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Roberto Acioli de Oliveira

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29 de mai. de 2008

O Rosto no Cinema (VI): Béla Balázs e o Close-Up


“Antes [do Close-Up] você
olhava  para  sua  vida  como um
ignorante musical que fosse a um concerto
escutava uma orquestra tocando uma sinfonia.
Tudo  que  ele  escuta  é  a  melodia básica,
todo o restante está embaraçado
num   murmúrio   geral”


Béla Balázs


O húngaro Béla Balázs foi poeta, escritor e também um crítico e teórico do cinema. Começou a escrever durante a época do cinema mudo. Em 1945 escreve O Close-up e o Rosto do Homem, onde sugere que a imagem aproximada, seja de um objeto, uma parte do corpo ou, especialmente, do rosto humano, mudou nossa percepção do mundo. Foi Balázs que reescreveu o significado de termos como fisionomia e alma, liberando-os de sua carga tanto científica positivista (no primeiro caso) quanto de idealismo espiritual (no segundo caso). Ele procurava pelo rosto que mostrasse a alma (1).

Partindo de um elogio ao cinema mudo, Balázs afirma o poder do close-up. Com a invenção do cinema pudemos olhar para o mundo com outros olhos. Pudemos ver aquilo que sempre esteve debaixo de nossos olhos, mas nunca havíamos percebido. Uma imagem mais aproximada de objetos, elementos da natureza, do nosso corpo.

O close dos gestos de uma mão nos mostra essa mão de outra forma. Ela adquire uma expressividade que antes não possuía. Ainda que o interesse pelo close-up possa parecer uma preocupação naturalista com o detalhe, ele é contemplativo, revelando as intimidades da vida mais a partir do coração do que dos olhos (2). Os close-ups revelam a carga dramática de uma conversa entre duas pessoas filmadas inicialmente em plano médio. Poderemos ver dedos hesitantes remexendo um pequeno objeto – como o sinal de uma tempestade interior. Uma porta entreaberta, uma sombra que passa, o mundo explode em significados. (acima e ao lado, dois inquisidores de Joana d'Arc)

O cinema mudo às vezes exagerava a importância do close-up, sucumbindo à tentação de mostrar “a pequena vida escondida” como um fim em si mesmo. Isso significa estabelecer um divórcio entre as imagens e os destinos humanos dos protagonistas, onde uma “poesia das coisas” tomava o lugar das pessoas. Como nos antigos textos de Homero, são as ações humanas que deveram estar em primeiro plano, a descrição de objetos devendo acontecer apenas enquanto estes tomam parte nessa ação (3).

Os close-ups nos filmes constituem poderoso instrumento de um antropomorfismo visual. Criamos um mundo à nossa imagem, os objetos apenas refletem uma expressividade que lhes foi emprestada pelas expressões humanas neles projetadas. Portanto, afirma Balázs, quando o close-up levanta o véu de nossa incapacidade perceptiva e nos mostra a face dos objetos, o que ele nos mostra é o homem. Mais importante do que a fisionomia das coisas foi descobrir a face humana.

“A  expressão  facial  é  a  mais  subjetiva
manifestação do homem, mais subjetiva ainda
do que a fala, porque o vocabulário e a gramática
estão sujeitos a convenções e regras mais ou menos
válidas universalmente. Enquanto a representação
dos traços do rosto [...] não é governada por regras
objetivas,  ainda que  seja em  larga medida uma
questão de imitação. O close-up torna objetiva
essa  que  é  a  mais  subjetiva  e  individual
das   manifestações   humanas”   (4)


Quando assistimos um objeto em close-up sendo apanhado por uma mão, sabemos que ela pertence a um ser humano. Entretanto, a expressão facial de um rosto é compreensível em si mesma, é como se ela não existisse no espaço e no tempo. Ainda que tenhamos visto o dono de um rosto no meio de uma multidão, ou alguém caminhando ao longe, quando o rosto deles é projetado tão próximo que podemos olhar direto em seus olhos, não nos importa mais onde eles estão. Por isso se pode afirmar que a expressão e a significância do rosto não têm relação com o espaço (acima e ao lado, imagens do povo durante a execução de Joana d'Arc na fogueira).


