de um minuto. Um Só Pecado (La Peau Douce, 1964), de Truffaut, que também aborda o adultério, seria projetado no Festival de Cannes daquele ano apenas após cortes de alguns planos “fetichistas e eróticos”. Num encontro com Godard, Peyrefitte propõe mudar o título, cortar mais ou menos três minutos do filme e dos diálogos, remover as duas alusões diretas aos campos de concentração e extermínio (numa de suas falas, Pierre cita vários além de Auschwitz, Dachau, Mauthausen...). O cineasta deixa a reunião sugerindo que o nome do filme seja trocado para Proibido para Menores de 18 Anos. No final, manteve as referências ao Holocausto, mas realizou alguns cortes – a mudança do título, de A Mulher Casada para Uma Mulher Casada, e uma referência à sodomia enquanto método de contracepção, tema sempre na mira dos católicos, durante a conversa com o ginecologista.


Os seios parecem
ser um tabu para Godard
.
Ele mostra até as nádegas
de uma atriz
, menos os seios
como em O Desprezo (16). O cineasta insistiu em afirmar
que Uma Mulher Casada
não é pornografia


Com a exceção de O Pequeno Soldado (Le Petit, Soldat, 1963), que foi censurado por três anos, os filmes de Godard sempre se beneficiaram (através da mídia) de seus freqüentes problemas com a censura, de Viver a Vida (Vivre as Vie: Film en Douze Tableaux, 1962) e Uma Mulher Casada à Je Vous Salue Marie (1985). Esta é a opinião de Baecque, que cita a denúncia do anti-godardiano Positif contra o “compromisso” entre o cineasta e seus propagandistas (os censores e o Ministro). Macha Méril sai em defesa do filme quando ele finalmente estréia, em dezembro de 1964: “(...) Esse filme introduziu a questão da pílula, mostrou à sua maneira a sexualidade, desdramatizou o adultério, colocou o corpo entre os objetos de consumo. Foi um cinema altamente político, à frente da notícia” (17). Baecque resume a situação afirmando que Godard sairá do “caso Uma Mulher Casada” como um verdadeiro herói de esquerda. O cineasta abandona um “anarquismo de direita”, as piadas de direita em Acossado (À Bout de Souffle, 1960) e seu fascínio em O Pequeno Soldado pela OAS (organização direitista que lutou ao mesmo tempo contra o governo francês e o movimento guerrilheiro durante a guerra de independência da Argélia), prendendo-se mais à realidade, por exemplo, no caso do estatuto e na imagem da mulher. O outono de 1964 testemunha o nascimento do “fenômeno Godard”.

“Não se pode ir muito
 longe no amor; (...) Você
beija alguém
, acaricia,
mas ficamos à margem
.
É como uma casa em
que nunca entramos”


Comentário do amante para
Charlotte, enquanto se acariciam

Notas:

Leia também:

Kieślowski e o Outro Mundo
As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
Godard e a Distopia de Alphaville (final)
Profissão: Michelangelo Antonioni
O Pragmatismo Cinematográfico de Claude Chabrol
O Triângulo Amoroso de Jean Eustache
Yasujiro Ozu, o Tempo e o Vazio
Claudia Cardinale e a Mala de Zurlini
Crítica Cinematográfica e Mercado (I), (II)
A Vertigem Surrealista de Hitchcock

