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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de mai. de 2015

Fassbinder e Querelle


“Todo homem mata aquilo que ama”

 Refrão   da   música    cantada    por    Lysiane,  cuja  letra
  é  baseada   numa   frase   do   escritor  homossexual  inglês 
 Oscar Wilde em A Balada do Cárcere de Reading (1898)

Amor e Assassinato entre Homens

Marinheiro de um navio de guerra ancorado no porto da cidade francesa de Brest, Querelle (imagem acima) vende ópio para Nono, que administra Feria com sua esposa, o principal bordel do porto. Ela já conviveu com Robert, o irmão de Querelle, mas Nono nem percebeu porque só tem interesse sexual nos jovens marinheiros. Querelle mata Vic depois que este o ajuda a tirar a droga do navio e vai jogar dados com Nono pelo privilégio de transar com Lysiane. Mas a intenção do marinheiro é perder no jogo, sabendo que assim seria obrigado a se submeter ao sexo anal com Nono. Nunca tendo sido enrabado antes, gosta da experiência, mas não admite que ser homossexual. Querelle convence as autoridades que Vic foi morto por Gil Turko, o pedreiro que está escondido após matar alguém que o acusou de ser homossexual. Depois de conseguir que roube o tenente Seblon, Querelle arruma um bigode falso para Gil, que fica muito parecido com seu irmão. Querelle se apaixona por Gil, o que não o impede de entregá-lo à polícia, que o prende e acusa dos assassinatos. Desde o começo, Querelle havia percebido que o tenente Seblon (imagem abaixo) esconde uma paixão secreta por ele – o oficial confessava tudo o que sentia para um gravador.


(...) Querelle  pode  também ser considerado como início  de  algo
novo [no cinema de Fassbinder], alguma outra coisa que ultrapassa
a  simples  reinterpretação   das   relações  que  nos  primeiros  filmes
de  gângsteres  e  nos  melodramas  femininos  uniam  personagens
masculinos,     doravante     sem     o     disfarce     heterossexual” (1)

Enquanto isso, Lysiane está ressentida com a intensidade do laço entre os dois irmãos e tenta seduzir Querelle. Logo o marinheiro está na cama dela, supostamente para se vingar do irmão. No final da história, Querelle encontra seu verdadeiro amor no tenente Seblon, diante de quem ele já andava exibindo seu corpo seminu. Certa noite Seblon salva Querelle numa briga e o leva para o bordel, no meio do caminho o marinheiro diz que nunca estará em paz até que o tenente o penetre e depois o coloque em sua coxa como a Pietà acolhendo Jesus morto. Chegando a Feria, Seblon reconhece Robert como o autor dos disparos contra ele (mas se enganou, pois, na verdade, quem atirou foi Gil disfarçado com um bigode), Lysiane se queixa com Querelle por tê-la deixado esperando e se declara ao marinheiro, mas ele a rejeita e revela que é o namorado de seu marido. “Não é um ser humano”, desabafa Lysiane referindo-se a Querelle. Seblon deixa o bar na companhia de seu amado Querelle e Lysiane vai direto para suas cartas de tarô, diante de Robert, atordoado e lacrimejante. Então ela olha para as cartas e entre risadas olha para Robert e diz... “você não tem um irmão” – talvez para convencer a si mesma ou para buscar uma compensação pelo desapontamento de não ter Querelle para si. Num espelho sobre o sofá Querelle, sob a luz azul, pode ser visto olhando enigmático para ela.

Querela Consigo Mesmo


Alegria   foi   um    dos    sentimentos    de    Maio    de   1968.
Na     obra    de    Fassbinder,   o    estado   de   alegria   é   deslocado.
Ela está lá,  pelo menos nas tentativas de desalienação da felicidade.
Em Querelle, impressiona a falta de alegria dos personagens 

Benjamin Halligan (2)

Três meses antes de sua morte, em 10 de junho de 1982, o cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder realizou Querelle (também conhecido na Alemanha com o título, Querelle - Ein Pakt mit dem Teufel) – o trabalho de montagem ficou a cargo de Juliane Lorenz (3), embora Robert Katz e Peter Berling afirmem que o cineasta fez a montagem que lhe agradava (4). Há muito tempo que o homossexual assumido Fassbinder pensava em fazer uma adaptação do romance Querelle de Brest (1953), do escritor, poeta e dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986), que considerava sua própria homossexualidade uma perversão e havia se tornado homofóbico. De acordo com o amigo e ator Harry Baer, o cineasta queria ir além da leitura que os adolescentes fazem de Genet ao folhearem apenas as passagens de sentido inequívoco, mas além de considerá-lo uma leitura difícil o próprio escritor não queria vender os direitos para a filmagem. O próprio Fassbinder recusou o primeiro roteiro escrito por Burkhard Driest, que considerou muito pornográfico. Fassbinder desistiu de contratar atores pornôs e optou por transformar em artistas pornográficos os atores de seu círculo. O primeiro é Günther Kaufman, a quem Fassbinder pergunta se seria capaz de transar com Querelle diante das câmeras – ficou decidido que a cena será filmada por “sugestões”. Franco Nero, que atua como o tenente Seblon, tenta evitar o beijo na boca de Querelle, tinha receio que isso arruinasse sua imagem de machão de faroeste espaguete na Itália. Brad Davis, no papel de Querelle, também parece incomodado. Fassbinder se irrita e quer mandar todo mundo embora. Resultado, o beijo vira um abraço, tudo que não acontece na frente das câmeras é narrado por uma voz e as cenas de sexo são raras (5).


“Oh   senhor   Fassbinder!    Vi   Querelle.   Deixou-me
 com    tesão    o    dia    inteiro (...).    Acho    que    Querelle 
vai   dar   muito   dinheiro.   A   garotada   vai   adorar”

Andy Warhol (6)

Com uma abordagem da homossexualidade muito mais explícita do que em seus trabalhos anteriores, entre outras coisas Querelle se debruça novamente sobre um tema comum em seus filmes, a exploração no interior das relações afetivas. O filme não segue o livro completamente, Fassbinder não procurou fazer uma adaptação literal, contando inclusive que o espectador tenha conhecimento prévio do livro – embora siga de perto o enredo original, o cineasta deixou claro que o filme apresenta sua “própria fantasia” em relação ao livro. No livro de Genet, Querelle está situado entre o Anjo do Apocalipse e um garoto com a alma nos olhos que se transforma num crocodilo. Fassbinder descreve este trabalho de Genet como a transformação de uma história de terceira classe sobre um criminoso numa “mitologia surpreendente”. Em Querelle são aprofundadas significativamente abordagens anteriores da obra de Fassbinder em relação ao afeto entre homens, relação entre irmãos, rivalidade, traição e atração mútua entre sadismo e masoquismo. A única mulher nesse universo é a cafetina Lysiane, que canta várias vezes o refrão que seria o tema central do filme: “todo homem mata aquilo que ama” (7).