Não estamos mais na dimensão do espaço, mas da fisionomia. O fato de que uma expressão facial pode ser vista no espaço – lado a lado estão os olhos no topo, orelhas ao lado, a boca abaixo - perde toda essa referência espacial quando vemos emoções, temperamento, pensamentos - coisas que nossos olhos podem ver, mas que não estão no espaço. As expressões faciais aparecem no espaço, mas o significado das relações entre elas não é um fenômeno pertencente ao espaço. Elas são como quadros que vemos fora do espaço. Esse o efeito psicológico da expressão facial (5) (imagem ao lado, mais um inquisidor de Joana demonstrando compaixão).

É muito mais difícil mentir com o rosto do que com as palavras. Na opinião de Balázs, embora uma prática disciplinada possa levar ao controle das feições do rosto, um close-up poderia mostrar o que parece ser um mentiroso. Quando Balázs escreveu seu artigo, o monólogo não era mais bem considerado no teatro. Passou a ser considerado artificial, não natural. Ele considerou uma perda para o teatro, mas lembrou que ao mesmo tempo o cinema mudo trouxe o monólogo silencioso, onde um rosto pode falar através de suas mudanças sutis de significado. Balázs acredita que isso não será visto como artificial pelo público (ao lado, tendo suas correntes sobre a Bíblia mas jurando falar a verdade, e abaixo, imagens de Joana d'Arc). No filme, o monólogo do rosto fala mesmo quando o herói não está sozinho. “A significância poética do monólogo é que ele é uma manifestação de solidão mental e não física” (6). Esse monólogo da solidão, segundo Balázs, não é tão expressivo no palco do teatro quanto pode ser através do close-up no cinema.

Balázs se refere também a uma “polifonia da representação dos traços do rosto”: expressões contraditórias num mesmo rosto. Mas isso se perde um pouco (ou muito) no filme sonoro, cuja ênfase na fala tende a esmagar a expressão facial. Nos últimos anos do cinema mudo, continua Balázs, o monólogo silencioso foi elevado ao máximo de sua potência. O close-up passou a determinar a quantidade de película que seria utilizada para o restante do filme. Na opinião de Béla Balázs, foi em A Paixão de Joana D’arc (La Passion de Jeanne d’Arc, 1928) (todas as imagens deste artigo), filme dirigido pelo cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer (1889-1968), que podemos ver essa apoteose do close-up definitivamente consagrado. Muitas centenas de metros de filme mostram apenas close-ups onde são travadas as batalhas de Joana pela vida. De acordo com Balázs, de uma vez por todas, foi através deste filme o cinema mudo apresentou um drama do espírito melhor do que jamais qualquer palco conseguiu.

Leia também:

O Rosto no Cinema (I): Efeito Kuleshov
O Rosto no Cinema (II): Prisão do Olhar?
O Rosto no Cinema (III): Ingmar Bergman por Gilles Deleuze
O Rosto no Cinema (IV): Ingmar Bergman por Jacques Aumont
O Rosto no Cinema (V): Joana, entre Dreyer e Godard
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
As Mulheres de Luis Buñuel

Notas:

1. BALÁZS, Bela. The Close-Up and The Face of Man. IN DALLE VACCHE, Angela (ed.). The Visual Turn: classical film theory and art history. New Jersey: Rutgers University Press, 2003. Pp. 15-6.
2. Idem, p. 118.
3. Ibidem, 119.
4. Ibidem, p. 120.
5. Ibidem, p. 120-1.
6. Ibidem, p. 121. 


23 de mai. de 2008

As Mulheres de Ingmar Bergman (I)



“Então eu senti que cada inflexão de minha voz,
cada palavra em minha boca, era uma mentira,
uma peça cuja única função era cobrir o vazio e
o tédio. Existe  apenas  uma maneira de evitar
um estado de desespero e um colapso. Silenciar.
E alcançar  a clareza  atrás  do  silêncio, ou pelo
menos   tentar    apanhar   os   elementos   que
ainda    estariam     disponíveis     para     mim”

Do diário de Elisabet Vogler



Duas Mulheres e seus Rostos

Mais de uma vez Bergman articulou problemas de fala e mulheres que trabalham com a palavra. Em O Silêncio (Tystnaden, 1962), uma especialista em idiomas tem problemas na traquéia que a deixam acamada a maior parte do filme. Além do que, ela é incapaz de traduzir para si mesma seus próprios pensamentos e sentimentos. Não é o caso em Persona (1966), quando Elisabet Vogler, uma atriz de teatro, parou de falar durante uma apresentação de Eletra, a peça de teatro.

