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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de mar. de 2015

Lindsay Anderson e a Coisa Pública



(...)  Garotos cantando um salmo, [em seguida leitura do] Livro
de  Deuteronômio  –  ‘para  que  vivais e entreis e  possuais a terra
que  o  senhor  Deus  de  vossos  pais vos dá’  uma das passagens
 usadas pelos britânicos como justificativa do imperialismo (...)” 

Cena inicial da 4ª parte de se...,  durante culto na igreja.  Nota-se o tipo de ideologia 
“educacional”  a  que  eram  submetidos  jovens  e  adolescentes de um país acostumado 
a   acreditar   que   Deus   lhe   deu   o   direito  de  invadir   as   terras  dos  outros (1)

Era uma Vez uma Escola Pública...

Final da década de 1960 do século XX, estamos no início do ano letivo num colégio público inglês, onde menina não entra. Antigos e novos alunos chegam, logo sendo recebidos com humilhações e bullying – bem mais velhos, os monitores, especialmente Rowntree e Denson, eles próprios ex-alunos, são os primeiros a exercitar sua capacidade de subjugar aqueles que não podem reagir. Com o silêncio que parece ser parte de sua personalidade, Phillips retorna com seu material e recebe uma “cantada hostil” de outros alunos antigos – a homossexualidade é evidente na escola, mas a regra hipócrita-machista básica é seguida à risca: punição aos que de algum modo assumem o risco. O colégio é cheio de regras disciplinares e seu cotidiano está intimamente ligado às forças armadas britânicas e a religião (uma igreja bem no meio do campus garante o canto diário de hinos e a confissão dos pecados a um padre com olhar libertino). Na sala de estudos, apelidada “sauna”, os garotos confraternizam e são informados de mais regras: qual comida pode ser guardada, onde colocar os livros, onde colocar a pornografia. Nas paredes, cartazes com mulheres, o guerrilheiro cubano Che Guevara e o índio apache Gerônimo, que lutaram contra o exército dos Estados Unidos. Do currículo podemos ver aulas da racional matemática (curiosamente, ministrada pelo padre), história, latim, jogos de guerra e esportes (rúgbi, esgrima...), embora fique a impressão de que a disciplina mais cobrada seja a construção de personalidades capazes de obedecer ao superior hierárquico sem discutir. (imagem acima, Travis testando esta forma de morrer; abaixo, Jute olha para o capelão quando este afirma durante o sermão que os soldados que porventura desertarem serão condenados por Deus)


(...) Qualquer um que tenha estado numa
 escola pública inglesa, irá sempre sentir-se
comparativamente  em  casa  na  prisão”

Evelyn Waugh, Declínio e Queda, 1928 (2)

Mick Travis, Wallace e Johnny Knightly voltam a se encontrar, velhos conhecidos que irão virar a escola de pernas para o ar. Passeando na cidade próxima, cujo acesso noturno lhes era proibido pelas regras, quando deveriam estar assistindo a uma partida de rúgbi na escola, Travis rouba uma motocicleta e dispara com Johnny. No caminho encontram uma lanchonete e Travis tem uma estranha relação com a garota que trabalha ali. Uma vez que se trata de uma escola pública do então moribundo Império Britânico, os jogos de guerra têm como objetivo explícito o treinamento militar e a doutrinação ideológico-religiosa que justifica um suposto direito da Inglaterra invadir o mundo. Durante um desses treinamentos, os três amigos são punidos porque estavam juntos quando Travis desafiou a autoridade do padre e o atacou como um inimigo. Eles encontram armamentos na faxina que foram obrigados a fazer, era o que faltava para o trio por em prática as ideias de Travis a respeito da guerra e da revolução. Um belo dia, o general Denson está enaltecendo a tradição quando todos são expulsos do local por uma fumaça que vem do palco. Lá fora, são recebidos com a artilharia do exército de Travis. (imagem abaixo, inspeção da enfermeira em busca de problemas)

Os Cruzados e os Coloridos...


(...) O  outro  aspecto  que  me  atraiu,  eu acho,  foi  o  grau  em  que 
uma escola é um microcosmo  particularmente na Inglaterra, onde o sistema educacional é uma imagem tão exata do sistema social (...)

Lindsay Anderson, 1968 (3)

Se... (if....) estreou m 1968, e foi o segundo longa-metragem do cineasta britânico Lindsay Anderson (1923-1994). Temperado pela alta dose de arrogância dos monitores (ou, simplesmente, arrogância britânica?), o cotidiano de humilhações e bullying enfrentado pelos alunos traça um quadro desanimador das escolas públicas inglesas, já às portas da década de 1970 do século passado. Embora não seja um documentário, se... não é apenas um filme de ficção, tendo raízes na história de vida dos roteiristas e do próprio Anderson. Os filmes de Ken Loach, outro cineasta britânico contemporâneo de Anderson, farão eco a se..., especialmente Kes (1970), onde um menino é submetido às mais variadas humilhações (seus colegas de turma também), aplicadas inclusive pelo próprio diretor da escola – a esse respeito, o comportamento do professor de educação física poderia até parecer um exagero de filme de ficção, especialmente para aqueles que não conhecem o sistema educacional inglês de então. Anderson se aprofunda na questão da transmissão dos valores morais e éticos (incluindo a hipocrisia), através do sistema de educação pública britânico. Filmes assim tornam compreensíveis e verossímeis algumas letras do disco The Wall (1979), lançado pela banda britânica Pink Floyd - especialmente a música título. Se... chama atenção também pela quantidade de vezes que passamos da imagens colorida para preto e branco, levando alguns a imaginarem que isso separe a realidade e a fantasia de Travis (embora a cena do padre na gaveta, que é colorida, pareça uma fantasia), outros sugeriram falta de recursos financeiros do cineasta. O cineasta esclareceu na introdução do roteiro publicado:

“Quando Shelagh Delaney e eu estávamos trabalhando no roteiro de The White Bus [(1967)], que também era um filme poético, movendo-se livremente entre naturalismo e fantasia, lembro-me de sugerir que seria legal ter tomadas aqui e ali, ou sequências curtas, a cores (sendo um filme em preto e branco). A ideia também agradou a Miroslav Ondricek [o diretor de fotografia em se..., que Anderson trouxe do Cinema Novo Tcheco], e nós fizemos isso. Quase ninguém viu The White Bus, mas eu gosto muito do filme e acho que a ideia foi bem sucedida. Foi esse precedente que me deu a confiança – quando Mirek disse que com nosso orçamento (para lâmpadas) e nosso cronograma ele não poderia garantir consistência de cor nas cenas no interior da capela em se... – para dizer, ‘Bem, vamos filma-las em preto e branco’. Em outras palavras, não foi (é claro) apenas uma maneira de poupar tempo e/ou dinheiro. O problema do roteiro parecia ser chegar a uma conclusão poética a partir de um começo naturalista. sentimos que variação na superfície do filme poderia ajudar a criar a necessária atmosfera de licença poética, enquanto preservava um estilo de filmagem direto e bem clássico, sem truques ou recriminações. Eu também acho que, num filme dedicado à ‘compreensão’ [como denotado na citação no começo do filme], o empurrão à consciência fornecido por tal mudança de cor bem poderia trabalhar um tipo de saudável Verfremdungseffect [efeito de alienação], uma incitação ao pensamento, que era parte de nosso objetivo. E finalmente: Por que não? A cor não fica mais expressiva, mais notada se chamar atenção dessa maneira? A coisa importante para compreender é que ali não existe nenhum simbolismo envolvido na escolha das sequências filmadas em preto e branco, nada expressionista ou esquemático. Apenas fatores tais como intuição, padrão e conveniência” (4) (imagem abaixo, os monitores, com Rowntree à frente)


(...) Esta parece para mim uma das funções
 do artista, talvez a mais importante, profetizar.
 Assim    como    a    função   mais    importante
 de um crítico não é julgar, mas interpretar” 

Lindsay Anderson, 1968 (5)

O desgosto do cineasta com o cinema que se fazia na Grã-Bretanha o levou a descobrir o novo cinema que surgia na Europa continental e na Índia, em meados da década de 60 do século passado. Numa de suas viagens à Polônia, Anderson leva consigo o primeiro tratamento de um roteiro intitulado Cruzados, que David Sherwin havia escrito em 1960 (aos dezesseis anos de idade) com seu amigo de escola, John Howlett – ambos estudaram em escola pública inglesa, Tonbridge; fundada em 1553, é uma das poucas que até hoje só recebe alunos do sexo masculino. A dupla se inspirou em seus dias de escola e, parcialmente, na admiração a um amigo comum, Michael Mason. Encorajado por Anderson (que considerou o primeiro tratamento imaturo, mal construído, romântico e adolescente), Sherwin reescreveu o roteiro com a ajuda de sua namorada e Howlett – o protagonista já se chamava Mick Travis. Ao retornar da Polônia, Anderson mexeu no roteiro, sua contribuição foi encorajar Sherwin a romper com a estrutura naturalista, reescrevendo o projeto nos termos de um épico - não o hollywoodiano, mas o brechtiano. Contudo, a principal influência de Sherwin nesse momento foram peças épicas de Georg Büchner (1813-1837), Woyzeck e A Morte de Danton. Outra influência, desta vez pelo lado de Anderson, foi Zero em Comportamento (Zéro de conduite: Jeunes diables au collège, 1933), o filme de Jean Vigo sobre a vida num internato de meninos que termina num dia de protesto (6).


