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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de dez. de 2015

Caligari e o Expressionismo Alemão: O Contexto de Um Cinema Alucinante


(...) Sem Freud, não teria havido nenhuma revolução expressionista. 
De fato,  foi graças a Freud  que mil olhos se abriram sobre as paredes
da  mente.  Encarando  a  realidade, tendo  essas  paredes  na  frente e
 atrás de si, o Expressionismo encontrou algo para cravar os dentes”

Petra Gehring (1)

Entre os anos de 1905 e 1925, o Expressionismo na Alemanha se caracteriza como um movimento cultural que engloba todas as artes simultaneamente, numa relação de interdependência. Pintura, arquitetura, teatro, dança, música e cinema, figuravam entre os interesses de praticamente todos os expoentes do movimento. Uma tendência que deixava os críticos de arte conservadores do período desconfiados, “pintores” como Oscar Kokoschka realizavam peças teatrais, enquanto “compositores” como Arnold Schoenberg criavam pinturas abstratas (2). 

Por trás dessa mistura sinestésica pairava a busca de uma “obra de arte total” (Gesamtkunstwerk), que já havia sido preconizada em 1849 pelo compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). Busca que talvez fosse também uma tendência da época em outros campos do conhecimento - para compreendermos a realidade, afirmou o cientista social Marcel Mauss (1872-1950) em seu Ensaio Sobre a Dádiva (1923-4), é necessário que pensemos em termos que englobem todo um leque de elementos constitutivos da vida social (3). 



Como  uma  aparição,  Jane passa por Francis  como  se  estivesse
num  transe. Essa  presença  abre  os  porões  da  memória  dele,  que
começa a contar  a  história de como um psiquiatra louco dominou um
 sonâmbulo assassino. Assim começa O Gabinete do Doutor Caligari. 
No final,  descobrimos que Francis  estava internado num hospício

De acordo com Ralf Beil, na confusão institucional e financeira que se seguiu à derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, a abertura conceitual e a rede de relações entre os expressionistas seriam diretamente responsáveis por pensar o cinema enquanto uma obra de arte total. O Gabinete do Doutor Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, direção Robert Wiene, 1920) foi talvez o exemplo mais significante. Em 1922, Robert Wiene assim definiu a relação entre Expressionismo e cinema:

“Naturalismo e Impressionismo tiveram uma geração toda para eles. Então, subitamente em 1909-10, houve em todo lugar um movimento contrário que se virou contra o que foi deixado pelo historicismo. Em resumo, contra toda arte realista. Esse movimento contrário é chamado Expressionismo... Através do Expressionismo, nós agora temos um profundo sentimento de como a realidade é irrelevante e como o ilusório é poderoso: o que nunca foi, o que foi apenas uma sensação, a projeção de um estado mental sobre o entorno de alguém... A técnica do cinema se presta automaticamente à representação do ilusório. Especialmente sua representação à maneira do Expressionismo (...)”

Deve-se ter em mente que Wiene está escrevendo estas linhas quando o cinema mal completava vinte anos de existência. Uma série de técnicas cinematográficas, assim como linguagens de filmagem, ainda estava por ser desenvolvida – sem falar no som, que levaria mais uns oito anos para ser ouvido nas telas. E Wiene continua descrevendo a articulação do Expressionismo com o meio fílmico:

“(...) É realizada a exigência de que a imagem seja plana, nela as cores funcionam integralmente como valores atmosféricos. Porque em hipótese alguma o cinema é uma arte do preto e branco, como todo mundo pensa. Ela tem muito a ver com as cores. Por qual outro motivo os artistas desenhariam decorações e roupas nas cores mais atraentes? As cores adquirem importância... no cinema enquanto valores de luz... (...) Então há formas em que o artista, dando as costas à natureza e olhando para fora a partir de [seu interior], representa sua experiência... (...)”

Então Wiene começa a fazer referências à articulação entre elementos cenográficos construídos dentro de estúdios. É evidente a necessidade que ele sente em marcar um distanciamento em relação ao mundo tecnológico e racional que a ciência ocidental criou. Poderíamos censurá-lo por desdenhar de uma ciência que, afinal de contas, foi a responsável pela produção dos materiais através dos quais se possibilitou a invenção do cinema. Entretanto, é preciso nunca esquecer que os horrores da Primeira Guerra Mundial ainda estavam bem vivos nas lembranças de todos. Os aleijados ainda perambulavam pelas ruas, a economia alemã em frangalhos fazia dessas mesmas ruas a morada de milhões. O dado principal aqui sempre será o papel decisivo da ciência na produção dos armamentos, quando a razão (e a ciência que ela produziu) levou apenas à carnificina. E Wiene conclui, enfatizando o mundo dos sonhos e contrapondo-o ao mundo da razão:

“(...) O dramaturgo do cinema terá, construídos pelo Expressionismo, a floresta de contos de fada, o palácio mágico e todos os cenários nos quais a imaginação de um E. T. A. Hoffmann está em casa. De modo que sussurrem misteriosamente sobre uma sensibilidade artística [em torno de] coisas que não são desse mundo, e das quais nosso aprendizado livresco não nos permite sonhar – a menos que subitamente pare de conhecer e comece a sonhar de maneira não científica. Mas o sonhador não deveria relatar o que ele pensa através do discurso ordenado: ele deveria falar simplesmente através de gritos, de urros, tal como o escritor expressionista teria preferido. Esses gritos e urros são os ‘títulos’ dos quais mesmo o drama cinematográfico expressionista não pode prescindir” (4)

Weimar e o Expressionismo


Entre 1918 e 1933, instaurou-se na Alemanha um sistema que ficou conhecido como a “República de Weimar”. Até o final da Primeira Guerra Mundial, o país era um império, tornando-se república com o esfacelamento da coesão política interna. Em 1919 uma Assembleia Nacional se reúne na cidade de Weimar e elege o primeiro presidente. A idéia de uma democracia acaba por sucumbir à instabilidade política, o país está à beira da guerra civil, a hiperinflação mostra suas garras e, numa tentativa fracassada de liderar um golpe de Estado em 1923, certo Adolf Hitler é preso. O tempo passa e, em 1933, Hitler será eleito pelo povo e assumirá como Chanceler da Alemanha. A República de Weimar falece melancolicamente.

“Um pequeno acervo de filmes, meia-dúzia no máximo, foi produzido entre 1919 e 1924. Apenas um deles, O Gabinete do Doutor Caligari, foi realmente um sucesso entre os públicos alemão e internacional; enquanto outro, Da Manhã à Meia-Noite [Von Morgens bis Mitternachts, direção Karl Heinz {ou Karlheinz} Martin, 1922], não foi nem mesmo lançado na Alemanha depois de completado e certificado. Portanto, alguém pode realmente falar de filmes expressionistas como sendo paradigmáticos em relação à indústria cinematográfica da República de Weimar?” (5)

O questionamento de Uli Jung é bastante convincente, muitos são os que confundem Weimar com Expressionismo. Do ponto de vista da indústria cinematográfica alemã, Jung afirma que o estilo expressionista de Caligari tem mais a ver com uma estratégia calculada para promover o cinema entre o público mais educado – que ainda torcia o nariz para a sétima arte. O Expressionismo era então um movimento da moda, nas artes e no teatro. É nesse sentido que talvez se possa dizer que os “filmes expressionistas” que se seguiram a Caligari pareciam mais oportunistas do que expressionistas, apesar do impacto renovado que os cenários tortos sempre parecem causar aos olhos dos espectadores do século 21. 

De fato quando o cineasta Robert Wiene aprovou os esboços expressionistas sugeridos para Caligari, Hans Janowitz, um dos donos do roteiro, foi contrário. Portanto, Jung sugere que a estética de Caligari teria atraído em função de um renovado interesse no Expressionismo após a Primeira Guerra Mundial – e não o contrário. De acordo com Jung, foi o desdobramento desse interesse no Expressionismo aplicado às artes e ao artesanato que justificou o engavetamento de um filme como Da Manhã à Meia-Noite – segundo a explicação na copia que circula em DVD no Brasil atualmente, houve apenas duas exibições em 1922; uma para a imprensa em Munique e outra num cinema em Tóquio, onde foi aclamado pela crítica. 


Numa das imagens mais emblemáticas do filme, o sonâmbulo
Cesare  rapta  Jane,   já  que  não  conseguiu   matá-la.   As  linhas
tortuosas  do telhado são típicas do  Expressionismo,  e  podiam ser
encontradas  em  muitos  cenários de peças teatrais na Alemanha
pouco  antes  da  estreia  de  O  Gabinete  do  Doutor  Caligari

Esse filme radicalizava Caligari no sentido negativo da identificação do Expressionismo com histórias de personagens lunáticos e homicidas delirantes. Do ponto de vista da recepção por parte do público, o filme já estava atraindo a atenção bem antes do lançamento, graças a uma bem orquestrada campanha publicitária. Mesmo apenas raspando a superfície da cultura alemã, como quer Uli Jung, Caligari cumpriu um papel de divulgação daquele país derrotado na guerra, profundamente necessitado de uma “propaganda positiva”. A ponto de eclipsar toda a produção alemã da época e confundir os pesquisadores mais descuidados das gerações futuras (6).

Fritz Lang e o Expressionismo


“Meus filhos,  vocês  não podem fazê-lo desta forma,  vocês
foram  longe  demais. O Expressionismo no ponto que vocês
desejam não é possível. Isso vai assustar muito ao público”

Fritz Lang, 1919 (7)

Com este comentário dirigido à equipe de produção de Caligari, Lang deixa clara sua opinião em relação aos cenários expressionistas – ele havia sido convidado para dirigir o filme, mas recusou devido a outros compromissos. Contemporâneo dos expressionistas, o cineasta alemão Fritz Lang (1890-1976) insistia em dizer que não fazia parte do movimento, deixando gravada em celulóide a sua opinião. Quando lhe perguntaram o que pensava do Expressionismo, em Doutor Mabuse, o Jogador (Dr. Mabuse, der Spieler – Ein Bild der Zeit, 1922), Lang colocou nos lábios do doutor Mabuse uma frase desdenhosa: “Expressionismo é uma diversão... Mas porque não? Hoje, TUDO é uma diversão [Spielerei]!” (a cena acontece oito minutos antes do final).

Neste filme, observou Ralf Beil, o Expressionismo é apresentado de forma irônica como uma piada de salão bizarra: poltronas expressionistas são justapostas a decorações em ziguezague na lareira, enquanto pinturas pseudo-expressionistas estão penduradas ao lado com máscaras tribais africanas. Curiosamente, o cenário deste filme teve um papel de vanguarda, antecipando os interiores expressionistas apresentados na cidade de Hamburgo em 1925, que definitivamente transformou o Expressionismo num estilo de decoração de interiores (8).

Caligari, Freud e a Época de Paradoxos


Existiu uma filosofia do Expressionismo? A pergunta é de Petra Gehring, para quem qualquer tentativa de resposta deveria igualmente apontar para uma filosofia do êxtase e dos sonhos, mas também da realidade. Essa filosofia afirmaria a vida, mas ao mesmo tempo vislumbra novas formas de horror e morte no interior da vida. “Filosofia da Vida” é um slogan, conclui Gehring, que poderia servir para caracterizar um elemento básico da filosofia na época do Expressionismo. Se por um lado aponta para uma visão holística, por outro afirma uma obsessão implacável com a realidade e com o materialismo (9).