 “(...) Alguns  dos  problemas  com  Querelle  podem  ser  fruto
do   fato   de   que,   após   a   dublagem,   o   filme   foi   cortado
 de  mais  ou  menos  duas horas e meia para menos de duas”

Justificativa de Juliane Lorenz em 1994 para os questionamentos em relação ao roteiro (8)

Embora a homossexualidade em Querelle seja mais explícita do que noutra obra de Fassbinder, Berlin Alexanderplatz (1980), Wallace Steadman Watson enxerga nos laços entre Reinhold e Franz Biberkopf certa semelhança com a relação entre Querelle e Seblon. A homossexualidade em Querelle, filme onde as questões emocionais são determinadas intrinsecamente por sua natureza homoerótica, também vai muito além do contexto lésbico de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (Die bitteren Tränen der Petra von Kant, 1972) e homossexual masculino em O Direito do Mais Forte à Liberdade (Faustrecht der Freiheit, 1975). Watson mostra que Fassbinder segue de perto o texto de Genet ao apresentar o autoquestionamento de Querelle e as lutas psicossexuais com os outros personagens até que ele aceite sua homossexualidade. Richard Dyer observou a apresentação do protagonista como uma mistura entre o passivo e o agressivo sexual - quase a própria personificação da mistura entre machismo e feminilidade, tudo nele contrasta com o tenente Seblon, sempre limpo, uniforme impecável, barbeado. James Roy MacBean, por outro lado, acredita que o filme enfatiza o lado sexual agressivo de Querelle, apresentando a sexualidade fálica como uma arma de poder brutal e mortal em relação aos outros homens. MacBean chega a se referir a certa “fascinação mórbida” com a “violência sexual sádica”, que lembra o filme de Pier Paolo Pasolini, Salò, ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o Le 120 Giornate di Sodoma, 1975). A cineasta Monika Treut é mais otimista, afirmando que Fassbinder estava à frente de seu tempo e que não se preocuparia em retratar homossexuais de uma forma politicamente correta. Mas não foram poucos aqueles que se declararam insatisfeitos com a falta de pistas visuais a comentários do narrador e monólogos internos.

“(...) A rivalidade entre Querelle e seu irmão, Robert, em relação à Lysiane, é da mesma ordem do que aquela, de Reinhold e Franz Biberkopf, em relação à Mieze: ela repousa sobre uma especularidade [reflexo] essencial entre os dois homens, uma gemelidade que exclui automaticamente a mulher. Por fim, Querelle retoma a ideia de O Amor é Mais Frio do que a Morte [Liebe ist kälter als der Tod, 1969], de que a flor mais bela é também a mais venenosa; que a beleza do rosto, o esplendor do corpo escondem a escuridão do crime e, inversamente, que o ser menos reluzente, o mais repugnante, aquele de aparência mais repulsiva, é o mais amável, o mais devotado. A beleza fascinante de Querelle é do mal. Não existe outra (...)” (9)


Fassbinder traduziu os temas em cenários surrealistas em luz azul
e amarela que lembram  Lola;  símbolos  fálicos  e  pequenos espaços
 onde atores  se  movem  como  em  O Machão  e  Fontane Effi Briest, 
entre  espelhos   e   pornografia   homossexual   da  Grécia  clássica

Harry Baer revelou que durante a produção do roteiro Fassbinder teve dificuldade em lidar com os complexos temas eróticos de Querelle de Brest. Juliane Lorenz, então sua companheira e montadora de vários de seus filmes, achou melhor abandonar as filmagens, já que o cineasta parecia não estar se sentindo suficientemente livre para tratar daquele tema na presença dela – de acordo com Robert Katz e Peter Berling, Fassbinder teria agredido Lorenz violentamente no terceiro dia de filmagem e proibido sua presença porque ele estava apaixonado pelo assistente de produção (10). Na opinião de Watson, Querelle foi uma oportunidade para o cineasta tratar de forma crítica e imaginativa aqueles aspectos agressivos da sexualidade homoerótica que aparentemente o fascinavam e perturbavam. Além da trilha sonora de Peer Raben (com sugestões de Lorenz e do próprio Fassbinder), a iluminação e os cenários remetem a Marrocos (Morroco, direção John von Sternberg, 1930), aos filmes da fase alemã de Douglas Sirk (então Detlef Sierck) como Recomeça a Vida (Zu neuen Ufern) e La Habanera (ambos de 1937) (ambos com a atriz Zarah Leander), além de Caminho da Redenção (Flamingo Road, Michael Curtiz, 1949) – O Machão (Katzelmacher, 1969) e Fontane Effi Briest (1974) transparecem no trabalho dos atores. Pouco antes de sua morte, Fassbinder falou de sua ambivalência em relação à possibilidade dos aspectos fascistas em Querelle de Brest e sua fascinação por sadomasoquismo. Admitiu dificuldade em determinar a linha que separa “brega” e “fascistóide”, e que a “glorificação da violência” no livro se aplica apenas à sociedade com a qual Genet estava lidando – onde se você não é perfeito tem de se tornar violento, um traidor, um assassino. Fassbinder admitiu fascínio por violência e sexo sado-masoquista, mas apenas enquanto não fujam do controle.

“Os protagonistas dos filmes de Fassbinder, [...] através das formas sob as quais vivem o amor impossível, atingem diferentes estágios para tornarem-se eles mesmos que não tem muito a ver com o ideal burguês da consciência de si: [um] exibicionismo radical oferece ao olhar do outro uma imagem em espelho fugidia e instável de si próprios [como Emmi e Ali no dia seguinte de sua primeira noite em O Medo Consome a Alma, Angst essen Seele auf, 1974]. Por outro lado, um personagem pode desejar [se matar para] assumir a identidade de outra pessoa, como Hermann Hermann em Despair [1978] [...]. Levado ao limite, o amor pode sinalizar um desejo de se incorporar ao outro, de se auto anular no outro e pelo outro, como se essa eliminação de si preparasse a incorporação de si no outro – como mostra Querelle (...)” (11)

De Volta das Cinzas (Literalmente)


Os   filmes   de   Fassbinder   que   abordam   mais   explicitamente
a  homossexualidade  não  surgiram  no  vazio,  não foram os únicos
produzidos na Alemanha, nem mesmo o ponto de vista dominante

