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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

21 de jul. de 2010

Herzog, o Conquistador do Inútil




“Se abandonar
este projeto
, eu
serei um homem
 
sem sonhos”
 

Herzog,
comentário sobre os
problemas que enfrentou
durante as filmagens



 

No Meio do Caminho Tinha Uma Montanha

Surgindo da escuridão noturna, Fitzcarraldo e Molly chegam num pequeno barco e se apressam na direção das escadarias iluminadas do Teatro Amazonas. Viajaram desde Iquitos, cidade peruana a dois mil quilômetros, só para ouvir o tenor italiano Enrico Caruso (1873-1921) em Manaus - capital do Estado do Amazonas – no Brasil. Estamos na época do comércio da borracha na Amazônia, época em que enormes fortunas nasceram. A ostentação em Manaus fica evidente quando oferecem champagne para os cavalos. Fitzcarraldo procura financiadores para construir um teatro de ópera em Iquitos. Também ficamos sabendo da ferrovia transandina, projeto seu que não vingou. Ganha a vida com outro projeto também fadado ao fracasso, a fabricação de gelo – numa época em que o artigo era escasso. Um desses milionários (os barões da borracha) ironiza fazendo um brinde a Fitzcarraldo, “o conquistador do inútil”.




“Somente quem
sonha alto pode
mover montanhas”

Molly,

referindo-se a
Fitzcarraldo





A obstinação de Fitzcarraldo é grande, mas sua força de vontade é minada por uma falta de objetividade típica dos sonhadores. Ele não compreende por que mesmo os ricaços da borracha hesitam em financiá-lo. Molly dirige um bordel, ele não se incomoda, mas não suporta aqueles que acham que o dinheiro compra tudo. Isso não o impede de aceitar o dinheiro dela e comprar um navio. Batizado de Molly Aida (uma referência à ópera de Verdi), com ele Fitz (como Molly o chama) será capaz de buscar um carregamento de borracha num lugar inacessível e inexplorado - conseguindo desta forma ganhar o dinheiro que tanto precisa para a construção do teatro de ópera. Entretanto, no meio do caminho tinha uma montanha. Após um esforço sobre-humano e a ajuda dos índios, (que acreditavam que Fitzcarraldo era um deus) conseguem arrastar o navio sobre ela, era a única forma de colocar um navio naquele local.





“A decência 
apenas me levou
 à falência”

Fitzcarraldo







Depois que finalmente conseguem atravessar se entregam a uma grande festança. Tarde da noite, enquanto todos dormem profundamente, um dos indígenas solta o barco. Quando Fitzcarraldo se dá conta o navio já está nas corredeiras, um ponto sem retorno. Todo o esforço se perdeu... O objetivo de todo aquele esforço na montanha seria, o índio acreditava, acalmar os maus espíritos ao soltar o barco nas corredeiras. De volta a Iquitos, Fitzcarraldo vende o barco e gasta tudo mandando trazer de Manaus músicos e cantores de uma companhia de ópera. Por agora, encenarão no barco em movimento. Fitzcarraldo está de pé do lado de uma cadeira do teatro de ópera de Manaus. O lugar talvez esteja reservado para Molly, que alegremente assiste a cena da margem do rio - mesmo que tudo aquilo tenha sido comprado com suas economias.

O Europeu e Suas Pragas/Presenças




“Só acreditaria
nisso tudo se
 
fosse um filme”
 

Frase de Herzog que define sua visão
em relação ao cinema e a realidade (1)






Contra tudo e contra todos, Fitzcarraldo (1982) foi dirigido por Werner Herzog em locações na Amazônia peruana e na cidade brasileira de Manaus, onde de fato havia sido construído um teatro de ópera em plena selva – o Teatro Amazonas foi inaugurado em 1896. Portanto, o projeto de Fitzcarraldo já havia sido realizado muitas décadas antes dos heróis desesperados de Herzog surgirem na tela do cinema. Fitzcarraldo é um deles, histriônico e dado a projetos irrealizáveis. Embora Herzog insista que a ópera é o assunto do filme, tanto que até chegou a inserir nos créditos iniciais a voz do tenor italiano Enrico Caruso como um personagem (2), a problemática que justifica os acontecimentos quase desaparece em função da aventura de Fitzcarraldo empreenderá com o intuito de conseguir dinheiro para realizar seu sonho.




Fitzcarraldo achava que
 
poderia usar os índios em 
seu  proveito.  Entretanto,
foi o índio que usou Fitz






De acordo com Thomas Elsaesser, Fitzcarraldo é uma espécie de irmão mais feliz de Aguirre, aquele outro personagem de Herzog (Aguirre, a Cólera dos Deuses; Aguirre, der Zorn Gottes, 1972) (3). Mas não necessariamente no sentido de mais bem sucedido... A diferença talvez seja apenas de grau, enquanto Fitz tem um navio, Aguirre termina seus dias sozinho, numa balsa à deriva num rio desconhecido e deslizando na direção de lugar nenhum. Quando o rico proprietário ironiza Fitz chamando-o de conquistador do inútil, Fitzcarraldo faz um desafiado: “Tão certo quanto estou aqui um dia trarei a ópera para Iquitos. Vou passar você para trás. Vou ultrapassar os seus bilhões. Sou o espetáculo da floresta. Sou o inventor da borracha. Vou emborrachar você! Uma tosca caricatura da grande ópera”. No final, um índio porá tudo a perder.




Na verdade, a inspiração de
Herzog  foi  um sonho que já

 havia sido realizado: o teatro 
de ópera em Manaus, Brasil






No início do filme somos apresentados a uma lenda dos povos da floresta: “Os indígenas chamam este país de Cayahuari Yacu, a terra onde Deus não terminou a criação. Eles acreditam que somente quando o homem for extinto Deus voltará para terminar seu trabalho”. Nos créditos, agradecimentos aos grupos indígenas que participaram - os Ashininka-Campa do rio Gran Pajonal, os Campa do rio Tambo e o Machiguengas do rio Camisea, todos na selva amazônica peruana. Burden of Dreams, o documentário de Les Blank sobre Fitzcarraldo, mostra a saga de Herzog. Em 1979, Herzog monta acampamento próximo à fronteira do Peru com o Equador - países estavam em estado de guerra. Além disso, a terra dos índios Aguaruna (Awájun) estava sendo invadida, com a aprovação do governo. Em certo ponto, existiam rumores de que a equipe de Herzog faria barbaridades e depois mataria a todos os índios. Fotografias dos campos de concentração nazistas convenceram os Aguarunas de que Herzog era um monstro e atacaram seu acampamento. Herzog se mudou e, em 1981, o filme começou a ser rodado em Iquitos (4).