1. DARKE, Chris. Alphaville. New York: I.B. Tauris, 2005. P. 30.
2. MAcCABE, Colin. Godard. A Portrait of the Artist at 70. London: Bloomsbury Publishing, 2004. P. 165.
3. BAECQUE, Antoine de. Godard. Biographie. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2010. Pp. 260-1, 841n134.
4. Idem, p. 262.
5. Ibidem, p. 260.
6. MAcCABE, Colin. Op. Cit., p. 165.
7. Godard Truffaut e a Nouvelle Vague. Documentário escrito por Baecque e dirigido por Emmanuel Laurent, 2009.
8. BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs). Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque, 1991. Pp. 384-6.
9. MAcCABE, Colin. Op. Cit., pp. 165-6.
10. BAECQUE, Antoine de. Op. Cit., pp. 265-74, 842n162.
11. Idem, p. 842n163.
12. Ibidem, p. 266.
13. BERGALA, Alain. Godard au Travail. Les Années 60. Paris: Éditions Cahiers du Cinéma, 2006. P. 204.
14. BAECQUE, Antoine de. Op. Cit., p. 267.
15. BERGALA, Alain. Op. Cit., p. 214.
16.
BERGALA, A.; DÉNIEL, J.; LEBOUTTE, P. Op. Cit., p. 169.
17. BAECQUE, Antoine de. Op. Cit., p. 270.

24 de abr. de 2011

Religião e Cinema na França




Quem foi
que disse
que o fundamentalismo
católico não fala
francês?



 
No Começo Era o Fim

Em geral, ressaltou Yannick Dehée, durante a era do cinema mudo os filmes que retratavam personagens ou episódios bíblicos eram “respeitáveis”. Vale dizer, não questionavam aquilo que a Igreja Católica afirmava como a Verdade. Basta pensar em filmes norte-americanos como Ben Hur (direção Fred Niblo, 1925), Os Dez Mandamentos (The Ten Comandments, direção Cecil B. de Mille, 1923) e, na França, Golgotha (direção Julien Duvivier, 1935). Contudo, para desespero da Igreja, ao logo do tempo surgiram exemplos do que ela considerava blasfêmia. Em 1936, a encíclica Vigilanti Cura, do Papa Pio XI, deplorou “os tristes progressos da arte e da indústria cinematográficas na divulgação do pecado e do vício”. Na França, durante a ocupação nazista, o governo colaboracionista de Vichy colocou em prática o programa de Pio XI e interditou perto de 200 filmes através de um Cartel de Ação Moral. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Igreja francesa passa a exercer uma verdadeira censura sobre o conjunto do cinema francês (1).



Os cineastas franceses
não podem reclamar da sorte
,
pois poderiam até mesmo ter sido guilhotinados
...



Em 1946, fundou-se a Central Católica do Cinema (CCC), que examinava cada filme do circuito comercial e os classificava como: “filmes para todos (3)”, “para famílias (3b)”, “para adultos (4)”, “para adultos informados (4ª)”, “desaconselhável (4b)”, “ para banir (5)”. Os julgamentos eram amplamente divulgados na imprensa, em particular pela Radio Cinéma (futura Télérama). No caso do item número 5, os produtores de um filme eram livres para negociar os cortes necessários para liberar a obra. Dentre aqueles que a CCC desaconselhou na década de 50 estavam O Corvo (Le Corbeau, Henri-Georges Clouzot, 1943), O Vermelho e o Negro (Le Rouge et le Noir, direção Claude Autant-Lara, 1954), La Ronde (direção Max Ophüls, 1950), Le Blé en Herbe (direção Autant-Lara, 1954) e As Diabólicas (Les Diaboliques, direção Clouzot, 1955). Em 1961, a CCC se transforma no Ofício Católico para o Cinema, e amolece os julgamentos para: “filmes para todos (T)”, “para adultos e adolescentes (AO)”, “para adultos (A)” e “contestáveis (C)”. Nos anos 70 o Ofício perde pouco a pouco sua influência.

