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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de dez. de 2016

As Mulheres de Andrei Tarkovski (II)

Hari



“Para   [Stanisław]  Lem,  a  situação  representada
pelos visitantes, especialmente Hari, é uma oportunidade
para sondar o que se entende por identidade (...)(1)

Pensamento em Carne e Osso
Em 1972 o cineasta soviético Andrei Tarkovski lança Solaris (Solyaris), ficção científica que muitos consideram uma resposta a 2001: Odisseia no Espaço (direção Stanley Kubrick, 1968). No filme de Tarkovski, o psicólogo Kris Kelvin é enviado da Terra para uma estação orbital que observa o planeta Solaris, com o objetivo de substituir um ocupante morto em circunstâncias obscuras e investigar. Logo descobre que os outros ocupantes estão quase loucos e que estranhas presenças habitam o local. Uma dessas criaturas, a morena Hari (ou Khari), passa a assombrar o próprio Kelvin. Curiosamente, o psicólogo a conhece, pois ela é uma espécie de cópia de alguém que habitou seu próprio passado. O oceano que cobre o planeta é capaz de ler a mente dos ocupantes e realizar seus desejos ocultos – no caso de Kelvin, sua culpa em relação ao suicídio de Hari. Stanisław Lem (1921 - 2006), escritor polonês autor do livro no qual Tarkovski se baseou, já havia sugerido alguém como Hari dois anos antes (seu Solaris é de 1961). Em The Investigation (Śledztwo, 1959), o inspetor pergunta como seria se alguém construísse uma boneca que pudesse falar, andar, sangrar, experimentar a infelicidade e a morte. Posteriormente, o detetive chefe da investigação sugere que uma raça alienígena esteja na origem dos desaparecimentos de corpos, os quais seriam reanimados e estariam perambulando entre os humanos coletando informação. Seja na literatura ou no cinema, mulheres artificiais de origem alienígena investigando a cultura humana não são incomuns na Ficção Científica, especialmente quando consideramos o viés puritano, misógino e machista que pauta o gênero. Na opinião de Mark Bould, Hari não escapa de carregar os traços de tradições culturais misóginas. De fato, a descrição que Tarkovski faz de Hari é bastante próxima da visão da mulher que o cineasta esboçou durante uma entrevista em 1984 à Irena Brezna.  


Hari tem muitos pais na literatura russa: Alexander Pushkin, 
Nicolai Gogol, Mikhail Lermontov, Ivan Turgenev. Tudo muito antes
da  Maria-robô  que Fritz Lang levou às telas com Metropolis

Após chegar à estação orbital e pouco tempo depois de fazer contato com dois cientistas membros da tripulação e ver uma mulher de camisola caminhando pela nave, Kelvin se deita na cama e adormece num cenário que passou do colorido para o preto e branco. De repente, a cor volta e aos poucos percebemos que a imagem estranha é o close-up do rosto de Hari, que vai tomando forma na medida em que se afasta. Esta é a primeira aparição da “Hari espectral”. Eles se beijam e ela se deita ao seu lado. Está confusa, não consegue encontrar os sapatos, não reconhece a si mesma na fotografia dela que Kelvin trouxe até olhar para seu reflexo no espelho. Ao tentar tirar o vestido fica claro seu caráter de cópia, pois sua roupa é apenas superficialmente igual à da Hari verdadeira no pensamento de Kelvin – o fecho do vestido é apenas um simulacro, ele terá de cortar o pano com uma tesoura. Lá pelas tantas, tenta se livrar dela colocando-a num foguete direto para o espaço sideral. Não adiantou nada, pois na manhã seguinte ela reaparece, corta seu vestido (parece existir uma memória residual), deita-se nua ao lado dele e fazem amor - a Hari-cópia não tem capacidade de dormir, apenas simula. No dia seguinte, Kelvin retira o xale que já estava no local quando ela chegou e que é idêntico ao que ela estava usando. Logo que ele sai do quarto e fecha a porta de metal, Hari começa a tentar sair. Mas ela não sabe abrir a porta e acaba abrindo um buraco. Kelvin vai buscar curativos, descobrindo ao voltar que as feridas dela já estão sarando. Não parece ser possível para Kelvin se afastar de Hari (2). O filósofo e psicanalista Slavoj Žižek remete em parte ao psicólogo misógino Otto Weininger (1880-1903) para explicar a interação entre Kelvin e ele mesmo (ou seja, Hari):