Herzog
considera a voz
de Enrico Caruso
mais um dentre
os personagens
 
do filme




A lenda indígena que fala de um país que deus deixou inacabado, exposta em meio às paisagens luxuriantes da floresta equatorial, estaria a sugerir uma oposição entre a perfeição divina e a imperfeição humana e da própria natureza. Grazia Paganelli afirmou que é mais do que isso. Seria uma rebelião em relação à perfeição divina. Como parte dessa rebelião o homem se insinua e se esconde, inventando aventuras impossíveis ou irrealizáveis como escalar uma montanha com um navio. Não nos esqueçamos que não é o navio a verdadeira loucura, mas a ambição de fazer a ópera ser ouvida entre os cantos dos pássaros. Fazer a ópera soar naquele mundo inacabado, como diria Herzog. A imperfeição como a única virtude necessária para conquistar as coisas inúteis, enquanto a selva, inóspita, áspera e impetuosa é palco dessa inutilidade vital (5).

Fitzcarraldo, um Filme da Alemanha






Fitzcarraldo enfrentará
o desafio do impossível

O tema de Herzog (6)






A figura de Klaus Kinski, o protagonista desvairado de muitos filmes de Herzog, é quase uma marca registrada dos trabalhos do cineasta. Entretanto, por mais que Fitzcarraldo tenha a cara de Kinski, não a primeira escolha para o papel. Antes dele, Jason Robards, com o roqueiro Mick Jagger atuando como Wilbur, o sobrinho doido dele. O primeiro ficou doente, o segundo tinha compromissos com sua banda. Mario Adorf também abandonou as filmagens. “Se eu abandonar este projeto, seria um homem sem sonhos”, foi o que respondeu Herzog a seus incrédulos financiadores, que não acreditavam que o filme se concluísse - o projeto estava na metade quando teve que ser re-filmado (7). Segundo Elsaesser, até Jack Nicholson foi cogitado (8). O papel de Jagger foi suprimido e a participação de Molly cresceu, incorporando muitas frases de Wilbur (9). As lendárias brigas entre Herzog e Kinski se repetiram durante as filmagens de Fitzcarraldo. O próprio Herzog as mostraria em Meu Melhor Inimigo (Mein Liebster Feind, 1999). Os índios peruanos que participaram chegaram a se oferecer para matar Kinski. Houve muita publicidade em torno da produção e pelo menos dois documentários. Para Elsaesser, uma propaganda excessiva gerou um efeito contrário ao esperado, fazendo com que o público já “tivesse visto” o filme quando foi lançado.



Construir
a ópera na selva
parecia tão i
mpossível
quanto conseguir que salas

de cinema não falissem
na Alemanha
Ocidental



Na opinião de Elsaesser, este poderia ser um filme sobre a Alemanha (Heimat Film), transportado para a selva. Um filme sobre a Bavária, com um personagem não muito diferente de Ludwig, o rei louco que construía castelos e custeava as óperas de Richard Wagner. Certamente, afirmou Elsaesser, Fitzcarraldo pode ser visto como um anti-herói que, frustrado com o fracasso da ferrovia, volta-se para a arte e a música. O filme poderia ser também uma variação de Ludwig, Réquiem Para um Rei Virgem (Ludwig - Requiem für einen jungfräulichen König, direção Hans-Jürgen Syberberg, 1972). De qualquer forma, o interesse pela ópera parecia ser uma das tendências temáticas do Cinema Novo alemão. Outro cineasta, Werner Schroeter, realizou a montagem de Ernani, de Giuseppe Verdi (1813-1901), no começo do filme. No final do filme, I Puritani, de Vincenzo Bellini (1801-1835), a ópera cantada no navio, foi o consolo que restou a Fitzcarraldo.




A esquerda alemã
achou que Fitzcarraldo era
um filme de propaganda da
direita capitalista







Certa vez um crítico de cinema sugeriu que Herzog poderia ter feito este filme na própria Alemanha. Ao invés de Fitzcarraldo construir um teatro de ópera na selva, poderia tentar manter um cinema no interior da Alemanha Ocidental (10). Em No Decurso do Tempo (In Lauf der Zeit, 1976), vimos como Wim Wenders abordou essa questão - os proprietários só podiam escolher entre duas opções, passar filmes pornográficos ou fechar as portas. Mas as críticas podiam ser ainda mais violentas. Para alguns membros da esquerda alemã, Fitzcarraldo (e toda a cobertura que recebeu na imprensa na época) constituiria mais uma vitória da contra-revolução (leia-se, contra ataque da direita), uma defesa estética e ideológica do irracionalismo que estaria traindo o trabalho antiautoritário de toda uma geração. De acordo com esse ponto de vista, todo o esforço de Fitzcarraldo não passaria de uma espécie de "totalitarismo da auto-realização".

A Realidade e a Ficção



Herzog construiria
dois navios a vapor 
idênticos, um deles
subiria a montanha
,
de  fato derrubou
todas aquelas matas
 
para ele passar (11)





Burden of Dreams, o documentário de Les Blank, esclarece muitas questões e acaba, num certo sentido, constituindo um segundo Fitzcarraldo. O cineasta restaurou a carcaça do navio que vemos no filme. Encontraram mais um barco idêntico e o restauram também, um terceiro navio foi usado para levar a equipe de filmagem. Herzog fez questão de que todos fossem para locações na selva. A partir daí, o problema passou a ser a estação seca, que impedia a navegação. Então, alguns índios da equipe foram atacados por Amahuacas (?) da região. Em certo momento, Herzog confessou que não imaginava o que mais poderia acontecer. Para evitar os problemas que havia tido com os Aguarunas, fez um acordo com os Machiguengas defendendo o direito deles ao título de propriedade das terras em torno da filmagem. Mas as filmagens pararam porque tudo virou lama, até a equipe de filmagem estava ficando entediada. Os índios, que ficariam três meses a mais do combinado. Como não viviam em grandes grupos, as tensões cresciam.