Elisabet é liberada por sua médica para se recuperar em lugar afastado, na companhia de uma enfermeira. Alma, a enfermeira, ao contrário dela, fala pelos cotovelos. Elisabet desiste de tentar se adequar aos papéis que a vida impõe. Alma vai chegando à mesma conclusão a partir de suas frustradas tentativas de constituir casamento e família tradicionais (1). A enfermeira conta suas intimidades, mas se decepciona ao descobrir que Elisabet a vê como um objeto de estudo. Alma começa a se sentir sugada pela personalidade enigmática daquela mulher que se recusa a falar. Ainda que não seja lenda que Bergman pensou no filme ao constatar a semelhança entre Liv Ullman e Bibi Andersson (que interpreta Alma), Liv comenta sobre as semelhanças entre Ingmar Bergman, o diretor do filme, e sua personagem Elisabet Vogler:
 
“Em Persona fiz uma atriz de teatro que repentinamente deixa de falar, um papel quase mudo. Eu tinha 25 anos e não tinha a menor ideia do que ele queria dizer. Olhava [par]a Bergman e sentia que a mulher que eu estava representando tinha muito que ver com ele: alguém muito famoso que não queria falar nem explicar quem era e se escondia atrás de uma fachada. Copiei a expressão facial de Bergman. Creio também que trabalhamos tanto tempo juntos porque eu não fazia perguntas, apenas seguia suas orientações.”(2)

Em Persona, cada mulher é o demônio da outra, submissas como o vampiro e o vampirizado. O que temos são duas pessoas se misturando até seus rostos se tornarem indistinguíveis. Jacques Aumont relaciona os personagens do filme ao fenômeno da contaminação psíquica - tema muito comum nas ficções do duplo e do vampiro, tanto na literatura quanto no cinema. Na literatura de inspiração romântica, é sempre um homem vampirizando uma mulher – ainda segundo Aumont, talvez porque do ponto de vista romântico a mulher nada tinha a temer de seu próprio reflexo no espelho.

A tese do filme sugere que algo acontece de muito simples e violento quando se retorna a um contexto anterior às relações sociais. Duas mulheres que têm a maternidade como elemento comum; ambas possuem o mesmo poder. Elisabet não assume o filho, enquanto Alma não aceita o aborto que teve de fazer. O contraponto é a médica de Elisabet, que exerce o seu poder de forma masculina. Elisabet confronta um mundo onde homens ateiam fogo a si mesmos porque outros homens enlouqueceram com o próprio poder – especificamente a cena onde que ela vê na televisão um monge budista que protestou contra a guerra do Vietnã incinerando-se (3). (acima, à direita)

Aumont reconhece nos rostos o lugar onde Bergman tornaria visíveis a possessão espiritual e moral. Na segunda parte do filme vemos Alma preocupada em não se parecer com Elisabet. Ao final do duplo monólogo ela grita: “Eu não sou Elisabet Vogler”. Mas esse “não” já é um “sim”. Quando o marido de Elisabet chega à ilha onde elas estão, Alma fala com ele como se fosse sua esposa. Elisabet assiste quieta. Ele está de óculos escuros, como que figurando uma cegueira. Elisabet está apontando o rosto para nós, os espectadores. De fato, a metade do rosto, pois que a outra metade Bergman coloca/expulsa/espreme para fora da tela.


Portanto, é como se ela estivesse assistindo o encontro de seu marido com Alma através da expressão de surpresa em nossos rostos. E ela chega a esboçar angústia através de movimentos da face quando os dois se lançam ao sexo – agora ele está sem óculos; é Elisabet que ele vê? Assim, concluiríamos, Bergman consegue dividir a tela em duas cenas. Mas acredito que ele foi além. Ao posicionar Elisabet de frente para nós, na verdade Bergman divide a tela em três partes. Esse triângulo, que inclui o mundo fora da tela, é o espaço mágico do cinema.

É através do rosto que Bergman vai figurar essa força invisível. O rosto como tela. No prólogo temos o menino estendendo sua mão tentando alcançar um rosto-tela gigante. Em seguida, temos o rosto de Elisabet Vogler no instante em que perde a fala durante a encenação de Eletra. Mas aqui, o que Vogler oferece como atriz já não é seu rosto, mas sua máscara. E o título do filme remete a essa máscara de teatro, que é mostrada da maneira mais simples, no momento em que ela apaga o rosto que a ostenta (4).