Jacques Rivette e Diderot



Ao que parece,
a  Revolu
ção   Francesa  não
foi suficiente para inaugurar
um Estado laico




O cineasta francês Rivette queria adaptar o romance de Denis Diderot (1713-1784), A Religiosa. A comunidade católica francesa se pôs em polvorosa mesmo antes que qualquer imagem tivesse sido filmada. Desde a apresentação do roteiro à “comissão de controle” em 1962, o filme já estava ameaçado de interdição total, o início das filmagens tendo sido autorizado apenas em 1964 sob “advertência”. O anúncio dessa decisão só faria aumentar as pressões de origem religiosa sobre Alain Peyrefitte, então Ministro da Informação, que cedeu. Em sua maioria, a imprensa foi contra a interdição de A Religiosa. Os religiosos diziam que a obra possuía um tom blasfematório que os desonrava. Yvon Bourges, o ministro seguinte, acaba interditando o filme em 1966. Seria preciso esperar até julho de 1967 para que A Religiosa passasse novamente pelas mãos da comissão e pudesse chegar finalmente aos cinemas. O mais curioso, é que todo esse barulho aconteceu em função de um filme cuja fonte é um livro existente na França desde 1796 (tendo sido publicada em partes a partir de 1760)! (2) (todas as imagens, A Religiosa)


Muito antes
dos   escândalos   de
p
edofilia na Igreja Católica,
A Religiosa
atacou os

abusos da religião




Em 1975, o Conselho de Estado confirmou a irregularidade da interdição feita pelo Ministro e reconhece enquanto tal a liberdade de expressão cinematográfica. André Malraux, então Ministro da Cultura, que em outra época já havia salvado muitos filmes das mãos da censura (como Uma Mulher Casada, de Jean-Luc Godard), não se mexeu: contentou-se em mandar A Religiosa para representar a França no Festival de Cannes. Godard escrever-lhe uma carta onde colocava claramente todo o seu descontentamento com a subserviência de Malraux e chamava a censura de “essa Gestapo do espírito”. Por outro lado, Jeanne Favret-Saada acredita que o “caso A Religiosa” não resultou de uma manobra da Igreja Católica ou do Estado gaulista (3) para censurar o filme. A violência sofrida por Rivette resultaria de uma reação epidérmica de tradicionalistas chocados com o Concílio Vaticano II (que tratou das relações entre a Igreja Católica e o mundo moderno) e de gaulistas oportunistas procurando ganhar votos no eleitorado católico.

Godard e a Censura



Se o governo
civil franc
ês foi capaz disso,
imagine  o  governo militar

brasileiro



Entretanto, para Colin MacCabe, o presidente Charles De Gaulle já havia demonstrado sua determinação de aprofundar o controle do Estado sobre a decisão de quais filmes o público Francês poderia assistir (4). A partir de 1960, as decisões da censura se tornaram atribuição ministerial. Jean-Luc Godard sentiu o peso dessa mudança muitas vezes. O mais ilustre exemplo foi O Pequeno Soldado (Le Petit Soldat, 1960), um filme que questionava a presença militar francesa na Argélia e só chegou aos cinemas três anos após sua conclusão. Outro caso foi o corte de cenas do presidente norte-americano Eisenhower e de Gaulle em Acossado (A Bout de Souffle, 1960), ou ainda Uma Mulher Casada (Une Femme Mariée: Suite des Fragments d’un Film Tourné en 1964, 1964), obrigado a mudar de título. Godard se tornou particularmente suscetível à opressão nos encontros com o censor. Talvez por esse motivo, sugere MacCabe, no começo dos filmes do cineasta o número do visa que aparece nos créditos (e que afirma que o ministro permitiu o lançamento daquele filme) seja tão maior do que as letras do restante das informações.