Um engenheiro brasileiro
projetou o sistema para fazer
o  navio  subir. Porém Herzog
mudou as regras. Uma equipe
peruana terminou o serviço







Herzog disse que na floresta só faltavam os dinossauros. Como se fosse uma terra pré-histórica amaldiçoada, quem entrasse receberia essa herança maldita – no caso, a equipe do cineasta. Se Deus criou essa terra, desabafou Herzog, ele a criou irado. Um mundo inacabado onde a única harmonia é o assassinato coletivo. Não somos nada frente a isso, acrescentou o cineasta, temos que ser humildes na selva; frente a todo esse esmagador tormento, esmagadora fornicação, esmagador crescimento, esmagadora falta d’água. Mesmo as estrelas no céu parecem uma confusão, não existe a harmonia como a concebemos. Mas quando diz essas coisas, esclarece Herzog, fala com admiração pela selva. Ele não a odeia a floresta, ele a ama. Por outro lado, se acreditasse no demônio, confessou o cineasta, ele estaria bem ali. Para não deixarmos nenhum detalhe de fora, houve ainda um acidente com o avião da equipe, com vítimas fatais (12).


“Parece que não
conseguimos c
urá-los 
da idéia de que a nossa
vi
da de todos os dias seja só
uma ilusão, atrás da qual
se encerra a realidade
do sonho”


 

Um missionário comenta sobre
os índios com Fitzcarraldo




Na verdade, existiu um tal Carlos Fermín Fitzcarraldo. Foi um homem mal que morreu aos 35 anos de idade. Antes disso, matava que não trabalhasse para ele. Viveu naquela mesma região onde se passa o filme de Herzog, existe até mesmo uma cidade com esse nome. O cineasta conhecia a historia desse Fitzcarraldo, mas não se interessou (13). Esse outro era um sanguinário que nada tem a ver com o personagem de Herzog. Entretanto, ele havia realizado uma coisa... No começo do século passado, atravessou um navio por sobre uma montanha, só que desmontou o barco e remontou do outro lado. Tudo isso inspirou Herzog a construir seu próprio Fitzcarraldo. A história do oferecimento dos índios para matar Kinski torna-se perigosamente coerente, já que o ator encarnava um encrenqueiro. Além do mais, possuía o mesmo nome de um monstro que viveu na região - Herzog não fez comentários sobre a escolha desse nome para de Kinski...


(...) As primeiras
imagens 
[desse filme] focalizariam dois alucinados
que enxergam na ópera a
própria realidade, e não
um alegre casal de

enamorados”

Lúcia Nagib, explicando que na cena inicial seria
Wilbur a chegar à ópera com Fitz e não Molly (14)


O Conquistador do Inútil 



Mesmo antes de terminar
o filme
, Herzog afirmou que mesmo que conseguisse levar
o  navio  até  o  outro lado da montanha e terminar o filme
, ninguém que venha elogiar o esforço conseguirá convencê-
lo a ficar feliz com tudo isso




Em Fitzcarraldo, uma ação heróica (a travessia do intransponível, a passagem do navio pela montanha) está ligada a uma ação sublime (que a floresta virgem se torne o templo da ópera e da voz de Caruso). Este foi o ponto de vista de Gilles Deleuze, para quem Herzog é o mais metafísico dos cineastas. Deleuze divide a obra do cineasta a partir de dois tipos de Idéia: o Grande e o Pequeno. Fitzcarraldo pertenceria ao primeiro grupo, onde um homem de excessos habita um mundo também desmesurado e concebe uma ação tão grandiosa quanto a selva que o circunda e o engole. “Trata-se de um empreendimento louco, que nasce da cabeça de um iluminado, e que parece ser o único capaz de se igualar ao meio inteiro”. Uma atitude que se desdobra numa ação sublime e engendra uma ação heróica que se confronta com a floresta e transpõe o intransponível (a montanha). A ação sublime corresponde a uma dimensão alucinatória em que a ação do espírito a eleva ao ilimitado na Natureza. A ação heróica, por sua vez, corresponde a uma ação hipnótica em que o espírito enfrenta os limites que a Natureza lhe impõe (15).





Fitzcarraldo levou
quatro longos anos para
ser completado







Quando se passa a conhecer toda a problemática produção deste filme, torna-se possível pensar em Fitzcarraldo como um alter ego de Herzog. Afinal, o cineasta passou por mil e uma atribulações, até mesmo atravessando um barco (que não era cenográfico) através de uma montanha. Como todas as questões que se desdobram das situações vividas por Fitzcarraldo, mas também por causa de todas as vicissitudes e problemas que afetaram a produção, Werner Herzog só poderia dar a seu livro de memórias sobre este projeto o título de Conquistador do Inútil!