“Eu vejo o filme como uma  ilustração  do que pode
acontecer quando as pessoas negam a realidade (...)

Lindsay Anderson, 1968 (7)

Mas Anderson não pretendia simplesmente reproduzir o filme de Vigo, apenas utilizar sua estrutura: sucessão de cenas poéticas, frequentemente sem nenhuma conexão narrativa particular. Desde o começo do trabalho com Sherwin, Anderson tinha a intenção de construir o roteiro em termos épicos, ao invés do estilo narrativo, bem ao gosto da tradição britânica. Anderson acredita que em geral as pessoas se esquecem (ou não reparam) que se... não é um trabalho convencional, seja em termos do conteúdo ou da estrutura do filme (a estrutura narrativa vai se tornando mais forte apenas na segunda parte). Desde o primeiro encontro entre Anderson, Sherwin e Howlett, já se concluía que o final do filme deveria se transformar num cataclismo gigante. Inicialmente, revelou o cineasta, ele pensou numa visão do colégio em ruínas fumegantes – era uma ironia adicional que Brian Jones, fundador dos Rolling Stones, falecido em 1969, fosse natural de Cheltenham. seguramente, lembrou Anderson, o clímax de se... é muito mais violento do que Zero em Comportamento. As cenas do passeio de motocicleta e com a garota na lanchonete não possuem paralelo no filme de Vigo, muito menos a descoberta do feto humano debaixo do palco. Enquanto Sherwin repensa o roteiro, Anderson volta à Polônia e, em 1967 (com única estreia apenas em 1973, nos Estados Unidos), realiza um pequeno filme de vinte minutos sobre uma escola de teatro e música, The Singing Lesson. Cenas dos estudantes cantando são intercaladas com imagens da vida cotidiana polonesa – na opinião de Sutton, nesse caso a escola parece menos um microcosmo da sociedade circundante do que um oásis. O filme termina com o professor se juntando à dança e ao canto, quase como o próprio Anderson, no final de Um Homem de Sorte (O Lucky Man!, 1973), filme que realizou após se...


“A primeira sequência da Sauna termina com uma tomada
do jovem Markland tirando pêssegos embrulhados de uma caixa, 
cheirando-os  deliciosamente,  e  colocando-os  com  muito  cuidado
 em   sua   mesa.   Cenas   sensuais   assim   desempenham   um   papel 
fundamental  na  formação   da   atmosfera  do  filme.   [Se...]  não  é
um filme ‘irado’ feito por um dissidente; é um filme maravilhoso
feito por um homem que apreciou seus tempos de escola” (8)

Como Anderson sabia que o diretor de sua antiga escola, Cheltenham College, proibiria as filmagens ao ler o roteiro (com todo o bullying, espancamentos selvagens, banhos frios, homossexualidade e massacre do dia do discurso), pediu que Sherwin o reescreve-se com uma ficção só para mostrar a ele – posteriormente, muitos se diriam traídos por Anderson. No começo das filmagens, os alunos que trabalharam como extras não estavam achando um bom negócio deixar o estudo em segundo plano me perder dois fins de semana – o diretor teve de lembrar aos garotos das obrigações do colégio com a produtora do filme! Tendo sido lançado em dezembro de 1968, muitos já se perguntaram se Anderson foi influenciado pelos acontecimentos de Maio de 68, em Paris. Paul Sutton acredita que não, e inclusive questiona a veracidade do relato das memórias do diretor, que afirmam que houve influência. Terminada a primeira exibição do filme em Londres, Anderson subiu ao palco e se dirigiu à plateia: “O resto é com você!”. Se... foi comercializado com imagens do filme dentro de uma granada de mão, enquanto Mick Travis e seu amigo Johnny, de metralhadora em punho, perguntavam: “de que lado você está?”. Sutton não nos deixa esquecer que o roteiro inicial do filme havia sido escrito seis anos antes de Maio de 68, e Anderson não tinha a intenção de fazer um filme “a respeito” dos protestos estudantis. Mas pode-se dizer que o cineasta conseguiu o que desejava há muito tempo: combinar um tema atual com um quadro autêntico de características da vida na Inglaterra, tão frequentemente mal interpretada nos filmes.

“(...) Em 1966, mais de 90 % do Gabinete conservador [do governo inglês] veio das escolas públicas, assim como mais de 40 % do Gabinete do Partido Trabalhista, que o sucedeu. Entre 1963 e 1967, alunos oriundos da escola pública compunham quase a metade da classe administrativa do serviço Civil, em mais ou menos 60 % para o serviço Diplomático”. Em 1967, ex-alunos da escola pública representavam 55% dos almirantes, generais e marechais da Força Aérea, e mais de 65 % dos médicos e cirurgiões do Conselho de Medicina. setenta por cento dos diretores de firmas importantes, 75 % dos Bispos e 80% dos juízes [...] vieram de ‘cinco em cada duzentos cidadãos’ que foram para a escola pública” (9)

Tradição, Anarquia e Bullying...

 
(...) Eu gosto muito de mostrar um mundo pequeno
ou limitado que tem implicações em relação ao mundo
maior,  e  em relação à vida e a existência em geral”

Lindsay Anderson, 1968 (10)

Para Lindsay Anderson, se... é um filme a respeito de autoridade, tradição, liberdade, abordadas com certo senso de humor. A primeira coisa que o atraiu foi o sentimento nostálgico que ele achava que a maioria das pessoas nutre em relação a seus tempos de escola. O filme está dividido em oito partes, originalmente elas seriam indicadas, à maneira de Brecht, através de cartões de título, mas isso foi retirado na montagem final – Anderson admitiu posteriormente que elas teriam sido bastante úteis. Outro fator que atraiu Anderson foi sua constatação de que naquela época as hierarquias presentes no sistema educacional eram como uma imagem reduzida da sociedade britânica. Em sua opinião, se... ilustra o que pode acontecer quando as pessoas dão as costas à realidade, quando a sociedade finge que fatos reais da vida não existem – Sutton observa que o provérbio, antes dos créditos iniciais, ostenta as cores da anarquia: letras brancas, fundo preto, e a passagem bíblica indicada com letras vermelhas. Ainda de acordo com o cineasta, o filme foi profético, no sentido de prever a forma como as coisas aconteceriam – o conflito entre a tradição estabelecida e a liberdade da juventude, a qual estava em ebulição naquela época por todo o mundo (11). (imagem acima, o açoite em Travis, ouvido por todos os alunos; abaixo, o Reverendo praticando seu bullying diário em sala de aula; escutando muito atentamente as questões sexuais de Stephan durante confissão; encolhido como um bebê, apesar do uniforme de homem, ao perder toda a sua autoridade diante do ataque de Travis durante os jogos de guerra)
 

“Os oficiais do  exercito britânico  também
gostavam de  se  divertir  com  o  bullying
 Comentário de Paul Sutton, a partir dos relatos de Anderson a respeito 
de  sua   vida   no  exército  durante  a  Segunda  Guerra  Mundial  (12)