Com Je Vous Salue Marie, Godard se tornaria alvo dos fundamentalistas   católicos
e  dos   aproveitadores   que

puxam o saco da Igreja em
busca de votos ou platéia



O governo voltaria à carga em 1968 com a demissão de Henri Langlois da Cinemateca de Paris. Há quem diga que essa atitude do governo foi um importante tiro no próprio pé. No dia seguinte, cineastas franceses e de todo o mundo bombardearam a Cinemateca com telegramas proibindo a utilização de seus filmes: Abel Gance, Alain, Resnais, Georges Franju, Chris Marker, Alexandre Astruc, Robert Bresson, Richard Lester, Lindsay Anderson, Carl Theodor Dreyer, Akira Kurosawa, Nagisa Oshima, Jerry Lewis, Charles Chaplin, Roberto Rossellini, Fritz Lang, entre outros. Um boicote organização pelo Cahiers du Cinéma. No primeiro de uma série de ferozes explosões a respeito de A Religiosa, Godard publicou no jornal Le Monde em abril de 1966 um agradecimento ao Ministro do Interior que baniu o filme, porque agora ele podia ver a verdadeira cara da intolerância. Em sua carta aberta a Malraux, publicada dois dias depois no Le Novel Observateur, ele foi mais extremo. De fato, a atitude de Malraux é no mínimo contraditória, ao permitir que a França fosse representada em Cannes por um filme que os franceses foram proibidos de assistir.

Leia também:

A Religião no Cinema de Carl Dreyer
Religião e Cinema na Itália
Roma de Pasolini
O Silêncio de Pasolini
A Saga dos Dialetos Italianos no Cinema
Ricota de Pasolini
Buñuel, o Blasfemador (I), (II), (final)
Ingmar Bergman e a Prisão do Espírito

Notas:

1. DEHÉE, Yannick. Mythologies Politiques du Cinéma Français. Des Anées 1960 Aux Anées 2000. Paris: Puf, 2000. Pp. 72-3.
2. Idem, pp. 74-6.
3. Gaulismo é uma postura ideológica baseada nas idéias de Charles de Gaulle, então presidente da França.
4. MacCABE, Colin. Godard. A Portrait of the Artist at 70. London: Bloomsbury Publishing, 2004. Pp. 201-2, 399n14. 


28 de mar. de 2011

A Nudez no Cinema (VII): Jean-Luc Godard






(...) Crer não
significa mais crer e
m
outro mundo
, nem num
mundo transformado
. É
apenas
, simplesmente,
crer no corpo”

Gilles Deleuze
(1)




A Que
m Pertence a Minha Carne?

A história todos conhecem, José terá de acreditar que Maria fala a verdade. Ela está grávida, mas não traiu sem marido e sequer deixou de ser virgem. Em Je Vous Salue Marie (1985), Godard nos apresenta uma Maria moderna. Ela tem um namorado chamado José e trabalha num posto. Mas o José não escapa, ele terá de passar pela prova até acreditar que a carne de Maria foi tocada apenas pela Providência. O anjo Gabriel que veio trazer a “boa nova” também é muito pouco convencional, é grosseiro e até violento. Ela vai ao ginecologista e sua virgindade é atestada. José não pode mais suspeitar que Maria o tenha traído com outro homem. Tudo que ele pede agora é que ela o deixe ver e tocar seu corpo. Maria permite, mas só uma vez. A criança nasce e, ainda criança, vai embora. José visivelmente nunca se acostumou com aquela dádiva divina. Enquanto isso, outra história se desenrola concomitantemente. Nela um professor (que apesar de casado namora uma de suas alunas, Eva) tenta convencer seus ouvintes de que a vida foi trazida para o planeta terra por extraterrestres. (todas as imagens são de Je Vous Salue Marie)





Perseguição e
censura à Je Vous
Salue Marie mundo afora demonstram que a Igreja ocidental não se encontra
tão afastada do Estado
quanto deveria





O tema já foi reeditado inúmeras vezes, mas talvez a hipótese de Godard tenha sido a menos convencionam até agora. Em certo momento do filme, Maria lê em voz alta um trecho sobre a carne: “Creio que o espírito atua sobre o corpo, o transfigura, o cobre com um véu que o mostra mais belo do que é. Pois o que é a própria carne? Alguém pode vê-la e só sentir nojo. Pode vê-la caída, bêbada ou morta, no caixão. O mundo está cheio de carne como a prateleira do vendedor fica cheia de velas na chegada do inverno. Mas só quando leva uma vela para casa e a acende que ela lhe dá algum conforto”. Entretanto, enquanto seus detratores falavam de pornografia, protestavam e censuravam o filme mundo cristão afora, Godard se ocupava em se questionar sobre como representar o irrepresentável - seria muito simples para o cineasta apenas copiar as maquiagens e guarda roupas padrão. Evidentemente, o Vaticano não gostou.


