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Roberto Acioli de Oliveira

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3 de jun. de 2009

O Rosto no Cinema (IX): Brigitte Bardot


“Se apenas
cada homem que
vê meus filmes não
tivesse a
impressão de
que pode fazer amor
comigo, eu estaria
bem mais feliz”

Brigitte Bardot

Os Olhos da Imaginação

Infelizmente, ou felizmente, um elemento chave quando se fala em Brigitte Bardot é seu corpo todo. Ou, mas exatamente, sua nudez. Mas o corpo de certas atrizes como que resiste ao apelo de uma nudez pornográfica. Podemos vê-los nus, mas a excitação que ele causa é diferente, não é animal, mecânica ou compulsiva. Por essa razão, mesmo que os filmes onde certas atrizes são apresentadas sejam ralos e sem gosto, a presença da figura, da imagem, daquela mulher torna aquele veículo cinematográfico ralo algo irrelevante. Ainda assim, mesmo que ela seja tão imagem quanto todo o cenário do filme, sua silhueta se destaca. E não necessariamente pelas cenas de nudez. Talvez, especialmente, exatamente, porque ela está vestida! Existe uma fronteira entre o pornográfico/erótico e o sensual que faz toda a diferença (todas as imagens deste artigo provém de O Desprezo, Le Mepris, direção de Jean-Luc Godard, 1963)

Barthélemy Amengual faz uma distinção entre nu e nudez (1). O “nu” enquanto categoria estética não pode ser confundido com a “nudez”, categoria anatômica e fisiológica. O nu é sempre uma nudez vestida/desnudada, uma transfiguração. Mas o que desnuda o nu? No cinema, tudo pode cobrir e descobrir a nudez: a água, o vento, o ritmo, uma atitude, a luz, a cor, o diálogo. A voz, ou mais exatamente a palavra, pode facilmente desnudar um corpo muito mais completamente do que as mãos. Ele pode ser desnudado por um personagem enquanto ele explica para outro aquilo que está vendo com seus olhos ou sua imaginação. Neste caso, a palavra pode mesmo desnaturalizar a imagem (do corpo) que nós estamos vendo no momento que nós deixamos que a fala de um personagem a respeito desse corpo se interponha entre ele e nossa percepção dele.

As asas da imaginação fetichista,
patriarcal e
misógina

Ingmar Bergman chega a criar essa situação em Persona (1966), quando a personagem de Bibi Andersson descreve minuciosamente sua aventura sexual com um rapaz numa praia. Enquanto conta a história, ela está vestida, mas nós conseguimos desnudá-la utilizando suas próprias palavras como nossas "mãos". Da mesma forma, Bardot estava vestida na cena de E Deus Criou a Mulher onde um motorista chama atenção de seu passageiro para o pescoço daquela mulher. Ele diz que o pescoço dela canta. E nós o vemos cantar. No século XVI existiu um gênero poético chamado Brasão (Blason). Consistia numa descrição detalhada, elogiando ou satirizando alguém ou um objeto.

No cinema essa operação consiste em recortar os corpos. Queira ou não, quadro a quadro, filme a filme, cada cineasta constrói seu próprio brasão do corpo (2). Em O Desprezo, Godard cria o seu no diálogo entre Camille /Brigitte Bardot e Paul - note-se que Godard intercalou o vermelho, o branco e o azul, as cores da bandeira francesa.

Camille: Vê meus pés no espelho?
Paul: Sim.
Camille: Acha que eles são bonitos?
Paul: Sim... Muito.
Camille: E meus tornozelos... Você gosta deles?
Paul: Sim...
Camille: E dos meus joelhos, você gosta também?
Paul: Sim... Eu gosto muito dos seus joelhos.
Camille: E minhas coxas?
Paul: Também.
Camille: Vê minha bunda no espelho?
Paul: Vejo.
Camille: Acha que tenho uma bunda bonita?
Paul: Sim... Muito. [...]
Camille: E meus seios, gosta deles?
Paul: Sim, muito.[...]
Camille: O que você prefere? Meus seios ou o bico dos meus seios?
Paul: não sei, gosto dos dois.
Camille: E meus ombros, gosta deles?
Paul: Sim.
Camille: Acho que não são muito arredondados.... E meus braços?
Paul: Sim.
Camille: E meu rosto?
Paul: Também.
Camille: Todo? Minha boca... Meus olhos... Meu nariz... Minhas orelhas?
Paul: Sim, tudo.
Camille: Então, você me ama inteira!
Paul: Sim. Eu amo você inteira, delicadamente, tragicamente.
Camille: Eu também, Paul.