Na primeira cena de bullying, logo depois que a lata de feijões cozidos é jogada de um lado a outro no chão (a primeira frase do filme é um comentário raivoso do dono da lata), encontramos Jute pedindo ajuda para encontrar seu nome no quadro de avisos. Stephans avisa que calouros não falam com veteranos. Do outro lado de Jute, Biles (que é um aluno mais novo, mas não é calouro) reclama que ele está atrapalhando. Logo veremos que Stephans e Biles não são populares no colégio. Sutton sugeriu que sendo rudes com Jute ambos trocam a oportunidade de fazer amizade pela de “subir na vida”: é melhor aplicar o bullying do que ser a vítima. Nessa psicologia, é melhor subir um degrau puxando alguém para trás do que oferecer palavras gentis e uma ajuda. No dormitório Keating, o valentão do grupo, pula sobre Fatso, chamando atenção para a barriga dele aos berros – Fatso reage, em vão (abaixo, lado superior, à esquerda). Os alunos têm na gravata (e no uniforme do time) as cores do colégio, as mesmas da bandeira inglesa - Stephans, líder do dormitório, usa um roupão de banho nas mesmas cores (vermelho, branco e azul). Como a escola é um microcosmo da sociedade britânica, o garoto escocês, Biles, é o alvo do bullying dos alunos ingleses. Em se... verificamos que alunos-funcionários veteranos se utilizam impunemente alunos (chamados “escória”) novos para realizar tarefas pessoais para eles. No começo do filme, Rowntree ordena a Biles que leve seus tacos de golfe e outros objetos para seu alojamento, inclusive ordenando que o garoto “esquente a privada” para ele, que chegará logo. Além disso, também se tornará visível o que poderia ser descrito por Paul Sutton como privilégio de surrar:

“No ano letivo de 1962-63, três em cada cinco internatos independentes possuíam um sistema de ‘trabalho duro’: garotos mais jovens obrigados a fazer tarefas e ‘serviços’ para os garotos mais velhos. Em noventa e uma de novena e oito escolas como essas, outros mestres além do diretor e seu vice tinham permissão de ‘chicotear’ os garotos. Em setenta e uma delas, alunos também tinham o poder de chicotear outros garotos. Em onde delas, esse ‘privilégio’ era restrito ao garoto líder. Em seis escolas, mais de cinquenta garotos tinham o poder e o ‘privilégio’ de aplicar punição corporal. Em doze internatos independentes, o numero de açoitamentos pelos professores excedeu uma centena por ano. Em quatro escolas, excedeu trezentos e cinquenta por ano. Numa escola, o número de espancamentos por mestres e garotos atingiu a média demais de dois por aluno por ano. Eu pessoalmente frequentei uma escola onde um professor muito inadequado regularmente desfrutou o prazer e orgulho de açoitar toda a turma se alguém não ouvisse seu comando para ‘fique quieto’” (13) (imagens abaixo, bullying contra o gordo Fatso, o escocês Biles e o pequeno Jute; a seguir, o professor parece bastante feliz em ganhar o jogo contra um time de garotinhos)


“O bullying de Biles nas instalações sanitárias. Eu acredito
que,   levando  em  conta   o   que  o  filme  está  dizendo,  isso
provavelmente   não   seria  visto  como  sadismo  gratuito”

 John Trevelyan, censor britânico, fazendo sugestões 
de  cortes  e  comentários  em  carta a Anderson (14)

Aliás, em pouco tempo veremos Biles ser carregado à força para o banheiro e amarrado seminu com os pés para cima e a cabeça enfiada na privada até que a descarga seja acionada. Um dos garotos que prendeu Biles foi Keating, que solta um grito durante esse momento de “diversão” que é o equivalente do “Grito de Ódio” que os alunos são incentivados a urrar na hora dos ataques durante os jogos de guerra do treinamento militar que faz parte do currículo, juntamente com os cantos corais na igreja. Sutton chama atenção para o fato de que os cubículos onde ficam as privadas não possuem portas: tudo parte do processo de desumanização escolar. Biles será desamarrado por Wallace depois que os valentões saíram do banheiro, ele estava sentado numa privada tocando violão – primeiro incentivou o bullying, depois reclamou para que os gritos da horda que pegou Biles parassem, provavelmente apenas porque não conseguia mais ouvir seu instrumento. Wallace ajuda, mas não oferece nenhuma palavra de simpatia ou conforto à Biles, novamente não há interesse aqui em certos garotos fazerem amizades com determinados “perdedores”. A sequência termina com a frase deprimente de Biles (com a cabeça e os cabelos molhados com água de privada de colégio público) para Wallace: “Com licença, por favor, você está em cima de minhas roupas”. Mas antes disso já havíamos visto cena mais bizarra durante a aula ministrada pelo padre (a mesma figura cujo olhar lascivo percebe-se noutro momento enquanto ouve Stephans confessando seus pecados):

“(...) O capelão caminha entre os garotos quietos enquanto pomposamente dita uma fórmula, estapeando um deles na parte de trás da cabeça, por nenhuma outra razão senão que lhe agrada, e também por poder utilizar a bofetada como pontuação de sua fala. Com a continuação de seu discurso [...], ele se coloca por trás do novo aluno, Jute, enfia a mão por dentro da camisa dele e torce o mamilo do menino. Para um aluno dos dias atuais essas cenas parecem irreais, mas era lugar comum nas escolas em 1968. Tanto assim que esta cena sequer foi mencionada pelo diretor do Cheltenham College (ou por qualquer crítico contemporâneo) na lista das reclamações em relação ao filme terminado” (15)

No 3º capítulo, chamado “disciplina”, Rowntree coloca em prática sua teoria de que a disciplina será mantida se aos alunos mais refratários à autoridade for imposta uma “lição”. Após o jantar, todos os alunos ouvem quando Travis, Wallace e Johnny são chamados e informados por Rowntree que serão punidos por sua atitude: representam um perigo para a moral de toda a casa. Questionados se tem algo a dizer, Travis desafia Rowntree: “O que eu odeio em você, Rowntree, é a maneira como dá Coca-Cola à sua escória [os alunos que os servem como escravos], e seu melhor ursinho de pelúcia à Oxfam [entidade que surgiu em Oxford com o objetivo de erradicar a pobreza e a injustiça], e espera que lamberemos seus dedos frígidos pelo resto de sua vida frígida”. Rowntree manda que sigam para o ginásio, Wallace e Johnny recebem quatro açoites, Travis receberá dez. Enquanto isso, a câmera mostra os rostos assustados dos alunos escutando o som das batidas – e sendo punidos num nível psicológico. Os outros alunos são inocentes, mas Sutton chamou atenção para o fato, naquela época, a punição de inocentes era estratégia disciplinar aceita e encorajada nas escolas da Grã-Bretanha. A punição de inocentes, concluiu Sutton, é um elemento fundamento do Imperialismo. No final da surra, cada um deles deve cumprimentar Rowntree com um aperto de mãos e agradecer, da mesma forma como quando foram punidos por não respeitar a autoridade do padre durante os jogos de guerra. Ainda na opinião de Sutton, essa atitude é parte da falsidade das “boas” maneiras inglesas: a imagem de um sistema onde um “obrigado”, dito com sinceridade, pode significar “eu te odeio”.

Império Inspirador...


“Não há tal coisa como uma guerra errada.
Violência e revolução são os únicos atos puros [...]
A  guerra  é o último ato criativo possível”

Mick Travis, em conversa com Wallace e Johnny 

Paul Sutton encontrou referências a várias cenas de treinamento militar em se... nos diários do cineasta inglês Lindsay Anderson, quando dividia seu tempo entre estudar em Oxford e se preparar para servir ao país durante a segunda Guerra Mundial – o carro de chá do exército, o tiro de pólvora no líder do pelotão e o ataque ao superior hierárquico. Em 1944, conta o diário, Anderson foi deslocado para a Índia, e acabou tendo uma discussão com o capitão do navio militar em relação aos méritos do escritor inglês Rudyard Kipling (1865-1936), mas especificamente seu poema Se... (escrito em 1895, publicado em 1910), que trata da construção do Homem do Império - começa com: “se és capaz de manter tua calma quando /Todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa...”; termina com: “Tua é a Terra com tudo o que existe nela, e - o que ainda é muito mais - será um Homem, meu filho!”- a primeira ideia para o título foi o poema de Kipling, mais por sugestão da secretária do primeiro produtor do filme, e não de Anderson (16). Anderson criticou o nacionalismo e o imperialismo do poeta, acabou tendo de ouvir mais linhas de Kipling recitadas pelo capitão – o futuro cineasta disse que depois teve de tomar duas aspirinas. Terminada a guerra, Anderson retornou aos estudos e pensou em filmar algo que combinasse um tema atual com um retrato autêntico da vida inglesa. Parece que a inspiração veio quando assistiu ao filme inglês Além das Nuvens (The Way to the Stars; lançado nos Estados Unidos com o título Johnny in the Clouds, direção, Anthony Asquith, 1945) sobre a vida num esquadrão da força aérea britânica durante a guerra, onde todos eram muito decentes e totalmente falsos (17). (imagem acima, sequência final de se...)


