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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

25 de nov. de 2010

As Mulheres de Andrzej Wajda (III)





Até Maciek chegar
em sua vida
, Krystyna acreditava fazer parte do grupo dos que preferem
não se apaixonar






Faça Amor, Não Faça a Guerra

A hipótese de que o amor possibilite a renovação da vida após a guerra é um motivo recorrente nos filmes da Escola Polonesa. Com esta frase Eliżbieta Ostrowska dá o tom de sua análise de Cinzas e Diamantes (Popiół i Diament 1958), dirigido por Wajda, última parte de sua Trilogia da Guerra. Uma adaptação do livro de Jerzy Andrzejewski lançado logo após o término da Segunda Guerra Mundial, o filme se passa no dia em que foi declarado o final do conflito. De acordo com Tadeusz Lubelski, Cinzas e Diamantes se enquadra na “psicoterapia dos poloneses enquanto nação”, aplicada através dos filmes da Escola Polonesa. O filme de Wajda seria o melhor exemplo dessa estratégia, já que procura reunir uma nação fraturada pelas demandas da doutrina totalitária comunista. Tal reunificação foi tornada possível através da representação da experiência de guerra dos membros do Exército Nacional Polonês (Armia Krajova), o movimento de resistência, liderado pelo governo polonês no exílio e que se opunha ao controle comunista que começava a se estabelecer. A nova ordem comunista estava perseguindo os sobreviventes da Armia Krajova, esta virada na história da Polônia é o ponto central do filme. Maciek Chełmick, o protagonista masculino, é membro da Armia Krajova. Ele participou do Levante de Varsóvia em 1944 e esteve nos esgotos que Wajda mostrou em Kanal (1957). Sua missão é assassinar Szczuka, o líder comunista local. Mas no meio do caminho de Maciek tinha uma Krystyna(1). (imagem acima, Krystyna pergunta por que Maciek só anda de óculos escuros; abaixo, à direita, depois de quase tentar matar o líder comunista, para quem acabou de acender um cigarro, Maciek pede que ela lhe dê mais meia hora de companhia)



Cinzas e Diamantes

foi tornado possível com
a morte de Stalin
, devido
à desestalinização
. O amor
pela pátria foi repensado
.
Mas até que ponto se

repensou o amor?






A partir do momento em que a garçonete loura entra na vida dele, sua metamorfose começa. Nos primeiros instantes do flerte, a conversa parece até uma briga entre pessoas que se conhecem. Maciek diz que está esperando uma mulher, que também poderia ser ela (se ela quiser). Ironizando, Krystyna avisa que a mulher que ele está esperando já chegou. Quem chega é Andrzej, além de Maciek, o único sobrevivente do grupo original de amigos de antes da guerra. Andrzej também é um superior hierárquico de Maciek, e vai entrar em choque com ele à medida que outra opção de vida (Krystyna) se apresenta. Os dois sentam-se numa mesa do bar e Andrzej diz que tem algo importante a dizer. Numa atitude tipicamente machista, Maciek mostra a loura para Andrzej – “nada mal, heim?”, comenta Maciek. Krystyna, que estava olhando para eles, desvia o rosto. Mais tarde, Maciek sugere que ela vá a seu quarto no hotel. Ela não diz nem que sim nem que não, mas acaba batendo na porta dele – num momento problemático, pois ele está preparando a arma para matar o líder comunista e uma bala acaba caindo no chão, Maciek enrola Krystyna pedindo para ela contar sobre sua vida enquanto ele disfarça e encontra a bala. Eles acabam transando.

“A consciência de Krystyna em relação à dificuldade de qualquer relacionamento genuíno entre Maciek e ela é evidente quando ela vai ao quarto [dele]. Ela diz que veio porque sabe que não vai se apaixonar por ele. Aparentemente, [Krystyna] também sabe que não seria possível a ele se apaixonar por ela. Contudo, inesperadamente, as coisas tomam outro rumo. De alguma forma, este encontro erótico acidental entre estas duas pessoas os leva a experimentar o amor. Wajda marca o ato de entrada em um novo reino de experiência existencial através de uma ‘alienação’ estilística da cena. Enquanto a profundidade de campo, que Bazin considera crucial para se alcançar o efeito realista, é a dominante no filme, o realismo espacial não existe nesta seqüência. Mostrada quase inteiramente em close-up, e utilizando um efeito de difusão, é construída uma distancia em relação à realidade. O que impressiona aqui é como se evitou a edição em campo-contracampo. Os close-ups de Krystyna e Maciek dissolvem-se um no outro e a câmera vagarosa e seguidamente faz uma panorâmica de seus rostos. Portanto, em termos do visual, nenhum dos personagens é privilegiado, eles parecem ser igualmente o ponto de referência um para o outro. Este cinema ‘democrático’ criar uma igualdade dos gêneros que poderia muito bem ser percebida como a expressão visual do amor verdadeiro. Contudo, em algum momento eles devem deixar esse espaço abstrato e retornar ao reino da profundidade de campo, evocando o mundo real, governado pelos processos da História” (2)

Por que Complicar a Vida? 




“Não diga mais
nada
, apenas vá!”