Notas:

1. AMENGUAL, Barthélemy. Parlé In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. P. 275.
2. Blason In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Op. Cit., p. 59.

2 de jun. de 2009

O Rosto no Cinema (VIII): Brigitte Bardot





“Você tem
que ter uma razão
para amar?”


Brigitte Bardot pergunta






O Corpo Fala

A revelação do corpo nu de Brigitte Bardot é um cenário que muitos homens e mulheres montaram em suas mentes durante a bardolatria – 1950-1970. Tudo que desejavam era ver aquilo que uma mulher evita até o último instante: a nudez total. Os idólatras de Bardot queriam alcançar com os olhos o fragmento que sempre faltou nesse quebra-cabeça do corpo dela, retalhado pelas estratégias do desejo e da sedução: o último pedaço de pele ainda não tocado pelo olhar (1). François Truffaut apontou uma série de falhas em E Deus Criou a Mulher, mas nada que supere o principal: Brigitte Bardot. Em sua opinião, o filme não tem nenhuma vulgaridade, como se poderia esperar pela cooptação da imagem desta mulher por um mercado pressionado pela busca do lucro. Muitos consideraram o filme indecente, mas Truffaut não viu nada disso. Além do mais, os “filmes eróticos” dos quais ele pode se lembrar, como alguns do cineasta sueco Ingmar Bergman ou do italiano Bernardo Bertolucci (talvez se refira, respectivamente, à Mônika e o Desejo e O Último Tango em Paris), eram pessimistas demais para se igualar ao erotismo que se podia encontrar na Literatura. Embora Truffaut admita que a crueza das imagens coloque problemas mais árduos que a crueza das palavras (2).



“O problema
com o futuro é
que está
sempre
arruinando
o pres
ente”

Brigitte Bardot




De acordo com Yannick Dehée, na década de 50 do século passado, a França era uma nação conservadora que começa a se descongelar. Brigitte Bardot foi um dos elementos que fez subir a temperatura. Ela é a França que se liberta das convenções. Suas aparições em E Deus Criou a Mulher e Amar é Minha Profissão (En Cas de Malheur, direção Autant-Lara, 1958) estabelecem o escândalo da nudez assumida enquanto símbolo de uma sexualidade moderna, sã e sem complexos (segundo os critérios masculinos). Com seus modos e seu jeans, Bardot derruba os velhos mitos femininos enfiados em vestidos para noite. Seu caráter pessoal transparece nos filmes, assim como seus cabelos e lábios. Tudo isso contribui até mesmo para uma revisão do significado da palavra “erotismo”. Dehée chega mesmo a afirmar que houve uma identificação entre Bardot e Marianne, a figura feminina que representa os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa – ela personifica a Mãe Pátria, imortalizada pelo pintor Eugène Delacroix. Marianne-Bardot não é mais uma atriz, mas um símbolo da República. O corpo de Bardot não lhe pertence mais, pois ele se torna propriedade nacional. No fundo, pouco importa as opiniões políticas de Bardot (3).



Francesa tipo

exportação. Um corpo
sem complexos





A Boca nos Olhos da Boca dos Olhos de Bardot...






O que nos fascina
num rosto é sua nudez
.
Muitas vezes a maquiagem
acaba cobrindo aquilo
q
ue pretendia expor



De modo geral, no Ocidente que se diz tão liberado quando comparado a outras culturas, a visão de corpos adultos nus cria muitos constrangimentos. O desconforto se estende àquela parte do corpo que está sempre nua, mesmo quando estamos bem cobertos: o rosto. Neste lugar do corpo temos olhos, nariz, bochechas, queixo, pescoço e... boca. Podemos falar horas e horas sobre o corpo de Bardot, mas basta uma pequena observação para se chegar a um acordo sobre a fascinação que nos causa seu rosto – no fundo qualquer rosto. O rosto é como um brasão que mostra tudo sobre nós. Não necessariamente porque alguns têm maior ou menor capacidade de controlar suas feições, mas porque ele está sempre nu. A fascinação com a nudez do rosto é inversa à fascinação com o corpo vestido – que muitas vezes pode ser mais sedutor do que o corpo nu. As culturas cobrem os lábios com as mais variadas cores, supondo que elas irão fazê-los ainda mais atraentes, ou ainda deixar mais explícita a ligação simbólica entre lábios da boca e vagina.