Saber que Berlim foi considerada a capital homossexual da Europa no começo do século XX, e que Hitler condenou os homossexuais ao extermínio como fez com os judeus, torna significativa toda informação que dê conta da abrangência de um filão do cinema alemão que desde a década de 1970 manteve-se focado na homossexualidade. Seria mesmo possível retroceder à época do cinema mudo na Alemanha com Diferente dos Outros (Anders als die Andern, direção Richard Oswald, 1919), sem falar de Vitor e Vitória (Viktor und Viktoria, direção Reinhold Schünzel, 1933) no entre guerras, mas o contexto imediato de Fassbinder aponta para figuras como Werner Schroeter, entre outros. Schroeter sempre será lembrado por A Morte de Maria Malibran (Der Tod der Maria Malibran, 1972), O Reino de Nápoles (Neapolitanische Geschwister, 1978), Palermo ou Wolfsburg (Palermo oder Wolfsburg, 1980) e O Rei das Rosas (Der Rosenkönig, 1986). Rosa von Praunheim representa um olhar mais ativista em relação aos direitos dos homossexuais. Sua obra pode ser dividida em três grupos: 1) polêmicas em torno da discriminação contra os homossexuais, como em Não é o Homossexual que é Perverso, mas a Sociedade em que Vive (Nicht der Homosexuelle ist pervers, sondern die Situation, in der er lebt, 1971) e Silêncio = Morte (Die Aids-Trilogie: Schweigen = Tod - Künstler in New York kämpfen gegen AIDS, 1990); 2) melodramas de baixo orçamento no estilo de Anita Berber: Danças do Vício (Anita: Tänze des Lasters, 1987) e outras homenagens ao Expressionismo da época da República de Weimar; 3) documentários mostrando a vida cotidiana de pessoas extraordinárias como a travesti idosa Charlotte von Mahlsdorf em Eu sou Minha Própria Mulher (Ich bin meine eigene Frau, 1992) (12).

“Fassbinder foi um diretor cujo interesse em grupos marginais é uma característica evidente em seu trabalho. Seu próprio conceito de forma do filme é dobrado pelo problema da alteridade e do Outro. Independentemente do fato de seus filmes tratarem, por exemplo, diretamente com a homossexualidade (geralmente não). Contudo, existem também cineastas (Frank Ripploh e Lothar Lambert) que se interessam não apenas diretamente pela representação dos homossexuais, mas especificamente [por sua] subcultura” (13)


 “(...) Querelle apresentou em sua atmosfera irreal uma espécie
de   qualidade    utópica   negativa    que   enfatiza   ainda   mais
 a   ausência   radical    de   qualquer   valor    de   redenção” (14)

Em contraste com Schroeter e Praunheim, que se mantiveram comprometidos com o projeto político da liberação homossexual, o cineasta e ator Lothar Lambert abordou o tema através de elementos misóginos em Mulher Pesadelo (Die Alptraumfrau, 1987) e O que Você Nunca Quis Saber Sobre as Mulheres (Was Sie nie über Frauen wissen wollten, 1992). Com Taxi zum Klo (1980), Ripploh mostrou a promiscuidade da cena homossexual em Berlim antes da chegada da AIDS, confirmando até que ponto os tabus em torno das representações do homossexualismo se deterioraram ao longo dos anos 1980. Para Sabine Hake, as fórmulas apresentadas por filmes com temas homossexuais e lésbicos que carregam uma sensibilidade queer distinta (em outras palavras, um desafio às noções estabelecidas de gênero, sexualidade e desejo) ficam evidentes nos poucos dentre eles igualmente comprometidos com a liberação sexual e a experimentação formal. Desde o final dos anos 1970, a cineasta Ulrike Ottinger produziu filmes visualmente imaginativos através da citação pós-moderna, estranhamento modernista e etnografia pós-colonial em cenas de amor feminino e aventuras. Em filmes como Madame X, uma Soberana Absoluta (Madame X - Eine absolute Herrscherin, 1978) e Bilhete sem Retorno (Bildnis einer Trinkerin, 1979) as mulheres afirmam sua alteridade através da paródia, teatralidade e artifício. Hake destacou também a cineasta Monika Treut, que rejeitou o essencialismo da política feminista da identidade para se apropriar da estética do sadomasoquismo em Sedução: A Mulher Cruel (Verführung: Die grausame Frau, 1985), e também explorou a natureza performática do gênero e da sexualidade de forma mais lúdica em Máquina Virgem (Die jungfrauenmaschine, 1988). A partir das conclusões de Alice Kuzniar, Hake definiu Treut como uma indicação da mudança de funções da política sexual no universo da política pós-moderna da representação. 

Fassbinder Transgênero


(...) E só quem verdadeiramente se identifica consigo mesmo
não  precisa   ter   medo   do   medo.  E  só  quem não tem medo
pode     amar     livremente,     o     que     é     o     objetivo     final
de     toda     ação     humana:    viver     sua     própria     vida!”

Rainer Werner Fassbinder,
Notas sobre Querelle, 1982 (15)

Ao analisar na obra de Fassbinder a representação de figuras icônicas como Zarah Leander (1907-1981), que trabalhou na Alemanha durante o período nazista, Alice Kuzniar procurou compreender como o cineasta tratou a questão da identificação transgênero que a cantora e atriz sueca lançou na tela de cinema. Mas Querelle não é Zarah Leander, aqui quem se destaca é Lysiane (imagens acima e abaixo), a única mulher do filme. De acordo com Kuzniar, além de Querelle, Leander também aparece direta ou indiretamente em Num Ano de 13 Luas, Lili Marlene (Lili Marleen, 1981), e O Desespero de Verônica Voss (Die Sehnsucht der Veronika Voss, 1982), levantando as questões que circundam a figura dela – imitação do feminino, homossexualidade e camp (consciência das limitações da imitação da feminilidade). Leander constitui uma chave para perceber como a feminilidade é disfarçada na obra de Fassbinder e se, em termos de camp, essa atuação é desempenhada por mulheres ou homens. Não que Leander seja referida diretamente, mas que tenha ajudado a criar a constelação de imagens associadas com a diva do regime nazista que Fassbinder ao mesmo tempo se baseia e procura desconstruir como um clichê. Deste modo, insiste Kuzniar, Leander abre a porta para as fantasias inter-sexuais de Fassbinder e as aspirações que tais transgressões de gênero significam. As mulheres de Fassbinder, as atrizes que atuam como personagens femininos em seus filmes, estão sempre mulheres imitando mulheres! Na medida em que eventualmente são imperfeitas nessas imitações (sendo percebidas como travestis), elas podem ser consideradas camp. Assim entende Rosa von Praunheim, cineasta alemão ativista dos direitos dos homossexuais, para quem as figuras femininas em Fassbinder são sempre parte de sua própria “alma de travesti”. Camp também era Fassbinder em sua prática de rebatizar os homens do seu grupo de atores: ele próprio é “Mary”, Kurt Raab foi “Emma”, Dieter Schidor foi “Kitty” e Peter Kern era “Paula” (16).