Debaixo  do  palco,   Travis   encontra  a  águia  empalhada
(símbolo   dos   Estados   Unidos),   Johnny   a   coloca   diante
do mapa invertido do império britânico. Dá tapinhas nela, talvez
sugerindo   que   não   vai   para   a   fogueira.  A  limpeza  que
 o  diretor  os  obrigou  a  fazer  simboliza  o  final  do  filme

Paul Sutton (18)

No comentário datado de 27 de novembro de 1943 em seu diário, quando ainda servia no exército, Anderson descreve um quadro totalmente diferente do comportamento militar. A desordem entre os oficiais era habitual. A seguir, também critica a atmosfera na faculdade, repleta de gente vulgar e de pouca inteligente. Falou da antipatia pela escola pública para alunos mais velhos, onde imperava um cinismo rasteiro. Poucos dias depois escreveu que oficiais do exército costumavam se divertir aplicando bullying – no caso, o próprio cineasta sentiu-se humilhado com os comentários em voz alta de um superior quanto ao estado, de fato ruim, de seu uniforme. Os whips, monitores de turma em se..., são parcialmente retirados da experiência de Anderson na escola publica e na vida militar. Em 28 de abril de 1946, ele escreveu sobre Além das Nuvens, condenando o que chamou de nauseante santificação presunçosa da inibição inglesa e do preconceito de classe. Em 1947, fundaria em Oxford uma revista de cinema, sequence – de acordo com Paul Sutton, para premiar aqueles cineastas que mereçam e desprezar os filmes ingleses elogiados além da conta. De saída ele criticou a realidade romantizada xarope e predeterminada no cinema britânico de então. Durou quatorze edições, assegurando a Anderson emprego em jornais como Observer, The Times, Sight and Sound e The New Statesman, do qual seria demitido em 1958 ao recusar juntar-se ao louvor midiático por A Ponte do Rio Kwai (The Bridge on River Kwai, direção David Lean, 1957) (que apresenta militares britânicos como seres puros), preferindo comentar a respeito do polonês Geração (Pokolenie, 1955, direção Andrzej Wajda). (imagens abaixo, sob o olhar de Wallace, Travis faz insinuações sexuais durante conversa com a senhora Kemp na hora da refeição; em preto e branco, o passeio da senhora Kemp nua pelos corredores da escola e pelo alojamento dos alunos)


A 7ª parte de se... inicia com a imagem da capela e a leitura da Bíblia, com uma frase bastante conveniente para o colonialismo inglês: “O filho de Deus vai rumo à guerra, uma coroa real à ganhar”. Diante de uma plateia composta pelos alunos com uniformes do exército, passamos à imagem do Reverendo Woods, que segue com o sermão até sua conclusão, afirmando que a pior coisa que um soldado pode fazer é desertar, a única falha, crime e traição sem perdão: “Jesus Cristo é nosso comandante. se o desertarmos não podemos esperar nenhuma piedade. E somos todos desertores”. De qualquer forma, seguindo o dogma cristão de todos nascemos culpados, o padre afirma que todos somos corruptos e todos merecem punição (“todos somos carne a ser punida”). Esta era a preparação para os jogos de guerra que se seguirão (é nessa hora que a senhora Kemp passeia nua pelos corredores vazios). De repente, Travis consegue acertar o Reverendo, que cai no chão implorando pateticamente para não ser atingido pela baioneta do rapaz (devidamente acompanhada pelo grito de ódio, que vem a ser o último som emitido por ele no filme). Por conta dessa ação, Travis, Wallace e Johnny terão de se desculpar (o padre sai de uma gaveta na sala do diretor) e receberão como punição o “privilégio Protestante de trabalhar” – na faxina do espaço por baixo do palco, acabam por descobrir o material bélico que utilizarão no ataque final. Durante os jogos de guerra, Peanuts ensina aos alunos mais jovens que, na hora do ataque, o mais importante é o “grito de ódio” – Paul Sutton sugere que essa poderia muito bem ser uma alusão aos “dois minutos de ódio” praticados periodicamente pelos cidadãos de Oceania em 1984, o romance de George Orwell contra o totalitarismo (19). (imagem abaixo, Peanuts lembra a seus colegas que o grito de ódio não pode ser esquecido e deve ser bem feito, pois é parte integrante do ataque do soldado britânico)


A seguir, no capítulo final de se..., temos o close da bandeira inglesa no topo do colégio e a chegada do general Denson, pai do monitor de mesmo sobrenome, a quem recebe com um cumprimento militar. Já dentro da igreja, todos repetem com o diretor para o personagem em roupas militares medievais: “obrigado, obrigado, Benfeitores”. Segue-se um discurso em que o diretor ressalta a capacidade daquela Academia (que já completou 500 anos de fundação) de ser capaz de mudar para acompanhar os novos tempos. A seguir, curiosamente, em seu discurso o general Denson exalta a qualidade de fazer exatamente o oposto e se entrincheirar na tradição. No momento em que afirma que os britânicos ainda precisam da tradição, a fumaça começa a subir pelo palco. Inflamado com seu próprio discurso (“é seu dever dar direção ao mundo. Essa é a tradição britânica que aprenderam aqui”), o general está tão concentrado em falar do “hábito da obediência” que só percebe quando todos já estão assustados e tossindo, sua sugestão para que saiam em ordem apenas faz explodir o pânico. Do lado de fora, Travis, a garota da lanchonete, Wallace, Johnny e Phillips, estão à espera no telhado e começam a atirar em todos que conseguem sair do prédio. As vítimas iniciam um contra-ataque, o diretor pede uma trégua, mas a garota da lanchonete lhe manda um tiro fatal na testa. O fim do filme não é anunciado, em seu lugar a palavra “se...” aparece no canto direito da tela.

Sexo e Violência...

 
Na 3ª parte de se..., em meio a várias fotografias de mulheres coladas pela parede, acompanhamos um diálogo entre Mick Travis, Wallace e Johnny, o tema são justamente elas. Mas a conversa se inicia tendo a guerra como tema. Nessa conversa sobre sexo e violência os três demonstram falta de conhecimento em relação ao sexo oposto. Wallace diz: “o que me deixa nervoso sobre as mulheres é, você nunca se sabe o que estão pensando”. Johnny responde: não acredito que elas pensem”. As figuras femininas em se... variam entre a enfermeira que lava as roupas de cama e analise a genitália dos alunos, a esposa do diretor que caminha pelada pelos corredores da escola enquanto os garotos estão em atividades ao ar livre e a moça da lanchonete – a primeira imagem que Anderson teve do filme foi o passeio de motocicleta de Travis e Johnny com a garota de pé entre eles (imagem acima; abaixo, o primeiro encontro entre eles na lanchonete). Uma das cenas cortadas da montagem final foi o “sonho da matrona”. Deveria estar no momento em que vemos o diretor e sua esposa (senhora Kemp) na cama, ele canta enquanto ela toca flauta. A matrona sonha que está fazendo amor com um grupo de meninos, enquanto outros garotos correm em sua direção e alguns se agarram a seus seios. 