Krystyna para Maciek, quando
ele veio se despedir e dizer que ela
não fará parte do futuro dele





De acordo com Ostrowska, o desdobramento do dilema moral de Maciek em suas atitudes contrasta com a passividade de Krystyna na seqüência final. Após saber que ele não vai ficar com ela, a mulher fica paralisada física e emocionalmente – mesmo sendo levada a dançar. Ela não obedeceu a sua própria regra de ouro. Ao aceitar se entregar a Maciek, a loura disse que só foi ao quarto dele porque não se apaixonaria – nem por ele, nem por ninguém. “Por que complicar a vida?”, pergunta a mulher. “Ela já é complicada”, responde Maciek. “Então por que complicar mais?”, insiste a loura (imagem abaixo, à direita). Em seguida, já depois de ter transado, ela coloca a mão no rosto dele e pergunta por que ele anda sempre de óculos escuros. Maciek explica que é “uma lembrança de um amor não correspondido por [seu] país. Não é nada sério. Simplesmente por que passei muito tempo nos esgotos durante o Levante [de Varsóvia]” – em Kanal, Wajda mostrou bem o que Maciek quis dizer. Krystyna insistiu em não guarda recordações do encontro com Maciek: eles se encontraram, se conheceram, foi bom, e só! “O que mais eu poderia querer?”, perguntou Krystyna. Enquanto falam sussurrando, ouvem os passos do homem que Maciek deve matar. A pressão do dilema de Maciek fica visível, ao seu lado Krystyna, em seus ouvidos, o som dos passos do inimigo que não deixa esquecer-se do seu dever – seus olhos acompanham o deslocamento dos passos. Krystyna não ouviu seus próprios conselhos. (imagem acima, à esquerda, Maciek veio dizer adeus)


  
"
Até agora, eu
não sabia nada sobre
o amor"
, confessou Maciek. Então Krystyna quebra
o salto do sapato







O casal se despede na escada do hotel, o alvo de Maciek passa por ele e até lhe pede para acender um cigarro. Maciek hesita, em segundos Krystyna retorna e ele pede mais meia hora com ela. Vão passear e acabam numa igreja destruída. Krystyna começa a ler uma inscrição, mas não consegue terminar. Maciek explica que é um poema de Norwid e recita para ela: “...Ou as cinzas irão ocultar a gloria de um diamante estrelante... A Estrela da Manhã do triunfo permanente”. “E o que somos nós?”, pergunta Krystyna. “Você é definitivamente um diamante”, responde Maciek. Eles entram numa parte da igreja com um crucifixo pendurado de cabeça para baixo, é então que ele começa a dizer que gostaria de mudar de vida. “Até agora, eu não sabia nada sobre o amor”, disse ele. Ela quebra o salto, Maciek entra numa sala a procura de algo para resolver o problema. Ocorre que se trata justamente do velório das duas pessoas que Maciek havia matado por engano enquanto pensava ter matado o líder comunista. Novamente o passado irrompe no idílio de Maciek. De volta ao hotel, ele diz que vai tentar mudar as coisas – naturalmente colocando a loura no lugar. Ela entra pela cozinha do hotel, ele fica do lado de fora por alguns instantes, sendo abordado por um cavalo branco – na Polônia, a imagem do cavaleiro e seu cavalo é muito carregada de simbolismo (3). Como concluiu Anette Insdorf, Krystyna é como o diamante, como a possibilidade iluminada dada às cinzas da vida de Maciek (4).

“Krystyna encontra o poema que dá ao filme seu título. É um poema de Norwid. Um poeta que representaria para Wajda e outros poloneses da época aquele legado da tradição romântica polonesa. Esta é uma tradição que Wajda freqüentemente utiliza. A palavra polonesa é telskonota, um anelo, palpável em muitos de seus filmes, por uma Polônia que talvez nunca existiu realmente. Se isso foi escrito numa época em que a Polônia não tinha nem uma identidade nacional num mapa, então estas palavras sugerem aquele anelo, aquela esperança de uma identidade nacional. Maciek mencionou para o porteiro do hotel que ele era um estudante. Pensávamos que isso era só um subterfúgio, porque ele não podia dizer que era parte do exercito. No entanto, quando ele agora começa a falar as palavras do poema de Norwid, entendemos que esta é uma alma bastante culta e até gentil. Alguém que, talvez sem o contexto da guerra, teria se tornado um pensador, um artista, um escritor, talvez um cineasta. Há camadas em Maciek” (5)