Lysiane   é   mais   uma   das   personagens
de  Fassbinder que incorpora Zarah Leander.
É o ato de exagerar  a  feminilidade o que faz
as duas se parecerem  com  drag queens (17)

Emma, aliás, Kurt Raab, escreveu uma biografia de Fassbinder onde afirma que as duas lésbicas na peça teatral, que depois virou filme, As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, representam a relação do cineasta com Günther Kaufmann, mais um de seus casos amorosos que participou do elenco de seus filmes – em Querelle ele atua como o marido de Lysiane. Além disso, completou Raab, a peça poderia ser apresentada por até seis homens. Além de O Direito do Mais Forte à Liberdade, Querelle foi o único outro filme de Fassbinder com um elenco de quase total de personagens homossexuais. Kuzniar se pergunta quanto à possibilidade de pensar Querelle como As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, em função da possibilidade de reversibilidade de papéis entre homens e mulheres. Em certo momento Lysiane, a única mulher no filme, também poderia ser codificada como homossexual masculino. O laço homossexual mais forte se dá entre Querelle e seu irmão Robert. Contudo, por conta da ameaça do incesto, eles não fazem sexo entre si, transando ambos com Lysiane, que funciona como uma espécie de intermediário em relação à homossexualidade deles. Paradoxalmente, a ideia é que se Lysiane se torna homossexual justamente por substituir uma relação homossexual, Fassbinder teria através dela conseguido de uma maneira bastante provocativa tornar queer (atípica) as únicas relações heterossexuais em Querelle. Lysiane também incorpora Zarah Leander como cantora no bar, com o registro grave de sua voz (de fato muito mais feminino do que o timbre de Leander) que a enquadra como uma travesti. É o exagero da feminilidade que faz de Lysiane (incluindo o vestido com lantejoulas e a cobra), assim como Leander, parecerem com drag queens. Refletindo a respeito de seu papel em Querelle, Jeanne Moreau revela: “Estou bastante familiarizada com o fenômeno de dupla personalidade. Sou consciente de meus próprios traços de masculinidade e também reconheço traços femininos em homens” (18).

“Jeanne Moreau surge como verdadeira madrinha do cineasta. Presente em sua obra desde O Pequeno Caos [Das Kleine Chaos, 1966], através da capa do disco [presa entre um espelho e um pôster de Juliette Greco, onde se percebe a cabeça de Fassbinder sobre um pôster que mostra uma metralhadora e ele ensina seu amigo como beijar a amiga de ambos] onde ela canta Jules e Jim - uma Mulher para Dois [Jules et Jim, direção François Truffaut, 1962], ela é a vedete de seu último filme, a única mulher de Querelle, onde também canta. Além disso, a história de Madame Lysiane é a mesma de Catherine em Jules e Jim” (19)


(...) Se   Willie   [,   em Lili   Marlene,]   e   Veronika   Voss   imitam
feminilidade,  o  que  as  distingue da travesti  macho-para-fêmea
[...], especialmente se o modelo para a feminilidade é Zarah Leander, 
ela mesma tendo sido vista  através de  lentes  de  travesti? (...) (20)

De fato, Kuzniar enxerga traços de masculinidade em Lola, Veronika Voss, Willie e Maria Braun, mulheres protagonistas em cinco filmes de Fassbinder, cuja “postura espalhafatosa” as assemelharia a travestis masculinos. Lysiane seria o único exemplo de transgênero no grande jogo de reversões de papéis sexuais em Querelle, simetria que caracteriza a própria disposição estrutural do filme: através de palcos teatrais, luzes amarelas berrantes alusões alegóricas à Paixão de Cristo e o entrelaçamento de intertítulos e narração, Fassbinder cria um clima de artificialidade. Existe um jogo de espelhos entre as identidades e os gêneros. A supressão da verossimilhança também surge do alinhamento entre personagens, que muitas vezes espelham um ao outro, como no caso dos papéis de Robert e Gil, apresentados pelo mesmo ator (Hanno Pöschl). Aos olhos de Querelle, Gil Turko é um dublê sexual de Robert (assim como Lysiane). Da mesma forma Nono (Günther Kaufmann), marido de Lysiane e que penetrou o ânus de Querelle, pode também ser considerado um substituto de Robert. Kuzniar destaca essa ligação entre os irmãos em vários momentos do filme nos comentários de Lysiane para Querelle (“Fodeu com Nono, só porque ama seu irmão loucamente, não?”) e Robert (“como um reflexo duplo de seu irmão no espelho... você vive nos olhos de seu irmão”). Ela desabafa: “tudo que veem são vocês mesmos. Nem existo para você. Não há lugar para mim [entre vocês dois]”. Kuzniar argumenta que Lysiane pode ser excluída porque os dois homens começam a perceber feminilidade em si mesmos, um truque de espelho que leva ao desejo bissexual. Na ausência da mulher, capturam a feminilidade dentro deles. Na opinião de Kuzniar isso indica que, ao contrário do que poderia parecer inicialmente, pelo menos entre Robert e Querelle a homossexualidade masculina não nega o feminino.

“O texto que surge na tela ressalta essas duplicações: ‘Pela primeira vez Querelle beija um homem na boca. É como se seu rosto tivesse atingido um espelho, que lhe devolveu sua própria imagem’. Levando em conta esse mundo homossexual isolado de duplos [doppelgänger] e parceiros do mesmo sexo, o que intriga são as rachaduras no espelho que inserem discrepâncias de gênero, multiplicando assim ângulos perversos às configurações sexuais que Fassbinder explora via Genet. Para colocar de maneira diferente a metáfora do espelho: assim como o espelho apresenta a imagem invertida, da mesma forma o rosto masculino reflete seu oposto, a feminilidade” (21) 


O  culto  de  admiração  em  torno  de  Zarah  Leander  sugere
identificações inquietantes e ambiguidades sexuais. A percepção
aguda    da     feminilidade    como    um    disfarce    se    mantém
nos dias atuais em seu status enquanto ícone homossexual (22)