“(...) Kelvin compreende que Harey é uma materialização de suas fantasias traumáticas mais íntimas. Isso explica o enigma das estranhas lacunas de memória de Harey: ela não sabe tudo que uma pessoa normal deve saber, porque não é uma pessoa normal, mas uma mera materialização da imagem fantasmática que ele tem dela com toda a sua inconsistência. O problema é que, precisamente porque Harey não tem uma identidade substancial própria, ela adquire o status do Real que persiste eternamente e regressa ao seu lugar. Como o fogo nos filmes de [David] Lynch, ‘caminha com o herói’ para sempre, agarra-se a ele e nunca o abandona. Harey, esse frágil espectro, pura aparência, não pode ser eliminada. É uma morta-viva que volta eternamente ao espaço entre as duas mortes. Não estaríamos de volta então à ideia antifeminista weiningeriana clássica da mulher como sintoma do homem, uma materialização de sua culpa, de sua queda no pecado, que só pode libertá-lo (e libertar a si própria) suicidando-se? Desse modo, Solaris baseia-se nas regras da ficção científica para encenar na realidade, para apresentar como um fato material, a noção de que a mulher apenas materializa uma fantasia masculina. A posição trágica de Harey é que ela adquire consciência de que está privada de toda a identidade substancial, de que não é nada em si mesma, dado que só existe como sonho do Outro, na medida em que as fantasias do Outro giram em torno dela – é essa situação que lhe impõe o suicídio como ato ético definitivo. Ao tomar consciência do que ele sofre por causa de sua presença permanente, Harey afinal destrói a si própria, ingerindo uma substância química que impede sua recomposição. (A verdadeira cena de horror do filme ocorre quando a Harey espectral volta a acordar da primeira tentativa de suicídio falhada em Solaris: após ingerir oxigênio líquido, fica estendida no chão, completamente congelada; depois, subitamente, começa a se mexer: o corpo contorce-se num misto de beleza erótica e horror abjeto, sentindo uma dor insuportável. Não haveria talvez nada mais trágico do que essa cena de auto eliminação falha, em que a protagonista fica reduzida a uma substância viscosa e obscena que, contra sua vontade, persiste na imagem.) No final da história, vemos Kelvin sozinho na nave, contemplando a superfície misteriosa do oceano de Solaris...” (3)

Sobre Mulheres e Seres Humanos


No  dia  em  que  o  cineasta  japonês   Akira  Kurosawa   visitou  o  set
de filmagem de Solaris, era filmada a sequência  em  que  Kelvin tenta
se livrar de Hari - trancada num foguete direcionado ao espaço sideral

Convencido de que Hari é capaz de sentir dor e de que isso significa alguma coisa, Kelvin vai apresentá-la aos dois cientistas como sua esposa. Sartorius, um deles, zomba da falta de sentido deste “contato emocional” – o contato é, na verdade, com o oceano de Solaris. Steven Dillon observa que a relação entre Kris e sua esposa-perfeita-morta replica a relação arquetípica da plateia com a tela no cinema: existe a realidade fotográfica, imersão sensual e emocional, mas ao mesmo tempo há também o reconhecimento de que essa realidade é um artifício, uma alucinação construída como o próprio cinema, Hari é uma cópia, uma reprodução, uma estranha, um fantasma. Kelvin resolve mostrar para Hari um filme caseiro onde aparecem seu pai, mãe e ele mesmo mais jovem. Depois ele aparece mais velho e podemos ver a verdadeira Hari lançando um sorriso enigmático. “Eu não sou Hari”, diz sua cópia interestelar. “Hari está morta. Ela se envenenou. Eu sou outra pessoa... E ela, a outra, o que aconteceu com ela?”. Presumindo que ela está se referindo à Hari verdadeira e não àquela que ele tentou mandar para o espaço num foguete, Kelvin responde que ela se matou por engano. Depois de uma briga que tiveram, Hari tomou por engano pílulas que ele havia trazido. Para Stanisław Lem, visitantes como Hari foram uma oportunidade para questionar o conceito de identidade, enquanto para Tarkovski o livro do polonês está preocupado principalmente com o encontro entre a mente humana e o desconhecido. Para o cineasta, Solaris é...