Agora Maciek começa a fugir de Andrzej, já que ele é seu superior e lhe cobra o assassinato do líder comunista. Maciek se esconde no banheiro num banheiro do hotel, mas Andrzej o encontre e eles têm uma discussão. Maciek será considerado um desertor se não cumprir sua tarefa. Ele insiste que gostaria de mudar de vida, mas Andrzej não se importa e responde que se o amigo está apaixonado o problema é só dele. Mais tarde, Maciek começa a seguir o Líder comunista quando o porteiro o chama para um brinde a Varsóvia – ou, mais exatamente, ao que aquela cidade deixou de ser, devido à destruição causada pela guerra. Mas Maciek agora não pode parar, toma um gole e faz mais um comentário machista quando o porteiro pergunta por que ele tem de sair (já que isso seria “normal” e não despertaria suspeitas): “Infelizmente. Tenho uma esposa preciosa”. Numa rua deserta e escura, Maciek cumpre seu papel. No mesmo instante, explodem fogos de artifício comemorando o final da guerra. Maciek vem se despedir de Krystyna no bar do hotel, ela percebe que ele não conseguiu mudar o rumo da vida dele como ele acreditava que poderia. Meio irritada, meio decepcionada, ela dispara: “Não diga mais nada, Apenas vá!” No bar, uma orquestra desafinada toca a Polonaise em Lá Maior, opus 40 nº 1 (1838, apelidada de Polonaise Militar), de Frederich Chopin – durante a invasão da Polônia pelos nazistas em 1939, as rádios polonesas tocaram muito esta música como forma de levantar o povo; quando os nazistas tomaram o poder, baniram a reprodução de composições de Chopin e destruíram uma estátua dele em Varsóvia. Já sabemos que Krystyna parece um zumbi agora. Longe dali, Maciek leva um tiro de soldados e corre. Esconde-se por alguns momentos num terreno cheio de lençóis brancos estendidos em varais. Embora o filme seja em preto e branco, o vermelho de seu sangue manchando o um lenço branco formam as cores da bandeira polonesa. Ele continua fugindo e morre num lixão, tendo espasmos como uma barata meio esmagada.

Todas Essas Mulheres 

As personagens
femininas em Wajda se
parecem
com a Polônia,
são fortes e fracas ao
mesmo tempo





Anette Insdorf ressalta que Wajda mostrou vários personagens femininos fortes em seus filmes. Em Paisagem Após a Batalha (Krajobraz po bitwie, 1970), uma mulher representa algo diferente do personagem masculino principal e oferece a possibilidade do amor. Terra Prometida (Ziemia obiecana, 1975) apresenta uma tensão entre o amor e um mundo onde não há lugar para consciência e moral – o mundo masculino dos negócios e da grande indústria. Ou ainda, como a personagem feminina em O Homem de Mármore (Czlowiek z marmuru, 1977). Nos filmes de Wajda, explica Insdorf, as mulheres tendem a serem centros morais. Elas oferecem aos heróis a possibilidade da redenção, Cinzas e Diamantes não seria uma exceção. Por outro lado, isso não quer dizer que Krystyna tenha controle sobre si mesma. Muito pelo contrário, além de se deixar envolver por um forasteiro, chegou a deixar isso evidente para Maciek quando, ao vê-lo se aproximar do balcão do bar, ela estava tão absorvida na figura dele que deixou o copo de cerveja que estava enchendo transbordar. Outra personagem feminina é digna de nota, já que ao contrário de Krystyna ela demonstra um posicionamento político em relação a situação do país. Ela é uma burguesa ligada ao passado polonês, o que se pode notar pelos símbolos da cavalaria, o sabre que ela coloca cuidadosamente na parede e o grande quando que mostra um oficial da cavalaria. Ela é cunhada do líder comunista, ele aparece no apartamento dela para saber do filho. Ele saberá mais tarde que o filho foi preso por atividades anticomunistas. Após a saída do líder comunista, ela volta para seus convidados esnobes. (imagem abaixo, Maciek flerta com Krystyna; acima, ela acaba na cama com ele)




Na Polônia
,
o fim da guerra não
trouxe alívio
, trouxe a
ocupação russa


Andrzej Wajda (6)






O destino de Maciek não é nada bom. “À Krystyna, também resta um destino bem triste. Ao invés de conseguir ir embora, ela simplesmente será absorvida naquela turma de moscas, aquele círculo fechado de dançarinos”. Segundos antes de Maciek entrar no bar para dizer que teria de partir, Krystyna abriu a janela permitindo que o ambiente escuro fosse invadido por um largo feixe de luz que praticamente a cobriu por completo. Mas essa luz não a protegeu de suas fraquezas, depois da partida de Maciek, ela fica de pé e imóvel, paralisada. A seguir, ela é chamada (pelo mesmo burguês esnobe que estava na casa da cunhada do líder comunista) para fazer par com um dos bêbados no salão ao lado, “trocando a luz do pano de fundo pela escuridão do primeiro plano. O corte [na imagem mostra] Maciek indo na mesma direção que Krystyna [para a esquerda]. Ainda há [uma ligação] entre eles. Mas Maciek corre para sua morte. A lágrima no rosto de Krystyna sugere que de alguma forma ela sabe que ele se foi de uma forma mais definitiva” (7).