Contudo, Kuzniar também não tem dúvida de que a homofobia e a misoginia presentes em Querelle estão ligadas a uma feminização depreciativa do homossexual masculino (Theo provoca Gil chamando-o de “uma mulherzinha” e seu companheiro de “namorada”). A homofobia e o isolamento são aparentes na afirmação de Gil de que ele é quente para a irmã sósia de Roger, apesar de sentir-se atraído por ele – logo perderá a pose e dirá de Roger, “você é sem dúvida tão bonito como uma garota!”. Kuzniar segue mostrando o quanto a feminilidade é perceptível em todos os personagens masculinos. Durante a luta com facas, os dois irmãos elogiam a beleza um do outro. Querelle também elogia Mario, enquanto Lysiane vê um tipo de feminilidade em certos movimentos de Nono (quando segura o braço com uma das mãos próximo ao ombro) – em Canção de Amor (Un Chant d’Amour) o pequeno filme de Genet realizado em 1950, um homem dança numa cela de prisão segurando o braço próximo ao ombro, onde se encontra tatuada uma mulher (ou seria uma travesti?) no estilo Betty Boop. O tenente Seblon diz que sua paixão por Querelle torna a mulher nele mais sensível, e erotiza seu próprio corpo formando seios com as mãos. Querelle por sua vez, e Kuzniar chama atenção para o queer (desviado) “elle” (“ela”) contido no próprio nome, se amolda ao rosto do ator Brad Davis, que atua com uma voz moderada e suave, o oposto do que seria de se esperar para um assassino fora da lei. “(...) Apesar de ainda se mover dentro de uma estrutura binária de gênero, Fassbinder a utiliza para desbloquear a rede essencialista masculino/feminino, ativo/passivo, simultaneamente desconstruindo o mundo dos corpos musculosos e suados do macho homossexual exibicionista, fraturando-o em vários prismas do desejo em constante mutação e abertos a variações bissexuais” (23). Outro aspecto é a questão da beleza física. Já sabemos que Fassbinder identificava a beleza de Querelle com o mal. Fassbinder não era exatamente uma bela figura, a primeira vez que o produtor de curtas-metragens Peter Berling notou o cineasta foi por sua feiura numa fotografia (24). O filme já havia sido lançado quando o cineasta deu a seguinte declaração para um documentário biográfico:

“Ficar feio é a maneira que a gente tem de fechar-se por completo. O corpo gordo e pesadão, uma couraça monstruosa contra todas as formas de afeição, que só fazem encher a gente de ceticismo. (...) A criança que existe em cada um grita e protesta contra essa couraça, grita em seus pesadelos, ansiando por amor e harmonia. Fique feio e trabalhe. Aí então, e só então, deixe que venha o que tem de vir. (...) Quero ser feio na capa da Time – isso virá, alegra-me pensar que isso virá e não nego que me alegra -, quando a feiura houver finalmente subjugado toda a beleza. Nisso consiste o luxo” (25)


“Ao contrário de Taxi zum Klo, de Max Ripploh, com seu passeio
documental por Berlim com gays verdadeiros, ou mesmo O Direito
do   Mais   Forte   à   Liberdade,     de    Fassbinder   Querelle    presume
 audaciosamente que o mundo que representa não é um subgrupo de um 
mundo maior... Simplesmente toma a [homossexualidade] como um
dado, é esta afronta que nossos árbitros culturais não toleram”

Ed Sikov (26)

Se como Ed Sikov definiu, o que torna Fassbinder intolerável para muitos é que (ao contrário do que mostrou em O Direito do Mais Forte à Liberdade) o cineasta toma a homossexualidade em Querelle como um dado (e não apenas como um estilo de vida característico de determinado gueto), Kuzniar insiste que tanto Querelle quanto Um Ano de 13 Luas não se encaixam tão facilmente no rótulo de filmes “homossexuais” (já que o desejo do homossexual masculino não é sempre pelo mesmo sexo). A subversão não convencional dos gêneros que a homossexualidade, na opinião de Kuzniar, provoca, talvez seja mais importante do que enfatizar a presença do sexo anal e da violência motivada pela sexualidade num filme de arte para definir a radicalidade de Querelle - deveríamos também considerar a luz antinatural, as constelações de duplos e o fato de que o sexo ocorre mais no nível fantasmático de um olhar erótico. Em Querelle, a atração que surge ao se perceber a alteridade (feminilidade) inscrita no corpo masculino aponta para uma identificação com o feminino que desestabiliza o eu. Para Kuzniar, Fassbinder ultrapassa as codificações sociais e caminha em direção a novos desejos e identidades de gênero compostas. Embora uma leitura feminista de Querelle possa apenas apontar para o falocentrismo do filme ou sua colonização do que se percebe como “feminino”, Kuzniar lembra que é preciso reconhecer o quanto a manipulação da feminilidade a revela como uma construção, e que rearranjar a identidade e o desejo transversalmente através dos gêneros significa romper com o mecanismo de defesa misógino. Enquanto em Querelle o transgênero é imaginado, Um Ano de 13 Luas já o havia apresentado de forma clara. O que parece um passo para trás com Querelle, indica na verdade que Fassbinder percebeu como a personagem Elvira (cuja caracterização física é ainda mais próxima da figura de Zarah Leander do que Lysiane) sofre em Um Ano de 13 Luas com a rejeição da sociedade em relação ao transgênero. Neste filme Fassbinder mostrou as consequências emocionais de quando se vai muito longe na imitação da feminilidade (como na troca de sexo). Desta forma, Um Ano de 13 Luas leva à Querelle, no sentido de que o segundo afirma o anseio por um espaço onde os desejos contraditórios possam se expressar. 

O Corpo e a Arte de Viver


Com Querelle, Fassbinder dissolve as fronteiras em torno dos guetos, 
os     “lugares     miseráveis”     (como     banheiros    públicos    alemães)
onde   o   sistema  permitia   a   manifestação  homossexual,  restituindo
o   desejo   aos   grupos   “à   margem”,   com   sexualidade   polimorfa 

Benjamin Halligan (27)

Fassbinder teve um amante chamado Armin Meier (a quem dedicou Um Ano de 13 Luas) que podemos acompanhar em alguns de seus filmes, assim como é caso de Günther Kaufmann e El Hedi ben Salem (a quem dedicou Querelle). O detalhe é que em determinado momento Meier se suicidou e o cineasta foi acusado por essa morte. Fassbinder não o matou, mas a culpa atribuída a ele tinha mais relação com fazê-lo sentir-se responsável pelo ocorrido. Na opinião de Thomas Elsaesser, isso poder ter levado o cineasta a examinar situações impostas em que certas pessoas impõem um sentimento de culpa a outras mesmo que estas não sejam culpadas de nada, fazendo-as sentirem-se responsáveis por determinados eventos. Para Elsaesser, Fassbinder acaba levando a um choque onde o “valor de uso” de um filme cria um obstáculo ao “valor de troca” (aquele que “nada mais é” do que uma mercadoria na roda do mercado). Os filmes que se seguiram a Um Ano de 13 Luas, particularmente Berlin Alexanderplatz e Querelle, demandam essa leitura dupla. No primeiro filme, o desejo não pactua mais com a lei patriarcal que impõe a distinção masculino/feminino. Se o desejo tinha necessidade da lei (ou do crime) para tomar forma (ainda que justamente isso o impeça de se realizar), em seu lugar assume o corpo, enquanto uma parte confiável do eu, definindo tanto a materialidade quanto a taxa de troca. Elsaesser aponta que mesmo Jean Genet imaginava essa relação como uma oposição e viveu sob protesto, ao abrigo do casaco legal da burguesia. Mas tudo se passa, disse ainda Elsaesser, como se Fassbinder tivesse desejado abandonar a zona de conforto onde lei e crime implicam um ao outro. Nos filmes dessa fase não existe mais o “equilíbrio” de uma sociedade que produz o simbólico a partir de um binarismo tipo bem/mal. É preciso lembrar que Fassbinder está pensando também numa saída para o sentimento de culpa dos alemães perante os crimes nazistas perpetrados em seu nome, viver na Alemanha depois de Auschwitz implica que é preciso aprender a “tornar-se alemão”, o que também quer dizer “tornar-se judeu-alemão” e ser capaz de compreender que alguém possa se “tornar Elvira” (o transexual de Um Ano de 13 Luas) (28).