“(...) sobre o salto moral de um ser humano em relação às novas descobertas no conhecimento científico. E superar os obstáculos neste caminho leva ao doloroso nascimento de uma nova moralidade. (...) O preço de Kelvin é o encontro cara a cara com a materialização de sua própria consciência. Mas Kelvin não trai sua posição moral [e, consequentemente, ascende] a um nível moral mais elevado” (4)


(...) Kelvin compreende que Harey é uma materialização
de  suas  fantasias  traumáticas  mais  íntimas  (...)” 

Slavoj Žižek (5)

De acordo com Bould, isso fica claro na sequência da biblioteca. O doutor Snaut argumenta que a humanidade não se interessa pelo cosmos, apenas deseja estender a Terra em todas as direções, substituindo a alteridade radical do universo por espelhos para si mesma. Doutor Sartorius discorda, insistindo que o homem foi criado pela natureza e pode aprender suas formas de ser. O homem, afirma Sartorius, está condenado ao conhecimento. Aqui Hari se intromete, para ela Kelvin foi o único que se com portou como humano nas condições inumanas em que estão inseridos. Sartorius a censura: “você não é uma mulher e não é um ser humano... é apenas uma reprodução... uma cópia, uma matrix”. Ela concorda, mas insiste que está se tornando um ser humano e pode ter uma vida independente de Kelvin. Contudo, ela tenta mas não consegue beber um copo d’água - Bould lembra que o cineasta norte-americano Steven Spielberg utiliza a ideia em A. I.: Inteligência Artificial (Artificial Intelligence: AI, 2001): o androide David trava ao tentar comer o jantar para provar que é tão humano quanto o filho real de sua mãe humana. Ainda na biblioteca, Hari fixa o olhar numa reprodução de Caçadores na Neve (1565), de Pieter Brueghels, na parede e pula mentalmente para imagens de inverno do filme caseiro que Kelvin havia lhe mostrado anteriormente. Para Bould, o ponto de vista dela internaliza como se fossem suas as memórias externalizadas de outra pessoa (Kelvin). 


(...) A  posição  trágica  de  Harey  é  que  ela  adquire  consciência
de  que  está  privada  de  toda  a  identidade substancial, de que não
 é nada  em  si  mesma,  dado  que  só  existe  como  sonho  do  Outro, 
na medida em que as fantasias do Outro giram em torno dela  (...)

Slavoj Žižek (6)

A levitação, na sequência a seguir, não acontece por outro motivo senão um breve período de queda da espaçonave, que faz com que eles e outros objetos flutuem. Embora prefigure as levitações mágicas em O Espelho (Zerkalo, 1975), Nostalgia (Nostalghia, 1983) e O Sacrifício (Offret, 1986), evocando também os amantes em ascensão nos quadros de Marc Chagall, é muito mais estranho e nada estático. Bould considera demasiado afetado para celebração de amor e moral de Tarkovski, e poderia melhor ilustrar o sentido de Lem, apontando para um universo totalmente indiferente aos valores humanos. Sua incapacidade de expressar reconciliação ou desfecho romântico é sublinhado pela próxima cena. Hari ingere oxigênio líquido, seu corpo emana vapor e começa a se acinzentar e sua roupa a trincar. Aos poucos, entre convulsões, ela vai voltando à vida – movimentos corporais semelhantes podem ser vistos na esposa do Stalker (Stalker, 1979) e com Adelaide, em O Sacrifício. De fato, é preciso lembrar que as mulheres tem pouca utilidade na ficção de Stanisław Lem, que as considerava uma “complicação desnecessária”. Segundo Bould, embora o escritor tenha dito que produziria uma personagem feminina se fosse necessário, além de Hari a única outra será encontrada apenas no conto A Máscara (Maska, 1976) onde uma protagonista mulher de “admirável beleza” é de fato uma espécie de lagarto monstro ou demônio encarnado numa máquina automática – a quem diga que a tradução para o inglês, idioma de Bould, não dá conta da indeterminação do personagem. É difícil questionar críticas em relação à sua misoginia. Certa vez ele afirmou:

“Trazer mulheres a bordo de uma espaçonave... e não tirar daí nenhuma conclusão narrativa, seja sexual, erótica, emocional, ou qualquer outra, seria uma forma de falsidade. Não faria sentido ter a tripulação em isolamento como dois conventos, um masculino e outro feminino, não é? Mas se eu tenho certo planejamento cognitivo e narrativo para executar, então uma introdução de mulheres pode ser inconveniente, e mesmo contraria a meu plano” (7)

Libido e Ilusão


(...) Solaris baseia-se nas regras da ficção científica para encenar
na  realidade,  para  apresentar  como  um  fato  material,  a  noção
de que a mulher apenas materializa uma fantasia masculina   (...)

Slavoj Žižek (8)

O cineasta soviético não estava muito melhor do que o escritor polonês neste quesito. Na entrevista a Irena Brezna, o cineasta admitiu ser difícil negar a subjetividade feminina, mas ela deveria estar subordinada ou dissolvida no mundo dos homens com os quais se envolveu. O amor dela por ele, Tarkovski continua, deve se manifestar como autossacrifício e uma total devoção ao homem, única maneira das mulheres encontrarem dignidade. Adotando o determinismo biológico mais cru, insistiu que a diferença intrínseca entre homens e mulheres as torna (por natureza) incapazes de existir independentemente deles (caso tentem fazê-lo, não mais constituirão seres naturais). É, portanto, significativo, concluiu Bould, que depois que Hari começa a demonstrar certa independência em relação a Kelvin, ela tente se suicidar duas vezes. Na refilmagem de Solaris por Steven Soderbergh em 2002, Rheya (o novo nome de Hari) chega a apontar que ela só é suicida porque é assim que Kelvin se lembra dela. Outro exemplo dentre muitos que poderiam ser citados para ilustrar a sujeição feminina anterior a Solaris é Four Sided Triangle (direção Terence Fisher, 1953), do famoso estúdio britânico Hammer: Lena têm dois amigos, Bill e Robin; Lena ama Robin, mas se compadece pelo amor de Bill por ela e concorda em deixa-lo fazer uma cópia dela só para ele, mas a coisa não dá muito certo. Embora Hari constitua para Dillon a metáfora perfeita do cinema, muito antes da sétima arte eclodir, a literatura russa já havia construído muitos antecedentes. Encontramos uma mulher espectral Alexander S. Puchkin (1799-1837), em A Dama de Espadas (1833), Nikolai Gogol (1809-1852), em Avenida Niesky (1835), Mikhail Lérmontov (1814-1841) em Shtoss (1841) e Ivan Turgenev (1818-1883), em Os Fantasmas (1864). Na Ficção Científica encontramos uma mulher artificial em Villiers de l’Isle Adam (1838-1889), com L’Ève Future (1886), e Lester Del Rey, com Helen O’Loy (1938). 

“Apenas algumas sequências em Tarkovski trazem a marca da união entre amantes, porque, na maioria das vezes, tais fragmentos amorosos são esquecidos e o desejo submisso. Desta forma, em Solaris, Kris Kelvin tenta fazer desaparecer sua noiva de uma maneira que ele mesmo considera vergonhosa: a coloca dentro de uma pequena nave espacial e a manda para o cosmos; forma mais violenta, senão mais definitiva – a mulher retornará, pois não nos livramos tão facilmente do desejo -, da recusa da história de amor. Gortchakov, em Nostalgia, também abandona uma mulher que se oferece a ele, e encontra refúgio na lembrança e no sonho agitado” (9) 