Pouco tempo, nada além de vinte anos, muitos estavam fascinados com os ataques de Friedrich Nietzsche (1844-1900) à religião e à ciência, sua reconsideração de todos os valores humanos. Para Gehring, o idioma expressionista está ancorado na retórica vigorosa de Assim Falou Zaratustra (Also sprach Zarathustra. Das Buch für Alle und Keinen, 1883-5), “o livro para todos e para ninguém”, como declara o subtítulo. Ainda segundo Gehring, a mistura paradoxal entre certo realismo social e um novo sentido de isolamento do super-homem (unindo uma realidade intensificada ao interesse pelo sonho e o êxtase), são aspectos que traduzem muito bem a época de paradoxos que foram as primeiras décadas do século 20.

“Expressão” e “vida” foram apresentadas como palavras de ordem, antes e depois da Primeira Guerra Mundial, por filósofos como Wilhelm Dilthey (1833-1911), Søren Kierkegaard (1813-1855), Georg Simmel (1858-1918), Henri Bergson (1859-1941), Ludwig Klages (1872-1956), Max Scheler (1874-1928) e Martin Heidegger (1889-1976), entre outros. Gehring aponta para a figura de um médico, o doutor Sigmund Freud (1856-1939), como o mais importante personagem na formação do espírito do tempo expressionista. Por volta de 1900, ele lançou as bases da psicanálise e mudou para sempre a atitude do homem ocidental em relação à vida. De acordo com esse novo ponto de vista, explica Petra Gehring, um nível inconsciente que nos traz coisas que podem nos deixar doentes, mas ao mesmo tempo pode nos mostrar uma saída para a enigmática vida de nossos instintos – ainda que se constitua num enigma que talvez nunca possa ser decodificado inteiramente.

“(...) Prazer e tristeza estão ligados através de um aparato psíquico, enquanto desejo e linguagem estão ligados à renúncia aos instintos e a civilização. Sem o ímpeto desses intuições, não teria havido um movimento expressionista. O Expressionismo encontrou as profundidades desconexas de sua alma nas teorias de Freud” (10)

Gehring mostra como a abordagem de Freud em relação à interpretação dos sonhos, mas também suas preocupações com o êxtase, a hipnose e a alteração da consciência induzida pelas drogas, bordeja o projeto do Expressionismo – ou, pelo menos, o projeto do Doutor Caligari em relação à Cesare, “seu” sonâmbulo-escravo-assassino. As experiências de Freud com a cocaína (então uma recente descoberta) são famosas e polêmicas, o doutor era um defensor das experiências da intoxicação controlada – experiências onde usava a si mesmo como cobaia: “A cocaína parecia provar que a realidade, ainda que se mantivesse uma fronteira clara poderia, contudo, ser potencializada e, até certo ponto, aguçada” (11).


Noutra  imagem  emblemática do filme,  durante
o  rapto  de  Jane  por  Cesare  o  descompromisso
dos cenários com o realismo é bastante  evidente

Freud se afastaria das pesquisas com a cocaína na década de 20, época em que ela se tornou um tóxico popular e de reputação duvidosa. Mesmo assim, em seu trabalho posterior o doutor não hesitou em traçar paralelos entre o uso de drogas, a religião, a arte e o trabalho científico como grandes analgésicos. “Distrações” que tornavam suportáveis as coisas inevitáveis para nós seres civilizados – a fantasia na mente e a química no corpo eram pensadas lado a lado. Freud deu um passo além de Charles Darwin (1809-1882) ao sugerir que a vida não é a luta de cada homem por si mesmo, mas um compromisso permanente na luta entre prazer e realidade. “Os indivíduos vivem no ponto de ruptura da tensão criada entre desejos elementares que a civilização promove e o ímpeto inalterado dos desejos inconscientes” (12).

Nas palavras de Gehring, êxtase e realidade não são mutuamente exclusivos. O movimento expressionista estava familiarizado com o fato (ou a hipótese...) de que, como na experiência do uso da cocaína, estes dois elementos poderiam se amplificar mutuamente. Os expressionistas também percebiam que o êxtase e o princípio do prazer não eram inofensivos, podendo trazer a morte para mais perto. Posteriormente, Freud irá desafiar a exclusividade de uma força da vida puramente positiva. Segundo o doutor, a Primeira Guerra Mundial mostrou que o ser humano mais civilizado poderia se transformar num assassino. Muitas vezes a psicanálise foi utilizada para interpretar as obras produzidas pelo Expressionismo, Gehring apenas afirma que os dois são fruto da mesma época. 

Em 1920, Kurt Tucholsky deixou claro que O Gabinete do Doutor Caligari tocou um nervo: “Atualmente, as coisas estão muito estranhas. As pessoas vão para seu trabalho todos os dias, realizam suas celebrações e dançam, casam-se e leem livros – mas isso tudo não é real” (13). Referindo-se à fascinação em torno do cinema nas primeiras décadas do século passado, Claudia Dillmann fala da capacidade desse novo meio se comunicar com aquela população alemã traumatizada com a carnificina da guerra, com as conseqüências da derrota e, porque não dizer, com a memória do sentimento ingênuo que misturava ingenuidade e nacionalismo quando todos foram chamados a se alistar para defender a pátria. Uma experiência traumática que deixou as pessoas ávidas por mudar de identidade:

“Como resultado, conflito, composição e cenário foram forjados de forma consistente para criar algo novo que falasse para as pessoas da época. Como em Da Manhã à Meia Noite, um cidadão também rompe com seu papel estabelecido e se transforma num criminoso: um psiquiatra se transforma num psicopata; alguém sem nome se transforma em ‘Caligari’. O comando ‘Você deve se tornar Caligari’, que leva diretamente à esquizofrenia e ao delírio assassino – a ser o senhor da vida e da morte – foi revolucionário nas mentes dos teóricos do expressionismo, porque a sentença ordenava que indivíduos burgueses se libertassem das limitações de sua identidade anterior, para se renovarem, para se expressarem de maneira consistente e radical. [O Gabinete do Doutor Caligari], portanto, não apenas se envolveu em debates sobre teoria da arte, mas também empregou fórmulas expressionistas de [ser] enquanto dava simultaneamente, através de meios cinematográficos, nova expressão à profunda incerteza da época de sua criação. Tucholsky descreveu adequadamente essa fase: ‘ele pula nas profundezas, e o chão balança suavemente’” (14)

Doutor Mabuse e Anita Berber, Contemporâneos de Caligari


A cocaína também será citada por duas vezes em Doutor Mabuse, o Jogador. Logo no começo, Mabuse pergunta a seu funcionário se ele usou cocaína novamente. Mais adiante, Mabuse pergunta para outro personagem: “cocaína ou cartas?” (15). Naquela época, o início do século passado, o narcótico era fabricado pelo Laboratório Merck, que fazia propagandas se vangloriando e exaltando a pureza e eficácia de seu produto – “‘Um interesse esotérico, porém mais profundo... levou-me a obter, em 1884, o que era na época um alcalóide relativamente desconhecido da Merck e estudar seus efeitos fisiológicos’, escreveu Freud em 1925, numa nota autobiográfica” (16). A dançarina, atriz e poeta Anita Berber (1899-1928) até protagonizou seminua uma Cocaine Dance (1922), definida como uma dança expressionista de vanguarda por um dançarino e coreógrafo da época. Berber é a dançarina que aparece no filme de Lang entretendo os frequentadores de um cassino clandestino. 

Durante uma dessas danças ela está de terno e, infelizmente, a qualidade da imagem não permite notar um monóculo em seu olho esquerdo. De fato, essa moda foi lançada por Anita nos primeiros anos da década de 20 – o próprio Lang usava um monóculo, até que teve de substituí-lo por um tapa-olho. Ela costumava freqüentar boates de lésbicas, com seu monóculo e trajando um terno. Juntamente com seu marido, o coreógrafo e dançarino homossexual Sebastian Droste, Anita era vista com o rosto pintado de branco e círculos pretos em volta dos olhos como as maquiagens dos filmes expressionistas. Na década de 80, o cineasta e defensor dos direitos dos homossexuais Rosa von Praunheim (pseudônimo de Holger Bernhard Bruno Mischwitzky) copiaria esse “visual Caligari” em Horror Vacui (1984) e relembraria a bissexualidade de Berber em Anita: Danças do Vício (Anita: Tänze des Lasters, 1988). Com isso, sugere Alice Kuzniar, Praunheim procurou explicitar uma linha evolutiva da cinematografia homossexual que se estenderia do cinema de Weimar até o presente (17).

Anita foi uma espécie de ícone do período, protagonizando pelo menos vinte e cinco filmes entre 1918 e 1923. Estreou nos palcos com dezessete anos, no ano seguinte é modelo fotográfico, e aos dezenove já é famosa nos palcos e nas telas. Morreria aos vinte e um anos de idade, alcoólatra e viciada em drogas. Contracenando com Conrad Veit, Berber atuou em Diferente dos Outros (Anders als die Andern, direção Richard Oswald, 1919), considerado o primeiro filme homossexual da história do cinema – no mesmo ano, Berber protagonizaria um filme sobre prostituição. 

Banido em 1920, filmes como esses foram produzidos principalmente com intuito educacional – nadando contra a corrente homofóbica hegemônica, o discurso médico-psicanalítico do médico Magnus Hirschtfeld, um ativista pelos direitos dos homossexuais, definia a homossexualidade como um fenômeno da puberdade, um estágio no desenvolvimento do homem heterossexual. De acordo como Kuzniar, esse discurso virou moda na década de 20, e a visibilidade de Berber e Droste seria uma consequência disso. Naqueles anos conturbados após a derrota na Primeira Guerra Mundial e a hiperinflação, a dança acompanhou o cinema como moda e obsessão dos alemães. Berber era uma de suas vitrines. Viciada em cocaína e morfina, ela era um retrato dos excessos que imperavam então nos tempos de Caligari

A Guerra, Caligari e Freud


Em 25 de fevereiro de 1920, um dia antes de O Gabinete do Doutor Caligari estrear nos cinemas de Berlin, o doutor Freud se envolve numa questão pública com vários desdobramentos em relação ao filme – o qual, já sabemos, havia sido precedido de muita publicidade em torno de alguém que deveria “tornar-se Caligari”. Apenas em 1955 ficamos sabendo que naquela data Freud enviara a um tribunal de Viena um memorando a respeito do tratamento de neuróticos de guerra com eletro-choque. Pediram que ele desse um parecer sobre o processo do soldado Walter Kauders, que acusava seu psiquiatra de tortura - incluindo confinamento e choques elétricos. Em 1914, Kauders alegou stress pós-traumático (uma bomba explodiu próximo a ele, deixando-o inconsciente), o que foi contraditado por seu psiquiatra (que o tratou como alguém que simulava esses sintomas para não ser mandado de volta para o campo de batalha) (18).

