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Roberto Acioli de Oliveira

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29 de mai. de 2008

O Rosto no Cinema (VI): Béla Balázs e o Close-Up


“Antes [do Close-Up] você
olhava  para  sua  vida  como um
ignorante musical que fosse a um concerto
escutava uma orquestra tocando uma sinfonia.
Tudo  que  ele  escuta  é  a  melodia básica,
todo o restante está embaraçado
num   murmúrio   geral”


Béla Balázs


O húngaro Béla Balázs foi poeta, escritor e também um crítico e teórico do cinema. Começou a escrever durante a época do cinema mudo. Em 1945 escreve O Close-up e o Rosto do Homem, onde sugere que a imagem aproximada, seja de um objeto, uma parte do corpo ou, especialmente, do rosto humano, mudou nossa percepção do mundo. Foi Balázs que reescreveu o significado de termos como fisionomia e alma, liberando-os de sua carga tanto científica positivista (no primeiro caso) quanto de idealismo espiritual (no segundo caso). Ele procurava pelo rosto que mostrasse a alma (1).

Partindo de um elogio ao cinema mudo, Balázs afirma o poder do close-up. Com a invenção do cinema pudemos olhar para o mundo com outros olhos. Pudemos ver aquilo que sempre esteve debaixo de nossos olhos, mas nunca havíamos percebido. Uma imagem mais aproximada de objetos, elementos da natureza, do nosso corpo.

O close dos gestos de uma mão nos mostra essa mão de outra forma. Ela adquire uma expressividade que antes não possuía. Ainda que o interesse pelo close-up possa parecer uma preocupação naturalista com o detalhe, ele é contemplativo, revelando as intimidades da vida mais a partir do coração do que dos olhos (2). Os close-ups revelam a carga dramática de uma conversa entre duas pessoas filmadas inicialmente em plano médio. Poderemos ver dedos hesitantes remexendo um pequeno objeto – como o sinal de uma tempestade interior. Uma porta entreaberta, uma sombra que passa, o mundo explode em significados. (acima e ao lado, dois inquisidores de Joana d'Arc)

O cinema mudo às vezes exagerava a importância do close-up, sucumbindo à tentação de mostrar “a pequena vida escondida” como um fim em si mesmo. Isso significa estabelecer um divórcio entre as imagens e os destinos humanos dos protagonistas, onde uma “poesia das coisas” tomava o lugar das pessoas. Como nos antigos textos de Homero, são as ações humanas que deveram estar em primeiro plano, a descrição de objetos devendo acontecer apenas enquanto estes tomam parte nessa ação (3).

Os close-ups nos filmes constituem poderoso instrumento de um antropomorfismo visual. Criamos um mundo à nossa imagem, os objetos apenas refletem uma expressividade que lhes foi emprestada pelas expressões humanas neles projetadas. Portanto, afirma Balázs, quando o close-up levanta o véu de nossa incapacidade perceptiva e nos mostra a face dos objetos, o que ele nos mostra é o homem. Mais importante do que a fisionomia das coisas foi descobrir a face humana.

“A  expressão  facial  é  a  mais  subjetiva
manifestação do homem, mais subjetiva ainda
do que a fala, porque o vocabulário e a gramática
estão sujeitos a convenções e regras mais ou menos
válidas universalmente. Enquanto a representação
dos traços do rosto [...] não é governada por regras
objetivas,  ainda que  seja em  larga medida uma
questão de imitação. O close-up torna objetiva
essa  que  é  a  mais  subjetiva  e  individual
das   manifestações   humanas”   (4)


Quando assistimos um objeto em close-up sendo apanhado por uma mão, sabemos que ela pertence a um ser humano. Entretanto, a expressão facial de um rosto é compreensível em si mesma, é como se ela não existisse no espaço e no tempo. Ainda que tenhamos visto o dono de um rosto no meio de uma multidão, ou alguém caminhando ao longe, quando o rosto deles é projetado tão próximo que podemos olhar direto em seus olhos, não nos importa mais onde eles estão. Por isso se pode afirmar que a expressão e a significância do rosto não têm relação com o espaço (acima e ao lado, imagens do povo durante a execução de Joana d'Arc na fogueira).


Não estamos mais na dimensão do espaço, mas da fisionomia. O fato de que uma expressão facial pode ser vista no espaço – lado a lado estão os olhos no topo, orelhas ao lado, a boca abaixo - perde toda essa referência espacial quando vemos emoções, temperamento, pensamentos - coisas que nossos olhos podem ver, mas que não estão no espaço. As expressões faciais aparecem no espaço, mas o significado das relações entre elas não é um fenômeno pertencente ao espaço. Elas são como quadros que vemos fora do espaço. Esse o efeito psicológico da expressão facial (5) (imagem ao lado, mais um inquisidor de Joana demonstrando compaixão).

É muito mais difícil mentir com o rosto do que com as palavras. Na opinião de Balázs, embora uma prática disciplinada possa levar ao controle das feições do rosto, um close-up poderia mostrar o que parece ser um mentiroso. Quando Balázs escreveu seu artigo, o monólogo não era mais bem considerado no teatro. Passou a ser considerado artificial, não natural. Ele considerou uma perda para o teatro, mas lembrou que ao mesmo tempo o cinema mudo trouxe o monólogo silencioso, onde um rosto pode falar através de suas mudanças sutis de significado. Balázs acredita que isso não será visto como artificial pelo público (ao lado, tendo suas correntes sobre a Bíblia mas jurando falar a verdade, e abaixo, imagens de Joana d'Arc). No filme, o monólogo do rosto fala mesmo quando o herói não está sozinho. “A significância poética do monólogo é que ele é uma manifestação de solidão mental e não física” (6). Esse monólogo da solidão, segundo Balázs, não é tão expressivo no palco do teatro quanto pode ser através do close-up no cinema.

Balázs se refere também a uma “polifonia da representação dos traços do rosto”: expressões contraditórias num mesmo rosto. Mas isso se perde um pouco (ou muito) no filme sonoro, cuja ênfase na fala tende a esmagar a expressão facial. Nos últimos anos do cinema mudo, continua Balázs, o monólogo silencioso foi elevado ao máximo de sua potência. O close-up passou a determinar a quantidade de película que seria utilizada para o restante do filme. Na opinião de Béla Balázs, foi em A Paixão de Joana D’arc (La Passion de Jeanne d’Arc, 1928) (todas as imagens deste artigo), filme dirigido pelo cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer (1889-1968), que podemos ver essa apoteose do close-up definitivamente consagrado. Muitas centenas de metros de filme mostram apenas close-ups onde são travadas as batalhas de Joana pela vida. De acordo com Balázs, de uma vez por todas, foi através deste filme o cinema mudo apresentou um drama do espírito melhor do que jamais qualquer palco conseguiu.

Leia também:

O Rosto no Cinema (I): Efeito Kuleshov
O Rosto no Cinema (II): Prisão do Olhar?
O Rosto no Cinema (III): Ingmar Bergman por Gilles Deleuze
O Rosto no Cinema (IV): Ingmar Bergman por Jacques Aumont
O Rosto no Cinema (V): Joana, entre Dreyer e Godard
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
As Mulheres de Luis Buñuel

Notas:

1. BALÁZS, Bela. The Close-Up and The Face of Man. IN DALLE VACCHE, Angela (ed.). The Visual Turn: classical film theory and art history. New Jersey: Rutgers University Press, 2003. Pp. 15-6.
2. Idem, p. 118.
3. Ibidem, 119.
4. Ibidem, p. 120.
5. Ibidem, p. 120-1.
6. Ibidem, p. 121. 


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