“Não   são   apenas
meus sonhos, minha crença
é de que todos esses sonhos são
seus também. A diferença entre mim
e você é que eu posso realizá-los. (...)
Fazer cinema, ou poesia, ou literatura,
ou pintura, é sobre isso. Simples assim...
e é meu dever, porque esta pode ser a
crônica interior daquilo que somos.
Temos   que   nos   articular,
caso   contrário,   seremos
vacas  no  campo” (16)





Antonioni e o Grito Primal
Antonioni e o Vazio Pleno
Zurlini e o Deserto de Nossas Vidas
As Mulheres de Pier Paolo Pasolini (IV)
Aquele que Sabe Viver
A Nudez no Cinema (I)

Notas:

1. HERZOG, Werner. Caminhando no Gelo. Tradução Lúcia Nagib. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982 P. 11.
2. NAGIB, Lúcia. Werner Herzog: o Cinema Como Realidade. São Paulo: Estação Liberdade, 1991. P. 142.
3. ELSAESSER, Thomas. New German Cinema: A History. London: Macmillan, 1989. 223.
4. BLANK, Les. Burden of Dreams (1982). Documentário sobre Fitzcarraldo.
5. PAGANELLI, Grazia. Sinais de Vida. Werner Herzog e o Cinema. Tradução Marta Amaral. Lisboa: Edições 70/Indie Lisboa, 2009. P. 76.
6. BLANK, Les. Op. Cit.
7. Idem.
8. ELSAESSER, Thomas. Op. Cit., pp.304-5.
9. NAGIB, Lúcia. Op. Cit., p. 167.
10. ELSAESSER, Thomas. Op. Cit., p. 305.
11. NAGIB, Lúcia. Op. Cit., p. 161.
12. BLANK, Les. Op. Cit.
13. Idem.
14. NAGIB, Lúcia. Op. Cit., p. 165.
15. DELEUZE, Gilles. Cinema 1: A Imagem-Movimento. Tradução Stella Senra. São Paulo: Brasiliense, 1985. P. 228-9. Ver também PAGANELLI, Grazia. Op. Cit., p. 43.
16. BLANK, Les. Op. Cit.


7 de jul. de 2010

A Bruxa Italiana de Żuławski



Ele é muito violento
com ela
, mas cai como
uma mosca no primeiro
soco de outro homem
.
Esta é a Polônia?





Mulher Carente ou Lobo em Pele de Cordeiro?

Włoszka é uma estudante conhecida como “a italiana”, Michał é um professor de antropologia que a coloca no apartamento que o irmão alugava – até que virou padre e tempos depois se enforcou; segundo Michał, porque estava dividido entre o sacerdócio e a homossexualidade. Quase imediatamente tornam-se amantes. Jogando-a violentamente na cama ele a penetra, no início ela parece incomodada, mas depois de algum tempo o rosto dela transparece uma expressão de êxtase. Um primeiro padrão se estabelece: ele inicia o coito e ela sempre acolhe os avanços brutais de Michał. A paixão dele por Włoszka só tem paralelo com sua fascinação pelo corpo mumificado de um xamã com dois a três mil anos, descoberto numa escavação arqueológica e transportado para o laboratório onde Michał trabalha. Numa de suas aulas, ele afirma preferir o xamanismo para definir a humanidade.






Ela   é   hiperativa
e sexualmente insaciável,
muito conveniente numa sociedade machista







Durante uma visita ao hospital, Michał presta muita atenção aos pacientes psiquiátricos. Diz ao pai de sua namorada (aparentemente interessado em que seu futuro genro mostre mais interesse pela medicina) que pretende fazer um doutorado em antropologia psiquiátrica – acaba dizendo que a filha dele não lhe interessa. Disse que os xamãs eram governados pela loucura. Estavam à beira da psicose: drogas, fome, medo, escuridão. Michał está convencido de que os xamãs não são escolhidos entre pessoas normais e gostaria de estudar esses processos. Existe a suspeita de que a morte do xamã não foi natural, já que seu cérebro está faltando. Certo dia, Michał está drogado diante da múmia e supostamente tem uma visão. O xamã conta que foi morto por uma mulher que queria seu poder, e que também era uma xamã. Isso precipita sua decisão de deixar Włoszka e tornar-se um padre. Quando está para sair, ela o mata e come seu cérebro.

O Polonês Misógino 







“Se mulher fosse bom,
Deus   tinha  uma”


Ditado popular
brasileiro






De acordo com Ewa Mazierska, Xamã (Szamanka, 1996), dirigido por Andrzej Żuławski, demonstra que desde a queda do muro de Berlim o cinema polonês vem se caracterizando pela falta de interesse pelas mulheres – ou, pelo menos, falta de interesse em retratá-las como algo mais do que um objeto ou um problema para o “bom funcionamento” da sociedade (1). Władysław Pasikowski, o primeiro cineasta da Polônia pós-comunista a ser acusado de sexismo, disse que a função da mulher no cinema é “ter uma boa aparência”. Com Irka, a esposa de Filip em Cinemaníaco (Amator, direção Krzystof Kieślowski, 1979), a esposa de Franz em Cães (Psy, direção Władysław Pasikowski, 1992) ou a esposa de Cezary em Pai (Tato, direção Maciej Ślesicki, 1995) encontramos alguns exemplos do grupo das mulheres repressoras, dominado pelas ex-esposas que depois (ou mesmo antes) do divórcio levam os filhos para longe dos pais.





De   acordo   com
Ewa   Mazierska,   no
cinema polonês, a mulher
oscila entre o rostinho
bonito e o monstro







Pouca ou nenhuma explicação é dada quanto ao motivo dessas mulheres para abandonar suas famílias. Com relação à Irka, tudo que sabemos é que ela tem pesadelos com gaviões matando galinhas e uma birra em relação ao novo interesse de Filip por cinema. Mazierska lembra que, quando sua nova amante perguntou a Franz porque sua esposa o deixou, ele simplesmente diz, “porque ela é uma mulher má”. Na opinião de Mazierska, essas “mulheres más” não têm chance de expor seus pontos de vista, o que se vê nas telas são os homens falando sobre elas. Ao que parece, elas são sempre personagens secundários, os principais sendo os homens. Ainda segundo Mazierska, muita hostilidade é dirigida também a mulheres abstratas, mulheres em geral e a certos modelos de feminilidade previamente aceitos ou até mesmo exaltados pela sociedade polonesa. Em Cães e Kroll (1991), dirigidos por Władysław Pasikowski, em Pai, dirigido por Maciej Ślesicki e Esterco (Gnoje, 1995), dirigido por Jerzy Zalewski, Mazierska conta que podemos encontrar afirmações de que as mulheres conspiram para destruir a masculinidade, ou que todas são estúpidas, ou ciumentas, ou prostitutas. Nem as mães escapam...