Apenas após três anos de tratamentos sem sucesso é que Kauders foi mandado para as mãos do psiquiatra Julius Wagner-Jauregg. Ele dirigia em Viena um manicômio especializado em neuróticos de guerra. Foi lá que Kauders alegou haver sido tratado como alguém que estava fingindo e punido com eletro-choque. Na época, durante a guerra, o eletrochoque era utilizado em soldados por dois motivos, para encurtar o tratamento ou para amedrontar aqueles suspeitos de simular problemas psicológicos. Freud não era contra a terapia contra o eletrochoque, porém questionava o exagero de alguns comportamentos de médicos nacionalistas que aumentavam a força da corrente elétrica – Freud termina seu relatório sugerindo que seu novo método psicanalítico substitui o eletro-choque com sucesso. A imprensa sugeriu que, encorajados pelos militares, toda a instituição psiquiátrica enlouqueceu na hora de punir os soldados mentirosos. Sendo assim, embora tenha se contraposto ao procedimento padrão dos “psiquiatras da guerra”, Freud não chegou a condenar Wagner-Jauregg, que foi absolvido. Anton Kaes resgatou essa história com o intuito de traçar o seguinte paralelo:

“Os protagonistas nesse julgamento – o poderoso doutor de um manicômio que pode ser louco ou mal, e um paciente com stress pós-traumático que pode estar tendo alucinações – são também os personagens centrais no filme [dirigido por] Wiene, O Gabinete do Doutor Caligari. Como o julgamento, a história de Wiene é centrada em torno de um doutor e um paciente numa instituição mental. Ambos focalizam a atmosfera de desconfiança, fraude e paranóia do pós-guerra. Julgamento e filme podem ser vistos como eventos públicos que discutem as mesmas questões em 1920: A psiquiatria de guerra era criminosa? O que cura, a camisa de força e o quarto [com paredes acolchoadas] ou a psicanálise? Quem é louco: o doutor ou o paciente, ou ambos? A exposição de Wagner-Jauregg como torturador e o desmascaramento do doutor Caligari como um assassino no filme de Wiene são parte de um acerto de contas mais amplo no pós-guerra com aquelas forças que participaram e prolongaram a loucura da guerra” (19)

Kaes afirma que o padrão estabelecido na cena inicial de Caligari reproduz o processo de hipnose descrito por Ernst Simmel – psiquiatra de guerra próximo a Freud e pioneiro no tratamento de vítimas de stress pós-traumático através da psicanálise. Logo na primeira cena Francis avisa que vai contar uma história, Caligari é o “filme dele”, um grande flashback. A idéia de recontar, de repetir uma situação, faz da recuperação de memórias reprimidas uma espécie de imagem em espelho do filme. Ao sonhar tudo novamente, o paciente (Francis) sensibiliza o subconsciente e, ao descarregar as memórias através de uma expressão emocional adequada, ele é curado. Freud elaborou sua teoria do trauma à sombra da Primeira Guerra Mundial. Escrito entre março de 1919 e julho de 1920 (concomitante à produção de Caligari), seu tratado Além do Princípio de Prazer define o trauma como uma ruptura violenta que destrói o escuto protetor do indivíduo – quando um acontecimento não é integrado em sua personalidade consciente.


 Momento  em  que   Cesare   ataca   Alan.   Horas   antes, 
no  parque  de diversões onde  Caligari  afirmava que Cesare
acordava de um sono de mais de vinte anos, Alan  se levanta
da  plateia  e  pergunta  quanto  tempo  ele  terá  de  vida

De acordo com a tese de Freud, é através do sonho que o neurótico revisita o trauma. Como num filme os sonhos o reapresentam. Filmes de horror em particular, Kaes sugere, esforçam-se por engrossar o escudo protetor (que regula e guarda os estímulos) através de seus efeitos de choques e encontros quase mortais. Eles permitem ao espectador tomar parte do evento, mas em segurança. Na opinião de Kaes, a compulsão repetitiva, associada ao trauma desconhecido e reprimido poderia explicar a popularidade dos filmes de horror na Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. O final da “cura através” da fala de Francis assinala o final do flashback, a divisão entre sua participação como narrador e como protagonista termina.

“(...) Quando Francis vê doutor Caligari [no final do filme], ele o ataca (ataques físicos a psiquiatras por neuróticos de guerra traumatizados não eram incomuns no final da guerra), gritando, ‘todos acreditam que eu sou louco. Não é verdade. É o diretor que é louco’. Após uma luta, Francis é subjugado, colocado numa camisa de força e levado a uma cela, que é exatamente a cela (subitamente percebemos) que Caligari ocupou na imaginação de Francis. Compreendemos então que a história do filme foi contada por um narrador instável e confuso, cuja memória não consegue diferenciar entre ficção e realidade, projeção e observação. Quem vai dizer se Francis é vítima ou perpetrador, detetive ou paciente mental?” (20)

“Quanto tempo eu vou viver?”, essa pergunta que Alan havia feito a Cesare no parque de diversões no começo do filme, foi a mesma que milhões de soldados se fizeram (seu pressentimento traumático) nas trincheiras da guerra que acabava de terminar. A resposta de Cesare para Alan (“até o amanhecer!”) também é significativa, esclarece mais uma vez Kaes. Já que geralmente era no fim da madrugada e começo da manhã que os soldados recebiam ordens para partir das trincheiras numa correria louca pela terra de ninguém do campo de batalha, sob a mira das metralhadoras do inimigo – um procedimento percebido como um assassinato. Quem matou seu amigo? A busca de Francis pela resposta estrutura a narrativa básica. Se a morte é configurada como um assassinato em O Gabinete do Doutor Caligari, Fritz Lang a apresentará em 1921 como um fardo melancólico do destino em A Morte Cansada (Der Müde Tod). 

“[Este filme] demonstra a universalidade do amor e a inevitabilidade da morte. Apenas depois que a mulher se resigna em aceitar a morte ela poderá se reunir com seu amado [morto]. Enquanto O Gabinete do Doutor Caligari é uma diatribe agressiva contra as práticas assassinas da psiquiatria de guerra, A Morte Cansada trabalha através do trauma da perda sugerindo que o conhecimento da morte traz redenção. À Caligari falta a dimensão humanística de A Morte Cansada; ele está mais próximo dos ataques niilistas de Dada à ordem estabelecida, sua ruptura anárquica de convenções morais e estéticas, e seu deleite em choque e confusão” (21)
Na verdade, e muitos diriam que em todo filme mudo faltam pedaços perdidos para sempre, não conseguimos decidir ao final quem exatamente é Caligari: o charlatão da feira, o diretor de um manicômio, um cientista louco ou um psiquiatra assassino. Mas esse é apenas um dos efeitos de duplicação, pois Francis se desdobra em detetive e paciente (que no final estaria projetando e transferindo sua própria loucura para o doutor), enquanto Cesare é um assassino, mas também um boneco em tamanho real. Essa proliferação de duplos, que também pode ser encontrada na literatura alemã do século 19, será intensificada pela própria natureza do cinema. A frase enigmática no começo do filme (“existem fantasmas... eles estão em torno de nós”), remete tanto aos espíritos dos milhões de mortos na guerra que havia terminado a pouco, como também ao caráter ilusório do cinema. Kaes explica que essa alusão a fantasmas refere-se também a uma tradição anterior ao cinema. Em quartos escuros, ilusões de ótica produziam aparições de pessoas mortas.

Hipnose e Sonambulismo


Esses ilusionistas, que muitas vezes se apresentavam em feiras como Caligari, eram os precursores dos cineastas – o doutor apresenta sua atração num lugar que Kaes remete à Luna Park, um local de entretenimento bastante popular na Berlin da década de 20 do século passado. Eles criavam aparições e efeitos sobrenaturais, produzindo medo com fins de divertimento. Dessa forma, produziam-se momentos de loucura simulada onde o sobrenatural invadia o mundo racional. Tudo isso, diria Anton Kaes, é o cinema, e o cinema de Weimar em particular.

Ainda na primeira cena, enquanto jovem e velho falam sobre fantasmas, somos apresentados a Jane. Ela surge do fundo do quadro vestida de branco, e com um olhar perdido passa pelos dois e segue em frente para fora do quadro, absorvida num transe – Freud identificou figuras femininas vestidas de branco em sonhos com fantasmas, correspondendo a terrores noturnos de seus pacientes. Na verdade, ela faz parte do passado reprimido de Francis – inicialmente ele se sente culpado pela morte de Alan porque os dois amavam Jane, embora tenha jurado manter a amizade para além de uma eventual disputa, parece que Francis se julgou capaz de tomar uma atitude drástica para tirar Alan do caminho. Na pintura Vitoriana e na ficção gótica já apresentava essas figuras que combinavam horror e romance com o desejo de comunicar uma experiência traumática.

“(...) [Robert] Wiene codifica a experiência de guerra como um conto de horror Gótico que se inicia com uma invocação do sobrenatural (“Fantasmas estão a nossa volta...”), a misteriosa imagem da mulher fantasma e o estranho cenário de dois homens angustiados contando um para o outro estórias sobre eventos traumáticos do passado. A primeira cena (parte da dita moldura ‘realista’) indica que o filme não fará nenhuma reivindicação ao realismo” (22)
Anton Kaes também nos conta que o hipnotismo de Cesare não era novidade, constituindo parte de uma ressurgência no pós-guerra de uma ciência periférica e de ocultismo inseridos no entretenimento popular. Apenas seis meses antes da estreia de Caligari, foi anunciado certo Minx, o Homem com a Máscara Negra. Com supostos poderes telepáticos, ele era capaz de descobrir pensamentos de pessoas na plateia sem o uso de hipnose. Seis meses depois de Caligari, Minx voltou, agora apresentando números de transferência de pensamento, hipnose e sonambulismo. O filme realizado por Wiene, conclui Kaes, evidencia a ligação entre cinema e hipnose. 

O hipnotismo gozava de uma reputação questionável durante a década de 20. Freud chegou a usar as técnicas de Jean-Martin Charcot (1835-1893), mas as abandonou com receio de ser acusado de charlatanismo. Por outro lado, tais técnicas foram retomadas pelos psiquiatras de guerra para o tratamento de stress pós-traumático. Com o final da guerra, a hipnose voltou a ser utilizada como entretenimento e por charlatães. Na opinião de Kaes, a figura de Caligari era de fato fisicamente identificada com as caricaturas e descrições da figura de Charcot (incluindo a cartola e o cabelo), diretor do hospital Salpêtrière, o primeiro hospício parisiense. Charcot costumava diagnosticar pacientes histéricos em apresentações públicas em teatros de até quinhentos lugares, exibições públicas freqüentadas por nomes conhecidos como Henri Bergson, Émile Durkheim, Guy de Maupassant, Sarah Bernhardt e, no verão de 1885-6, Sigmund Freud. Tais apresentações, afirmou Kaes, ajudaram a tornar a histeria conhecida para um público mais amplo, e estabeleceram os psiquiatras como cientistas e animadores de auditório (23). 