Leia também:
 
As Mulheres de Andrzej Wajda (II), (IV)


Sergio Leone e a Trilogia do Homem sem Nome
Algumas Mulheres de Fellini em A Doce Vida e Amarcord
Kurosawa e Seus Seres Humanos
A Saga dos Dialetos Italianos no Cinema
A Religião no Cinema de Luis Buñuel
Pasolini e o Cinema de Poesia
A Itália em Busca do Realismo Perdido (I), (II), (final)
Blow Up, Depois Daquele Beijo
A Obsessão de Visconti
Antonioni na Babilônia (I), (II), (final)
Antonioni e o Grito Primal
Antonioni e a Trilogia da Incomunicabilidade (II), (III), (IV)

Notas:

1. OSTROWSKA, Eliżbieta. Caught Between Activity and Passivity: Women in The Polish School in MAZIERSKA, Eve; OSTROWSKA, Elżbieta. Women in Polish Cinema. New York: Berghahn Books, 2006. Pp. 75 e 85.
2. Idem, pp. 86-7.
3. Comentário de Annette Insdorf no DVD de Cinzas e Diamantes, lançado no Brasil pela distribuidora Aurora DVD.
4. Idem.
5. Ibid.
6. Comentário de Wajda em Andrzej Wajda: Sobre Cinzas e Diamantes, documentário nos extras de Cinzas e Diamantes.
7. INSDOF, Anette. Op. Cit. 


23 de nov. de 2010

As Mulheres de Andrzej Wajda (II)

           


Algumas mulheres
vêem  s
eus homens
como  crianças
,  mas
nunca procuram os
homens   adultos
 
            


                


       


As Heroínas e Seus Heróis

Se Geração (Pokolenie, 1955) acompanhava o início da organização de grupos insurgentes para lutar contra o invasor, com Kanal (1957) Wajda aborda o evento conhecido como Levante de Varsóvia. Na opinião de Eliżbieta Ostrowska, bem que o grupo de jovens na cena final de Geração poderia estar entre aqueles que participaram do Levante em agosto de 1944. Um dos primeiros a ser apresentado ao público é Halinka, uma jovem que ao sair de casa prometeu à mãe que se manteria aquecida. “Provavelmente todos prometeram coisas parecidas. Todas as mães são iguais”, explica o narrador. Chegando ao acampamento, um dos soldados se aproxima de uma jovem ferida deitada no chão. Ele diz que a reconhece e pergunta se a mãe dela sabe que ela se juntou à guerrilha. “Ela está morta”, responde a moça após um segundo de silêncio. Então o soldado pergunta se o ferimento é sério, ela diz que “não muito” – em seguida ele descobrirá que a moça teve a perna amputada (imagem abaixo, à direita). Nesta cena, explica Ostrowska, introduz-se o tipo de heroísmo silencioso que será a característica principal dos personagens femininos em Kanal, em contraste com a valentia algo histriônica dos homens. (imagem acima, Bússola e Margarida)






O heroísmo
de algumas mulheres  é  de

outra ordem, mas o mundo
é dos homens







Um soldado tenta atrair a atenção de Halinka dizendo que sonhou com ela. Halinka nem dá bola e vai procurar o soldado que lhe prometeu uma arma. Ela reclama da pistola minúscula que recebe – posteriormente a arma será utilizada de forma trágica. Sábio, que é o apelido do soldado, sugere que os dois deviam procurar um lugar para dormir. Momentos depois, Bússola entra no local que eles acharam e estão transando. Sábio pergunta por Margarida, Bússola não responde e vai fazer a barba. Ela chega logo em seguida. O narrador no início do filme caracterizou Bússola por sua preocupação em tomar banho – hábito que a guerra veio atrapalhar. Margarida é uma mensageira dos grupos poloneses insurgentes e utiliza os esgotos de Varsóvia para levar e trazer mensagens. Bússola e Margarida trocam algumas farpas, ela diz que tomou banho e passa o batom. Então ela descobre o ombro e Bússola começa a beijá-la. Nesse instante, bombas começam a cair e o idílio termina. Bússola salva o grupo, mas é ferido e a partir de então Margarida cuidará dele. Halinka corre para ver se Sábio está bem.

O Amor nos Tempos do Esgoto






É mais fácil
morrer quando estamos
apaixonados







Bússola e Margarida (1) são os personagens principais, seu encontro acontece momentos antes da espetacular seqüência de heroísmo dele. Uma conversa entre os dois é interrompida por mais um bombardeio dos nazistas, o grupo será massacrado pelos tanques do inimigo quando Bússola (apenas depois de tirar sua camisa branca) se atira na direção deles e de forma quase suicida impede sua investida ao destruir um artefato automático. No processo, ele acaba ferido, mas sobrevive. Depois disso, a única saída é entrar pelos esgotos, o que revolta a todos, pois soa como uma derrota – Sábio se embriaga, enquanto Halinka tenta contê-lo. Um pianista também havia se juntado ao grupo, mas não o veremos pegar em armas. Ele pergunta a Halinka se o “soldado bonito” a ama. Ela confirma com balançar da cabeça e um olhar perdido. Também confirma que é seu primeiro homem.(imagem acima, à esquerda, Halinka e seu homem fardado bonito; abaixo, à direita, com Halinka a seu lado, o pianista recita Dante no esgoto)





O pianista
é o mais letrado
e sensível entre aqueles

homens, mas não tem mulher.
No que as mulheres polonesas são diferentes de todas
as outras?