Entre a beleza
nua e crua e
a fa
bricada,
uma mulher




Em sua ânsia de lucro, a indústria da moda soube muito bem capitalizar o batom, impondo seu uso àquelas mulheres que não pretendem ou não estão dispostas a questionar aquilo que a sociedade convencionou chamar de "beleza". Mas talvez nada supere o lábio em suas cores naturais - a cor de sua nudez. Talvez, o lábio precise ser visto nu, porque ele é um elemento do rosto – que está sempre nu. Às vezes, o batom vermelho de Bardot tira de seu rosto a naturalidade que só encontramos em sua nudez – quer dizer, num lábio sem maquiagem. Por outro lado, para alguns a simples visão da boca não é suficiente. Na opinião de Jacques Aumont, a boca é falsamente poética, já que através dela podemos ouvir palavras mentirosas (4).



Um rosto se basta!
Entretanto, os mercados da moda
e do cinema parecem não perceber
o que isso significa. Ambos tendem
a banalizar o rosto


O cinema, às vezes, em sua ânsia de lucro, sem perceber descamba para o pornográfico. Ao invés de sublinhar essa nudez essencial do rosto, faz dele um espaço entulhado de clichês. Daí o excesso de maquiagem, as caras e bocas. O rosto de Bardot, e o rosto em geral, não precisam disso. Um filme mudo de Carl Dreyer, A Paixão de Joana d’Arc (La Passion de Joanna d’Arc, 1928) é a prova disso. Um filme todo em closes, uma atriz sem maquiagem, e no final não sabemos mais quem chora, Joanna ou Falconetti (a atriz) (5). Godard lembrou disso quando fez a Nana de Viver a Vida (Vivre as Vie, 1962) entrar num cinema e chorar junto com Joanna/Falconetti na tela. Brigitte Bardot é maior do que os filmes em que atuou. Do contrário, em qual deles encontramos em seu rosto a nudez do rosto de Falconetti? Na media em que o rosto é deixado totalmente nu, não há necessidade de mostrar o resto do corpo para que um filme nos mostre o que aconteceu com um personagem.


Entre tenso e intenso,
nosso rosto espera
pacient
emente que
aprendamos a utilizá-lo



Por outro lado, um rosto muito carregado (de maquiagem), aquele que expressa sem cessar, perde tudo ao mesmo tempo: seu erotismo, sua inocência, sua nudez. Os rostos do cinema mudo tinham um pouco (às vezes demais) essa limitação, que se estendeu aos primeiros anos do cinema falado – o rosto de Greta Garbo em algumas cenas de Rainha Cristina (Queen Christina, direção Rouben Mamoulian, 1934). Mas foi também através dessa profusão de máscaras que Charles Chaplin ou Buster Keaton puderam encontrar algo da nudez do rosto. Certos momentos dos rostos de Ingrid Bergman (antes dos filmes com Rossellini) ou de Jeanne Moreau estão encalhados num erotismo muito fácil. Paradoxalmente, dando-se totalmente nus, não se pode desnudá-los mais, não chegando verdadeiramente ao erotismo: sua própria humanidade é excessiva, sobrecarregada (6).

Encontre-se em seu rosto, apesar de só conseguir olhar para ele através do espelho

O rosto de Brigitte Bardot surge nesse universo cinematográfico onde não se sabe muito bem o que fazer com os rostos – só se sabe que eles vendem! O rosto possui todo esse poder de ser insuportavelmente humano. Na opinião de Aumont, o cinema não desconfia disso. A nudez se instalou no rosto porque ele é o lugar do humano, e não porque ele vende. Talvez por isso muitos cineastas não olhem para o rosto de fato, senão veriam outras coisas. Embora se dê muita atenção aos olhos quando se fala de rosto, a boca talvez desempenhe um papel mais decisivo. Se assim não fosse, não teria havido desde o cinema mudo a preocupação que houve por parte das ligas dos bons costumes e a censura com relação ao beijo na tela grande. Os olhos podem ser as janelas da alma, mas a boca é subversiva! O olhar de uma atriz lançado na direção do público, ainda que cause um estranhamento, não se compara ao constrangimento de alguns com a visão em tamanho gigante de duas cabeças ligadas por bocas abertas e línguas que se enroscam. A imagem da boca de Bardot, no fundo, seduz mais do que se a indústria cinematográfica tivesse pela força do dinheiro conseguido mostrar o sexo dela.