Cesare é acordado de seu suposto sono de vinte e três anos, pelo
suposto mago-psiquiatra Caligari.  Na época do filme, a psicanálise
ainda estava se firmando, certamente sua reputação seria bastante
prejudicada  pela   profusão   de   “espetáculos   de   hipnotismo”

O hipnotismo se popularizou tanto que choques começaram a ocorrer com as autoridades. Como vemos no filme o procedimento padrão era que o hipnotizador deveria pedir uma permissão na prefeitura da cidade onde fosse se apresentar – tanto que a primeira vítima de Caligari foi o funcionário público que fez pouco caso de seu pedido; ato que segundo Kaes também constituía uma provocação do cinema às autoridades alemãs que por muito tempo ainda controlaram essa mídia, pois havia naquele país uma resistência ao cinema como entretenimento (24). Em Doutor Mabuse o Jogador, de 1922, Fritz Lang também tocou no assunto. Mabuse utilizava a hipnose com propósitos criminosos. Na sequência realizada no mesmo ano, Doutor Mabuse, o Inferno do Crime (Inferno – Menschen der Zeit), disfarçado como o psiquiatra Sandor Weltmann, Mabuse hipnotiza a plateia de uma palestra, dando a ela a ilusão de assistir a um filme. O filme mostra essa alucinação em massa como um filme dentro do filme (25). Sobre o super criminoso Mabuse que manipulava a todos como marionetes, Lang comentou em 1953:

“(...) Sua arma favorita é a hipnose. (Se me lembro bem, em Dr. Mabuse nós mostramos pela primeira vez a hipnose na tela, e foi preciso superar grandes dificuldades de censura, porque nessa época era proibido mostrar a hipnose num filme)” (26)

De Caligari a Kracauer e Além


“Falemos de Caligari. Seu ritmo impõe o filme. No começo lento, 
 voluntariamente     arrastado,     procura    exacerbar    a    atenção. 
Depois,    quando    se    põem    a    voltear    as    ondas    denteadas
da   quermesse,   o   andamento   palpita,   acelera,  voa,   e   só   nos
abandona   com   a   palavra   ‘fim’,    aguda   como   um   bofetão”

Louis Delluc, Cinéa, 1962 (27)

A Primeira Guerra Mundial é considerada o primeiro grande conflito no qual as máquinas tomaram um lugar definitivo e de destaque na carnificina das batalhas entre os homens. Chamada de a “primeira guerra tecnológica”, esse conflito colocaria em xeque todo o discurso de enaltecimento da tecnologia como o triunfo da razão – o segundo grande choque que colocaria em xeque mais uma vez a tecnologia e a razão veio com a Segunda Guerra: a bomba atômica. Siegfried Kracauer havia sido um prolífico crítico de cinema alemão durante a década de 20, emigrou da Alemanha para os Estados Unidos (em 1941) e escreveu um livro propondo que a trajetória do cinema alemão (especificamente o de Weimar) prefigura a ascensão de Adolf Hitler ao poder e, consequentemente, a Segunda Guerra. Lançado em 1947, De Caligari a Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão traça uma linha que vai desde os primórdios do cinema alemão até as produções da indústria cinematográfica daquele país durante o regime nazista.

Existe uma série de histórias conflitantes, a maioria contada durante e após a Segunda Guerra, em relação à gênese de O Gabinete do Doutor Caligari. Numa delas, citada por Kracauer, Hans Janowitz (um dos escritores do roteiro original), afirma que a história era para ser um conto revolucionário dirigido contra a autoridade e o poder tirânico personificado por Caligari. Mas essa intenção teria sido neutralizada pela introdução de uma narrativa-moldura que afirmava que as acusações contra Caligari eram fantasias de um louco (Janowitz se refere à acusação de Francis contra Caligari no final do filme). Sendo assim, para Kracauer, originalmente Caligari foi escrito por pacifistas (Janowitz e Carl Mayer) para desmascarar e repudiar um louco (Caligari) que incita o povo a matar contra a vontade. Kracauer via Caligari como um prenúncio do mal que estava para chegar, um símbolo do poder ilimitado sobre seus subordinados, um pressentimento quanto a Hitler e seus nazistas (28).

De acordo com Kracauer, quando Lang disse que não podia assumir a direção de Caligari e foi substituído por Robert Wiene, deixou com este a proposta da narrativa-moldura: a cena inicial de Francis com o velho no início do filme e a seqüência final, que transforma todo o filme numa história contada por ele e transforma Caligari num psiquiatra, um médico e cientista, enquanto Francis passa como um louco (29). Reza a lenda, que a dupla de roteiristas nunca havia proposta tal narrativa-moldura e que eram contra – quase foram à justiça para retirar o filme. Seja como for, Caligari foi um sucesso de público instantâneo. Quanto à recepção do filme, Kracauer observa:

“(...) Enquanto os alemães estavam muito próximos de Caligari para elogiar seu valor sintomático, os franceses perceberam que era mais do que um filme excepcional. Cunharam o termo ‘caligarismo’ e o aplicaram a um mundo do pós-guerra que parecia completamente de cabeça para baixo; o que, de qualquer modo, prova que sentiram a relação do filme com a estrutura da sociedade. A estréia em Nova York de Caligari, em abril de 1921, estabeleceu firmemente sua fama mundial. Mas, além de dar nascimento a muitas imitações e de servir como modelo para tentativas artísticas, o ‘filme mais amplamente discutido da época’ nunca influenciou seriamente o cinema norte-americano ou o francês. Ele permaneceu solitário, como um monólito” (30)

Kracauer não só compra a versão de Janowitz e Mayer, como afirma que a mudança feita por Wiene inverte a história ao glorificar a autoridade (Caligari, o médico) e caluniar seu antagonista chamando-o de louco (Francis), seguindo assim o velho padrão de declarar insano e mandar para o hospício alguém normal cujo único erro foi questionar e/ou ameaçar a hegemonia de alguém. Assim, a tese de Kracauer era de que Caligari foi transformador num filme conformista. Kaes sugeriu que a leitura de Kracauer (Caligari como déspota) se encaixa num discurso corrente a respeito do caráter nacional germânico, um tema relevante no final da Segunda Guerra Mundial tanto para a comunidade de alemães exilados quanto para o Departamento de Estado norte-americano. O que seria feito da Alemanha vencida? Os alemães seriam naturalmente autoritários? Poderiam ser reeducados como cidadãos democratas? “Poderia a Alemanha ser curada?” foi o título de uma conferência em Nova York no ano de 1945. É nesse contexto que o livro de Kracauer se encaixa, de acordo com Kaes ele teria mesmo considerado seu livro como uma contribuição ao estudo de outro alemão e amigo, Theodor W. Adorno (1903-1969), A Personalidade Autoritária (1950) – uma pesquisa iniciada em 1945, em colaboração com cientistas sociais da Universidade da Califórnia.

Entretanto, a redescoberta de uma cópia do roteiro original de O Gabinete do Doutor Caligari destrói a afirmação de Janowitz e o argumento de Kracauer (além da sugestão de Fritz Lang de que foi ele quem deu a idéia): a tal narrativa-moldura estava lá desde o começo, introduzida pelos próprios Janowitz e Mayer – a única diferença é que no roteiro original a narrativa-moldura apresenta uma noite de diversão sendo interrompida por ciganos, e isso dispara os mecanismos da memória de Francis (31). 


Na  alucinação de Francis, o psiquiatra  que  administra   o   hospício
onde ele vive delira que está recebendo um chamado: “você precisa se
transformar em  Caligari”.  Consta que quando Hitler estava internado
com stress pós-traumático durante a Primeira Guerra Mundial,  ouvia
vozes   que  o  conclamavam  a  se  tornar  o  salvador   da   Alemanha

Em 24 de janeiro de 1920, dois dias antes da estreia de Caligari em Berlim, Adolf Hitler proferiu seu primeiro grande discurso numa cervejaria de Munique. Depois dessa questão entre as mentiras de Janowitz e o equivoco de Kracauer, Anton Kaes se pergunta o que Hitler teria a ver com o filme de Wiene. Antes de qualquer coisa, esclarece Kaes, como tantos outros soldados na Primeira Guerra Mundial, o futuro homem forte da Alemanha nazista foi uma vítima de stress pós-traumático. Em 1918 ele foi cegado por um ataque de gás venenoso lançado pelos britânicos. No hospital, sua cegueira foi diagnosticada como “histeria psicopata”. Kaes afirma que, embora a cegueira de Hitler tenha sido inquestionavelmente causada pelo gás venenoso, os tremores e visões que apresentou enquanto esteve no hospital o fazem parecer um neurótico de guerra (32).

Hitler recobrou repentinamente a visão quando ouviu sobre a revolução que estava em curso em Berlin durante novembro de 1918. Ele considerou isso um sinal e entrou para a política. Posteriormente, em sua autobiografia Minha Vida (Mein Kampf), Hitler se referiu a sua cegueira como uma epifania. Mas os outros pacientes lembravam-se dele como uma figura perturbada e nervosa. Relataram que ele ouvia vozes que o conclamavam a se tornar o libertador da Alemanha. Anton Kaes conclui:

“(...) Tanto o filme quanto a plataforma dos Nacional-Socialistas podem ser tomadas [...] como comentários sobre a falta de confiança e paranóia que caracterizou os primeiros anos da República de Weimar. Contudo, em contraste com os nazis que construíram ‘intrusos’ (isto é, Outros não arianos) como a causa dos problemas da Alemanha, o filme parece apontar para dentro. No final de sua jornada, Francis de fato descobre o monstro – mas o monstro do lado de fora acaba por ter estado do lado de dentro o tempo todo. Na tradição da história clássica de detetive, o encontro com o Outro se transforma numa descoberta de si mesmo. De forma mais sutil do que [artistas expressionistas como Georg] Grosz ou Otto Dix, que na época pintaram obsessivamente os profissionais liberais alemães como hipócritas que lucravam com a guerra, o filme sugere que a psiquiatria conseguiu esconder suas intenções homicidas e charlatanismo científico atrás da fachada de respeitabilidade professoral” (33)

Thomas Elsaesser acredita que O Gabinete do Doutor Caligari é mais do que a personificação do despotismo. Lembrando-se de um pequeno número de criaturas do cinema de Weimar citadas por Kracauer, Elsaesser acha que elas vão além, que figuras simbólicas que se comunicam com nosso eu profundo. Criaturas como o Golem do filme homônimo de 1920, o Nosferatu do clássico de Friedrich Murnau em 1922, o pianista de As Mãos de Orlac (Orlacs Hände, direção Robert Wiene, 1924), Jack o estripador e Ivan o Terrível de O Gabinete das Figuras de Cera (Das Wachsfigurenkabinett, direção Paul Leni, 1924), o Doutor Mabuse de Fritz Lang, o Mefisto de Fausto (Faust – Eine Deutsche Volkssage, 1925), outro clássico de Murnau, sem esquecer a Maria robô e o cientista místico-louco de Metropolis (direção Fritz Lang, 1927); todos se tornaram ícones:

“Suas roupas, maquiagem e linguagem corporal, seus olhos cruéis e sombras enormes voltaram para nos assombrar em incontáveis filmes, e as histórias que eles animam se tornaram arquétipos, a base para diversas mitologias do cinema. Eles adquiriram vida fora dos filmes também, inspirando não apenas diretores, mas desenhistas e tendências de moda até hoje” (34)

Em seu livro A Tela Demoníaca (1952), Lotte Eisner se debruça sobre o cinema na República de Weimar, com especial atenção para a busca de elementos expressionistas. Logo no prefácio um esclarecimento, comparada à história do cinema em outros países, a do cinema alemão começa tarde. Mais especificamente, começa às vésperas da Primeira Guerra Mundial.  David Robinson explica que o enfoque da história da arte adotado por Eisner tinha como objetivo “corrigir” um pouco a interpretação de Kracauer, que persistia até então (35) - Infelizmente, o livro dela foi escrito antes da descoberta do roteiro original, sendo assim Eisner erroneamente reafirma a história de Janowitz (de que a narrativa-moldura não existia no roteiro) (36). 