“Um exemplo amplamente citado é fornecido por Pai, onde os personagens masculinos zombam do fato de que apenas na Polônia as mães são agraciadas com monumentos; noutros países, a maternidade é dada como certa. Pouco respeito a mais é concedido àquelas mulheres que tomaram parte na luta do [sindicato] Solidariedade pela democracia ou pelas mulheres que possuem poder político. O fato de que mesmo modelos nobres de feminilidade com esses são minados, mostra claramente a profundidade do ressentimento masculino em relação às mulheres. Também mostra o medo do homem em confrontar as mulheres cara a cara quando os argumentos podem ser apresentados e discutidos de forma racional e equilibrada” (2)







Włoszka
parece   viver   em

permanente estado
de tensão







Mazierska aponta ainda um segundo grupo de mulheres odiadas pelos cineastas homens poloneses. Compõe-se de mulheres marginalizadas na sociedade por fatores como doença (especialmente loucura), pobreza, por ser estrangeira ou prostituta. Particularmente impressionante, aponta a pesquisadora, é a multidão de bruxas no cinema polonês pós 1989 (ano da queda do muro de Berlin): mulheres com poderes sobre-humanos, as simplesmente loucas, as que criticam a Polônia. E também existem as putas: que se comportam de maneira sexualmente provocadora. Os dois grupos de mulheres presentes no cinema polonês apresentadas por Mazierska não são mutuamente excludentes. “Bruxas” são muitas vezes putas, são famintas por sexo e utilizam sua sexualidade como uma arma para a destruição dos homens. O enredo dos filmes sobre bruxas e putas muitas vezes giram em torno de uma luta de poder entre uma mulher e um homem, terminando com a vitória deste e com a punição da mulher enquanto um “perigoso Outro”. Além do mais, destruir uma mulher perigosa tipicamente coincide com a vitória do homem em relação a algum objetivo nobre, como ganhar uma guerra ou salvar uma criança. De acordo com Mazierska, Xamã é um representante exemplar desses dois grupos.

Comida, Sexo e Escatologia 




Tal
vez Mazierska vá
muito longe ao considerar
que Michał está em posição
de superioridade em relação à

Włoszka pelo fato de que o ator
era experiente e famoso na
Polônia, enquanto a atriz
era iniciante (3)






Włoszka é uma figura peculiar, sua conduta, aparência e roupas marcam essa mulher como um ser perigoso. Ela nunca anda, apenas corre e pula, fazendo gestos incontroláveis com as mãos. Mais do que falar, ela emite ruídos animalescos desarticulados. Quando come, utilizando apenas os dedos e a boca, fica salivando, cuspindo e vomitando – chega a colocar um pedaço de carne crua na vagina e oferecer a Michał. Ele até parece gostar, mas noutro momento, chega a irritar-se com ela e tenta, de seu jeito violento, ensiná-la a comer com talheres – curiosamente, o prato está sobre a barriga aberta de um modelo de corpo humano usado para o estudo médico dele. Deitada no chão, ela se alimenta de comida de gato e carne crua, incluindo ratos picados pela máquina da fábrica de comida. Depois de comer, ela espalha os restos por seu corpo e por toda parte.




Włoszka
come comida de
 gato  e  beija ratos,
 mas   c
omeria  um
cérebro humano

também





Na concepção de Mazierska, Włoszka prova ser uma bruxa também em função de sua atitude em relação ao sexo – e, portanto, conclui Mazierska, ela pode ser também classificada como puta. No final, ironicamente, ela come o cérebro de Michał usando uma colher – muito embora, na rua, no começo do filme, podemos vê-la fazendo um lanche usando uma colher; noutra ocasião ela até se prepara para usar o talher, mas nem chega a começar, importunada que foi pelo vizinho de mesa, talvez porque estivesse vestida como uma prostituta. Włoszka nunca se cansa de transar. Também não tem vergonha de fazer sexo em locais públicos: trens, ruas, hospitais. Embora Michał não seja seu único parceiro sexual, parece que somente ele é capaz de corresponder à fome sexual dela. Mazierska supõe que a superioridade dele em relação aos outros seja fruto de sua brutalidade: quando ele quer, simplesmente agarra a mulher e tira suas roupas.

Outras Hipóteses Polonesas

Włoszka está sempre
 abaixo   de   Michał,   seja
rastejando no chão
, deitada
na cama ou sentada no banheiro
.
Olha para ele de baixo para
 cima
, como  uma  cadela
olhando   o   dono

Ewa Mazierska, procurando momentos em
que o papel de Włoszka seria de vítima (4)


Em filmes como Diabel (1972), também direção Andrzej Żuławski, e Madre Joana dos Anjos (Matka Joanna od aniolów, direção Jerzy Kawalerowicz, 1961), ambos feitos bem antes da queda do Muro de Berlim, as mulheres foram retratadas com seres inferiores ou, em todo caso, disponíveis para os homens. Diabel acompanha Jacó, salvo da morte certa por um homem que pode ser o próprio diabo ou um de seus emissários. Aparentemente, sua missão é fazer uma “limpeza”. Acompanhado de uma freira que lhe foi “dada” por seu libertador, Jacó vai matando gente aqui e ali. Ele transa com sua mãe e mata ela. Sua irmã oferece o corpo para ele, que acaba por matá-la. Antes disso, O chefe de uma trupe de saltimbancos lhe oferece uma mulher. Uma mulher turca, que “sabe muitas coisas”, e a própria se oferece a Jacó rapidamente. Ele mata esta mulher também, além de mais uma no prostíbulo gerenciado por sua mãe. Antes disso, a namorada dele foi “dada” pelo pai a todos que poderiam ajudar a libertar Jacó de uma prisão no passado. Com muitas cenas de possessão, o filme apresenta muitas “decaídas”.