O pianista fala do pressentimento de que eles todos não passarão daquela noite. “É mais fácil morrer quando estamos apaixonados”, comenta Halinka. “Nada disso. Melodrama. Não se deixe levar”, responde o pianista - ele começa a perder o contato com a realidade quando constata que sua família ficou do lado da cidade em poder dos nazistas. Como em Geração, aqui também aparece uma mãe. Ela está desesperada, procura sua filha no meio da confusão dos refugiados e das explosões. Na impossibilidade de destruir a resistência polonesa, os nazistas foram destruindo de forma sistemática prédio por prédio da capital polonesa. O conceito de guerra de guerrilha urbana em cidades tão grandes se desenvolveu justamente a partir da experiência adquirida nos dois meses do Levante de Varsóvia. O pior é que de nada adiantaria. Os soviéticos, que já se encontravam nas vizinhanças da cidade, nada fizeram para ajudar, permitindo que os nazistas esmagassem grande parte da resistência polonesa. Além do mais, conversações entre Churchill, Roosevelt e Stalin, garantiam que no pós-guerra a Polônia faria parte da esfera de influência soviética (2). Toda essa coisa de mergulhar no esgoto era muito diferente da idéia que os poloneses faziam de si mesmos, como um grupo de Davis em luta contra um Golias nazista.

Avalanche de Merda na Vida de Halinka





A jovem virgem é que foi

seduzida pelo homem casado, ou
os  casados  é  que  são  um  alvo
preferido para seduzir?









Dentro dos labirintos dos esgotos de Varsóvia, o grupo acaba se dispersando. Halinka está com Sábio e o pianista. Lá pelas tantas, depois de uma avalanche de merda líquida, mais uma mulher começa a gritar em busca do filho. Sábio manda que ela se cale, pois os nazistas podem ouvir lá de fora. Mas a mulher continua a grita, chama todo mundo de assassino e acaba sendo esbofeteada por Sábio. Ao longe, Halinka assiste com uma expressão de confusão em seus olhos. No meio da confusão de pessoas procurando sair por um bueiro, o pianista começa a recitar Dante Alighieri: “Lá nas profundezas do inferno paramos, e... ei, vi o povo em um rio de excrementos de todas as latrinas do mundo”.


 

Os soviéticos traíram
os  poloneses  como  Sá
bio
traiu a esposa com Halinka
e
Halinka com a esposa








O pianista acaba pirando e sai pelos esgotos alheio a tudo tocando uma ocarina – a mesma que ele havia rejeitado quando ainda podia encontrar pianos. Halinka e seu “soldado bonito” acabam num beco sem saída. Quando ela está pronta a desistir de sua vida, presencia um discurso patético de seu amado. Ele diz que ainda tem pelo que viver, então mostra a fotografia de sua esposa e filho pequeno. Atordoada, Halinka se questiona pela ausência da aliança, mas o soldado retira do bolso e a coloca. Ele já está tentando reencontrar o caminho quando Halinka pede que ele apague a luz da lanterna, então ela pega a pequena pistola de ele havia lhe dado e dispara contra si mesma. (imagens acima, esquerda, e direita, Halinka com seu amado, que está entrando em desespero; Halinka e o pianista, que está quase se desligando da realidade)

Margarida, a Pietà Polonesa 






No final das contas,
Margarida conclui que
mentir  para  Jacek é o
mai
s racional a fazer








Margarida e Bússola estão sozinhos no esgoto, mas ela conhece o caminho. Ele a elogia dizendo que ela é forte como uma operária – enquanto carrega o amado ferido naquele inferno, ela diz que nunca carregou peso de verdade. Então Margarida ironiza perguntando se ele vai querer saber da vida dela agora. “É uma história longa?”, ele pergunta. “Maior do que esses esgotos”, ela responde. Nos esgotos, a conversa entre Margarida e Bússola leva a uma reversão de papéis de gênero e ao questionamento do heroísmo masculino. Bússola está fraco e dependente, Margarida o está carregando. Ela é forte, protetora, pé no chão e competente. Quando ferido e delirante Bússola diz, “é calma e enevoada. Estamos andando por uma floresta escura e cheirosa”, Margarida responde, “estamos andando por uma merda fedida!”. E Bússola começa a falar sobre ela, “você é sempre tão objetiva, Margarida. Você nunca se apaixonaria, não é verdade?”. Ela deita o rosto no ombro dele (imagem abaixo). Margarida se recompõe e chama atenção para o caminho.






Quantas mulheres são
capazes de distinguir um
guerreiro romântico de
um amante romântico?







Nos termos de Ostrowska, antes Bússola era uma guerreiro romântico, agora ele tenta ser um amante romântico. Agora ela acumula as funções de guia e mãe. Em certo ponto, ela chega a dizer que ele é uma criança – como Dorota/Ewa havia dito em relação à Stach, em Geração. Margarida reluta em admitir seu amor por Bússola, numa situação de vida e morte como a que eles estão vivendo se poderia esperar uma confissão de amor – novamente como aconteceu em Geração. Os dois chegam ao ponto procurado por todos, Margarida e Bússola entram num corredor que parece uma grande vagina. Mas ele escorrega e volta para o esgoto. Enquanto descansam, Bússola percebe que em frente à entrada (portanto, em frente da “vagina”) existe uma inscrição na parede – outros dois soldados do grupo haviam passado por ali, mas só avistaram a inscrição, não se viravam de costas para encontrar a saída. Inicialmente, Margarida reluta em dizer o que está escrito, mas explica que é uma declaração de amor: “Eu amo Janek”. Ele pergunta quem escreveria essa bobagem. “Não é uma bobagem”, responde Margarida.