O Ventre Livre de Maria





Alguns padres
podem até nã
o saber,
mas seu objetivo é dominar
os corpos dos fiéis
. Por isso
esse filme de Godard
incomodou tanto






Não é a primeira vez que o ventre feminino está no centro de um filme de Godard, já houve pelo menos duas aparições, em Uma Mulher é Uma Mulher (Une Femme Est Une Femme, 1961) e Uma Mulher Casada (Une Femme Mariée, 1964). Lançado em 1985, Je Vous Salue Marie pertence há outro tempo. Barthélemy Amengual afirma que o que moveu Godard foi uma ruptura que ele detectou entre o sexo e a maternidade (2). Do ponto de vista de José, a questão não é se Maria foi fecundada artificialmente ou se ela é mesmo a Virgem: só existem pais adotivos. Como chama atenção Amengual, Cristo sempre foi representado nu (ou pelo menos seminu), mas Maria não (o máximo que ela poderia ficar era grávida). Os renascentistas banalizaram a virgem ao dar-lhe traços de uma flor da estação, de uma fazendeira ou de uma amante. Godard não se limita ao rosto, ele oferece também o corpo dela. Escândalos religiosos à parte, Godard laiciza Maria através de um delicado processo de sacralização do nu através de um registro profano. O corpo deve permanecer desejável e não ser desejado (é o lugar do espectador), ser desejado, mas não ser desejável (é o lugar de José).





“O prazer de ter um
filho não coincide mais

com o prazer sexual”

Godard (3)





Nós enxergamos quase tudo de Maria, seus lábios, olhos, pele, seios, pelos púbicos, bunda, pernas, joelhos e barriga de grávida. Mas José não pode possuí-la, pois ela lhe impôs a abstinência como única forma de possuí-la. José deve se satisfazer em comer a beleza dela, sua alma. Maria se torna para ele uma espécie de paisagem que se transfigura através das estações do ano, a água, o céu, os campos, as árvores, a lua e o sol. Resta a José o amor platônico? Aqueles que amam geralmente são capazes de suportar quando a cara metade engordar, fica impotente, enlouquecer ou cometer crimes. Mas o que se pede a José é que seja capaz de amar a mãe casta e um filho que não é dele. “É preciso ter confiança”, repete Maria (o que lhe havia dito uma criança que acompanhava a bizarra versão godardiana do anjo Gabriel que veio dar a boa nova). Amengual se pergunta se é loucura pretender ser virgem e mãe, afinal o amor louco não confessa sua loucura? Outra parte do corpo de Maria que chama muita atenção está na cena final. Sua boca ou, mais exatamente, seus lábios em super close-up.


A Boca e os Seios de Maria





Para Godard, seio
é coisa séria
, mas o
traseiro nem tanto







Maria está entrando no automóvel quando um homem a chama e diz, “eu a suado, Maria”, e vai embora. Ela entra no carro e hesita por alguns instantes em passar o batom vermelho fálico nos lábios. A seguir, em close, vemos um buraco negro com a borda vermelha. É a boca de Maria, talvez a imagem que ela via de sua boca pelo espelho retrovisor. Mas bem que parece um grito sem som – o silêncio de Godard? Boca-vagina ou vagina-boca, mas a boca conduz ao ânus e não à vagina (“é preciso colocar a bunda na cabeça”). De acordo com Amengual, sodomia (o sexo anal) assombrava o “período carnal” de Godard, começando por Número Dois (Numéro Deux, 1975). Amengual se questiona novamente, será que nos abalamos com a idéia de que todas as Marias permaneceriam virgens (e castas?) caso se enganassem de buraco? Na década de 80 do século passado, as novas técnicas de reprodução fizeram da mulher um vaso, uma portadora, um receptáculo para um feto, foi quando Godard virou sua câmera na direção da alma imortal, do amor e do mistério da sexualidade não assumida.