(...) Solaris é uma máquina que cria/materializa na realidade meu
suplemento/parceiro objeto fantasmático que eu nunca estaria disposto
a reconhecer, embora toda a minha vida psíquica gire à sua volta”

Slavoj Žižek (10)

Para Slavoj Žižek, a relação entre Kelvin e Hari reproduz uma matriz patriarcal da relação entre o homem e a mulher. Ela ocupa a posição de escrava do homem enquanto se equivoca ao considerar sua posição é autônoma. Desta forma, a servidão é tanto maior na medida em que se acredita autônoma quando se comporta de um modo “feminino”, submisso e sensível (como o patriarcado acredita ser a verdadeira natureza da mulher). Para Žižek, quando assumido abertamente por completo, o rebaixamento da mulher enquanto sintoma do homem proposto por Weininger é mais subversivo do que a falsa afirmação da autonomia feminina. “Talvez a atitude feminista por excelência seja proclamar abertamente: ‘Não existo em mim mesma, sou apenas a encarnação da fantasia do Outro’” (11). Numa espécie de contrato subversivo masoquista, quando o servo assume abertamente a posição de servo, então se afirma afetivamente como ser autônomo. É neste sentido que Žižek entende os dois suicídios de Hari em Solaris. O primeiro foi aquele da Hari real do qual Kelvin se ressente. O segundo, da Hari em Solaris, foi o ato heroico de auto-eliminação de sua existência espectral de morta-viva. Enquanto o primeiro suicídio foi uma fuga das dificuldades da vida, o segundo foi um verdadeiro ato ético. Enquanto a primeira Hari foi um “ser humano normal”, a segunda é um Sujeito no sentido mais radical do termo, justamente porque privada dos últimos vestígios de sua identidade substancial (12). Mas o ato ético supremo da Hari espectral não parece ter sido capaz de afastar Kelvin do universo patriarcal:

“Por que a libido precisa do universo virtual das fantasias? Por que não podemos simplesmente gozar diretamente de um parceiro sexual, por exemplo? Essa é a questão fundamental. Por que precisamos desse suplemento virtual? Nossa libido precisa de uma ilusão para se manter. Um dos temas mais interessantes da ficção científica é o tema da máquina do Id. Um objeto que tem a capacidade mágica de materializar diretamente, de realizar em nossa frente, nossos mais íntimos sonhos, desejos e mesmo sentimentos de culpa. Há uma longa tradição disso em filmes de ficção científica, mas, claro, ‘o’ filme sobre a máquina do Id é Solaris, de Andrei Tarkovski. (...) Kelvin descobre o que está acontecendo. Este planeta tem a habilidade mágica de realizar diretamente nossos mais profundos traumas, sonhos, medos e desejos. O lado mais profundo de nossa intimidade. O herói do filme encontra certa manhã sua falecida esposa, que se suicidara anos antes. Então ele realiza não tanto seu desejo, mas seu sentimento de culpa. Quando o herói é confrontado com esse tipo de clone espectral de sua esposa morta, apesar de ele aparentar ser profundamente acolhedor, sensível, reflexivo etc., seu problema é basicamente como se livrar dela. O que torna Solaris tão tocante é que, ao menos potencialmente, o filme nos confronta com essa posição subjetiva trágica da mulher, sua esposa, que sabe que não tem consistência, que não possui um ser completo [: ‘Eu nem me conheço a mim mesma. Quem sou eu? Assim que fecho os olhos já não consigo me lembrar de como é meu rosto’]. Por exemplo, ela tem lapsos de memória porque ela sabe apenas o que ele sabe que ela sabe [: ‘Você sabe quem você é?’, pergunta Hari; ‘Todos os humanos sabem’, responde Kelvin; então ela encosta nele e parece capturar a resposta]. Ela é apenas seu sonho realizado. E seu verdadeiro amor por ele é expresso em suas tentativas desesperadas de se eliminar, bebendo veneno ou sei lá o quê, só para deixar o terreno livre, porque ela supõe que ele queira isso. É relativamente fácil se livrar de uma pessoa real. Pode-se abandoná-la, matá-la etc. Mas de um fantasma, de uma presença espectral, é muito mais difícil se livrar. Ele se fixa em você como uma presença sombria. O que temos aqui é a mitologia masculina mais básica. Esta ideia de que uma mulher não existe por si mesma. Que uma mulher é simplesmente um sonho masculino realizado ou mesmo, como dizem os antifeministas radicais, a culpa masculina realizada. A mulher existe porque o desejo masculino tornou-se impuro. Se um homem purifica seu desejo, livra-se do material sujo, de suas fantasias, a mulher deixa de existir. Ao final do filme, assistimos a um tipo de comunhão sagrada, uma reconciliação dele, não com a esposa, mas com seu pai” (13)