“Vivo como o pintor
com a Mona Lisa
: em calma
por fora; mas por dentro
a fremir na ânsia intensa
de um dia surpreender
em teu sorriso tua alma”

Gilberto Amado
Tua Boca [fragmento]




Notas:

1. FLEISCHER, Alain. Brigitte Bardot In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. Pp.44-51.
2. TRUFFAUT, François. Os Filmes de Minha Vida. Tradução Vera Adami. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1989. Pp. 17-8 e 344-6. E edição original é de 1975, a resenha do filme de Vadim é de 1957.
3. DEHÉE, Yannick. Mythologies Politiques du Cinéma Français. Des Anées 1960 Aux Anées 2000. Paris: Puf, 2000. Pp. 126-7.
4. AUMOUNT, Jacques. Visage In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Op. Cit., pp. 399-400.
5. Idem.
6. Ibidem.

1 de jun. de 2009

O Rosto no Cinema (VII): Brigitte Bardot




“O homem não
olha
, simplesmente;
mas em seu olhar
está contido o poder
de ação e de posse
que faltam ao
olhar feminino”

Elizabeth Ann Kaplan (1)







“A Juliette em E Deus Criou a
Mulher
sou exatamente eu. Quando
eu estou na frente da câmera
, sou
exatamente eu mesma”
(2)

Brigitte Bardot



A Bomba Sexual

Em 1956 aparece um filme, E Deus Criou a Mulher (Et Dieu... Créa la Femme, direção de Roger Vadim). Subitamente, as atrizes da maioria dos filmes que vieram antes foram cobertas pela sombra de um mito. Apesar de mito, ela é de carne e osso: Brigitte Bardot. Apesar de ser considerado o ponto de partida da Nouvelle Vague, o filme talvez não tenha nenhum outro mérito que o de servir de veículo para essa mulher que era chamada de bomba sexual. Quem sabe poderíamos dizer o mesmo em relação aos filmes protagonizados por Marilyn Monroe. Não importa, pois talvez ninguém estivesse vendo os filmes realmente. Eles cumpriram seu papel de veículos para uma substância especial, um remédio – pelo menos para os olhos masculinos e alguns femininos.

“O código francês não mais inclui a obediência entre os deveres da esposa”, assim começa “A Caminho da Libertação”, 4ª parte de O Segundo Sexo, famosa obra de Simone de Beauvoir sobre a mulher. Escrito em 1949, Beauvoir já dizia que nenhuma conquista feminina será efetiva sem independência econômica. Neste particular, podemos dizer que Bardot conquistou um espaço. Em Brigitte Bardot and the Lolita Syndrome (1959), Beauvoir afirma que Bardot é uma materialização do eterno feminino no filme dirigido por Vadim e analisa o destruidor poder erótico dela na combinação mulher fatal/ninfeta (3). Beauvoir argumenta que o filme (ela deve estar se referindo ao lançamento apenas) fez menos sucesso na França do que nos Estados Unidos, porque os homens norte-americanos eram menos ameaçados pela liberdade sexual imposta pelo comportamento de Bardot do que os franceses. A imprensa francesa fez uma série de artigos acusando-a de imoralidade.

Bardot acreditava e pregava o amor livre e não usava sutiã. “Como Juliette em E Deus Criou a Mulher, afirmou Beauvoir, uma mulher confusa, sem casa e prostituta, Brigitte parece disponível a qualquer um”, escreve Beauvoir, “mas ainda assim, paradoxalmente, intimidante... Existe algo obstinado em seu rosto emburrado, em seu corpo firme... Não existe nada grosseiro sobre ela. Ela possui um tipo de dignidade espontânea...” Jean-Paul Sartre ressaltou o fato de Bardot virar o nariz para roupas elegantes, jóias, cintas, perfumes, maquiagem e todo o artifício. Disse também que seu andar é brincalhão e que um santo venderia sua alma ao diabo para vê-la dançar (4). Bardot foi a primeira verdadeira estrela de massa francesa. Mas tudo nela era diferente do que as revistas de moda procuravam. As roupas que não combinavam e o cabelo despenteado eram de uma espontaneidade que não existia na época como um exemplo a ser seguido. O estilo de Bardot mostrou-se inadaptável à representação do feminino no cinema francês tradicional.