“Pois que padeçam.
É  o  destino delas”








 


Madre Joana dos Anjos retrata um caso de possessão supostamente ocorrido num mosteiro católico durante a Idade Média. Todas as freiras estavam possuídas. Um padre é mandado para substituir o último, que acabou tendo que ser queimado depois que ficou possuído. Antes de entrar no convento, o padre Joseph conversa com um padre da região a respeito dos estranhos acontecimentos e a presença do diabo no mosteiro. Referindo-se às freiras, ou seja, às mulheres, o padre diz para Joseph: “Essa inclinação natural das mulheres para a decadência...”. Ao que retruca Joseph: “mas também para a santidade”. Padre Joseph explica que não conhece o mundo e que passou a vida com a mãe carmelita e duas irmãs religiosas. Só esteve entre mulheres santas, disse. O padre da região achou bom que Joseph seja tão religioso e que pouco conheça as mulheres, mas naquele mosteiro irá passar por momentos difíceis. Sem conseguir dominar a situação, padre Joseph pede ajuda a um rabino. Irritado com a ironia do rabino em relação à ignorância dos mistérios da fé demonstrada por Joseph, este tenta mudar de assunto e pergunta se ele não se importa que os homens padeçam. O padre tenta sem sucesso completar a frase: “...que os homens padeçam, que as mulheres...”. E o judeu completa: “Que mulheres padeçam...”. Mas o rabino vai além: “Pois que padeçam. É o destino delas”.





Seja  Idade  Média
ou no sé
culo  XX, na
Polônia as mulheres
são sempre objetos






De acordo com Mazierska, no cenário do cinema polonês Włoszka é uma bruxa diferente (5). Detém muito mais poder sobre os homens, enquanto a maioria das outras personagens femininas de filmes poloneses após a queda do muro de Berlim geralmente não possuem qualquer autoridade. Quando são jovens e atraentes, se submetem alegremente aos desejos de homens geralmente mais velhos, como em Cães, Agridoce (Słodko gorzki, direção Władysław Pasikowski, 1996), Garotos Não Choram (Chłopaki nie płacza, direção Olaf Lubaszenko, 2000), Sara (direção Maciej Ślesicki, 1997). Em Pai, por exemplo, a professora de Kasia não é mais do que um brinquedo erótico dos homens. Na melhor das hipóteses, insiste Mazierska, a função delas é acalmar as tensões masculinas resultantes de empregos perigosos e responsáveis. Status inferior que seria perceptível em seus apelidos, como “putinha” (suczka) em O Lado Escuro de Vênus (Ciemna strona Wenus, direção Radosław Piwowarski, 1997), “peitos grandes” (cycofon) em Garotos Não Choram.

Uma Crítica Feminista Apressada? 





Constatar a misoginia na
base da cultura ocidental não
deve  induzir  a  interpretações
simplistas    de    filmes    que
traduzem     a     realidade






Em vários pontos de sua análise, Mazierska demonstra certo desconhecimento das cenas do filmes – sugerindo que ela talvez não o tenha visto! Um exemplo é sua descrição da cena de sexo no primeiro encontro de Włoszka e Michał no apartamento que ela irá alugar. Ela diz que Włoszka foi atirada de cabeça para baixo na cama, numa sugestão de coito anal. Na verdade, Włoszka está de lado e não dá para dizer se o sexo é anal. Depois diz que Michał entra em transe. De fato, ao que parece ele apenas estava tendo um orgasmo! Outra hipótese para os erros de Mazierska é que ela tenha se baseado no roteiro publicado do filme, sem conferir as cenas - o que colocaria seu trabalho em risco.





Na opinião de
Mazierska
, a combinação
entre atração sexual e cérebro
é impossível no cinema polonês
.
A ironia é que
, aparentemente, Włoszka só entra na vida
de Micha
ł para comer
seu cérebro
!






Como disse o cineasta espanhol Luis Buñuel, “não me interessam os personagens sem aspectos contraditórios, porque então sabemos tudo sobre eles desde o primeiro momento” (6). Mazierska faz uma leitura talvez feminista demais em certos momentos, e às vezes parece chegar a conclusões equivocadas porque maniqueístas. Ou melhor, conclusões de uma “dona de casa comum”. Por exemplo, quando sugere que Włoszka é apresentada como uma vítima pelo fato de que a mobília de seu apartamento alugado está sempre suja, sugerindo que ela não teria controle sobre seu próprio espaço e estaria condenada à passividade. Ora, limpar ou não a casa poderia muito bem ser uma opção de quem mora sozinha (ou é uma bruxa...). Enfim, Mazierska limpa sua mobília – ou parece acreditar que uma mulher deve fazê-lo. Ela também estranha o sexo anal e oral de Włoszka e Michał... Tais hábitos nada teriam intrinsecamente a ver com a sujeição da mulher. Sujeição que é um fato, mas que não poderia necessariamente ter os hábitos burgueses (de higiene ou de gostos sexuais) como padrão para definir se há ou não sujeição. Melhor seria lembrarmo-nos da cena em que Michał penetra violentamente o ânus dela, que começa a gritar e se perguntar se está ficando louca ou ele a está destruindo – mas não é especificamente o sexo anal que a está destruindo. Ou seja, há uma frase objetiva dela (deixada de lado pelas legendas) se perguntando se ele a está destruindo, começando pela cabeça dela ou por seu ânus - mas de forma alguma a eventual ausência de sexo anal poderia significar que ele não a estaria destruindo. Quando ele diz a ela que vai deixá-la, Włoszka se ressente e reclama que ele a enfeitiça e vai embora – se não é um blefe dela, poderíamos concluir que o problema é este “feitiço” dele, e não, para esclarecermos definitivamente, o sexo anal violento propriamente dito. Caso contrário, poderíamos concluir com Mazierska que um homem que não faz sexo anal seria menos machista do que aquele que faz. Será que sexo anal é só coisa de prostituta? Ou Bruxa?