Na carta do censor Trevelyan havia recomendações para revisar as cenas de nudez no chão da lanchonete entre Travis e a moça, assim como a sugestão para remover a imagem frontal da nudez da senhora Kemp caminhando nua pela escola – o censor acredita que com a imagem do corpo nu dela de costas não haveria problemas. Esta cena fez com que, nos Estados Unidos, a versão sem cortes só fosse apresentada em Nova York. Na Austrália as cenas de nudez foram cortadas, na Itália o filme foi banido (sendo liberado em função de vigorosos protestos na imprensa), enquanto na África do Sul (ainda sob a vigência do Apartheid), foi proibida para os negros (é importante ressaltar que parece ser um negro a empunhar a metralhadora na fotografia que Travis gostava tanto) e muito censurada para os brancos (a cena em que Wallace lambe a fotografia da mulher nua na revista, todos os diálogos com referência à sexo e as imagens de Phillips e Wallace juntos na cama). A cópia mais completa de se... circulava na Alemanha Ocidental, onde era regularmente transmitida pela televisão (20). (imagem abaixo, impassível, Phillips desempenha tarefas esdrúxulas, típicas de sua posição de "escória", a mando de Denson, que por sua vez se considera um digno servidor de seu país)


O festival de misoginia apresentado por Travis, Wallace e Johnny, vem logo após uma conversa entre os monitores, Rowntree, Denson, Barnes e Fortinbras em relação à Phillips, por quem todos demonstram atração sexual. Denson se arma com um pretenso discurso em favor da decência, mas aceita quando Rowntree ordena que Phillips passe a fazer tarefas para o colega. Nas cenas inicias do filme, quando os alunos estão espalhados pelo corredor, assistimos à aplicação do bullying em Phillips, descobrimos então tratar-se do aluno homossexual. Ele terá uma relação consentida com Wallace, a tomada que mostra os dois na cama foi inclusive objeto de preocupação do censor, embora tenha admitido que o fato de os garotos estarem dormindo facilitava a aprovação da cena. Do ponto de vista da crítica britânica em 1968, Patrick Gibbs do jornal Daily Telegraph elogiou o filme, mas disse que se todos aqueles reacionários tivessem sido colocados no cenário de uma universidade contemporânea, teria sido ridículo e a sátira acertaria o alvo. Gibbs procurou desmistificar a questão do homossexualismo, sugerindo que já havia sido feito antes. Citou o retrato de Arnold do Rúgbi, escrito por Lytton Strachey cinquenta anos antes, apesar do romance The Hill, de H. A. Vachell, baseado em Ian Harrow, foi pioneiro na abordagem da homossexualidade adolescente. Desde então, explica Sutton, o fogo tem sido contínuo, porém minguante. Em 1962, David Benedictus apresentou o Eton College, em The Fourth of July, como local de bullying violento, guerra entre alunos e sexualidade. Em 1967, Culbert Worsley lança suas memórias de aluno e diretor. Em 1968, Alan Bennett dirige a peça satírica Forty Years On?, também apresentando uma escola pública. Gibbs considerou que em se... as alusões à homossexualidade são bem dosadas, talvez a única coisa fina naquele mundo brutal. (imagem abaixo, os três Cruzados, Travis, Wallace e Johnny, praticando esgrima, um esporte de elite)

Cinema Livre...


Se...  foi um sucesso na Inglaterra, mas apenas porque a lei
das   quotas   (impondo    a    veiculação    de   certo   número
de produções nacionais) viabilizou a divulgação do filme (21)

seria de se esperar que a reação contra Lindsay Anderson chegasse cedo ou tarde. Entre 1948 e 1954 o cineasta até conseguiu realizar alguns documentários de curta-metragem (dois deles premiados), mas seu trabalho não era requisitado na Inglaterra. Então Anderson contratou o National Film Theatre em Londres e, entre 1956 e 1958, projetou seus próprios filmes e os primeiros trabalhos de “indivíduos comprometidos” (como Tony Richardson, Karel Reisz, François Truffaut e Claude Chabrol). Chamou a isso de Cinema Livre e publicou um manifesto: “Esses filmes não foram feitos juntos, tampouco com a ideia de apresenta-los juntos. Contudo, quando foram reunidos, sentimos que tinham uma atitude em comum. Implícita nessa atitude está a crença na liberdade (...)” (22). Sob a liderança de Anderson, afirmou Paul Sutton, os filmes se tornariam mais intimistas, menos restritos, mais próximos da vida. Mas o cineasta descartou a existência de um movimento ligado aos Angry Young Men (escritores desiludidos com a sociedade britânica tradicional), explicando que apenas houve um período daquilo que poderíamos chamar “ruptura radical”, da qual o Cinema Livre era parte integrante. Em 1957, Anderson ingressa na Companhia English Stage, de Richardson, no teatro Royal Court – ele ficou por lá até 1975 e todo o time que trabalhou em se... foi descoberto ali. Em 1959 leva ao palco serjeant Musgrave’s Dance, peça de John Arden inspirada numa atrocidade britânica cometida na ilha mediterrânea de Chipre. O dado relevante em relação a se... é que na peça existia uma metralhadora, embora fosse um modelo ainda precursor (gatling gun) da arma moderna – que inicialmente Anderson nem queria mostrar (23). (imagem abaixo, Travis ataca o Reverendo durante os jogos de guerra)


“Stanley  Kubrick  assistiu  se...  quatro
 vezes e escalou Malcolm McDowell como
protagonista em Laranja Mecânica (24)

Lindsay Anderson reconheceria muitos traços do Cinema Livre nos filmes do Cinema Novo da antiga Tchecoslováquia, que, apesar de estar situada do outro lado da Cortina de Ferro, podiam-se encontrar filmes que em nada lembravam o Realismo Socialista. De fato, Sutton insistiu que lendo atualmente o artigo que Anderson escreveu em 1965 no The Times a respeito do Novo Cinema tcheco, fica evidente que suas analises estavam se referindo ao filme que ele próprio faria em seguida. The White Bus era a parte que cabia a Anderson de um projeto coletivo com mais dois cineastas, o filme se tornou um modelo para as sátiras épicas da trilogia composta por se..., Um Homem de Sorte e Hospital dos Malucos (Britannia Hospital, 1982). Como futuramente em se..., The White Bus já apresentava uma realidade mergulhada na fantasia e cenas que se alternam entre o colorido e o preto e branco. Há uma cena em que o prefeito (apresentado pelo mesmo ator que fará o papel de professor supervisor em se...) lê o provérbio 4:7 impresso nas paredes da cúpula central da biblioteca pública: “A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria; sim, com tudo que possuis, adquire o conhecimento”. O provérbio reaparecerá antes mesmo dos créditos iniciais em se... (imagem abaixo, a Igreja e o exército juntos no currículo da escola pública inglesa. Há quem diga, hoje em dia, que mistura entre militares e religiosos é coisa de muçulmano fanático e terrorista)

No Contexto da Guerra Fria...


(...) O ataque muito celebrado de Anderson à vacuidade
sociopolítica de seus colegas cineastas foi indiscutivelmente
mais  justificada  em  relação  à  Guerra Fria  do que  quanto
a quaisquer outros  ‘problemas’  que ele identificou (...)

Referência de Tony Shaw ao artigo escrito por Lindsay Anderson, Get Out and Push! (25)

Parcialmente filmado na escola frequentada por Anderson durante a juventude (Cheltenham College), se... ataca diretamente os desmandos do sistema educacional público britânico, e onde a rebelião daquele pequeno grupo de alunos  no final do filme é uma metáfora da própria sociedade daquele país. Em outras palavras, se... foi pensado como ferramenta auxiliar na compreensão do conflito resultante daquela forma de vida na Grã-Bretanha. Enquanto isso, por um golpe do destino, do outro lado do Canal da Mancha os protestos que culminaram no Maio de 68 haviam ocorrido em Paris (o filme foi lançado em setembro na Inglaterra e março e maio do ano seguinte, respectivamente, nos Estados Unidos e na França). Um Homem de Sorte, onde Travis viaja pelo país sempre reencontrando a corrupção, e, Hospital dos Malucos, onde a situação precária do Sistema Nacional de Saúde será a metáfora do declínio britânico, formam uma espécie de trilogia com se.... Embora não constituam uma sequência, vários atores e atrizes reaparecem nos três filmes, especialmente Malcolm McDowell, sempre como o genioso Mick Travis. Só para lembrar, A Chinesa (La Chinoise), do francês Jean-Luc Godard, apareceu em 1967 com uma mensagem bem menos metafórica a respeito do tema da rebelião – embora muitos o considerem um precursor de Maio de 68, Godard mostra o fiasco de certa militância estudantil (26). (imagem abaixo, Johnny cola na parede a fotografia, que agradou muito a Travis, do soldado segurando uma metralhadora, do lado direito, O Grito [1893], do pintor norueguês Edvard Munch)


Apesar do o anticonformismo e do interesse pela esquerda, 
o cinema de Anderson, com exceção de um documentário como
March to Aldermaston (1959),  era estranhamente  mais focado
em filmes do estilo  “cozinha e pia”  do que na  Guerra Fria 

Opinião de Tony Shaw, fazendo referência ao termo associado ao realismo social do final dos
anos 50 e começo dos 60 do século passado, cujo foco era o cotidiano da classe operária (27)