Após décadas de
holofotes
, que homem
desejou saber quem era
a mulher por trás
daquele rosto?



Por outro lado, mesmo que E Deus Criou a Mulher seja considerado o marcou inicial da Nouvelle Vague, para os cineastas desse Movimento Brigitte Bardot acabou por representar a cultura de massas contra a qual eles lutavam (5). Bardot já era conhecida nas revistas de moda, sua carreira cinematográfica, embora modesta, era copiosa – de 1952 a 1956, ela participará de 15 filmes. Não se trata aqui de julgar os cineastas que dirigiram os filmes de Marilyn ou de Bardot. A questão aqui é Bardot! Seu jeito de ser e seu corpo talvez tenham mesmo mudado a forma como o público olha para as atrizes na telona. Não apenas no sentido sexual, mas também em algo mais amplo, pois Bardot era uma mulher de seu tempo, seu corpo pertence a ela! Nas palavras de Jean Douchet, Bardot anunciou uma era de liberalização que, em vinte anos, derrubará sucessivamente todos os tabus da vida social e cinematográfica (6).




Mais um

objeto/mulher?
Mais um mito
lucrativo?






Um dos cineastas que trabalhou com Bardot foi Jean-Luc Godard. Para alguns, O Desprezo (Le Mépris, 1963) não é o filme mais godardiano de Godard. Novamente, não importa. Um dos méritos de Godard neste filme foi o de não pedir a Bardot que interpretasse Camille, mas à Camille para ser Bardot (7) (imagem acima). Segundo Carole Desbarats, foi apenas por pressão dos produtores do filme, chamados pejorativamente por Godard de Mussolini (Carlo Ponti) e King Kong (Joseph E. Levine), que Bardot aparece nua. Eles se contentariam com um “nu clichê”, mas Godard foge disso e dos estereótipos da pornografia, sem esquecer os estereótipos das cenas de amor. Tanto que Godard só filmará a cena com Bardot na cama após o término das filmagens. Na famosa cena, Camille, deitada nua de barriga para baixo, pergunta a seu parceiro se ele ama: você ama minhas pernas, minha boca, etc. Assim fazendo, é como se Godard vestisse a nudez dela com palavras! E são as palavras que levantam o véu da carne. Ele vestiu o nu com o verbo (8). Um ponto para Godard! Os produtores não seriam capazes de perceber isso, assim como muitos espectadores.

Mais uma
mulher que se
curvou aos clichês
machistas?


Como lembrou Raoul Coutard, naquela época era difícil ver as bundas das donzelas, eis o porquê da insistência dos produtores. Mesmo estando muito contrariado, Godard encontrou tempo para fazer uma piada. Na cena em que Bardot está tomando sol nua no terraço de Villa Malaparte sob o sol de Capri, podemos ver um livro pousado em sua bunda cujo título é: “entre sem bater”. Não preciso dizer que um dos produtores (o King Kong) não achou que as nádegas dela apareceram o suficiente (9).(*)

Notas:

(*) O Rosto no Cinema (VI): Bela Bálazs e o Close Up encontra-se no arquivo de maio de 2008.

1. A Mulher e o Cinema. Os Dois Lados da Câmera. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. P. 54.
2. Comentários de Bardot disponíveis em:
http://www.geraldpeary.com/essays/abc/bardot.html Acessado em: 26/05/2009.
3. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo (Tomo II). Tradução Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960. P. 449. A citação do artigo sobre Bardot é do livro de Ursula Tidd. Simone de Beauvoir. London/New York: Routledge, 2004. P. 45.
4. Ver nota 2.
5. SUTLIEFF, Lisa. Brigitte Bardot and the French New Wave How a Blonde Bombshell Triggered a Cinematic and Social Revolution. Disponível em:
http://film-history.suite101.com/article.cfm/brigitte_bardot_and_the_french_new_wave 13/07/2008. Acessado em: 26/05/2009.
6. DOUCHET, Jean. Nouvelle Vague. Paris: Cinémathèque Française/Hazan, 1998. P. 145.
7. Idem, p. 146.
8. DESBARATS, Carole. Le Mépris In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. P. 237-8.
9. TASSONE, Aldo (org). Que Reste-t-il de la Nouvelle Vague? Paris: Éditions Stock, 2003. P. 76.

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