Se fosse espanhol
,
Andrzej Żuławski já
teria sido queimado!
O que não quer dizer
que viver na Polônia
seria melhor - tanto
é que vive no exílio







Neste contexto, o sexo anal não seria importante, já que interpretado apenas sob o ângulo pornográfico - e machista-misógino. O sexo anal no contexto deste filme talvez possua um significado simbólico mais amplo, já que havia sido encontrado vestígio de sêmen humano no ânus da múmia do xamã. Um episódio aparentemente sem relevância para a trama como o suicídio do irmão de Michał adquire então uma relevância que fora obscurecida pelo frenesi machista do espectador, que só registra o sexo anal com mulheres: a múmia do xamã aponta para o fato de que seria necessária a inclusão da homossexualidade em seus rituais (e hábitos) para atingir o grau de sacerdote. Não tendo atingido tal patamar, o irmão de Michał se suicida - a insinuação de uma relação entre homossexualidade e religião deve ter valido ao cineasta Andrzej Żuławski muita censura por parte da igreja católica, principalmente em época de escândalos de pedofilia na instituição. Sem poderes, os pretendentes a xamã morreriam. Com poderes, adquiridos em função da ultrapassagem de todos os tabus, conquistariam um poder tal que os tornaria alvo de outros bruxos e bruxas! Teria Michał recuado na relação com Włoszka apenas por desilusão com a vida (em função da morte do irmão), ou teria concluído que lhe faltava assumir a batina e o homossexualismo como condição para compreender a relação entre loucura, fé e sexualidade?




O elemento contraditório no comportamento de Włoszka
e Michał é uma questão mais relevante que o xamanismo





Leia também: 

As Deusas de François Truffaut
Kieslowski e o Outro Mundo
As Mulheres de Pier Paolo Pasolini (I), (II), (III)
As Mulheres de Federico Fellini (I), (II), (VII)
As Mulheres de Mussolini: Ontem e Hoje
O Holocausto de Pasqualino
Buñuel, o Blasfemador (I), (II), (final)
As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (I)
Os Auto-Retratos de Francis Bacon

Notas:

1. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Women in Polish Cinema. New York: Berghahn Books, 2006. P. 116.
2. Idem, p. 117.
3. Ibidem, p. 121.
4. Ibidem, p. 122.
5. Ibidem.
6. KROHN, Bill; DUNCAN, Paul (ed.). Luis Buñuel. Filmografia Completa. Köln: Taschen, 2005. P. 87. 


2 de jul. de 2010

Kieślowski Não Era Um Cinemaníaco




Só muito tarde
Filip percebe que
fazer   filmes   com
boas intenções não
impede  que  eles
sejam   usados
para  o  mal



 

A Tragicomédia de Um Polonês

Filip Mosz era o pacato e típico funcionário público. Trabalha uma fábrica polonesa, o apartamento que habitava era num conjunto habitacional, possuía um carro, era casado com Irka e tinha uma filha recém nascido. Certo dia ele compra uma câmera de filmagem (custou-lhe dois meses de salário) para acompanhar o crescimento da filha. Seu patrão pede que filme a festa do jubileu da fábrica. O patrão pede que corte algumas cenas, mas antes disso Filip já havia mandado o pequeno filme para um concurso. Tira um terceiro lugar, a partir daí o patrão passa a incentivar essa nova função de Filip, mas sempre mantendo rédea curta em relação a o que deve ser filmado. Enquanto isso, Irka começa a se ressentir do novo interesse do marido. Ela chega a dizer que se casou com ele e deu-lhe uma filha porque achava que ele desejava a mesma coisa que ela: paz e tranqüilidade. (abaixo, à direita, incomodada, a esposa de Filip começa a se afastar)



 A  primeira a se
 incomodar  com o 
novo  interesse de
Filip foi a esposa





Pressionado pelo patrão e por sua esposa, Filip passa a viver uma longa agonia. Mergulha mais e mais em seu novo interesse, estuda o assunto e repassa seu conhecimento à equipe que o acompanha no laboratório que montou. Filma o depoimento de um funcionário da fábrica, que será transmitido pela televisão nacional e colocará a vida conjugal de Filip em risco. Irka vai embora e leva a filha pequena. Filip está tão envolvido com o cinema que, quando ela sai depois de anunciar sua decisão de partir, ele só consegue pensar no tipo de enquadramento que faria para filmar a saída dela do quarto da criança onde estavam discutindo. Seu próximo trabalho leva a demissão de um grande amigo, pois ele era o encarregado de fazer o serviço que não foi feito, e que, sendo filmado, serviu como denúncia do descaso das autoridades responsáveis em relação a suas funções e tarefas. Isso leva Filip a destruir um documentário recém concluído antes que fosse divulgado. No final, já que não queria prejudicar a mais ninguém, Filip vira a câmera em sua direção e filma a si mesmo (primeira e última imagens do artigo, pode-se ver Filip na lente da câmera na primeira imagem).

A Censura e os Seres Humanos




Kieślowski era hostilizado
pela direita e pela esquerda
.
O  patrulhamento  ideológico
de  ambos  os 
lados   parece
tão  comum  lá   como   cá







Com Cinemaníaco (Amator, 1979), o nome do cineasta polonês Krzystof Kieślowski chega ao mundo ocidental. Mas ele ainda teria de esperar até que Sem Fim (Bez Końca, 1985) e Decálogo (Dekalog, 1988-9) fizessem sua reputação se espalhar. A essa altura, Kieślowski já havia dirigido vários longas-metragens e inúmeros documentários. Para as gerações mais novas, falar que o nome de alguém “chegou ao mundo ocidental” pode soar estranho. É que em 1979 o mundo ainda estava dividido pelo muro de Berlin, tornando a troca de experiências e informação uma tarefa muito difícil – e até perigosa. Embora Kieślowski afirme que todos os seus filmes menos um (Trabalhadores ’71, Robotnicy 1971 – Nic o nas bez nas, 1971) falem sobre indivíduos e não sobre política, Danusia Stok sugere que é difícil negar que grande parte (especialmente os primeiros) traduz o clima político de seu tempo. Na media em que seu trabalho o expôs, a opinião dos poloneses em relação à Kieślowski era dividida. Existiam aqueles que o amavam e aqueles que achavam que ele flertava com o poder (no caso, o Partido Comunista). Foi acusado de oportunismo e de trair a si mesmo e a Polônia (1). (imagem acima, o patrão de Filip)



“Como você sabe o que
é  ser   um   cinemaníaco?
É   um   filme   sobre   mim”.
“Você plagiou minha vida
.
De onde me conhece?”