Desencantado com os métodos do cinema comercial britânico, Lindsay Anderson foi buscar inspiração no cinema polonês, alemão, checoslovaco e indiano. Nos seis anos decorridos entre seu primeiro longa-metragem, O Pranto de um Ídolo (This Sporting Life, 1963), e se..., o cineasta viajou muito e procurou livrar-se dos preconceitos e inibições de seu país. Só então foi capaz de realizar um filme a respeito da Inglaterra. É um erro classificar Anderson como um adepto do realismo social (sua meta eram os filmes socialmente relevantes) ou inspirado no movimento dos anos 50, Angry Young Men, embora compartilhasse os objetivos dos esquerdistas no Royal Court Theatre (onde foi cunhado o termo) que pretendiam romper com a camisa de força da nostalgia (especialmente em relação à antiga grandeza e vigor do Império Britânico anterior à segunda Guerra Mundial) e dos preconceitos de classe média impostos ao teatro londrino. Em 1958, Anderson participará da ala de desobediência civil da Campanha para o Desarmamento Nuclear na Inglaterra, e, no ano anterior, em seu artigo Get Out and Push!, já havia repreendido o cinema britânico por sua incapacidade de abordar questões sociopolíticas controversas (28). Em 1967, Anderson realizou The White Bus, uma espécie de modelo para se..., breve retrato de uma morbidez britânica. Em linhas gerais, esta é a breve definição de Paul Sutton em relação à obra de Lindsay Anderson. Sutton disse também que se... é um filme sobre a necessidade de abandonar a creche ou, pelo menos uma sugestão para o que os ingleses deveriam fazer. Sutton remete aqui às palavras do próprio Anderson em Get Out and Push!, o cineasta afirmou que deixar a Europa continental e voltar para a Grã-Bretanha (em 1957) é como voltar para a creche (no sentido negativo da palavra). (imagem abaixo, na parede da sala de estudos, conhecida como “sauna”, as imagens de dois revolucionários, Che Guevara e Gerônimo, ambos lutaram contra os Estados Unidos)


Tony Shaw mostrou como, pelo menos até certo ponto, o cinema inglês desafiou a ortodoxia oficial da Guerra Fria de diversas formas entre 1945 e 1965. Os filmes expressavam a incerteza em relação à sanidade da intimidação nuclear entre os países, questionavam a ideia de uma nova Grã-Bretanha sem classes e insinuaram que elementos no interior da Agência de Inteligência (a CIA dos ingleses) operavam quase como um Estado dentro do Estado. Contudo, era bem mais difícil encontrar nas telas da Grã-Bretanha uma oposição direta à Guerra Fria. De acordo com Shaw, mesmo antes da revolução bolchevique de 1917, a indústria britânica do cinema sempre marginalizou o debate e reforçou o status quo, depois da revolução a coisa apenas piorou, e os grupos de esquerda passam a ser considerados uma força contra o bem estar nacional, sendo excluídos da tela e apresentados como extremistas. Com a derrota dos nazistas alemães em 1945, que, na prática, foram a única barreira para contra a disseminação do Comunismo na Europa, a indústria cinematográfica britânica aprofunda seu antiesquerdismo. Apesar de todas as restrições e inibições impostas ao cinema inglês na década de 1950 do século passado, assunto bastante esmiuçado por Anderson em seu artigo, Shaw afirma que havia bastante espaço para a divergência na indústria cinematográfica britânica, se comparada ao que ocorria nos Estados Unidos e na União Soviética. (29). Em Get Out and Push! Anderson listou uma série de questões ignoradas pelo cinema inglês, deixando evidente sua preocupação com aqueles que controlavam essa mídia:

“Em 1945, costuma-se dizer, tivemos nossa revolução... Entretanto, de acordo com o cinema inglês, nada aconteceu. A nacionalização das minas de carvão; o Sistema de Saúde Pública; ferrovias nacionalizadas; educação secundária compulsória – acontecimentos como esses, que clamam por serem interpretados em termos humanos, não produziram nenhum filme. Nem tampouco muitos dos problemas que nos preocuparam nos últimos dez anos: greves; Teddy Boys [homens ligados ao rock’n’roll e vestidos com roupas em estilo elisabetano]; testes nucleares; as lealdades dos cientistas; a insolência da burocracia... A presença de tropas americanas entre nós passou praticamente despercebida; assim como os mineiros da Itália e os refugiados da Hungria... Devemos questionar a expressividade, e a honestidade, da forma de utilização, desse meio poderoso e essencialmente democrático, que satisfaz àqueles que nos controlam política e financeiramente” (30) (imagem abaixo, a sala de estudos, na parede uma imagem colorida de Che Guevara)

Orwell e a Falta de Educação...


George Orwell foi educado no Eton College,
segundo ele mesmo a mais cara e esnobe dentre
as   escolas   públicas.   Mas  isso  só  foi  possível
porque   ganhou  uma   bolsa  de  estudos (31)

A este respeito, é interessante notar o contexto em que o escritor inglês George Orwell, uma espécie de “sustentáculo literário” da Guerra Fria, se referiu à necessidade de um sistema educacional democrático, segundo ele ainda inexistente na Inglaterra. A revolução e a nacionalização de que fala Anderson foram muito desejadas por Orwell, que escreveu a respeito em The Lion and the Unicorn: Socialism and the English Genius em 1941 (portanto, em plena segunda Guerra Mundial), elencando sugestões para acelerar uma revolução socialista na Grã-Bretanha. Depois de criticar a miopia socialista através dos tempos, Orwell encontrou na segunda Guerra a oportunidade para levar adiante essa mudança estrutural. Era crucial que Hitler fosse vencido, mas admitiu que a derrota imposta pelos nazistas aos ingleses em Dunkerque logo no início do conflito foi um passo importante na direção da revolução (32). Orwell explicou que a revolução já estava em marcha há vários anos, mas que tudo naquele país acontece muito devagar (33). Sugeriu também um programa de seis pontos, que incluía a nacionalização de bancos, minas e indústria (a que se referiu Anderson); limitação dos rendimentos (a distância entre o mais pobre e o mais rico não deveria exceder dez para um); aliança com os países vítimas do Fascismo; elevação da Índia ao status de Domínio com poder para se tornar independente da Inglaterra depois da guerra; formação de um Conselho que representasse os “povos de cor” no Império (este item, assim como o anterior, está em rota de colisão com as palavras do general Denson, um representante da tradição). O item que toca mais de perto o filme de Anderson é a necessidade de uma reforma democrática do sistema educacional inglês:

“Em tempo de guerra, a reforma educacional deve ser mais promessa do que desempenho. No momento, não estamos em posição de elevar a idade para deixar a escola ou aumentar o corpo docente das escolas elementares. Mas existem certas medidas imediatas que podemos tomar na direção de um sistema educacional democrático. Poderíamos começar abolindo a autonomia das escolas públicas e das antigas Universidades, inundando-as com alunos patrocinados pelo Estado, escolhidos simplesmente com base na habilidade. No presente, a educação da escola pública é parcialmente uma espécie de imposto que a classe média paga às classes superiores em troca do direito de ser aceita em certas profissões. É verdade que essa situação está mudando. As classes médias começaram a se rebelar contra o elevado custo da educação, e a guerra levará à falência a maioria das escolas públicas caso continue por mais um ou dois anos. A evacuação também está produzindo algumas mudanças menores. Mas existe o perigo de que algumas das velhas escolas, com capacidade para aguentar a tempestade financeira por mais tempo, sobreviverão, de uma forma ou de outra, como centros purulentos de esnobismo. Quanto às dez mil escolas ‘privadas’ que a Inglaterra possui, a grande maioria delas merece ser extinta. São apenas empreendimentos comerciais, em muitos casos seu nível educacional é inferior ao das escolas elementares. Elas existem apenas devido à ideia muito difundida de que há algo de vergonhoso em ser educado pelas autoridades públicas. O Estado pode acabar com essa ideia declarando-se responsável por toda a educação, ainda que no início não seja mais do que um gesto. Necessitamos de gestos, assim como de ações. Está demasiado óbvio que nossa conversa de ‘defender a democracia’ é uma bobagem enquanto for um mero acidente de nascimento o que decide se uma criança superdotada irá ou não receber a educação que merece” (34)


(...) Educação  na Inglaterra  é como uma
Cinderela núbil [em idade de casar], parcamente
vestida e muito atrapalhada com isso (..)