“Em sua tentativa de identificar a política dos sexos de Fassbinder, o conceito de masoquismo defendido por [Kaja] Silverman e a teoria homossexual apresentam, tanto uma quanto a outra, argumentos convincentes para explicar porque seus filmes não tenham se tornado obsoletos após o surgimento da AIDS. Contudo, a complexidade da questão sexual em Fassbinder deveria dissuadir a quem quer que seja de declarar apressadamente que para ele tudo gira ‘na realidade’ em torno da homossexualidade. O próprio Fassbinder apontou o dedo para esse perigo quando lhe perguntaram se O Medo Devora a Alma e As Lágrimas Amargas de Petra von Kant não eram ‘filmes de camuflagem’” (29) 

 
“Outra   coisa   da   qual   é   preciso   desconfiar   é   a   tendência
de     ligar     a     questão     da     homossexualidade   ao   problema
do   ‘quem   sou   eu?   Qual   é   o   segredo   de   meu   desejo?’  Seria
 melhor  se  perguntar:  ‘Quais  questões  podem  ser  estabelecidas, 
multiplicadas,   moduladas,   através   da   homossexualidade?’”

Michel Foucault

Questões    foucaultianas    que,   de   acordo   com   Elsaesser,   norteiam
o questionamento de Fassbinder em relação ao desejo homossexual (30)

Ser homossexual parece mais interessante, bastando constatar que a quantidade de homens que desejam se tornar um é maior do que daqueles que pretendem voltar a ser heterossexuais. Esta era a opinião de Michel Foucault (1926-1984), filósofo e historiador homossexual francês, durante uma entrevista em 1981, com o cineasta alemão e também homossexual Werner Schroeter (31) – para quem Querelle havia sido prometido inicialmente e já se preparava, quando o produtor mudou os planos e ofereceu o trabalho a Fassbinder, deixando Schroeter furioso. Ao elogiar o trabalho de Schroeter sobre a paixão (e não o amor) entre mulheres em A Morte de Maria Malibran e Willow Springs (1973), Foucault afirma que esta possui uma qualidade de sofrimento-prazer muito distinta daquilo que podemos encontrar no desejo ou no que podemos chamar sadismo ou masoquismo – entre essas mulheres não existiria sadismo ou masoquismo, mas um estado de sofrimento-prazer. Foucault disse ainda que se entedia com os filmes de Ingmar Bergman. Ainda que o cineasta sueco fosse obcecado pelas mulheres e pelo amor entre elas, Foucault não aprova o fato de que Bergman procura ver o que se passa entre elas, enquanto Schroeter abandona o filme psicológico e apresenta uma evidência imediata. A arte de viver, Foucault insistiu, é justamente essa capacidade de abdicar da busca da identidade das coisas e criar (com o cinema ou outro meio) alguma coisa que se passa entre as ideias, e fazê-lo de forma que seja impossível dar um nome (uma forma). Schroeter responde que o cinema está repleto de dramas psicológicos, de filmes de terror psicológico, e a sociedade opera justamente com o terror e o medo. Entretanto, apesar de aproximar Fassbinder de Foucault, o próprio Elsaesser insiste que o foco do cineasta é a questão da identidade entre o Eu e o Outro:

“(...) De O Machão (identificar-se com a vítima) à Querelle (ser a vítima que se identifica com as múltiplas figuras de seus algozes), toda a obra de Fassbinder gira em torno do drama da ‘identificação’: como a priori necessário para reconhecer o ‘Eu’ no outro e o outro no ‘Eu’, mas também como perigo de que o ‘Eu” se abandone [na alteridade] antes de estar pronto para se doar. Com este tema como eixo maior de sua obra, Fassbinder elaborou uma das raras visões verdadeiramente novas da forma como os alemães, que ele pretendia tocar, poderiam se reconectar com seu passado e retomar o contato com seu desejo de identidade, mas sem trapacear com o preço a pagar para assumir uma história da qual haviam decidido se separar em 1945, após constatar até que ponto ela os havia isolado” (32)

Uma História de Duplos 


Genet    via    a   si   mesmo   em   muitos
 lugares e muitos rostos, enquanto Fassbinder
 multiplicava os espelhos em seus filmes 

No início do filme, Lysiane adverte Robert que Querelle corre um grande perigo: encontrar-se a si mesmo. Não é por acaso que espelhos povoam os filmes de Fassbinder, que se desdobra em seus personagens. Entretanto, acima de tudo os dois irmãos são personagens de Genet. Conhecemos a abordagem do tema do duplo que o escritor realizou ao abordar a obra de artistas como o pintor holandês Rembrandt (1606-1669) e o escultor suíço Alberto Giacometti (1901-1966). De Rembrandt, Genet se referiu à incapacidade de enxergar a diferença, já que todos os modelos do pintor eram semelhantes. Por outro lado, o escritor viu aqui uma identidade universal entre os homens (33). De Giacometti, por exemplo, Genet destacou que temia desaparecer em seu próprio se olhar ao mirar no espelho e reconhecer-se um estranho. Abandonar-se à contemplação narcísica e mortífera do rosto se vendo ver-se é descobrir um rosto que nos empurra para ver o outro de si mesmo nessa alteridade que devolve a identidade humana (34). Genet fala de um encontro, que Jean Clair preferiu chamar de “falso reconhecimento”, num trem certo dia. Mas ao invés de reconhecer-se no olhar que retorna (como Querelle) e se reconhecer um diferente, um estrangeiro, Genet se deparou com a visão de um estrangeiro que o levou a reconhecer-se a si mesmo. Uma atração e ao mesmo tempo repulsa pelo Outro que prefigura aquela que se verifica entre Querelle e Robert. 