A Palavra ou a Vida 

Talvez Elisabet Vogler tenha deixado de falar por alguns dos motivos expostos por sua médica. Seja como for, ao se calar ela alcança algo que está além da linguagem, que não têm nome – como algumas das imagens do prólogo. O par Alma-Elisabet já se prefigurava no par Anna-Ester de O Silêncio. Entretanto, ainda existe mais aí: os elementos biográficos de Bergman. Sua avó materna se chamava Anna e a paterna Alma – a primeira era rica e a segunda pobre. No filme, Alma fala sem parar, é a voz daqueles que sabem que a sociedade existe e que nunca será justa – ela encarna a consciência histórica de Bergman (5). Redigido em 1965, no livro de trabalho de Bergman para Persona podemos ler:

“A senhora Vogler deseja a verdade. Procurou por ela em toda parte, e às vezes parecia ter encontrado alguma coisa para se agarrar, algo duradouro, mas então subitamente o chão desaparece sob seus pés. A verdade se dissolveu e desapareceu ou, no pior dos casos, transformou-se numa mentira. “(...) “[Do diário da senhora Vogler:] ‘Então eu senti que cada inflexão de minha voz, cada palavra em minha boca, era uma mentira, uma peça cuja única função era cobrir o vazio e o tédio. Existe apenas uma maneira de evitar um estado de desespero e um colapso. Silenciar. E alcançar a clareza atrás do silêncio, ou pelo menos tentar apanhar os elementos que ainda estariam disponíveis para mim’ “ . (6)

O silêncio de Elisabet talvez tenha permitido que Alma conseguisse finalmente ouvir a si mesma no meio de sua ensurdecedora e interminável tagarelice. A crise em que Alma começa a entrar, antes de mais nada, teria como motivo apenas o fato de que Elisabet não fala seu “idioma”: Alma não conseguia ouvir e ler o silêncio. A médica de Elisabet diz que ela não é histérica, e afirma que ela também não é uma suicida potencial. Falando diretamente a Elisabet, a médica concorda que simplesmente calar-se é realmente uma boa solução para se livrar da difícil convivência com as regras sociais hipócritas que criamos e reproduzimos em nossa sociedade. Elisabet se calou, Alma fala pelos cotovelos. Mas o tempo todo Elisabet se mostra disposta a ouvir a enfermeira. Em certo momento do filme a enfermeira viola uma carta que a atriz deixou que ela levasse ao correio. Nessa carta Elisabet fala de como é interessante estudar o comportamento de sua acompanhante. Após violar a carta, Alma aparece de pé junto a um lago, então podemos ver sua imagem refletida de cabeça para baixo na água (imagem abaixo). O tema do duplo se manifesta também neste desdobramento da imagem de Alma. De repente, a partir do estímulo da palavra escrita (e não da falada) de Elisabet na carta, Alma parece finalmente tomar a si mesma como objeto de estudo – sujeito e objeto de si mesma.

Desta forma, seu interior aflora (o reflexo na água como metáfora visual) para ela mesma. E esse interior é turvo, como a água nos mostra com o encrespamento da superfície produzido pelo vento. Alma confronta Elisabet. Na seqüência do caco de vidro, quando Alma deixa seu copo se quebrar e escolhe não retirar todos os cacos do caminho de Elisabet, a enfermeira quer ferir aquela mulher que ela não compreende - mas que ao mesmo tempo já se torna parte da própria incompreensão de si mesma.

A partir daí, muda o comportamento de Alma em relação à Elisabet. Inicialmente apenas hostil, Alma começa então a paulatinamente misturar-se com Elisabet. Talvez como se ela fosse Elisabet examinando outra pessoa que se chama Alma – e que está dentro dela mesma. É neste momento que Bergman faz um rasgo na tela e na pintura. De repente a película de filme que estamos assistindo se rompe, como que para mostrar a fragmentação do personagem. Na próxima imagem, a película começa a queimar no momento em que Alma aparece, deixando um buraco no lugar de seu rosto. Na seqüência seguinte, temos Elisabet andando pela sala, sua imagem está fora de foco (seria o efeito da confusão mental de Alma refletindo em sua visão?). Em seguida, a imagem de Elisabet entra em foco e o filme continua – esse recurso da imagem fora de foco nos faz lembrar do cineasta italiano Michelangelo Antonioni (imagens abaixo). Dez anos depois do lançamento do filme, a atriz Bibi Andersson explica o que ela acreditava se passar na mente de seu personagem, a enfermeira Alma:

"Eu penso que por um tempo as duas mulheres realmente se misturaram, que eu enquanto enfermeira a compreendi. Eu me identifiquei com ela, e eu era até mesmo capaz de dizer coisas por ela. Estou certa de que tudo isso irá mudar a vida da enfermeira, porque antes ela era muito antiquada. Ela nunca utilizou sua imaginação em relação aos outros; também nunca analisou o que estava acontecendo para si mesma. Repentinamente, através do silêncio de outra mulher, ela foi capaz de colocar-se no lugar dela, compreender seu mundo e seu pensamento, e expressar isso”. (7)

Notas:

1. JUNIOR, Gilberto Silva. Contracampo. Revista de Cinema. 08/02/2006.
2. O Cinema aos Olhos de Liv Ullman. Entrevista a Antônio Junior. Revista de Cultura #44. 03/2005. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/ag44ullmann.htm Acesso em: 23/05/2008.
3. AUMONT, Jacques. Ingmar Bergman. ‘Mes films sont l’explication de mes images’. Paris: Cahiers du Cinema, 2003. P. 177-8.
4. Idem, pp. 178-9.
5. Ibidem, p. 180.
6. O primeiro trecho também pode ser encontrado, com a forma ligeiramente alterada, no livro de Bergman: Imagens. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Pp. 59-60.
Bergmanorama. The Magic Works of Ingmar Bergman. Disponível em: http://bergmanorama.webs.com/films/persona.htm Acesso em: 23/05/2008.
7. Bibi Andersson, "Dialogue on Film", American Film (March 1977). Bergmanorama... Disponível em: 
https://web.archive.org/web/20090611044424/http://bergmanorama.webs.com/repertory/bibi_andersson_afi77.htm Acesso em: 23/05/2008.

2 de mai. de 2008

Crítica Cinematográfica e Mercado (II)


A crítica questionava a opção do cineasta italiano Luchino Visconti pelo melodrama. A crítica de esquerda não admitia que o cineasta pudesse representar o mundo de forma diferente dos cânones comunistas. Visconti respondeu em 1948, defendeu a liberdade de fantasiar e protestou contra uma política cultural que considerava reacionária e burguesa. Essa crítica, afirmou o cineasta, não suporta a dissonância e persegue uma harmonia artificial: “teremos de acreditar que até o advento do socialismo não devemos tocar música, ou pintar, ou compor versos?” (1)

Não ficam atrás as reações da crítica dita especializada em relação a outro italiano, Michelangelo Antonioni. O Grito, seu filme de 1957, foi duramente criticado. A esquerda achou que um proletário como aquele que é retratado no filme não poderia ter crises existenciais como aquela da qual Antonioni o faz padecer. Em 1985, Aldo Tassone faz o seguinte comentário a respeito desses comentadores: “O Grito encontra uma acolhida glacial entre os críticos. Pode-se dizer que este é um caso digno de figurar numa antologia dos erros da crítica italiana” (2).

Federico Fellini foi muito criticado por seu A Estrada da Vida (1954). Os marxistas capitaneados por Guido Aristarco (diretor da revista Cinema Nuovo) criticavam os valores religiosos esboçados no filme. Aristarco via A Estrada da Vida como uma traição ao Neo-Realismo. Do outro lado da polêmica, André Bazin dizia que Fellini partia de um realismo de caráter social (o contexto do filme é a Itália vivendo a economia problemática do pós-guerra), e progressivamente parece querer revelar a ambigüidade do mundo (3). Entretanto, quando muito, e mesmo assim apenas algumas poucas críticas, contextualizam os filmes em relação à sociedade de onde surgiram. Devemos buscar uma contextualização também do discurso daqueles que pretendem julgar as capacidades dos realizadores desses filmes - cujo texto consultamos e deveríamos citar.

Guido Aristarco foi um historiador do cinema com orientação marxista que chefiava um grupo que desejava transformar, através de uma visão programática para todo o cinema italiano, o interesse que havia então em mostrar a Itália real (do pós-guerra) de forma realista. Queriam substituir o tom católico da cultura Italiana de antes da guerra pela ideologia marxista do pós-guerra. Consideravam o cinema uma arma numa batalha de ideologias, e iriam opor-se a qualquer filme bem sucedido nas bilheterias que ignorasse o que consideravam ser as preocupações sociais e econômicas mais urgentes no período do pós-guerra ou aquelas que incorporassem uma visão de mundo não materialista. Diretores como Visconti e De Santis proclamavam-se marxistas, entretanto as demandas mais dogmáticas para um “realismo” no cinema que incitasse a agitação para mudanças sociais na Itália viriam primariamente dos intelectuais (4).