Comentário do diretor do colégio, se..., 2ª parte

Comentando a respeito de sua origem, Orwell esclareceu que era oriundo de uma família de classe média padrão: com muitos soldados, padres, funcionários do governo, professores, advogados, doutores. O escritor recebeu uma bolsa de estudos, o que permitiu que fosse educado no Eton College, que ele definiu como uma escola cara e esnobe. Não se trata exatamente de uma escola pública no sentido amplo ou nacional do termo, Orwell explicou que se tratava de uma escola secundária exclusivista, dispendiosa e residencial. Até recentemente, disse ele em 1947, eram admitidos apenas os filhos das famílias aristocratas ricas. Orwell contou ainda que era o sonho dos novos ricos do setor bancário no século XIX colocar seus filhos numa escola pública – muita pressão era colocada nos esportes, que constituem, por assim dizer, uma perspectiva senhorial, embora cavalheiresca. Eton estava entre elas. Comentam, insistiu Orwell, que Wellington teria dito que a vitória sobre Napoleão em Waterloo foi decidida nos campos esportivos de Eton. Não faz muito tempo, concluiu o escritor, que a maioria absoluta de pessoas que de uma maneira ou de outra governaram a Inglaterra veio das escolas públicas. É importante ressaltar que naquele ano Orwell não considerava a Inglaterra um país completamente democrático, já que seu capitalismo comportava grande número de privilégios de classe - mesmo depois de um conflito como a Segunda Guerra Mundial, que tende a nivelar todo mundo (35).

Após Um Homem de Sorte, Anderson realizou The Old Crowd para a televisão britânica em 1979. Filmado em três dias, somos levados festa de um casal burguês que comemora com uma festa sua nova casa em estilo eduardiano com rachaduras no teto. A produção foi recebida com tantos protestos que foi programado um pedido de desculpas (que não aconteceu). Na época, Anderson estava fora do país e ficou satisfeito com o escândalo nacional: “(...) É realmente extraordinário como a burguesia inglesa perde seu discreto charme num piscar de olhos, no instante em que são ridicularizados ou colocados em situação desconfortável. E a ingenuidade artística do inglês é realmente entediante: qualquer distanciamento do naturalismo será imediatamente rotulado ‘obscuro’, pretensioso’, ‘estudantil’ ou ‘desnecessário’. É como tentar ler T. S. Eliot para uma plateia numa lanchonete de peixe com batatas fritas” (36). Depois disso Anderson começa a trabalhar em Hospital dos Malucos, mais um filme sobre e Grã-Bretanha e os britânicos, fechando a trilogia aberta com se... (imagem abaixo, a cena surrealista do pedido de desculpas de Travis, Wallace e Johnny ao Reverendo, devido ao fato de o primeiro ter questionado a autoridade do padre ao atacá-lo durante os jogos de guerra, deixando evidente, e ainda por cima publicamente, o tipo de atitude que o religioso-militar teria na hora da morte no campo de batalha: boçal e covarde. A seguir, o diretor lhes dá uma punição: trabalhar) 

Hospital Público...


Lindsay  Anderson  e  Sherwin  estavam  trabalhando
numa   segunda   parte   para   se...   quando  o  cineasta
faleceu em 1994. Um roteiro chegou a ficar pronto (37)

Durante os anos 1980, houve uma reconfiguração de conteúdo e forma da típica abordagem realista nas histórias contadas na tela pelo cinema inglês. Do ponto de vista do conteúdo, o operário herói perde em importância para novos atores sociais como gênero, etnia e orientação sexual: mulheres operárias, homossexuais, negros e asiáticos – na esteira do declínio do setor manufatureiro e da indústria mineira na economia da Grã-Bretanha. Rotulados como filmes do “estado da nação” (rótulo que remete a uma longa tradição de crítica social no cinema inglês), buscasse melhor capturar aos vários conflitos socioculturais do período – embora nos anos 80 já não se pudesse ligar essa tendência de filmes ao realismo, havia uma insatisfação com este conceito e muitos queriam simplesmente abandoná-lo. Do ponto de vista da forma, a intenção de fazer justiça às complexidades da realidade social levou a uma ainda maior problematização do conceito de realismo – especialmente considerando a crescente hegemonia do conceito de pós-moderno. Para John Hill, tudo isso redundou na produção de alguns filmes focados numa “alegoria nacional” - leitura da narrativa de acordo com um padrão geral de eventos políticos e “nacionais”. Hill cita Frederic Jameson, teórico do pós-modernismo, ao remeter à capacidade da alegoria de cruzar as fronteiras do publico e do privado. Durante a década de 1980, abandonam-se as alegorias dos filmes realizados durante a segunda Guerra (que celebravam o trabalho em conjunto para ganhar a guerra), utilizando-as agora (com exceção de Carruagens de Fogo, Chariots of Fire, 1981) para sugerir um mundo de crescentes diferenças sociais, divisões e conflitos. Na opinião de Hill, a utilização da “alegoria nacional” para representar o colapso social teve sua maior expressão com Hospital dos Malucos (38). (imagem abaixo, de pé, Phillips ouve a reclamação de Rowntree sobre a comida que foi servida. Enquanto isso, Denson olha com muito interesse para o aluno-escravo - Rowntree “cederá” Phillips para ele. Bullying, escravidão e serviços sexuais obrigatórios, belo sistema educacional)


(...) A   lição   do   diretor   conclui   com:    ‘A  Grã-Bretanha    hoje
 é  uma  fonte  de  influência, de ideias, de  experimentos,  imaginação. 
Em tudo, desde a música pop até a criação do porco, da energia atômica
às minissaias.  E  esse  é  o  desafio  que  devemos  enfrentar’.  Anderson
e  Sherwin  ainda  não  sabiam,   mas  o  diretor   acabara  de  esboçar
os  elementos  chave  do  próximo  filme: Um Homem de Sorte! (39)

O filme oferece um conjunto de representações que claramente devem ser interpretadas como metáforas do estado da Grã-Bretanha. Como na sequência em que se comemoram os 500 anos do hospital, e o Primeiro Ministro declama uma versão abreviada do discurso de John Gaunt, do Ricardo II de William Shakespeare: “essa ilha com o cetro Real... esse outro Éden, semiparaíso... essa pedra preciosa no mar prateado... esse enredo abençoado... esse reino, essa Inglaterra” - então ele cai morto e a enfermeira declara que “ele se foi”. Trata-se de um trecho tradicionalmente utilizado como expressão resumida do orgulho nacional - John Hill também sugeriu títulos baseados nela para pelo menos quatro filmes britânicos (três deles lançados durante a segunda Guerra): This England (direção David MacDonald, 1941), O Coração não Tem Fronteiras (The Demi-Paradise, direção Anthony Asquith, 1943), Este Povo Alegre (This Happy Breed, direção David Lean, 1944) e This Other Eden (direção Muriel Box, 1959). Esta citação de Ricardo II situa Hospital dos Malucos ao mesmo tempo na tradição da representação do britanismo e aponta os temas da desintegração da comunidade nacional e a “morte” das virtudes tradicionais inglesas. Em Hospital dos Malucos, o sentido de valores uma comunidade compartilhada seria substituído pelo egoísmo, ineficiência e conflito. A certa altura do filme, o administrador do hospital faz um discurso na cantina agradecendo aos trabalhadores por “mostrarem uma vez mais que o trabalhador... e trabalhadora... sempre irá colocar a unidade antes da anarquia, lealdade antes do indivíduo, bom senso antes da greve perturbadora”. Contudo, o que o filme mostra é precisamente o contrário, ao mapear o virtual colapso da ordem social.