Quando comparada
 aos  esboços  de Jean
 Cocteau  que  ilustram
 a   edição  de   Querelle
 de  Brest,  a  adaptação
de    Fassbinder    para
o   cinema   pode   ser
 considerada pudica

Ao contar a história da grande amizade entre Truffaut e Genet (muito baseada na coincidência do pai desconhecido de ambos, da infância conturbada e da tendência suicida) desde a década de 1950 (terminando abruptamente em 1964, depois que o cineasta aparentou pouco interesse em ajudar o amante do escritor a arrumar um emprego), Antoine de Baecque e Serge Toubiana observam que numa de suas cartas para o futuro cineasta o escritor disse que ao vê-lo reconheceu a si próprio, “quase de forma alucinante”, aos 19 anos de idade. O filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre explicou que Genet enxergava a si mesmo em toda parte (35). De acordo com Dominique Fernandez, a homossexualidade era apenas um dos elementos da contestação de Genet em relação aos valores burgueses. Paradoxalmente, seu radicalismo o impedia de aprovar qualquer tentativa de facilitar a integração do homossexual na sociedade – lembrando a postura de Pasolini, que pode ser traduzida pela frase: é intolerável ser tolerado. Isso acabou levando a que a obra literária de Genet circulasse clandestinamente. Em 1947, o poeta e cineasta francês Jean Cocteau realizou vinte e nove ilustrações eróticas para ilustrar a primeira edição de Querelle de Brest, que acabou circulando sem o nome do editor e com uma tiragem de apenas 525 cópias (36). Considerando o caráter explícito das imagens produzidas por Cocteau, pode-se mesmo concluir que o Querelle de Fassbinder é um filme bastante discreto.

“Em 1948, depois que Genet foi condenado por seu décimo assalto e ameaçado com prisão perpétua, o escritor de vanguarda e cineasta Jean Cocteau, assim como vários outros escritores franceses importantes, garantiram para ele um perdão do presidente da república francesa. Esses apoiadores incluíam Jean-Paul Sartre, que em 1952 publicou um influente ‘tratado existencialista’ em torno da figura de Genet, Santo Genet: Ator e Mártir [Saint Genet: Comédien et Martyr]. A biografia de Genet escrita por Edmund White em 1993 desconstrói alguns aspectos da lenda de Genet inspirada pelo livro de Sartre, destacando, por exemplo, que Genet preferia falar e escrever a respeito do que fazer sexo” (37)

Ou Amor ou Autoconhecimento


“Este é realmente um caso difícil, é preciso tomar cuidado
para não cair no kitsch nem no fascistóide, espero encontrar
 o   ponto   exato   entre   eles,   onde   ambos   se   anulem” 

Fassbinder comenta a respeito de seu então ainda futuro filme, Querelle,
numa    entrevista    a    Frank    Ripploh,     em     março    de   1982   (38)

De acordo com Thomas Elsaesser, na tentativa de compreender os mecanismos da relação opressor/oprimido que subjaz à problemática da autoridade e da identidade na sociedade alemã de sua época, Fassbinder substitui este modelo pelo duplo vínculo sado-masoquista. Quando verificamos as obras do período intermediário do cineasta, de O Comerciante das Quatro Estações (Händler der vier Jahreszeiten, 1971) à Martha (1973), está claro que o sadomasoquismo é a estrutura básica de interação entre os personagens – a discussão quanto a estes filmes constituírem imitações da obra de Douglas Sirk e de novelas obscureceria o foco mais profundo do trabalho de Fassbinder. A exploração ainda é o tema central, não importa se a relação apresentada é heterossexual, homossexual masculina ou feminina, posto que seja no interior da exploração que muitas dessas “figuras heroicas” buscam a salvação. Ao invés de rebelião, a submissão e o cumprimento de tarefas tornam-se o objeto de desejo desses personagens. Seja qual for a política ideológica ou sexual, basicamente não afetam a estrutura da interação, tampouco os mecanismos que Fassbinder deseja colocar a nu. Tais mecanismos, ainda que se originem na família e sejam reforçados pelas relações de poder na sociedade como um todo, podem apenas ser vivenciados do interior dos círculos viciosos. O masoquismo ao ponto do auto-abandono, conclui Elsaesser, torna-se o gesto de libertação que sozinho restaura a identidade (39). Numa entrevista em 9 de maio de 1982 a Dieter Schidor, Fassbinder foi pessimista em relação ao tema da homossexualidade no cinema e aproveitou para fazer as pessoas compreenderem mais claramente o que ele acha que está em jogo:

Schidor: Quando o romance [Querelle de Brest] foi proibido, o motivo que se alegou foi que era pornográfico. (...) Qual é a sua opinião?
Rainer: Tudo o que alcança as fronteiras sociais ou as ultrapassa tem que necessariamente ser pornográfico nesta sociedade.
Schidor: Como diria você que o homossexualismo é representado nos filmes?
Rainer: De maneira errada, sempre. Não se consegue fazer justiça a nenhum grupo. Não se consegue fazer justiça aos homossexuais, nem aos heterossexuais tampouco. [A única coisa] que se consegue fazer é sempre tudo errado. O homossexualismo não é um tema, de qualquer maneira. O tema é a identidade de um indivíduo e como ele a obtém” (40)


Fassbinder   queria    Leni   Riefenstahl   na   direção   de   fotografia
em Querelle. Com a saúde ruim, ela recusou, mas afirmou que gostaria
de  trabalhar  com  ele,  que considerava controverso (41). De fato, seriam
dois, já  que  ela  nunca  se  livrou  do  estigma  de  cineasta de Hitler

Quase todos os filmes deste período e alguns do último, ressaltou ainda Elsaesser, terminam em suicídio. As famílias são sempre incompletas ou problemáticas, mulheres e mães (muitas delas interpretadas pela própria mãe do cineasta), mas raramente ou quase nunca pais ou figuras paternas. Abundante é a presença de irmãs, irmãos (como em Querelle) e amantes (como em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant). Em Fassbinder, explica Elsaesser, geralmente a identidade é o ponto final de uma trajetória negativa em direção à aceitação da falta, mais do que apropriação dos objetos-fetiche de poder. Onde um personagem age desta forma, conclui novamente Elsaesser, como em O Casamento de Maria Brown ou Lola, os filmes são estruturados em torno daqueles momentos onde o poder fálico se mostra fetichista (como em Querelle?), um espetáculo no qual Fassbinder é sempre tragicômico, irônico ou grotesco e, nos últimos filmes, sempre ligado à história da Alemanha Ocidental - a única Alemanha que ele conheceu. Numa entrevista à revista Filmfaust em 1982, Fassbinder como que encaixa Querelle no contexto proposto por Elsaesser, deixando clara a problemática da identidade que, podemos insistir, subjaz a toda e qualquer decisão do ser humano:

Fassbinder: ‘Na minha opinião, ali não se trata de homicídio e homossexualidade, mas antes de alguém que tenta encontrar sua identidade com todos os meios disponíveis nesta sociedade. Este é propriamente o tema do romance Querelle – pelo menos na minha opinião. Para ser idêntico a si mesmo, Querelle tem que observar tudo o que faz a partir de dois ângulos. Do ângulo apontado pela sociedade como criminoso – portanto oriundo da baixeza – e que não o ajuda em nada, pois ele tem de mistificar a coisa por um outro ângulo. Só assim Querelle consegue dar um passo adiante’.
Filmfaust: ‘A procura pela identidade é um tema que sempre retorna nos seus filmes’.
Fassbinder: ‘Sim, isto é assim porque sempre faço o mesmo filme. Isto é claro, lógico’” (42)

Contudo, apesar de não encontrarmos na obra de Fassbinder nenhum ermitão refratário a relacionamentos afetivos, o amor também não é necessariamente retratado como forma de autoconhecimento redentora, pois pode ser mais frio do que a morte. Por uma coincidência infeliz, ou bizarra, ou premonitória, o texto escrito à mão no final do filme referindo-se a Genet (e aparentemente escrito também pelo próprio) termina de forma lacônica e poderia referir-se à Fassbinder: “(...) nada se sabe sobre ele, nem a data de sua morte, que para ele parecia próxima”. Robert Katz e Peter Berling citam uma reportagem da revista norte-americana Time de 1978 que teria conseguido descrever perfeitamente Fassbinder:

“(...) Fassbinder é homossexual. (...) Entretanto não é a homossexualidade que o interessa, e sim o poder, o uso e o abuso que dele se faz. O que os seus filmes afirmam é que em qualquer tipo de relacionamento, pessoal ou político, sempre encontraremos o opressor e o oprimido. Mas o maior tirano de todos é o amor. Diz ele: ‘o amor é o melhor, o mais insidioso, o mais eficaz instrumento de repressão social’” (43)


Leia também:


Notas:

1. ELSAESSER, Thomas. R.W. Fassbinder. Un Cinéaste d’Allemagne. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2005. P. 478.
2. GODDARD, Michael; HALLIGAN, Benjamin. The Autumn in Germany: A Dialogue on Fassbinder and Terrorism. In: VIGHI, Fabio; NOUSS, Alexis (Eds.). Pasolini, Fassbinder and Europe: Between Utopia and Nihilism. Newcastle Upon Tyne, United Kingdom: Cambridge Scholars Publishing, 2010. P. 152.
3. LARDEAU, Yann. Rainer Werner Fassbinder. Paris: Éditions de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1990. P. 296.
4. KATZ, Robert; BERLING, Peter. O Amor é Mais Frio do que a Morte. A Vida e o Tempo de Rainer Werner Fassbinder. Tradução Carlos Sussekind. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. P. 25.
5. BAER, Harry. A Vida Sufocante de Fassbinder. “Posso Dormir Quando Estiver Morto”. Tradução Márcio Suzuki. São Paulo: Brasiliense, 1985. Pp. 125-6.
6. KATZ, Robert; BERLING, Peter, op. cit., pp. 30-1.
7. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. Pp. 256-62, 281n13-14.
8. Idem, p. 281n22.
9. LARDEAU, Yann, op. cit., p. 74.
10. KATZ, Robert; BERLING, Peter, op. cit., p. 203.
11. ELSAESSER, Thomas. 2005, op. cit., p. 344.
12. HAKE, Sabine. German National Cinema. London/New York: Routledge, 2ª ed., 2008. Pp. 183-4.
13. ELSAESSER, Thomas. New German Cinema: A History. London: Macmillan, 1989. P. 140.
14. GOZALÉS-VANGELL, Béatricce; NOUSS, Alexis. Impossible Realism: R. W. Fassbinder’s Berlin Alexanderplatz. In: VIGHI, Fabio; NOUSS, Alexis (Eds.), op, cit., p. 140.
15. TÖTEBERG, Michael (org.). Rainer Werner Fassbinder. A Anarquia da Fantasia. Tradução Sonia Baldessarini e Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. P. 189.
16. KUZNIAR, Alice A. The Queer German Cinema. California: Stanford University Press, 2000. Pp. 69-70, 74-80.
17. Idem, p. 76.
18. Ibidem.
19. LARDEAU, Yann, op. cit., p. 220.
20. KUZNIAR, Alice A., op. cit., p. 74.
21. Idem, p. 76.
22. HAKE, Sabine, op. cit., p. 82.
23. KUZNIAR, Alice A., op. cit., p. 78.
24. KATZ, Robert; BERLING, Peter, op. cit., p. 16.
25. Idem, p. 27.
26. KUZNIAR, Alice A., op. cit., p. 86.
27. GODDARD, Michael; HALLIGAN, Benjamin, op. cit., p. 168.
28. ELSAESSER, Thomas. 2005, op. cit., pp. 348-9, 410.
29. Idem, p. 412.
30. Ibidem, p. 410.
31. FOUCAULT, Michel. Conversation avec Werner Schroeter. In: FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits VI, 1980-1988. Paris: Gallimard, 1994. Pp. 251, 254-5, 256.
32. ELSAESSER, Thomas. 2005, op. cit., p. 419.
33. MICHEL, Régis. Posséder et Détruire. Stratégies Sexuelles dans l’Art d’Occident. Paris, Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 2000. Catalogo de exposição. Pp. 74-5.
34. CLAIR, Jean. Autoportrait au Visage Absent. Écrits sur l’Art 1981-2007. Paris: Gallimard, 2008. Pp. 156-7.
35. BAECQUE, Antoine; TOUBIANA, Serge. François Truffaut. Paris: Gallimard, édition revue, 2001. P. 124.
36. FERNANDEZ, Dominique. l’Amour qui Ose Dire son Nom. Art et Homosexualité. Paris: Éditions Stock, 2001. P. 296.
37. WATSON, Wallace Steadman, op. cit., p. 280n2.
38. TÖTEBERG, Michael (org.). P. 184.
39. ELSAESSER, Thomas. 1989, op. cit., p. 228.
40. KATZ, Robert; BERLING, Peter, op. cit., p. 214.
41. RENTSCHLER, Eric. The Ministry of Illusion. Nazi Cinema and it’s Afterlife. Massachusetts: Harvard University Press, 1996. Pp. 28, 308n8.
42. BAER, Harry, op. cit., p. 123.
43. KATZ, Robert; BERLING, Peter, op. cit., p. 156.

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