Margarida olha
para o outr
o lado do
rio e diz que vê o paraíso
.
Os espectadores poloneses
sabem que do outro lado
estavam tropas soviétic
as
que nada fizeram para
ajudá-los enquanto
eram aniquilados
pelos nazistas




Ela expõe seu ponto de vista: “Os esgotos vazios. Os alemães lá em cima, o medo, entende? Alguém escreveu, e isso a fez sentir melhor. Eu costumava passar por aqui”. “E o que você escreveu?”, perguntou Bússola. “Tome no rabo. E outras coisas assim”, responde Margarida. Bússola quer saber quem era aquele homem. “Alguém que uma garota amava”, responde ela. “Muito?”, ele insiste. “Sim, muito mesmo, Jacek”, Margarida responde sussurrando próximo ao ouvido dele (imagem acima). Jacek é o verdadeiro nome de Bússola – como vimos, ela até tentou disfarçar dizendo que a frase se referia a alguém chamado Janek. Como não conseguiram subir pela passagem, Margarida decide que eles devem seguir até a saída do esgoto no rio Vístula. Um Jacek totalmente sem forças e cego tenta se desculpar por ter sido grosso com ela no passado, “resolveremos isso depois”, responde Margarida. Há alguns metros dali ela vê a saída, eles se beijam – por iniciativa dela. Então descobre que a saída está bloqueada por grades. Jacek não pode abrir os olhos, então ela mente dizendo que vê água e grama verde. Ele cai Margarida o acolhe numa posição que lembra a Pietà, de Michelangelo. Ostrowska conclui que Margarida adota até o fim uma atitude de auto sacrifício e auto negação, pelo constante favorecimento do “você” em detrimento do “eu” e pela compreensão racional de uma situação onde não há espaço para qualquer tipo de relacionamento individual (3).

Leia também:

As Mulheres de Andrzej Wajda (I), (III)


Rossellini e o Corpo do Herói Paisano
O Carteiro, o Poeta e a História
Roberto Rossellini, Cidadão Italiano
A Classe Operária Vai ao Paraíso
Breve Incursão na Guerra dos Sexos

Notas:

1. No DVD de Kanal lançado no Brasil pela Aurora DVD, os nomes são, respectivamente, Bússola e Margarida. Tanto num caso como noutro, certamente se trata de apelidos para esconder a identidade do inimigo. No livro de Mazierska e Ostrowska, Bússola se chama Korab e Margarida se chama Daisy. Stokrotka significa Margarida em polonês, é assim que ouvimos Jacek chamá-la. Daisy significa Margarida em inglês.
2. DESCHNER, Günther. O Levante de Varsóvia. Aniquilamento de uma Nação. Rio de Janeiro: Editora Renes Ltda, 1974. Pp. 18, 51 e 123.
3. OSTROWSKA, Eliżbieta. Caught Between Activity and Passivity: Women in The Polish School in MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Women in Polish Cinema. New York: Berghahn Books, 2006. P. 82. 


22 de nov. de 2010

As Mulheres de Andrzej Wajda (I)



 

Mesmo que
se
ja a heroína,  uma
mulher será sempre
um  objeto?

   



  


Psicoterapia Cinematográfica

No final dos anos 1950 emerge a Escola Polonesa, oferecendo uma visão individualizada da realidade em contraposição ao realismo socialista que dominava o cenário das artes na Polônia do pós-guerra. Personificada por cineastas como Andrzej Wajda e seu romantismo expressionista, ou pelo grotesco e a ironia em Andrzej Munk, ou ainda pelo realismo de Kazimierz Kutz, a temática da Escola Polonesa focava a necessidade de revisitar uma experiência da Segunda Guerra Mundial que havia sido distorcida ou simplesmente suprimida no realismo socialista. De acordo com Tadeusz Lubelski, os filmes da Escola Polonesa representariam a estratégia de um psicoterapeuta, onde os cineastas tentariam “restaurar a saúde do público espectador” fornecendo autoconhecimento através da análise do passado recente (1). (imagem acima, Dorota a panfletária. Ao fundo, Stach; abaixo, à direita, Stach e sua mãe)





Até   que   ponto
 está também presente,
 na Escola Polonesa, uma
revisão da representação
do feminino no cinema
polonês do realismo
socialista?