McDowell não sabia como construir Alex, o protagonista de Laranja
Mecânica.   Pediu   ajuda   a   Anderson,   que   chamou   atenção   para
seu leve sorriso ao entrar  no  ginásio  para  ser  açoitado  em  se... (40)

Desde as cenas iniciais, Hospital dos Malucos evidencia todo tipo de desordem social e também a participação do desdém dos próprios funcionários e dos sindicatos com a tarefa de preservação da vida humana. Eventualmente, o filme desloca o foco das mazelas da sociedade britânica, apontando para um elemento universal. Trata-se do projeto do doutor Millar de criar um novo começo para a humanidade. Como o doutor Frankenstein, ele pretende transplantar partes de corpos e produzir um novo ser humano. Mas almeja também salvar a humanidade criando um cérebro separado do corpo – não é preciso dizer que a experiência não funciona. Nessa hora, Hospital dos Malucos mistura sátira social com o “cientista maluco” dos filmes de horror. Segundo Hill, o declínio da confiança no poder da ciência está interligado ao crescimento do pessimismo, característico do pós-modernismo, em relação à possibilidade de progresso humano ou aprimoramento social. O ano de lançamento do filme não poderia ser pior, o que poderia explicar também o baixo numero de espectadores. É preciso lembrar que, naquele mesmo ano, a guerra das Malvinas/Falklands ainda estava em curso. Um crítico reclamou que no ápice de uma unidade renovada entre os ingleses, Hospital dos Malucos zombava do país. Curiosamente, George Orwell, conhecido por sua luta contra os totalitarismos, ao ressentir-se da censura de que foi alvo ao criticava a União Soviética durante a segunda Guerra Mundial (quando isso não era interessante para a Inglaterra, já que “estava” aliada de Stalin), lembrou que mesmo naquela época era possível criticar o governo inglês publicamente, sem sofrer censura (41). (imagem abaixo, a educação religiosa convive com aulas teóricas, esportes, jogos de guerra e bullying)


Hill afirma que, enquanto isso indica até que ponto o filme estava em desacordo com o ressurgimento do nacionalismo de direita no país, é justo assinalar o quanto sua mensagem possui em comum com a agenda política conservadora. Segundo Michael Ryan e Douglas Kellner, esse tipo de filmes seria, de certo modo, cúmplice do crescimento da Nova Direita. Não apenas o diagnóstico apresentado, apontando deficiências das instituições e dos detentores do poder, tem muito em comum com críticas da direita, mas, em virtude do sentimento de perda, pessimismo e desespero evocados, também contribuem para a criação de um vácuo ideológico, onde valores e ideais conservadores encontram campo fértil – a ênfase do filme na teimosia dos sindicatos e nas perturbações da indústria evoca o “inverno dos descontentes” de 1978/9, dando crédito às demandas conservadoras contra os sindicatos. De acordo com Hill, o negativismo do filme evoca as críticas conservadoras à social democracia nos anos 1970 e carrega o potencial para alimentar “remédios”, de esquerda ou de direita – retratar a fraqueza da administração frente às demandas do sindicato pode ser interpretado como reforço da critica a “gestão consensual”. Para Michael Woods, ao tratar a todos com cinismo, o filme expressa um populismo conservador e descontente – as demandas absurdas dos funcionários da cantina por igualdade se encaixam na pressão anti-igualitária do pensamento econômico da Nova Direita, enquanto a quebra da lei e da ordem reforça demandas conservadoras por um Estado forte. Embora retrate um universo social mais próximo dos anos 1970, ao mesmo tempo o filme dá voz àqueles cada vez mais abertos às propostas da Primeira Ministra Margareth Thatcher. (imagem abaixo, Travis chega para mais um ano numa escola pública do império britânico. Aparentemente, ele esconde o bigode, que raspará logo em seguida, enquanto elogia a fotografia de um homem empunhando uma metralhadora. Por que não desejaria se parecer com um adulto? Complexo de Peter Pan? O exemplo dos adultos que conhece na escola o fariam desejar crescer?)


Repartindo a Guerra Fria em duas metades, poderíamos dizer que se... pertence à primeira fase, enquanto Hospital dos Malucos à segunda, realizado durante a vigência do governo conservador da Primeira Ministra Margareth Thatcher – conhecida como a “dama de ferro”, seu mandato se estendeu de 1979 a 1990. Paul Sutton viu em se... uma série de elementos que propõem uma saída para dos dilemas de uma Grã-Bretanha que se apega nostálgica à tradição e ao tempo em que efetivamente possuía um Império – a contradição entre o discurso do diretor da Academia e o discurso do general Denson no final do filme é bastante instrutiva quanto a isso. Por outro lado, John Hill não parece ver em Hospital dos Malucos mais do que uma tentativa frustrada de superação do discurso conservador. Embora as palavras belicistas do general Denson demonstrem como para os conservadores a atitude de questionar o passado (no caso, a hegemonia da Grã-Bretanha no mundo) só pode ser fonte de discórdia e caos, com se... Lindsay Anderson insistia em lutar contra a obediência cega a tradição. Em 1993, um ano antes de falecer, Lindsay Anderson deu uma palestra no Festival de Cinema de Edimburgo, na Escócia:

“Quando fui convidado para fazer esse discurso fiquei bastante lisonjeado, depois bastante intimidado, depois achei que deveria aceitar. Então percebi que o tempo foi um pouco curto – obviamente, alguém caiu fora. Quem, eu me perguntei, poderia ser? Disseram-me, Martin Scorsese. Ah sim, eu disse, é claro. Porque Martin Scorsese, além de ser um dos mais famosos, assim como um dos diretores de maior sucesso no mundo atualmente, também é um [norte-]americano. E eu entendi que se algum cineasta fosse ser convidado para fazer um discurso num festival de cinema britânico hoje, ele deveria ser [norte-]americano. Porque os [norte-]americanos – como qualquer um que tente realizar um filme britânico atualmente logo irá descobrir – certamente venceram: artisticamente, financeiramente e em seu domínio sem esforço da mídia... Então, quando soube que estaria substituindo Martin Scorsese em Edimburgo, eu sabia que deveria me desculpar – por não ser [norte-]americano... Me desculpe eu não tenho tempo para lamentar o atual triunfo da mídia – e a rendição da mídia aos valores de Hollywood: os Oscars; os rostos [norte-]americanos na capa da Radio Times; a vital importância dos nomes [norte-]americanos. Deixe-me lembrá-lo de que nem um único desses filmes da renascença britânica [feitos por Tony Richardson, Karel Reisz e eu mesmo] apresentava um [norte-]americano. Hoje, Tom Jones seria apresentado por Tom Cruise. Eu queria terminar este discurso com a última sequência de se... e perguntar a vocês com quem se identificam. Mas não existe nenhuma cópia de se... no Arquivo Nacional de Cinema. Preciso dizer mais?” (42)


Leia também:

Notas:

1. SUTTON, Paul. IF…. London/New York: I. B. Tauris, 2005. P. 62.
2. Idem, p. 53.
3. Ibidem, p. 44.
4. Ibidem, pp. 53-4.
5. Ibidem, p. 45.
6. Ibidem, pp. 25-43, 85.
7. Ibidem, p. 45.
8. Ibidem, p. 50.
9. Ibidem, p. 88.
10. Ibidem, p. 44.
11. Ibidem, pp. 44-9, 51, 52, 59, 70-1.
12. Ibidem, p. 8.
13. Ibidem, pp. 88-9.
14. Ibidem, p. 83.
15. Ibidem, p. 56.
16. Ibidem, p. 32.
17. Ibidem, pp. 6-9.
18. Ibidem, p. 77.
19. Ibidem, pp. 74-7.
20. Ibidem, pp. 51, 61, 67, 80-1, 83, 94.
21. Ibidem, p. 85.
22. Ibidem, p. 11.
23. Ibidem, pp. 10-25.
24. Ibidem, p. 69.
25. SHAW, Tony. British Cinema and the Cold War. The State, Propaganda and Consensus. London/New York: I. B. Tauris, 2001. P. 191.
26. SUTTON, Paul. op. cit., pp. 3-4, 74, 92.
27. SHAW, Tony. op. cit., pp. 191, 192.
28. Idem, p. 122.
29. Ibidem, p. 170-1.
30. Ibidem, p. 170.
31. ORWELL, George. Orwell’s Preface to the Ukrainian Edition of Animal Farm. DAVISON, Peter (org.). Orwell and Politics. London: Penguin Books, 2001. P. 316.
32. _______. The Lion and the Unicorn: Socialism and the English Genius. In:  DAVISON, Peter (org.). op. cit., p. 120.
33. Idem, p. 116.
34. Ibidem, pp. 124-5.
35. ORWELL, George. Orwell’s Preface to the Ukrainian Edition of Animal Farm. DAVISON, Peter (org.). op. cit., pp. 316, 318.
36. SUTTON, Paul. op. cit., p. 104.
37. Idem, p. 97.
38. HILL, John. British Cinema in the 1980’s. Oxford/New York: Oxford University Press, 1999. Pp. 134-41.
39. SUTTON, Paul. op. cit., p. 57.
40. Idem, p. 70.
41. ORWELL, George. Freedom of the Press. In: DAVISON, Peter (org.). op. cit., p. 308.
42. SUTTON, Paul. op. cit., p 103.

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