José já era pai
de um filho que não
era seu quando recebeu permissão para ver e
tocar o corpo
de Maria





Segundo Alain Bergala, o cinema de Godard nos anos 60 era visualmente muito pudico (4). A nudez de suas atrizes prediletas será tratada com respeito, nos sete filmes em que dirigiu Anna Karina ele nunca pediu que ela mostrasse os seios para as câmeras. Parece que havia um tabu para Godard naquela época, filmar o traseiro de uma grande atriz não era um problema muito grande, mas pedir que mostre os seios era uma ofensa grave. Em Uma Mulher Casada, onde existe alguma nudez, não vemos os seios de Charlotte. Em Masculino-Feminino (Masculin Féminin, 1966), Paul reage mal quando uma mulher pergunta se ele quer ver os seios dela – ou talvez porque ela cobrou por isso... Na série em vídeo France/tour/détour/deux/enfants (1977-8), no segundo episódio vemos um corpo nu de mulher grávida, mas a cabeça e os pés estão fora do quadro. Em Salve-se Quem Puder (a Vida) (Sauve Qui Peut (la Vie), 1979), a humilhação de uma prostituta se focaliza sadicamente em seus seios. Mais adiante, uma jovem que pretende se prostituir mostra os seios para a irmã, mas a imagem é tão rápida quanto um piscar de olhos. Décadas depois, em Je Vous Salue Marie, José se torna obcecado pelo desejo de ver e tocar Maria nua – embora no caso dele seja a única opção que resta, e mesmo assim só vai acontecer uma vez.


Pintar a Paisagem da Carne






“Não se sabe mais
filmar,
não se sabe mais olhar”
(5)

Declaração de Godard em 1985, ano
de lançamento de Je Vous Salue Marie





Por várias vezes Godard emprega a metáfora do trabalho dos cineastas como pintores. Mas Jacques Aumont afirma que apenas a partir de Passion Godard foi mais explícito em relação à sua própria função de pintor. Aumont destaca aí muitas citações: Ingres, Delacroix, Rembrandt, Goya. Porém, o mais importante, disse Aumont, é que aí são mostrados não quadros, mas quadros se fazendo e se desfazendo. Por outro lado, Aumont acredita que filmes como Je Vous Salue Marie e Salve-se Quem Puder (a Vida) tem uma relação mais forte com a pintura. No primeiro deles, Godard se esforça para produzir imagens, para escapar do domínio da linguagem, para levar ao máximo o cinema para a esfera da visualidade. Essa seria a intenção de Godard segundo Aumont, para quem Je Vous Salue Marie não é um filme preocupado em descobrir como representar a graça ou o sagrado. Em O Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou, 1965), Ferdnand faz um comentário sobre o odor da morte na paisagem, nas árvores, nos rostos das mulheres e nos carros. E, afinal, se pergunta Aumont, como fazer com que a morte seja sentida numa paisagem? Será que é a mesma coisa que fazer com que seja sentida num rosto? (6)




Je Vous Salue Marie
evidencia o classicismo
e romantismo do pintor
Godard
: mostrar o corpo
que expressa paixões (7)