 

Algumas das frases que Kieślowski
encontrava  nas  cartas  que  recebia
depois de dirigir  Cinemaníaco (2)



Cinemaníaco
reflete essa situação claustrofóbica, Filip é ao mesmo tempo auxiliado e pressionado pelo patrão. Deve mostrar as coisas, mas não todas as coisas... Deve criar algo que possa ser utilizado pela propaganda estatal (ou dos interesses econômicos dominantes), mas não deve mostrar tudo! Eis porque um filme como este pode nos dizer muito sobre a problemática relação do cinema com os interesses do Estado autoritário – de esquerda ou de direita. O comentário de Irka sobre querer apenas paz e tranqüilidade talvez deva ser lido como uma constatação do conformismo generalizado reinante na Polônia sob regime comunista. Talvez parte das críticas a Kieślowski advenha do fato dele imaginar que, sendo todos seres humanos, não haveria porque acreditar que as pessoas “do outro lado” não sejam “seres complexos como nós”. Evidentemente, neutralizar o maniqueísmo é uma atitude sempre vista com desconfiança, já que assim fica mais difícil (ou torna impossível) transformar numa “coisa” aquele que se deseja destruir/usar/manipular. A esse respeito, o comentário de Kieślowski em relação ao personagem do patrão de Filip foi o seguinte:

“(...) Mesmo quando, em Cinemaníaco, um homem parece representar o assim chamado outro lado, quer dizer, o diretor da fábrica que corta algumas cenas do filme de [Filip], ele também é um ser humano. Ele não é meramente o representante de burocratas obtusos que cortam cenas de filmes. Ele é também um homem que está tentando explicar porque intervêm. Ele é igual ao censor em Varsóvia que costumava cortar vários pedaços de meus filmes. Através de Cinemaníaco eu queria observá-lo e descobrir o que está por trás de suas ações. Ele é apenas um obtuso executando ordens? Está ele desejando uma vida mais confortável? Ou talvez tenha razões com as quais eu não concorde, mas que mesmo assim são razões” (3)

As Profissões e as Probabilidades


Os documentários
de Filip sob
re as calçadas
e
m frente a sua casa e sobre
aquele   funcionário   e   amigo
anão da fábrica eram filmes
que Kieślowski
queria ter
feito no passado
(4)




Kieślowski faz algumas citações em Cinemaníaco. Enquanto Filip folheia um livro sobre cinema, nas fotografias podemos identificar pelo menos três filmes, Cinzas e Diamantes (direção Andrzej Wajda, 1958), Amor (direção Károly Makk, 1971) (imagem acima, à direita) e Kes (direção Ken Loach, 1969). Além disso, o cineasta polonês Krzysztof Zanussi faz uma aparição como ele mesmo. Com seu próprio nome Zanussi aparece no filme como um cineasta dando uma entrevista, quando Filip se aproxima e pergunta se ele poderia comparecer ao cineclube da cidade dele. Quando isso acontece, Filip mostra sua última experiência cinematográfica a Zanussi, que o sugere a fazer um contato com Jurga. Também estão presentes em Cinemaníaco o escritor Tadeusz Sobolewski e Andrzej Jurga, ambos atuando como eles mesmos. Ator e diretor polonês, Jurga é aquele personagem que esculacha a todos os filmes da competição onde foi inscrito o filme que Filip havia feito do Jubileu da fábrica. Posteriormente, Filip o reencontra pela indicação de Zanussi e acaba conseguindo através dele que seu documentário sobre o operário anão da fábrica de sua cidade transmitido pela tv. (imagem acima, e abaixo, à direita, Filip concetrado em seu primeiro trabalho como cineasta, a festa do jubileu da fábrica, ele chega a incomodar as pessoas)



Para   Kieślowski, 
a infelicidade no casamento
de Filip não é fruto de seu interesse
obsessivo   por cinema, nem
do egoísmo de Irka



Com relação à tentação de interpretar Cinemaníaco como um filme autobiográfico, Kieślowski faz algumas considerações que enterram definitivamente tal possibilidade. O cineasta afirmou que nunca teve a fascinação de Filip em relação à câmera. Ele disse que fazia filmes porque era sua profissão, e também porque era muito preguiçoso ou estúpido demais para mudar de profissão a tempo. Kieślowski disse ainda que só depois que o tempo passou percebeu como essa profissão é difícil, mas que a vida particular e o cinema podem coexistir. Para Kieślowski, não há nenhuma diferença entre a profissão de cineasta e outra qualquer no que diz respeito às dificuldades para conciliar o público e o privado. Ver a família muito, ou pouco como Filip, não significa maior ou menor possibilidade de resolver os problemas de convivência. O amor é possível, afirma Kieślowski, estando sempre ou não estando nunca, presente na família ou na relação afetiva. A desarmonia é tão provável numa relação onde as pessoas estão muito presentes uma na vida da outra, quanto naquela em que elas estão quase sempre ausentes. Kieślowski também esclareceu que nunca teve de destruir um filme como Filip o fez, mas que o faria se soubesse que um filme seu estivesse em vias de ser confiscado. Kieślowski encerra o assunto:



“Porque   Filip,
o cinemaníaco, destrói
o filme perto do fim? O que
isso significa? (...) Ele não desistiu
porque virou a câmera para si mesmo
no final.  Ele apenas percebeu que,  como
amador, se encontrava numa armadilha
e que, filmando com boas intenções
ele   seria   útil   àqueles   que

usam   os   filmes   com 
más intenções” (5)




Notas:

1. STOK, Danusia (ed.). Kieślowski on Kieślowski. London: Faber & Faber, 1993. Pp. xiii-iv.
2. Idem, p. 210.
3. Ibidem, p. 145.
4. Ibidem, p. 208.
5. Ibidem, p. 112.

 

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Herzog, Fassbinder e Seus Heróis Desesperados

 Entre Deuses e Subumanos Pelo menos em seus filmes mais citados, como Sinais de Vida (Lebenszeichen, 1968), T ambém os Anões Começar...

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