Cineastas alemães do pós-guerra como Werner Herzog e Wim Wenders dedicaram alguns de seus filmes a ela e sentem uma nostalgia pelo antigo cinema expressionista alemão. Em No Decurso do Tempo (In Lauf der Zeit, 1976), Wim Wenders colocou juntos dois alemães desterrados vagueando por estradas alemãs próximas à fronteira com a então Alemanha Oriental. Um deles conserta projetores nos cinemas, e o filme mostra a decadência das salas de cinema de cidades pequenas que realmente acontecia na Alemanha de fora da tela. Em certo momento, eles visitam a casa vazia da infância de um deles. O filme é preto e branco e vemos muitas sombras, um elemento chave no expressionismo cinematográfico e também, de acordo com Eisner, constituinte da alma alemã. Nesta seqüência, Wenders faz uma homenagem ao cinema expressionista alemão, que considera a verdadeira raiz do cinema de seu país, interrompida abruptamente pela irrupção da alucinação nazista.



1. GEHRING, Petra. Ecstasy is Reality, Cocaine, Pleasure and Death in Freud’s Psychoanalysis. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). The Total Artwork in Expressionism: art, literature, theater, dance and architecture, 1905-25. Ostfildern, Alemanha: Hatje Cantz Verlag, 2011. Catálogo de exposição. P. 239.
2. ANZ, Thomas. Setting the Soul in Vibration! Expressionist Concepts of the Total Artwork. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., p. 52.
3. ARAGÃO, Luis Tarlei de. Fato Social Total. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986. P. 465.
4. DÖGE, Ulrich. Catalogue of Weimar Films. In: KARDISH, Laurence (Ed.). Weimar Cinema, 1919-1933. Daydreams and Nightmares. New York: The Museum of Modern Art, 2010. Pp. 78-9.
5. JUNG, Uli. You Must Become Caligari! The Cabinet of Dr. Caligari and its Comercial and Artistic Success. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., p. 306.
6. Idem, pp. 306-10.
7. EIBEL, Alfred (org.); LANG, Fritz. Trois Lumières. Écrits sur le Cinéma. Paris : Éditions Ramsay, 2007. P. 36.
8. BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., pp. 14, 39, 45 n85 e n111.
9. GEHRING, Petra. Op. Cit., pp. 236-9.
10. Idem, p. 236.
11. Ibidem.
12. Ibidem.
13. DILLMANN, Claudia. They Had the Cinema… Networks in the Expressionist Film of the Early Weimar Republic. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., p. 282.
14. Idem.
15. BEIL, Ralf. “For me There is no Other ‘Work of Art’”. The Expressionist Total Artwork – Utopia and Pratice. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., pp.
36, 39, 45; e pp. 17, 249, 250, 252, 253, 256.
16. GEHRING, Petra. Op. Cit., p. 236.
17. KUZNIAR, Alice A. The Queer German Cinema. California: Stanford University Press, 2000. Pp. 18, 21, 26.
18. KAES, Anton. Shell Shock Cinema. Weimar Culture and the Wounds of War. Princeton: Princeton University Press, 2009. Pp. 46-8.
19. Idem, p. 48.
20. Ibidem, pp. 53-4.
21. Ibidem, p. 53.
22. Ibidem, p. 56.
23. Ibidem, pp. 59, 63.
24. Ibidem, p. 62.
25. Ibidem, p. 226n31.
26. EIBEL, Alfred (org.); LANG, Fritz. Op. Cit., p. 71.
27. EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. As Influências de Max Reinhardt e do Expressionismo. Tradução Lúcia Nagib. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. P. 23.
28. KAES, Anton. Op. Cit., p. 75-80.
29. KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Tradução Tereza Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Pp. 83, 84.
30. Idem, p. 88.
31. KAES, Anton. Op. Cit., p. 77.
32. Idem, p. 79.
33. Idem, p. 80.
34. ELSAESSER, Thomas. Inside the Mind, a Soul of Dynamite? Fantasy, Vision Machines, and Homeless Souls in Weimar Cinema. In: KARDISH, Laurence (Org.). Op. Cit., p. 26.
35. ROBINSON, David. O Gabinete do Dr. Caligari. Tradução José Laurenio de Melo. São Paulo: Rocco, 2000. P. 70.
36. EISNER, Lotte H. Op. Cit., pp.11, 12.

18 de nov. de 2015

A Chinesa e o Cinema Político de Godard



Na época de seu lançamento, A Chinesa (La Chinoise, 1967) foi considerado um filme profundamente irrealista. Entretanto, visto em retrospecto, acabou antecipando os acontecimentos do ano seguinte, o famoso Maio de 68. Este ano marcou o rompimento definitivo de Godard com seus métodos anteriores de produção, iniciando uma fase de quatro anos de experimentos com “filmes políticos”. Na verdade, a política nunca esteve ausente do trabalho de Godard. De acordo com Colin MacCabe, Godard demonstrava um interesse pelo entrelaçamento da sociedade com sua representação que não era muito evidente em seus companheiros do Cahiers du Cinéma (1).

O engajamento político em O Pequeno Soldado (Le Petit Soldat, 1960) valeu a Godard até mesmo censura. Mas foi apenas a partir de O Demônio das Onze Horas (Pierrot Le Fou, 1965), explica MacCabe, que o Vietnã e a política iriam se tornar um tema maior. Durante entrevista perguntaram a Godard se estaria interessado em fazer um filme político. Ao cineasta interessava a história de um estudante. Uma história da Clarté, revista do movimento dos estudantes comunistas. No começo dos anos 60 do século passado, inspirados por mudanças ocorridas no interior do Partido Comunista Italiano, a organização dos estudantes comunistas franceses (e seu jornal Clarté) tentou abrir a tradição Comunista a um engajamento com aquilo que consideravam a política e a cultura do presente. Esse grupo, que ficou conhecido como “os italianos”, foi expurgado do movimento dos estudantes comunistas em outubro de 1965.




Godard reconheceu a importância dessa mudança e admitiu que um filme sobre a Clarté teria ficado muito focado nos “italianos”. Mas garantiu que estudantes comunistas seriam assunto para um próximo filme. Dois anos depois, faria um filme sobre “os chineses”. A estudante que atuaria no papel principal, Anne Wiazemsky, estava associada a grupos anarquistas obscuros na nova Universidade de Nanterre – e se casaria com Godard. De acordo com Alain Bergala, a relação com Wiazemsky leva Godard a se apaixonar pela filosofia e frequentar a casa do filósofo Francis Jeanson (que participará da sequência final de A Chinesa).

Porém, ao mesmo tempo, o cineasta se encontrava em Nanterre com pequenos grupos de estudantes marxistas-leninistas. Dentre eles, Jean-Pierre Gorin, com quem Godard inaugura uma aliança político-cinematográfica por alguns anos. Wiazemsky sente-se mais próxima do grupo de Daniel Cohn-Bendit, chamado Movimento 22 de Março. Nanterre, naquela época, era um misto de foco radical (incluindo ex-comunistas heterodoxos como Henry Lefebvre e Jeanson), instalações inadequadas (a Universidade começou a funcionar antes de terminar a biblioteca) e transporte deficiente para Paris (2).

Na versão de Bergala, Godard pensa num primeiro momento em realizar uma investigação-reportagem sobre os jovens comunistas de 1966, tanto os pró-soviéticos quanto os pró-chineses – sendo que o tema original seria a querela entre chineses e soviéticos. Numa primeira versão, o filme contaria a história de dois estudantes por uma moça de Direita. Na segunda versão, o cineasta Jean Rouch, atuando como ele mesmo, trabalharia num filme sobre pró-chineses exilados (3).

Férias Escolares em Paris

Embora os roteiros de Godard tendam a ser apenas idéias gerais, o roteiro original de A Chinesa é coerente com o filme, contextualizando a história a partir do racha entre os partidos comunistas da China e da antiga União Soviética a partir de 1956 (4). O texto segue explicando que o filme “descreve a aventura interior” de um grupo de cinco jovens durante as férias de verão de 1967, que tentam aplicar em suas próprias vidas os métodos teóricos e práticos em nome dos quais Mao Tsé-Tung (Mao Zedong, 1893-1976) havia rompido com o “aburguesamento” dos comunistas soviéticos e dos principais partidos comunistas ocidentais. Partindo de No Fundo (também conhecido como Ralé), de Maxim Górki (1868-1936), Godard procurou fazer dos personagens representantes de cinco níveis particulares da sociedade. O apartamento onde estão foi emprestado para um deles pela namorada, cujos parentes estão em viagem de férias. Ali vivem de maneira simples e severa, compartilhando recursos e idéias. 



“Nós somos os discursos dos outros”


No roteiro, Godard os define como um grupo de Robinsons Crusoé ao estilo marxista-leninista – onde o marxismo faria o papel de Sexta-Feira. Véronique é estudante de filosofia na Faculdade de Letras de Nanterre, os problemas de pensamento e moral se colocam para ela em termos imediatos e concretos. Guillaume é ator. O estudo e a aplicação a sua própria vida dos pensamentos de Mao o levarão a um teatro “verdadeiramente socialista: o teatro de porta em porta”. Henri é o mais científico do grupo e será expulso (e considerado revisionista) ao sugerir a coexistência pacífica com a burguesia. Ele se opunha à opção proposta por Véronique (aprovada por unanimidade): planejar e executar o assassinato de uma personalidade através de um ato terrorista (no roteiro original Godard coloca como vítima uma alta personalidade do mundo cultural e universitário francês, no filme fala-se de um ministro soviético). Kirilov é o encarregado da redação de slogans nas paredes do apartamento, irá se suicidar por não ter sido o escolhido para realizar o ato terrorista. Yvonne representa os camponeses, se prostituiu para resolver seus problemas financeiros na cidade grande e se ocupa dos trabalhos domésticos e da cozinha. Durante uma viagem de trem Véronique encontrará seu professor de filosofia. A conversa entre os dois gira em torno de humanismo e terror, sugerindo que Véronique está hesitando em passar a ação.

O Contexto de A Chinesa



Como Godard passou a frequentar Nanterre em função de Wiazemsky, teve acesso aos manifestos de alunos que denunciavam o capitalismo. MacCabe chama atenção que nos dias atuais, com o desemprego ameaçando a todos, é difícil compreender uma época na qual um grande número de estudantes estivesse mais preocupado em questionar a autoridade dos professores. Aquele momento histórico, explica MacCabe, foi muito particular. No final da Primeira Guerra Mundial, após todo aquele morticínio as classes trabalhadoras se confrontaram com o desemprego em massa (e Hitler foi a luz no fim do túnel para os alemães). Sendo assim, a mobilização da população durante a Segunda Guerra Mundial partia da premissa de que desta vez tudo seria diferente ao final do conflito (5).