O importante, conclui Aumont, é o contorno deliberadamente pictórico que o pensamento toma. A propósito de Salve-se Quem Puder (a Vida), Godard se pergunta como filmar uma paisagem de costas. De acordo com Aumont, tal questão só pode significar que comumente a paisagem é pintada-filmada de frente. Mas por que é assim? É como, geralmente, falamos com alguém, olhando para seu rosto – será que Aumont inclui aqui o rosto do outro que vemos em nossa mente quando falamos ao telefone ou por e-mail? É como se a paisagem tivesse uma fisionomia, tivesse um rosto. Aumont evoca o tema expressionista do rosto-paisagem, mas ele acredita que Godard está menos preocupado com o rosto da paisagem num sentido amplo (suas “rugas” e “caretas”), do que com a hipótese de que a paisagem também nos olha – ela devolve o olhar. Toda essa digressão de Aumont é mostrar segundo ele que Godard está no território do eterno dilema do cinema: mostra ou deixar ver. Godard, na opinião de Aumont, sonha em fazer os dois ao mesmo tempo. Je Vous Salue Marie mostra menos e deixa ver mais. “(...) O que mostro só existe através do olhar que lanço, mas gostaria que o vissem assim, sem que tivesse de mostrá-lo” (8).


Filmar Virginalmente Maria






Afinal, como
se film
a uma virgem?
E a
Virgem?







Na opinião de Bergala, um dos momentos mais tensos filmados por Godard era duplo. Primeiramente, José deve ser capaz de olhar Maria nua, seu ventre, seu sexo, sem apetite sexual - da mesma forma como se olha para uma paisagem, uma campina, uma flor. Ao mesmo tempo, o próprio Godard deverá ser capaz de produzir essa imagem de Maria nua, que o espectador também deveria poder ver com o olhar inocente da uma primeira vez – como se aquele corpo nunca tivesse sido filmado antes e o espectador nunca tivesse visto isso antes. Bergala explica que esse tipo de coisa se tornou muito difícil de realizar em 1985, uma época em que a nudez já estava cercada por todos os lados pelas revistas, pela publicidade, pela pornografia. No curso dos anos 80, com Je Vous Salue Marie e Passion (1982), Godard tentará filmar uma cena de amor impossível de ser filmada. O cineasta estava convicto de que não sabemos mais mostrar corpos porque aceitamos a lei da pornografia. Curiosamente, a primeira coelhinha da Playboy norte-americana tenha aparecido completamente nua no mesmo ano da assinatura do tratado que deu fim à guerra do Vietnã em 1973 (9) – a agonia ainda levaria dois anos. O açougue é o mesmo, saem os corpos destroçados no campo de batalha, entram os corpos dóceis.


Como filmar
a Criação e a nudez
numa
época em que o
corpo pornográfico captura
a percepção e a pró
pria sensibilidade do
espectador?



Philippe Dubois se refere a um cinema maneirista de Jean-Luc Godard durante a década de 80, onde as citações de pintores da história da arte que o cineasta fazia em seus filmes se transformaram noutra coisa. De Salve-se Quem Puder (a Vida) a Nouvelle Vague (1990), a citação de mestres da pintura dá lugar (ainda existam citações, embora menos ligadas agora à arte dos séculos XIX e XX) à pintura como um efeito do próprio filme. Este “efeito-pintura” se desdobra nos filmes posteriores de Godard, especialmente na “trilogia do sublime”: Passion, filme chave para essa questão, onde os “quadros vivos” exploram as possibilidades; Carmem de Godard (Prénom Carmem, 1983), onde a figuração da pintura se dá na metáfora modulada entre a música e o mar e na retomada das cenas a partir dos movimentos musicais (os personagens vão se inspirar num movimento dos quartetos de cordas de Beethoven para coreografar um assalto a banco); Je Vous Salue Marie, no enfrentamento da questão da Criação, desdobrada na questão da representação do irrepresentável (como uma flor? Uma paisagem? O céu? Um astro celeste?) (10)





Acompanhamos
as tentati
vas de Godard
para filmar a carne
. Como
fazer isso sem filmar
pornografia?