Qual foi a representação da mulher polonesa por essa Escola? Em que medida a situação da mulher estava inserida nessa “psicoterapia cinematográfica” da identidade polonesa durante a Segunda Guerra Mundial, uma época em que o invasor nazista (e posteriormente comunista) dominou e impôs sua própria identidade? Foram as perguntas que Eliżbieta Ostrowska se fez. Wajda iniciou sua carreira por essa época, uma trajetória profundamente marcada por filmes que revistam questões chave da nacionalidade polonesa. Geração (Pokolenie, 1955), Kanal (1957) e Cinzas e Diamantes (Popiół i Diament 1958), os filmes da Trilogia da Guerra, traçam um panorama que vai do Levante de Varsóvia em 1944 (precedido pelo Levante do Gueto de Varsóvia pelos judeus e ao qual se faz referência nos filmes) até o imediato pós-guerra e as lutas pelo poder num país em ruínas.(imagem abaixo, à esquerda, Dorota maneja uma pistola com muito mais competência do que os homens; à direita, após esperar pelo filho noite adentro e cuidar de um ferimento no braço dele, a mãe de Stach cochila enquanto ele acompanha o som dos bombardeiros alemães com os olhos)

A Super Mulher e o Garoto 





Uma mulher idealizada
,
irreal
. Uma mártir para servir
ao  “partido  stalinista”









Geração é uma adaptação da novela de propaganda stalinista de Bohdan Czeszko (1923-1988), acompanha o cotidiano de um grupo de jovens comunistas ligados a resistência armada que logo se organizou imediatamente após a derrota e a ocupação da Polônia pelos nazistas. Foi a estréia de Wajda como cineasta, ele próprio admite que o filme esteja repleto de referências neo-realistas da pobreza material reinante entre a população, a favela onde mora um dos protagonistas era real (2) - portanto, pode-se concluir que entre 1939 e 1955 pouco havia mudado, pelo menos para uma parcela da população. Ostrowska nos lembra que os historiadores do cinema polonês consideram Geração um híbrido entre o realismo socialista e um prenúncio das mudanças no cinema daquele país (3). Uma jovem apelidada de Dorota, membro experiente do Partido, chefia um grupo de quatro rapazes. De acordo com Ostrowska, Dorota é uma combinação da heroína romântica tipo mulher cavalheira e a figura da “Super Mulher” que emergiu da propaganda comunista. Isso fica aparente na cena da escola noturna aonde Stach irá pela primeira vez colocar os olhos em Dorota. Ela aparece uma noite para encorajar os alunos a entrar para a União da Juventude Lutadora. Inicialmente, ela surge numa imagem que a mostra de baixo para cima, imprimindo um aspecto monumental a sua figura. Efeito reforçado por sua mão levantada, Ostrowska notou, como na figura de Marianne em A Liberdade Guiando o Povo (Eugene Delacroix, 1830), ou nos cartazes de propaganda, ou ainda nas pinturas de realismo socialista. Dorota exalta o comunismo e a Polônia, desaparecendo a seguir.




A   mãe    de    Stach
sofre  antecipadamente
,
porque
ela sabe que a vida
de  seu  filho pertence  à
luta pela Mãe Pátria





Stach, um dos alunos, fica muito interessado em se junta aos guerrilheiros – mas dá para notar que seu interesse é maior por aquela jovem mulher misteriosa e poderosa. Ele passa a procurá-la e até rouba uma arma para impressioná-la, embora Stach esconda sua intenção dizendo que fez isso para facilitar sua entrada na resistência. Já engajado no grupo como comandado dela, Stach a respeita como líder embora esteja secretamente apaixonado por ela. De acordo com Ostrowska, essa dificuldade dele em expressar seu sentimento à Dorota não seria apenas por causa da guerra e seus sacrifícios. Nas várias situações que permitiriam a Stach tocar no assunto com ela, o rapaz se intimida. Dorota percebe a “luta interna” dele e observa como uma mãe a seu filho. Ostrowska acredita que o fato de Stach ainda morar com a mãe demonstra a caráter infantil dele (4). Por outro lado, estamos no meio de uma guerra e não é tão simples “sair da casa dos pais e viver a vida”, valor burguês comum em tempo de paz. Ainda assim, Ostrowska insiste numa oposição entre imaturidade e maturidade, marcando a distância entre Dorota e Stach pelo fato dela morar sozinha e não haver referência a seus pais no filme. Ela é sempre apresentada como uma “mulher”, enquanto Stach e os três amigos que ele trás para a resistência são os “garotos”.

O Garoto e a Super Mulher 





De acordo com
Geração
, o homem
polonês é imaturo
e   machista







Em Geração, nenhum homem troca uma mulher por um cavalo (mesmo que seja uma égua, como em Lotna, filme que Wajda dirigiu em 1959), mas os comentários machistas estão presentes no filme. Logo no começo, quando Stach retorna para casa após a morte de um amigo (eles estavam roubando carvão de um trem nazista), sua mãe está assustada. Ele diz que vai ficar tudo bem, mas ela retruca dizendo que só vai ficar tudo bem quando ela estiver no túmulo. Nesses momentos iniciais, ouvimos a voz de Stach como narrador do filme: “Minha mãe era rígida e tentava me fazer trabalhar, mas para mim eram apenas resmungos de mulher”. Stach encontrou e roubou uma pistola em seu trabalho, mas tarde matará um oficial nazista que o havia surrado. O nazista está no bar passando a mão na perna de uma mulher (prostituta?) quando é morto com vários tiros – a mulher grita várias vezes. Mais tarde, os três amigos estão na casa de um deles e o pai acorda e diz: “a mulher gritou, você disse? Elas sempre gritam”. Também de acordo com Ostrowska, Mundek, interpretado por um jovem e futuramente muito famoso Roman Polański, marca a imaturidade do grupo pelo fato de ainda usar bermudas – embora, novamente se possa dizer que numa guerra é meio difícil usar o vestuário que a burguesia estabelece para cada faixa etária. (imagem acima, à esquerda, Stach e Dorota nem percebem onde foram parar!; abaixo, à direita, Stach teve de ficar no apartamento de Dorota por causa do toque de recolher...; à esquerda, a mãe de Stach o defende de pessoas que vieram buscar a pistola que ele roubou. São os dois homens que aparecem logo no início do vídeo abaixo)