Aqueles estudantes europeus frequentando a Universidade em 1967 formavam a primeira geração na história do capitalismo que viveu numa sociedade do pleno emprego. A ansiedade e a preocupação não eram mais com o mercado de trabalho, mas se os empregos seriam ou não alienantes. A alienação era a questão da moda numa sociedade programada para gerar postos de trabalho (fora de questão que fossem entediantes e repetitivos) e crescer a qualquer custo. O problema para alguns passou a ser a compreensão do processo onde o emprego era usado contra o homem. Aliado a isso, dois eventos em 1956 marcaram o pensamento de esquerda: o discurso de Nikita Kruschev contra Stalin e, ao mesmo tempo, a repressão stalinista à revolta na Hungria. 

Concomitantemente, surgiam uma série de questionamentos em relação à neurose e a loucura. Comportamentos classificados como “normal” e “louco” passaram a ser associados mais à expectativa social do que à patologia individual. O conflito de gerações se aprofunda, em Masculino Feminino (Masculin Féminin, 1966), Godard mostra a influência da pílula anticoncepcional na vida das mulheres. Durante a década de 60 do século passado, uma filha tinha diante de si um leque bastante diverso de condições se comparado ao que dispôs sua mãe. Por outro lado, ressalta MacCabe, é curioso notar como numa era em que o sexo se tornava uma mercadoria, ele também tinha uma força subversiva que consolidava o hiato entre as gerações.




Esse hiato estava presente em Nanterre (imagem acima, arredores da Universidade), onde um conhecido de Wiazemsky chamado Daniel Cohn-Bendit participava de um grupo chamado Anarquistas – posteriormente Bendit formaria o Movimento 22 de Março. Em 8 de janeiro de 1968, François Missoffe visitou Nanterre. Partidário de Charles de Gaulle e Ministro dos Esportes, ele acabava de escrever um livro de trezentas páginas sobre a juventude francesa. Questionado por Cohn-Bendit por que a palavra sexo não era mencionada, Missoffe mandou o rapaz tomar um banho frio, ao que ele retrucou: “é uma resposta digna da Juventude Hitlerista”. MacCabe também inclui as drogas e o rock’n’roll na salada cerebral apresentada àquela juventude. Some-se a isso o detalhe não menos importante da censura na França, que por vontade do então presidente Charles de Gaulle, se tornou uma atribuição de ministro. Muitos filmes de Godard foram perseguidos pela censura. Em A Chinesa, Godard coloca na boca de um dos personagens sua reprovação à atitude do governo francês em relação ao filme de Jacques Rivette, A Religiosa (La Religieuse, 1966), que juntamente com a pressão da Igreja Católica chegou a banir o filme.

Não Confie em Ninguém Com + de 30

Se para alguns a menção ao rock’n’roll, às drogas e a pílula por MacCabe para contextualizar A Chinesa parece um pouco exagerada, talvez seja necessário reforçar uma das evidências principais para quem assiste ao filme. A juventude daqueles estudantes por si só suscita questões. Se inicialmente Pasolini elogiou o desespero dos estudantes italianos em O PCI aos Jovens!, logo a seguir questionou a capacidade de julgamento deles em relação ao significado e os desdobramentos de suas ações naquele contexto. Não é por acaso quem as agências de propaganda e marketing fazem de tudo para ganhar os corações e mentes de crianças e jovens. 

No caso dos adultos, talvez Federico Fellini tenha sido o cineasta que melhor ilustrou o processo de infantilização na Itália. Filmes como Amarcord (1973), Ensaio de Orquestra (Prova d’Orchestra, 1978) e Cidade das Mulheres (La Città delle Donne, 1980), aqui e ali afirmam a dificuldade dos italianos (desde a mais tenra idade até a velhice) de protagonizarem tanto a vida política do país (daí a força simbólica de Mussolini, que Amarcord mostra muito bem, enquanto Ensaio de Orquestra sugere a necessidade que os italianos sentem da presença de um líder que mande neles...) quanto sua própria vida sexual e afetiva (Cidade das Mulheres).



 “É preciso confrontar idéias 
vagas  com  imagens claras”


Mas no caso da França, Godard parece sugerir que o problema são os adultos, especificamente aqueles no governo. Para Alain Bergala, A Chinesa tem algo de filmes anteriores de Godard como Uma Mulher Casada (Une Femme Mariée, 1964) – uma dramaturgia reduzida a sua mais leve expressão – e Masculino Feminino (Masculin Féminin, 1966): aproximar-se daquela nova juventude, e aqui Bergala evoca palavras de Pasolini, através de jovens que pudessem ser intermediários entre ele e uma nova forma de viver a realidade. Godard definiu A Chinesa como um filme de auto-educação. Aqueles jovens procuram educar a si mesmos a partir dos problemas que eles ouvem falar. É como em Masculino Feminino, resumiu Godard em 1967 no semanário France Catholique, uma aventura de ficção com estruturas reais (6).

De acordo com Bergala, a Nouvelle Vague soube manter-se conectada às novas gerações, especialmente cineastas como Jacques Rivette, Eric Rohmer e Jean-Luc Godard. Evocando novamente Pasolini, Bergala cita seu romance póstumo, Petróleo. Pasolini fala da juventude como algo cuja vivência corporal escapa aos mais velhos. Não podemos viver corporalmente os problemas dos adolescentes, disse ele. Pasolini acreditava que realidade vivida pelos corpos deles está interditada aos mais velhos. Podemos reconstituí-la, imaginá-la, interpretá-la, mas não podemos vivê-la. Um mistério que, insiste Pasolini, se estende à vida das crianças. O mistério para ele é um corpo que vive a realidade, uma continuidade que se interromperia na idade adulta. 

O segredo de Rivette, Rohmer e Godard, foi considerar que o cinema é a única arte capaz de resistir a essa maldição, uma vez que sua matéria primeira é precisamente o corpo. Bergala acredita que eles mostraram que é possível transferir para um filme uma experiência da realidade vivida através de seus corpos. Em relação à Chinesa, Godard explicou ao Le Monde em 1967 que buscou indivíduos típicos da sociedade francesa com um único ponto em comum: a juventude. Porque os jovens, disse Godard, tem o rosto do futuro. Como ainda não foram “consumidos” pela sociedade seus rostos ainda não usam máscaras, podendo ser filmados sem maquiagem. 

Godard e a Revolução 



Uma perspectiva de vida não mais determinada exclusivamente por cálculos financeiros e uma negação da rotina de trabalho estilo “das 9 as 5” encontrariam um foco na Guerra do Vietnã.  A luta dos vietnamitas contra o “agressor imperialista” norte-americano se aglutinava com a imagem da vitória de Fidel Castro em Cuba. É nesse contexto que a revolução cultural chinesa de Mao Tsé-Tung irá influenciar os acontecimentos de Paris em 1968. A noção de uma Revolução Cultural foi de Lênin, para quem tal coisa seria necessária caso um partido comunista (leia-se não burguês) não estivesse conseguindo administrar as relações econômicas. E foi isso que Mao fez na China. Na opinião de MacCabe, entretanto, Mao não foi capaz de questionar a supremacia do partido comunista. A Revolução Cultural se transformou numa luta pelo poder, na qual os opositores de Mao eram perseguidos.

Os expurgos eram acompanhados de exibições públicas, onde aqueles considerados contra-revolucionários eram humilhados em praça pública. O cineasta italiano Bernardo Bertolucci mostrou bem isso em O Último Imperador (The Last Emperor, 1987). Um Livro Vermelho passou a ditar as regras, e podemos vê-lo em grandes quantidades em A Chinesa. Quando Mao morreu em 1976, assumiu um de seus homens de confiança, cujo primeiro ato foi mandar prender a Camarilha dos Quatro – do qual fazia parte a esposa de Mao. Deng Xiaoping, que havia sido banido por Mao, será reabilitado e levará a China pela estrada do capitalismo que conhecemos hoje.

Mas em 1966, a Revolução Cultural era vista como um momento de renovação. Seu impacto na França se deveu ao filósofo Luis Althusser (1918-1990) e a École Normale Supérieure. A École é uma instituição de elite que prepara professores para a Universidade e a escola secundária, seus alunos são estimulados a seguir os próprios interesses intelectuais, atitude que tem origem na Revolução Francesa - quando a École foi fundada em oposição ao sistema existente, considerado reacionário e medieval. Althusser era proveniente da École (embora na maior parte do tempo numa posição administrativa) e segundo MacCabe não se pode compreender o engajamento de Godard ao maoísmo sem ele. MacCabe sustenta que Althusser é a influência intelectual dominante em A Chinesa. O prefácio de seu livro, Pour Marx (1965), é citado extensivamente, seu ensaio sobre Bertold Brecht é referido por Guillaume (personagem de Jean-Pierre Léaud), assim como o são os Cahiers Marxistes Leninistes, produzidos na École pelos alunos de Althusser. Jean-Pierre Gorin, colaborador de Godard em sua fase política posterior à Chinesa, colaborou também na criação dos Cahiers.

A postura de Godard em relação aos estudantes contrasta com a de Pier Paolo Pasolini, muito crítico em relação aos estudantes italianos que, no rastilho dos acontecimentos de Paris, questionaram as instituições italianas. No poema O PCI aos Jovens! Pasolini elogia o espírito desesperado dos estudantes, mas também os acusa de serem burgueses legislando em causa própria. O poeta e cineasta italiano ficou do lado dos policiais, gente pobre que ele tanto amava e que não tinha outra opção senão arrumar emprego de verdugo - um povo sem salário, sem casa, sem Universidade e sem dignidade. Numa Itália aonde, para desalento de Pasolini, o horizonte das pessoas só ia até a pretensão de tornarem-se burgueses. Depois de representar uma universitária maoísta em A Chinesa, Anne Wiazemsky aceitará o convite de Pasolini para atuar em Teorema (1969) como uma filha da burguesia para quem a única saída é a catatonia.

Um pouco antes, em 1964, outro italiano, o cineasta Bernardo Bertolucci, problematizaria bastante os ideais da esquerda em Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione). Em 1968, o mesmo Bertolucci apresentará Partner, cheio de slogans que o ator Pierre Clementi trazia das ruas de Paris em ebulição para Roma. Patner faz inclusive uma citação de A Chinesa, com Clementi atrás de uma parede de livros. Com a diferença de que os livros de Bertolucci eram de todas as cores, não apenas vermelhos como os de Godard. Mas o italiano prestará uma homenagem ao filme de Godard em Os Sonhadores (The Dreamers, 2003), pois podemos ver um cartaz de A Chinesa no apartamento do trio de jovens em Paris durante os distúrbios de 1968. Em O Pequeno Soldado, bem antes do maoísmo de A Chinesa, mesmo Godard colocou na boca de Bruno Forestier um toque de desencanto com a esquerda: “Para quê serve a revolução hoje? Se a Direita ganha, ela se apropria das políticas de Esquerda. E vice-versa”.

