A crítica questionava a opção do cineasta italiano Luchino Visconti pelo melodrama. A crítica de esquerda não admitia que o cineasta pudesse representar o mundo de forma diferente dos cânones comunistas. Visconti respondeu em 1948, defendeu a liberdade de fantasiar e protestou contra uma política cultural que considerava reacionária e burguesa. Essa crítica, afirmou o cineasta, não suporta a dissonância e persegue uma harmonia artificial: “teremos de acreditar que até o advento do socialismo não devemos tocar música, ou pintar, ou compor versos?” (1)
Não ficam atrás as reações da crítica dita especializada em relação a outro italiano, Michelangelo Antonioni. O Grito, seu filme de 1957, foi duramente criticado. A esquerda achou que um proletário como aquele que é retratado no filme não poderia ter crises existenciais como aquela da qual Antonioni o faz padecer. Em 1985, Aldo Tassone faz o seguinte comentário a respeito desses comentadores: “O Grito encontra uma acolhida glacial entre os críticos. Pode-se dizer que este é um caso digno de figurar numa antologia dos erros da crítica italiana” (2).
Federico Fellini foi muito criticado por seu A Estrada da Vida (1954). Os marxistas capitaneados por Guido Aristarco (diretor da revista Cinema Nuovo) criticavam os valores religiosos esboçados no filme. Aristarco via A Estrada da Vida como uma traição ao Neo-Realismo. Do outro lado da polêmica, André Bazin dizia que Fellini partia de um realismo de caráter social (o contexto do filme é a Itália vivendo a economia problemática do pós-guerra), e progressivamente parece querer revelar a ambigüidade do mundo (3). Entretanto, quando muito, e mesmo assim apenas algumas poucas críticas, contextualizam os filmes em relação à sociedade de onde surgiram. Devemos buscar uma contextualização também do discurso daqueles que pretendem julgar as capacidades dos realizadores desses filmes - cujo texto consultamos e deveríamos citar.
Guido Aristarco foi um historiador do cinema com orientação marxista que chefiava um grupo que desejava transformar, através de uma visão programática para todo o cinema italiano, o interesse que havia então em mostrar a Itália real (do pós-guerra) de forma realista. Queriam substituir o tom católico da cultura Italiana de antes da guerra pela ideologia marxista do pós-guerra. Consideravam o cinema uma arma numa batalha de ideologias, e iriam opor-se a qualquer filme bem sucedido nas bilheterias que ignorasse o que consideravam ser as preocupações sociais e econômicas mais urgentes no período do pós-guerra ou aquelas que incorporassem uma visão de mundo não materialista. Diretores como Visconti e De Santis proclamavam-se marxistas, entretanto as demandas mais dogmáticas para um “realismo” no cinema que incitasse a agitação para mudanças sociais na Itália viriam primariamente dos intelectuais (4).
A pergunta que se pode fazer é: até que ponto Aristarco ou Bazin ou os marxistas ou os Conservadores, além de supostamente conhecerem as demandas das sociedades em que viviam, conheciam também o cinema e suas particularidades (e até que ponto consideravam que seria necessário conhecer)?
O diretor sueco Ingmar Bergman é mais incisivo em sua crítica aos críticos. A coerência de sua reclamação é incontornável: como alguém que não conhece a história do cinema pode condenar ou enaltecer este ou aquele filme ou diretor? Numa entrevista de 1964, ele só admitiu ler as observações dos franceses do Cahiers du Cinema.
“Eu desisti de ler aquilo que é escrito sobre mim ou sobre meus filmes. Não tem sentido irritar-se. A maioria dos críticos de cinema sabe pouquíssimo a respeito de como um filme é feito, possui muito pouco conhecimento geral sobre filmes ou cultura. Mas estamos começando a receber uma nova geração de críticos de cinema que são sinceros e conhecedores de cinema. Como alguns dos jovens críticos franceses – então eu leio. Eu não concordo sempre com aquilo que eles tem a dizer a respeito de meus filmes, mas pelo menos eles são sinceros. Sinceridade eu gosto, mesmo quando é desfavorável a mim”. (5)
O italiano Bernardo Bertolucci reclama da invasão de Hollywood por um cinema avesso a riscos. Um cinema feito por homens de negócio, visando apenas o lucro. Isso faz com que, em sua opinião, os filmes de Hollywood estejam ficando cada vez mais desinteressantes. O problema, completa o cineasta, é que esse tipo de modelo americano invadiu os cinemas do mundo todo e quem foge disso está virtualmente eliminado da distribuição – que também está nas mãos dos americanos. E, como disse Bertolucci, um filme que não foi visto é como um bebê que não nasceu: “Quantas pessoas viram os filmes de Bresson, quantas pessoas viram, no Ocidente pelo menos, os filmes de Mizoguchi ou os filmes de Dreyer?” (6)
Some-se a isso o exército de críticos de cinema que em todos esses países trabalham para os distribuidores americanos e/ou para jornais de grande circulação cujo interesse é o poder econômico desses distribuidores. A pergunta então é: como confiar nas palavras desses críticos? A outra pergunta seria: como se pode descobrir para quem um crítico trabalha? Pelos convites para encontros internacionais (e as mordomias ligadas aos eventos) de críticos e Festivais? De que adianta um crítico “arrotar” que está voltando do Festival de Berlin, ou Cannes, ou Hollywood, se sua tarefa se resume a dizer que gostou ou não gostou desse ou daquele filme? Será esta então a função de um crítico de cinema? Vomitar uma opinião pessoal ao mesmo tempo que não é capaz de dizer nada sobre como trabalha o diretor do filme, ou como tal filme se encaixa na história do cinema?
Julgando pela opinião do próprio Bertolucci, fica bem mais fácil ser crítico de cinema quando só existem filmes americanos banais para assistir, pois basta o sexto sentido de uma comadre que não entende nada de cinema e a certeza burguesa de dinheiro no banco no final do mês. Fica bem mais fácil ser crítico de cinema quando te pagam para destruir as carreiras dos outros e você não precisa saber nada sobre a história do cinema.
Notas:
Leia também:
1. Do artigo que Visconti publicou em Rinascità, semanário do partido comunista, em 1948 IN ROHDIE, Sam. Rocco e Seus Irmãos. Tradução Elianne Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. P.59.
2. TASSONE, Aldo. Antonioni. Paris: Flammarion, 2007 [1985]. P. 36.
3. QUINTANA, Àngel. Federico Fellini. Paris: Cahiers du Cinema, 2007. P. 30.
4. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. New York: Cambridge University Press. 2002. Pp. 44-5.
5. Entrevista de Bergman para a revista Playboy [edição americana], em 1964.
Disponível em: http://www.bergmanorama.com/playboy64.htm Acessado em 01/05/2008.
6. Entrevista de Bertolucci a John Tusa (sem data).
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/radio3/johntusainterview/bertolucci_transcript.shtml Acessado em: 01/05/2008.
3. QUINTANA, Àngel. Federico Fellini. Paris: Cahiers du Cinema, 2007. P. 30.
4. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. New York: Cambridge University Press. 2002. Pp. 44-5.
5. Entrevista de Bergman para a revista Playboy [edição americana], em 1964.
Disponível em: http://www.bergmanorama.com/playboy64.htm Acessado em 01/05/2008.
6. Entrevista de Bertolucci a John Tusa (sem data).
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/radio3/johntusainterview/bertolucci_transcript.shtml Acessado em: 01/05/2008.