Na época da produção de Solaris, Tarkovski não obedeceu à censura soviética da Goskino quando lhe foi recomendada a supressão da cena do suicídio de Hari – entre outras coisas; de fato, foram quarenta e oito objeções. O cineasta atendeu algumas objeções que lhe pareciam aceitáveis, mas não transigiu sobre o essencial (14) – de acordo com Jean-Luc Douin, Tarkovski não levou nenhuma delas em consideração (15). Caso tivesse sido realizado o corte referente à Hari, poderiam ter conseguido evitar que Žižek enxergasse altruísmo e lampejos de independência nela.


Notas:

1. BOULD, Mark. Solaris. London: Palgrave Macmillan, 2014. P. 77.
2. Idem, pp. 70-82.
3. ŽIŽEK, Slavoj. Lacrimae Rerum. Ensaios Sobre Cinema Moderno. Tradução Isa Tavares e Ricardo Gozzi. São Paulo: Boitempo, 2009. Pp.108-9.
4. BOULD, Mark. Op. Cit., p. 77.
5. ŽIŽEK, Slavoj. Lacrimae Rerum. Op. Cit., p. 108.
6. Idem, p. 109.
7. BOULD, Mark. Op. Cit., p. 81.
8. ŽIŽEK, Slavoj. Lacrimae Rerum. Op. Cit., p. 109.
9. BAECQUE, Antoine de. Andrei Tarkovski. Paris: Editions de l’Etoile/Cahiers du Cinéma, 1989. P. 55.
10. ŽIŽEK, Slavoj. Lacrimae Rerum. Op. Cit., p. 111.
11. Idem, p. 110.
12. Ibidem, pp. 109-110.
13. Observações de ŽIŽEK em seu documentário, The Pervert’s Guide to Cinema. Direção Sophie Fiennes, produzido por Amoeba Film/ Kasander Film/ Lone Star/ Mischief Films, 2006.
14. CHION, Michel. Andreï Tarkovski. Paris: Cahiers du Cinéma/Le Monde, 2007. P. 44.
15. DOUIN, Jean-Luc. Dictionnaire de la Censure au Cinéma. Paris: Quadrige/Puf, 2001. P. 422.

18 de nov. de 2016

Alain Resnais em Marienbad


“Quando   vejo   um   filme,   mais  do  que  aos  personagens,   eu  me
interesso  pelo  jogo  de  sentimentos. Imagino  que  podemos  chegar
a   um   cinema   sem   personagens   psicologicamente  definidos, onde
  o  jogo  dos  sentimentos  circularia. Como numa tela contemporânea, 
 o jogo das formas chega a ser mais forte do que a [história contada]”

Alain Resnais, Cahiers du Cinéma, 1961 (1)