Do Terrorismo ao Casamento



Godard também utilizou alguns textos anarquistas de Cohn-Bendit (que juntamente com os de Althusser serão as duas posturas mais em evidência em 1968), o que na opinião de MacCabe evitou que A Chinesa se tornasse um filme marxista-leninista ortodoxo. No filme, o grupo decide pela ação terrorista para assassinar o Ministro da Cultura soviético, na ocasião de sua visita à França. Violência também é o tema da conversa entre Véronique, personagem de Wiazemsky, e o filósofo Francis Jeanson no final do filme. Jeanson havia sido professor de filosofia de Wiazemsky e líder de uma rede que protegia terroristas argelinos e foi julgado em 1960 (a guerra de independência da Argélia era um tema quente na França de então) (7).

Na conversa que assistimos entre os dois, Jeanson é contra o terrorismo sugerido por Véronique (cujos argumentos lhe eram soprados no ouvido por Godard através de um ponto eletrônico, embora ele não pudesse ouvir as respostas de Jeanson, o que explica algumas situações estranhas na seqüência). Embora a ligação entre os estudantes revolucionários e a violência seja uma parte essencial de A Chinesa, MacCabe sugere que se trata de uma opção pessoal de Godard, já que na França não se viu florescer a opção pelo terrorismo entre universitários – como ocorreu na Alemanha com o Baader-Meinhof e na Itália com as Brigadas Vermelhas. Durante as filmagens de A Chinesa acontece o casamento de Godard com Wiazemsky. O que seria apenas uma nota, não fosse o fato de que ele militava na extrema-esquerda e ela fosse neta de um dos pilares do gaulismo francês, François Mauriac. O problema é que a mãe dela contou para a imprensa, enquanto Mauriac abençoou publicamente a união.

Consumindo o Anti-Consumismo

Keith Reader reafirma a sensação de muitos observadores que concordam em considerar a imprevisibilidade como o traço básico de Maio de 68. Poucos achavam ou sequer concebiam a hipótese de que em poucas semanas os protestos dos estudantes em Nanterre se espalhariam de tal modo que chegariam a ameaçar a própria sobrevivência da Quinta República francesa. Os acontecimentos de Maio trouxeram ventos de mudança para os mundos da educação e da cultura. Por outro lado, no que diz respeito ao cinema, Reader mostra que ele se viu isolado, apesar do fechamento do Festival de Cannes e da bem sucedida campanha para reintegrar Henry Langlois à direção da Cinemateca, da qual havia sido demitido sob a alegação de administração incompetente - evento reconstituído em Os Sonhadores, de Bertolucci. A exceção seria Godard, principalmente pelo fato de A Chinesa e Week End anteciparem Maio (8).

Quando A Chinesa foi realizado, pensar no potencial radical de Nanterre não passava de uma nota de rodapé nos debates políticos da época. E este é o tom da fala de Jeanson com Véronique na viagem de trem entre Paris e Nanterre – cujo nome da estação ferroviária é (era?) La Folie, “A Loucura”. Os atentados a bomba propostos pela estudante eram questionados por Jeanson (intelectual com histórico de grande apoio e participação na causa dos guerrilheiros argelinos que lutavam contra o domínio francês na década de 50). Para Jeanson, tais atos individualistas “aventureiros” (e aqui Reader faz menção ao uso constante dessa palavra pelo partido comunista francês na época) não podem substituir a árdua tarefa de construção de um movimento de massas.



 Godard se perguntava qual é o papel do 
intelectual  e  do  cinema  na  revolução


Enquanto MacCabe afirma que A Chinesa foi considerado profundamente irrealista quando foi lançado, Reader disse que o filme foi tomado mais como uma sátira ao Maoísmo do que uma adesão polêmica a ele. Reader sugere que Godard reconhece isso implicitamente em 1967, ao dizer que o filme aborreceu o pessoal da embaixada da China em Paris e aos comunistas franceses jovens, fossem a favor ou contra os chineses. Na verdade, sugere Reader, o trabalho posterior de Godard durante a década seguinte no Grupo Dziga Vertov e Sonimage demonstra uma identidade com a fala de Jeanson para Véronique quanto à necessidade de um trabalho paciente na luta revolucionária. Não esqueçamos que Henry, expulso do grupo acusado de revisionismo, é um ex-comunista que acaba meditando sobre a hipótese de reingressar no Partido, como muitos ex-gauchistes (genericamente falando, a extrema-esquerda, os trotskistas) fizeram na década de 70. A Chinesa seria apenas um primeiro passo nessa direção, e não coisa de “aventureiro”. Além disso, insistiu Reader, não faz sentido chamar Godard de aventureiro no contexto francês. Por outro lado, se não existiu terrorismo francês como em A Chinesa, o filme foi profético em relação ao Baader-Meinhof, na Alemanha, e as Brigadas Vermelhas, na Itália.

Week End é uma sequência lógica de A Chinesa, no sentido de que ele também antecipa a França de 1968: ataque ao engessamento da universidade burguesa e à sociedade de consumo. O casal Corine e Roland apresenta os vícios da sociedade de forma caricatural. Reader acredita que eles não desenvolveram uma percepção em relação ao mundo educacional. Segundo Reader, sua incompreensão recíproca prefigura o abismo cultural de Maio de 68. Reader evoca a conclusão de Jean-Louis Bory, para quem Week End está ligado à Chinesa, mas também à Made in USA (1966) e Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela (Deux ou Trois Choses que Je Sais d’Elle, 1966), como parte de uma análise da França gaulista. 

Para Bory, Godard é um panfletário de uma geração buscando um caminho entre duas formas de revolução que se sustentam reciprocamente: a primeira ideológico-reflexiva, em A Chinesa; e uma segunda visceral e contra o consumismo, em Week End. As duas irão coincidir e se fundir no Maio de 68, que Godard prefigurou de forma notável. Embora decrete que já se encerrou a batalha entre “as crianças da Coca-Cola e de Marx”, a que Godard se referiu em Masculino Feminino, Reader faz uma ponte com o século 21. A mensagem desses filmes (e a seqüência de Maio de 68) estaria viva tanto em livros como Espectros de Marx e Marx et Fils, do filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), quanto no movimento anti-globalização.

A Canção Mao Mao e o Tigre de Papel



Certo dia durante as filmagens, um desconhecido que o esperava na rua deu a Godard um disco misterioso. O cineasta gostou da música e resolveu incorporá-la em A Chinesa - segundo Anne Wiazemsly, Godard disse, “eu recebi uma caça formidável”. O cantor Godard não conhecia, mas o co-autor da música era Gerard Guéguan, que havia escrito uma reportagem sobre O Demônio das Onze Horas para os Cahiers du Cinéma. A música foi lançada em compacto simples de 45 rotações pouco tempo depois. Alguém encarregado da liberação do filme no governo achou que essa música (dita de caráter “pseudo-político”), aliada ao assassinato de um ministro soviético e a postura pró-chinesa dos personagens do filme, poderia precipitar problemas políticos e de ordem pública no plano nacional e internacional, podendo até abalar as relações franco-soviéticas. Mas essa argumentação não convenceu aos demais membros da comissão governamental (9).

A certa altura de A Chinesa, Yvonne está de pé contra a parede, com típico chapéu de camponês chinês e sangue escorre por seu rosto, braço e roupa. Ela repete insistentemente uma frase: “socorro senhor Kosiguin”. Sobre ela, um móbile com aviões que parecem atacá-la. Um deles tem boca e olho. Yvonne certamente faz o papel de uma vietnamita, cujo país estava sendo atacado pelos Estados Unidos desde 1964 – em 1954 a França, antiga “dona” da região, foi expulsa pelo exercito do Vietnã. O senhor Kossiguin é Alexei Kossiguin (1904-1980), sucessor de Nikita Kruchev como presidente do Conselho de Ministros da União Soviética. 




O avião com boca, que parece uma decoração de arte pop, é uma miniatura do P-40 da esquadrilha dos Tigres Voadores ostentando a chamada shark teeth nose art. Antes de o Japão atacar os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, ele havia invadido a China. Os norte-americanos mantinham aviões de combate para reprimir os japoneses sem assumir uma declaração de guerra. Esses aviões tinham essas bocas e olhos raivosos pintados em seu bico, uma prática que se estendeu durante a Segunda Guerra, a Guerra da Coreia e no Vietnã. Em Zabriskie Point (1970), filme que o italiano Michelangelo Antonioni dirigiu nos Estados Unidos sobre a sociedade norte-americana (e que por algum motivo os anfitriões não gostaram), a certa altura o mocinho (que mata um policial durante protestos estudantis na Califórnia) vai passear no deserto com um avião. Lá pelas tantas, ele pinta uma cara no bico da máquina voadora. Hoje em dia, ainda é comum encontrar essa pintura em muitos aviões de combate supersônicos norte-americanos (10).

Na época da esquadrilha dos Tigres Voadores, os norte-americanos usavam Chiang Kai-shek (1887-1975) e ignoravam o comunista Mao Tsé-Tung. Quando a guerra civil estourou e Mao venceu, os norte-americanos já eram chamados de tigres de papel. Chiang foi para Taiwan (também conhecida como formosa) e fundou a República da China, contrapondo-se à República Popular da China, chefiada por Mao e idolatrada pelo grupo de jovens de A Chinesa. Supondo que exista algum simbolismo na geometria da tela do filme de Godard, curiosamente o Tigre Voador norte-americano (que representa a Direita) está do lado esquerdo da imagem. Ao passo que, do lado direito, temos a miniatura de um avião da Alemanha nazista chamado Stuka pintado de preto e ostentando o emblema da força aérea norte-americana (embora diferente, o emblema do Tigre Voador também é da força aérea norte-americana). Além disso, na falta de uma tela grande, fotografias da cena mostram que o emblema (no avião alemão) está colado de cabeça para baixo.

Brecht, Godard e A Chinesa

Em O Desprezo, Fritz Lang faz um comentário sobre A Balada do Pobre BB. Nesse desabafo o dramaturgo alemão Bertold Brecht, exilado nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, fala de seu exílio na fábrica de sonhos de Hollywood. De Viver a Vida (Vivre as Vie, 1962) a Tudo Vai Bem (Tout va Bien, 1972), Brecht se torna uma influência crescente para Godard. Como na cena de A Chinesa onde o nome de Brecht é o único que sobrevive (não foi apagado do quadro negro) aos questionamentos do grupo maoísta.

MacCabe acredita que o engajamento de Godard se deveu à estética modernista de Brecht, e não ao apoio deste ao stalinismo. O realismo socialista era a estética dominante no dogmatismo stalinista, algo muito distante do realismo concebido por André Bazin (que enfatizava os objetos reais diante da câmera) e de Godard (que incluía aí a posição da câmera também). MacCabe afirma que Brecht conseguiu trabalhar esses dois pontos, mesmo no universo da antiga Alemanha Oriental onde viveu. As tendências de Bazin e Godard estariam presentes na determinação brechtiana de que a matéria-prima de qualquer ficção deve ser estabelecida a partir do registro histórico, e que essa matéria deve ser parte do assunto da obra de arte (11).