A   super   mulher
é comunista-stalisnista
,
enquanto   a   Polônia  é
um r
apaz infantil







Quando Stach apresenta Dorota (enquanto oficial da resistência polonesa) ao grupo de amigos que ele desejava trazer para a luta, percebe-se a falta de discrição quando ela pede para ver a arma. Um deles avisa para ela tomar cuidado, pois a pistola está carregada, e Mundek até dá uma risada. Dorota demonstra mais conhecimento que todos eles, pois desmonta a arma e avisa que está muito suja. Mais tarde, Stach fica preso no apartamento de Dorota, o toque de recolher o impede de voltar para a casa da mãe. Ela se mostra feliz porque Stach vai assumir o comando de um pelotão com novos jovens que se juntam à causa polonesa (no DVD lançado no Brasil as legendas dizem que é Dorota que assumirá o novo pelotão). Passam a noite juntos e finalmente Stach passa a ser “um homem”, a essa altura Dorota já havia revelado a ele seu nome verdadeiro – Eve. No dia seguinte, bem cedo, ele vai à mercearia. Ao voltar, assiste Eve sendo levada pela Gestapo. A seguir, Stach vai ao encontro dos novos recrutas da União da Juventude Lutadora. Entre eles há uma moça. Stach não se contém e chora. Na abertura do filme, há um homem tocando ocarina. Em Kanal, segunda parte da Trilogia da Guerra, um pianista fará o mesmo ao enlouquecer nos esgotos de Varsóvia.



Entre as certezas ideológicas
de  Eve  e  a  propensão para o
sacrifício   da   mãe  de  Stacha
inexperiência  dele  poderia  ser
uma  metáfora  da  Polônia que
deseja     a     liberdade,     mas
não    sabe    onde    procurar





A feminilidade de Eve e a infantilidade de Stach são confrontadas e renegociadas na cena de seu último encontro no apartamento dela – que também é a única cena de amor no filme. Conversam sobre a necessidade dele se esconder, pois ele é conhecido pela Gestapo. Ela também avisa que ele irá comandar um grupo, o que o deixou espantado e com um olhar de agradecimento à Eve. Com um sorriso nos lábios, Eve diz que outros se referem a ele como brigão, mas que em sua opinião ele é só uma criança. Ao admitir que esteja com medo de levar um tiro e não vê-la novamente, Stach confirma sua vulnerabilidade e pela primeira vez revela seus sentimentos a Eve. Stach deita sua cabeça no braço de Eve de uma forma, sugere Ostrowska, usualmente associada à feminilidade, busca de proteção, ou consolo de uma figura masculina forte. A seguir, Stach a toma nos braços e se arqueia sobre ela, foi quando a moça revelou seu verdadeiro nome – e a também a feminilidade escondida por trás da guerrilheira comunista. Depois da prisão de Eve, quando Stach vai ao encontro do grupo que irá liderar, o que vê é quase uma cópia de seu passado recente – seu grupo era de três rapazes e uma moça, este tem dois “aspirantes a homem” a mais. “Logo eles serão iniciados no mundo do amor e morte, como ele experimentou. Sabendo disso, Stach chora em silêncio para a câmera e o espectador” (5). Como na seqüência de abertura de Geração, durante a cena final também ouvimos a melodia ao som da ocarina. Ostrowska esclareceu que o sacrifício é o aspecto mais constante da figura da Mãe Polonesa. Mas trata-se de um sacrifício que vai além sacrificar-se para os filhos. A Mãe Polonesa não apenas tem de sacrificar sua vida por seus filhos, mas também deverá sacrificar seus filhos pela liberdade da Pátria. Em outras palavras, conclui Ostrowska, ela deve inculcar em sua prole, independentemente de sexo, esta prontidão para o sacrifício (6). E essa representação da mãe ultrapassa a propaganda comunista, pois a luta da Polônia pela independência se estendeu por séculos. Os filmes da Trilogia da Guerra não podem ser interpretados a luz da posição atual da mulher na sociedade Ocidental.

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Notas:

1. OSTROWSKA, Eliżbieta. Caught Between Activity and Passivity: Women in The Polish School in MAZIERSKA, Eve; OSTROWSKA, Elżbieta. Women in Polish Cinema. New York: Berghahn Books, 2006. P. 75.
2. Afirmação de Wajda em Andrzej Wajda: Tornado-se um Cineasta (The Criterion Collection, 2005), nos extras do DVD de Geração, lançado no Brasil pela distribuidora Aurora DVD.
3. OSTROWSKA, Eliżbieta. Op. Cit., p. 77.
4. Idem, p. 78.
5. Ibidem, p. 79.
6. Ibidem, p. 38. 


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