Para Dubois, em Uma Mulher é Uma Mulher e Je Vous Salue Marie os planos tentam filmar o corpo desejante, o apelo de amor do ventre feminino. O primeiro é um filme cômico, apresentado assim nos momentos iniciais pelo próprio Godard: “Angela quer uma criança imediatamente. Como muitas mulheres, ela poderia ter desejado ir à Marselha de uma hora para outra, ou comprar um vestido de cem mil francos, ou comer um doce de chocolate, e assim por diante... Um desejo súbito, pelo qual ela teria preferido morrer do que não o satisfazer. O que é completamente idiota. Mas, enfim, é assim: uma mulher é uma mulher”. Sozinha no quarto, Angela coloca um travesseiro sob o casaco e se olha no espelho “grávida” – o ventre “cheio de graça”. Mas o segundo filme era mais complicado para Godard, como filmar a Virgem? Como filmar o impossível? Je Vous Salue Marie é, de acordo com dubois, o momento em que Godard chega mais próximo de “filmar virginalmente, sem violação nem violência, o corpo de uma mulher, num como a verdade e grávida de ninguém” (11).


“(...) É a famosa seqüência em que Maria, que se sabe grávida e virgem que compreendeu e aceitou este fato incrível, deixa José vir até ela para que ele tente, por sua vez, compreender e aceitar, e para que ele possa, enfim, vê-la nua e manifestar seu amor. A cena é complexa e comporta mais de vinte planos (...) antes de chegar àquele, célebre, do ventre nu de Maria oferecido à mão de José, que se retira. O trabalho que fará José nesta seqüência se confunde exatamente com o trabalho que Godard deve efetuar para chegar a fazer este plano do ventre de Maria: trajeto da recusa à aceitação, reviravolta, retraimento. O amor é o recuo. Para ver, é preciso renunciar ao toque. Só ao aceitar isto sem resistência é que José poderá enfim aceder à inocência primeira, que lhe permitirá (e a nós) olhar de frente, num plano magnífico de simplicidade (não oferecida, mas conquistada, arrancada ao sofrimento no termo de um ultrapassamento de si), este ventre nu, ainda pequeno, mas cuja curvatura bem marcada transforma no arredondado de lua clara, este umbigo luminoso, esta pele aveludada da virgem grávida” (12)




Notas:

Leia também:

Jean-Luc Godard, o Pierrô?
As Mulheres de François Truffaut (I)
O Rosto no Cinema (II), (V), (VI)
A Nudez no Cinema (I), (II), (III), (IV), (V), (VI), (VIII)
Suicídio é Pecado Mesmo?
Arte do Corpo: Carolee Schneemann e o Olho/Corpo
O Silêncio de Pasolini
Ingmar Bergman e a Prisão do Espírito
O Silêncio de Jacques Tati
François Truffaut e Seus Livros
O Silêncio de Hitchcock
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto

1. DELEUZE, Gilles. Cinema II. A Imagem-Tempo. Tradução Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1990. P. 208.
2. AMENGUAL, Barthélemy. Je Vous Salue Maria. In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque, 1991. P. 216-7.
3. Idem, p. 216.
4. BERGALA, Alain. Godard. In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs). Op. Cit., pp. 169-70, 175-6.
5. AUMONT, Jacques. O Olho Interminável [Cinema e Pintura]. Tradução Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. P. 230.
6. Idem, pp. 218, 228-9, 230.
7. Ibidem, p. 232-3.
8. Ibidem, p. 230.
9. Ibidem, p. 175.
10. DUBOIS, Philippe. Cinema, Vídeo, Godard. Tradução Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Pp. 253-4.
11. Idem, pp. 151, 154.
12. Ibidem, p. 155.

Postagem em destaque

Herzog, Fassbinder e Seus Heróis Desesperados

 Entre Deuses e Subumanos Pelo menos em seus filmes mais citados, como Sinais de Vida (Lebenszeichen, 1968), T ambém os Anões Começar...

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