A Chinesa na Encruzilhada



Do ponto de vista do conjunto da obra de Godard, A Chinesa se encontra na encruzilhada de uma passagem que levará o cineasta francês a trabalhar a pintura no cinema (aquilo que há de pictórico no cinema) durante os anos 80. Philippe Dubois mostra que, se em O Pequeno Soldado e Tempo de Guerra (Les Carabiners, 1963) o cineasta trabalhou com referências pictóricas (Paul Klee no primeiro, Rembrandt e Michelangelo no segundo), em A Chinesa (com sua imagética da arte pop e história em quadrinhos) e Le Gai Savoir (1968) (com suas fotos desviadas e legendadas: “Hegel-é-o-primeiro-pensador-que-sustentou-o-tapa-como-argumento-filosófico-irrefutável”), a prática da colagem como processo de análise, decomposição e recomposição torna-se sistemática, conduzindo ao trabalho de decomposição-recomposição eletrônica pelas trucagens de vídeo em Aqui e Lá (Ici et Ailleurs, 1976), Numéro Deux (1975), Six Fois Deux (1976), Comment ça Va? (1978), France/tour/détour/deux/enfants (1979) e os “vídeo-roteiros” (12). 

Dubois também ressalta o poder da escrita na tela nos filmes de Godard. Presença das palavras, que ao mesmo tempo ele ama desconfiando, já sentida nos filmes dos anos 60. De Acossado a Week End (1967), passando por A Chinesa, nos deparamos o tempo todo com personagens lendo textos, jornais, livros, inscrições ou escrevendo um diário, cartas, slogans. Mas nesta fase Godard nos mostra na tela palavras que ainda estão atreladas no universo narrativo e na ação dos personagens. Nos termos de Dubois, as palavras inscrevem-se na imagem, ainda não sobre a imagem – encontram-se no nível do enunciado, não atingiram a esfera da enunciação. A tela-quadro negro de A Chinesa remete ao conteúdo do filme e não ao próprio filme como realidade enunciativa primeira. É quando o texto não está mais no filme, mas é o próprio filme. Típicos dessa fase são os filmes militantes e políticos do período Dziga Vertov (1968-1972), prolongando-se nos filmes e experiências de vídeo/televisão dos anos 1974-78. De acordo com Dubois, A Chinesa é o ponto culminante dos textos na fronteira do enunciado e da enunciação. Trata-se de um filme-texto, um slogan transformado em filme...

“(...) Um filme a ler e escutar tanto quanto (senão mais) a ver (isto se tornará um dos temas principais dos filmes militantes que seguirão [no período Dziga Vertov]). Tudo está reunido ali: os livros (o livrinho vermelho, em centenas de exemplares em todas as prateleiras), o quadro-negro onde se inscreve o programa das reuniões de trabalho, os slogans que cobrem todas as paredes do apartamento (as paredes têm a palavra), as citações desviadas de todos os gêneros (propagandas, textos literários, discursos jornalísticos ou políticos), sem esquecer as modalidades orais da palavra sob todas as suas formas (entrevistas, exposições pedagógicas, diálogos de teatro, manifestações reivindicativas, etc.). Este filme é, com efeito, um programa: a onipresença do discurso, se parece vir sempre dos personagens, se volta na verdade sobre eles, que aparecem aqui mais como ‘instâncias discursivas’, porta-vozes, intermediários ou pretextos enunciativos do que como personagens motores de uma ‘história’ (efeito do brechtianismo do filme). Passagem do enunciado à enunciação, do texto assumido diegeticamente [parte do conteúdo do filme] ao texto cada vez mais filmicamente discursivo. Como diz um letreiro do filme, trata-se do ‘fim de um início’” (13)

Godard por Godard: Cinema Político



Questionando algumas críticas e mesmo alguns elogios que recebeu por A Chinesa, Godard esclareceu que aqueles cinco jovens não faziam parte de um verdadeiro grupo marxista-leninista. Provavelmente, disse o cineasta, eles pretendiam ser parte da juventude chinesa que pôs em marcha a Revolução Cultural - a Guarda Vermelha. De qualquer forma, em relação a Véronique, Godard explica também que o tom de voz suave dela no final do filme é de quem está fazendo um balanço. Ela se dá conta de que não deu um grande salto adiante porque aquele que ela escolheu para matar não era grande coisa (14). 

Na época, Godard deixou claro que seu pensamento não deveria ser identificado com o dos personagens. São eles que adotam as teses de Mao Tsé-Tung e dos Cahiers Marxistes Leninistes, rejeitando as do partido comunista francês.  O único movimento que Godard assume aderir é o cinematográfico. Quando Henry é expulso do grupo acusado de revisionista, muitos espectadores tomaram suas dores. Na época, Godard concluiu que essa adesão fosse apenas um efeito melodramático por parte da plateia. Henry foi questionado por quatro pessoas, sua posição de vítima o fazia parecer uma ovelha indefesa. O cineasta conta que é enganosa a sensação de que Henry é o único do grupo que se justificava completamente, os outros não o faziam porque para eles as coisas estavam mais claras.

A certa altura de A Chinesa, ouvimos o comentário de que alguém está misturando as palavras e as coisas. De fato é uma referência a Michel Foucault, que escreveu um livro chamado As Palavras e as Coisas. É que Godard não entende de onde vêm as certezas de Foucault. Para prevenir-se contra a presunção de gente como Foucault, disse Godard, é que ele tenta fazer cinema. Essa é também a natureza da crítica que Godard fez à tese de Pasolini sobre o cinema de poesia. Em resposta, Pasolini respondeu que Godard era um idiota e Bertolucci completou sugerindo que o cineasta francês estava sendo muito moralista.


 

Em 1969 Godard afirmou que, apesar de partirem de um ponto de vista diferente dos filmes comerciais, ainda não se haviam feito filmes de, mas sobre Maio de 68. Não existe, dizia Godard na época, filme revolucionário que seja produzido dentro do sistema. É preciso se instalar à margem para poder vislumbrar as contradições do Sistema e sobreviver fora dele. Um filme como Le Gai Savoir, explicou o cineasta, é reformista, embora contenha lições revolucionárias, métodos e idéias. Depois de Maio de 68, Godard concluiu que o filme obedecia mais do que contestava às estruturas cartesianas. O que o torna um filme reformista é o fato de que não foi pensado como revolucionário, mas apenas como um filme. É por isso, conclui Godard, que este filme tem apenas aplicações reformistas (15).

Ao fato de que A Chinesa tenha antecipado alguns elementos de Maio de 68, Godard disse que não estava interessado em ser profético e que este era outro filme reformista. Um de seus erros, explicou o cineasta, foi preferir trabalhar sozinho, o que tornou A Chinesa apenas uma pesquisa de laboratório sobre o que as pessoas fazem na prática. Quando se refere a “trabalhar sozinho”, Godard fazia uma critica da noção de “autor”. Para filmar de maneira politicamente justa, disse ele, é preciso se por ao serviço dos oprimidos e/ou politicamente justos. Aprender com eles. Para Godard, “a noção de autor é uma noção completamente reacionária. Ela talvez não fosse naqueles momentos onde havia [certa evolução] dos autores em relação a seus patrões feudais. Mas a partir do momento em que o escritor ou o cineasta dizem: ‘eu quero ser o patrão porque sou o poeta e eu sei’; então, aí, é completamente reacionário” (16).




Em 1970 o cineasta queria fazer um filme político sobre a resistência armada dos palestinos no Oriente Médio, mas admitiu o fato de não haverem sido educados para apresentar imagens políticas. Mais do que mostrar imagens, a proposta de Godard foi realizar uma análise política da revolução palestina criando relações entre as imagens. Os membros da resistência palestina participaram da realização do projeto e as dificuldades adivinham do fato de não se tratar de um filme feito por simpatia política, mas como resultado de discussões políticas. Contudo, após a morte de alguns palestinos do grupo em combate o projeto foi suspenso. Aqui e Lá, foi realizado a partir do material que chegou a ser filmado sob a égide do Grupo Dziga Vertov.

Durante suas visitas a Nanterre e nas filmagens de A Chinesa, Godard conhece Jean-Pierre Gorin. Depois de Maio de 68, Gorin era um militante que decidiu que fazer cinema era uma de suas tarefas políticas, ao mesmo tempo para teorizar sobre o evento e passar à prática. Godard, por outro lado, estava à procura de alguém de fora do cinema. Juntos pretendiam fazer politicamente o cinema político, o que na opinião de Godard era bem diferente daquilo que faziam outros cineastas militantes. Com mais três componentes, Gérard Martin, Nathalie Billard e Armand Marco, eles fundaram em 1968 o Grupo Dziga Vertov.

Havendo realizado nove títulos, vários dos quais com a difusão proibida pelos próprios financiadores, o coletivo se desfaz em 1972. Dentre as produções mais desconhecidas encontram-se Bristish Sounds (financiado e recusado pela BBC) e Pravda (ambos de 1968), Luttes en Italie (1969, produzido e recusado pela televisão italiana, RAI) e Vladimir e Rosa (1971, produzido e recusado pela televisão alemã de Munique, Téle-Pol). Dentre os títulos mais conhecidos estão Vento do Leste (Le Vent d’Est, 1969), com Glauber Rocha no elenco, Tudo Vai Bem (Tout va Bien, 1972), Carta Para Jane (Letter to Jane, 1972). Com estes dois últimos títulos Godard imaginou ter conseguido descobrir qual seria o papel dos intelectuais e do cinema na revolução. Em relação a filmes de antes de 1968 como Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela, A Chinesa, Week End e Le Gai Savoir (produzido e recusado pela Radio Televisão francesa, ORTF), Godard admitiu uma relativamente importância, na medida em que lhe permitiram aceitar a “vassourada” histórica de Maio de 68 e melhor enxergar as relações com sua própria história.





A Chinesa e o Cinema Político de Godard foi publicado originalmente na Revista Universitária do Audiovisual, Universidade Federal de São Carlos (RUA/UFSCar), São Paulo, em 15 de maio de 2011.


Leia também:


Notas:

1. MacCABE, Colin. Godard. A Portrait of the Artist at 70. London: Bloomsbury Publishing, 2004. Pp. 180, 182, 185.
2. READER, Keith. Godard and Asynchrony. In: TEMPLE, Michael; WILLIAMS, James S.; WITT, Michael. For Ever Godard. London: Black Dog Publishing, 2004. P. 85.
3. BERGALA, Alain. Godard au Travail. Les Années 60. Paris: Éditions Cahiers du Cinéma, 2006. P. 346.
4. Idem, p. 348.
5. MacCABE, Colin. Op. Cit., pp. 189-197, 201.
6. BERGALA, Alain. Op. Cit., pp. 344, 349.
7. MacCABE, Colin. Op. Cit., pp. 198-200, 398n9 e 11.
8. READER, Keith. Op. Cit.: pp. 83-9.
9. BERGALA, Alain. Op. Cit., p. 363.
10. ETHELL, Jeffrey L. Shark’s Teeth Nose Art. Osceola, USA: Motorbooks International, 1992. Pp. 6-7.
11. MacCABE, Colin. Op. Cit.: pp. 158-160.
12. DUBOIS, Philippe. Cinema, Vídeo, Godard. Tradução Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Pp. 251, 256, 265, 270-1.
13. Idem, pp. 267-8.
14. GODARD, Jean-Luc. Godard par Godard. Des Années Mao aux Annés 80. Paris: Flammarion, 1991. Pp. 13, 17, 19, 25-6.
15. Idem, pp. 59, 63-4, 74-5, 77-8, 88, 116, 120, 122.
16. Ibidem, p. 64.

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