A pergunta que se pode fazer é: até que ponto Aristarco ou Bazin ou os marxistas ou os Conservadores, além de supostamente conhecerem as demandas das sociedades em que viviam, conheciam também o cinema e suas particularidades (e até que ponto consideravam que seria necessário conhecer)?

O diretor sueco Ingmar Bergman é mais incisivo em sua crítica aos críticos. A coerência de sua reclamação é incontornável: como alguém que não conhece a história do cinema pode condenar ou enaltecer este ou aquele filme ou diretor? Numa entrevista de 1964, ele só admitiu ler as observações dos franceses do Cahiers du Cinema.

“Eu desisti de ler aquilo que é escrito sobre mim ou sobre meus filmes. Não tem sentido irritar-se. A maioria dos críticos de cinema sabe pouquíssimo a respeito de como um filme é feito, possui muito pouco conhecimento geral sobre filmes ou cultura. Mas estamos começando a receber uma nova geração de críticos de cinema que são sinceros e conhecedores de cinema. Como alguns dos jovens críticos franceses – então eu leio. Eu não concordo sempre com aquilo que eles tem a dizer a respeito de meus filmes, mas pelo menos eles são sinceros. Sinceridade eu gosto, mesmo quando é desfavorável a mim”. (5)

O italiano Bernardo Bertolucci reclama da invasão de Hollywood por um cinema avesso a riscos. Um cinema feito por homens de negócio, visando apenas o lucro. Isso faz com que, em sua opinião, os filmes de Hollywood estejam ficando cada vez mais desinteressantes. O problema, completa o cineasta, é que esse tipo de modelo americano invadiu os cinemas do mundo todo e quem foge disso está virtualmente eliminado da distribuição – que também está nas mãos dos americanos. E, como disse Bertolucci, um filme que não foi visto é como um bebê que não nasceu: “Quantas pessoas viram os filmes de Bresson, quantas pessoas viram, no Ocidente pelo menos, os filmes de Mizoguchi ou os filmes de Dreyer?” (6)

Some-se a isso o exército de críticos de cinema que em todos esses países trabalham para os distribuidores americanos e/ou para jornais de grande circulação cujo interesse é o poder econômico desses distribuidores. A pergunta então é: como confiar nas palavras desses críticos? A outra pergunta seria: como se pode descobrir para quem um crítico trabalha? Pelos convites para encontros internacionais (e as mordomias ligadas aos eventos) de críticos e Festivais? De que adianta um crítico “arrotar” que está voltando do Festival de Berlin, ou Cannes, ou Hollywood, se sua tarefa se resume a dizer que gostou ou não gostou desse ou daquele filme? Será esta então a função de um crítico de cinema? Vomitar uma opinião pessoal ao mesmo tempo que não é capaz de dizer nada sobre como trabalha o diretor do filme, ou como tal filme se encaixa na história do cinema?

Julgando pela opinião do próprio Bertolucci, fica bem mais fácil ser crítico de cinema quando só existem filmes americanos banais para assistir, pois basta o sexto sentido de uma comadre que não entende nada de cinema e a certeza burguesa de dinheiro no banco no final do mês. Fica bem mais fácil ser crítico de cinema quando te pagam para destruir as carreiras dos outros e você não precisa saber nada sobre a história do cinema.

Notas:

Leia também:

 
1. Do artigo que Visconti publicou em Rinascità, semanário do partido comunista, em 1948 IN ROHDIE, Sam. Rocco e Seus Irmãos. Tradução Elianne Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. P.59.
2. TASSONE, Aldo. Antonioni. Paris: Flammarion, 2007 [1985]. P. 36.
3. QUINTANA, Àngel. Federico Fellini. Paris: Cahiers du Cinema, 2007. P. 30.
4. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. New York: Cambridge University Press. 2002. Pp. 44-5.
5. Entrevista de Bergman para a revista Playboy [edição americana], em 1964.
Disponível em: http://www.bergmanorama.com/playboy64.htm Acessado em 01/05/2008.

6. Entrevista de Bertolucci a John Tusa (sem data).
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/radio3/johntusainterview/bertolucci_transcript.shtml
Acessado em: 01/05/2008. 

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