O Passado e Seus Labirintos
“Acontece num grande hotel, espécie de palácio internacional, imenso, barroco, decoração fabulosa, porém gelado: um universo de mármores, colunas, rebocos floridos, revestimento dourado, estátuas, serviçais estáticos. Uma clientela anônima, polida, sem dúvida rica, inativa, observa séria, mais sem paixão, as regras estritas dos jogos (cartas, dominós), as danças mundanas, a conversa vazia ou o tiro ao alvo. No interior desse mundo fechado, sufocante, homens e coisas parecem igualmente vítimas de algum encantamento, de uma ordem fatal da qual seria tão vão procurar escapar quanto pretender modificar o menor detalhe. Um desconhecido vagueia de sala em sala – por turnos, deserta, ou tomada por uma multidão guiada -, atravessando portas se depara com espelhos, ao longo de intermináveis corredores. Seu ouvido registra pedaços de frases, ao acaso, aqui e ali. Seu olho passa de um rosto sem nome para outro rosto sem nome. Mas ele volta sempre àquele de uma jovem mulher, bela prisioneira talvez ainda viva dessa gaiola dourada. Eis que oferece a ela o impossível, algo que parece o mais improvável nesse labirinto onde o tempo é como que abolido: ele a oferece um passado, um futuro e a liberdade. Diz a ela que já se encontraram, ele e ela, há um ano, que se amaram, e que ele volta agora a esse encontro marcado por ela mesma e que irá levá-la com ele...” (2)

Assim começa a versão original do roteiro, que começamos a ouvir ainda durante os créditos iniciais, escrito por Alain Robbe-Grillet para o segundo longa-metragem dirigido por Alain Resnais, O Ano Passado em Marienbad (L’Année Dernière à Marienbad, 1961). Robbe-Grillet compôs o argumento com um desenho de opacidade emprestado de Raymond Roussel, que ele descreveu como “um mundo que não é dado como real, mas como já representado... Enigmas vazios, tempos parados, signos que se recusam significar, ampliação de um detalhe minúsculo, histórias que se fecham sobre si mesmas” – embora algumas imagens tenham referências objetivas: num dos corredores podemos ler Rosmer numa placa; alusão a Rosmerholm, de Ibsen, peça que Freud e Otto Rank consideraram incestuosa. De acordo com Robert Benayoun, Marienbad parece um comentário longínquo à [Introduction] au Discours sur Le Peu de Réalité [1927], de André Breton. Contudo, ainda segundo Benayoun, apesar de sua bagagem surrealista, Resnais insistiu não conhecer essa obra.

Na opinião de Benayoun, influências de Marienbad seriam visíveis em Ingmar Bergman, O Silêncio (Tystnaden, 1963); Federico Fellini, 8 1/2 (Otto e Mezzo, 1963); em Robert Altman, Quinteto (Quintet, 1979); em Agnès Varda, Les Créatures (1966); em Jacques Rivette, Celine e Julie vão de Barco (Céline et Julie vont en Bateau, 1974); em Marguerite Duras, India Song (1975); em Ferdinand Khittl, Les Routes Parallèles (Die Parallelstrasse, 1962); e o próprio Robbe-Grillet, em algumas cenas de Jeu Avec le Feu (1975) (3). 


Cineasta do tempo, Marienbad já estava prefigurado em Toda a Memória do Mundo (1956), um curta-metragem onde Resnais vagueia pelos corredores da biblioteca nacional francesa em busca de um testemunho confiável (4). Na verdade, foi Robert Benayoun quem sugeriu essa correlação, e foi além, afirmando que curtas-metragens como Noite e Neblina (Nuit et Brouillard, 1955) antecipa Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, 1959), A Canção de Estireno (Le Chant du Styrène, 1957) antecipa Muriel (Muriel, ou le Temps d’un Retour, 1963) e que As Estátuas Também Morrem (Les Statues Meurent Aussi, 1953) faz uma breve escala em Stavisky... (1974). Quanto a Eu te Amo, Eu te Amo (Je t’Aime, Je t’Aime, 1968), Benayoun acredita o complemento perfeito seria La Jetée (1962), mas que foi realizado por outro francês, Chris Marker (5).

De fato, segundo Liandrat-Guigues e Leutrat, existe um mal entendido, enquanto alguns acreditam que Resnais quer instaurar uma ruptura com o passado, sua real intenção seria prolongá-lo, mas de outra forma – o cineasta mandou a equipe de Marienbad assistir a filmes da época entre o final do cinema mudo e princípio do falado, a maquiagem de Delphine Seyrig é um pouco baseada na Louise Brooks de A Caixa de Pandora (Die Büchse der Pandora, direção Ernst Pabst, 1929). Desde seu primeiro longa-metragem, Resnais põe em prática efetiva uma simultaneidade temporal:

“(...) Hiroshima aniquila o tempo, transformando o espaço numa moeda de troca: tua Nevers contra minha Hiroshima. [Resnais] postula como princípio formal essa ideia do ubíquo que se manterá no coração de sua obra. O herói é ao mesmo tempo morto e vivo, japonês e alemão, deitado num quarto de hotel em Hiroshima e morrendo numa do [rio] Loire. A heroína é ao mesmo tempo memória e esquecimento no momento que ela afirma, e com que força cuidadosa de fixação sobre um instante vivido de eternidade: ‘Eu te esqueço já. Olhe como eu te esqueço’. ‘Você é mil mulheres juntas’, ele diz. (‘Todos os hotéis, todos os jardins se parece, todas as cidades, todas as mulheres’, dirá Marienbad)” (6)

No começo de Marienbad, ouvimos mais de uma vez um comentário sobre algo que teria ocorrido em 1928 ou 1929. É que Resnais tem uma preferência por essa época, que ele mesmo afirmou ser a época em que se passa o filme. O compositor Francis Seyrig, responsável pela trilha sonora, disse que Resnais lhe pediu algo que “desse a impressão” de 1925, algo entre uma linguagem musical muito moderna e elementos wagnerianos. Justificando seu interesse por essa época entre as duas guerras mundiais, o cineasta chegou a dizer que ainda não nos interrogamos o suficiente sobre essa época. Talvez por esse motivo, e num esforço de classificação da obra de Resnais, Guigues e Leutrat encaixem Marienbad tanto entre os filmes que falam sobre o tempo (ainda que toda a obra caiba aqui), numa “trilogia da modernidade” (Hiroshima, Marienbad, Muriel), mas também dentre filmes com um universo fechado (Marienbad, Toda a Memória do Mundo, Providence, Mélo, Pas sur la Bouche, La Vie est un Roman).


Benayoun identifica uma nostalgia desesperada por certos valores essenciais em Muriel, que aqui seria mais flagrante do que em obras precedentes de Resnais. Em princípio, a leitura deste filme é mais direta do que Marienbad. Para Benayoun, o subtítulo de Muriel (retirado da versão brasileira: “ou o tempo de um retorno”) aponta um tema suficientemente linear para guiar o espectador no labirinto que leva ao tema do reencontro. Malgrado a aparência pessimista das primeiras obras de Resnais, sejam quais forem seus colaboradores, tendemos sempre para a fusão de dois seres numa súbita e compartilhada dominação do tempo. Enquanto o encontro em Muriel permanece invisível, aquele de Hiroshima, é ainda Benayoun quem afirma, aborta amargamente o de Marienbad, que provavelmente nunca aconteceu ou ainda não se produziu. 

Referindo-se às várias hipóteses elaboradas em torno da busca de vários comentadores em relação à pergunta, “afinal, do que está falando Marienbad?” Algumas pessoas, como Nicole Zand, viram apenas uma trama psicológica (“o que resta de um amor depois de um ano?”). Outros como Zand, citando o próprio Resnais, propuseram uma solução ao estilo de Borges (“existe um personagem no hotel que imagina tudo”). Certa vez, um artigo no Cahiers du Cinèma sugeriu um conflito de transferência entre um psicanalista e sua bela cliente. Em 1961, entrevistando Resnais, Yvonne Baby apontou a prorrogação de um ano roubado da morte. François Weyergans falou de uma representação metafórica do id, do ego e do superego da heroína. Finalmente, em 1963 Neal Oxenhandler sugeriu o casamento místico entre a alma e o noivo divino. Benayoun ancora numa observação do próprio Resnais para concluir que todas essas hipóteses permanecem fragmentárias, o próprio cineasta afirmou que elas não capturam mais do que 80% do roteiro.  No comentário de Gilles Deleuze:

“(...) Em Resnais é no tempo que mergulhamos, não à mercê de uma memória psicológica que nos daria apenas uma representação indireta, não à mercê de uma imagem-lembrança que nos remeteria apenas a um antigo presente, mas segundo uma memória mais profunda, memória do mundo que explora diretamente o tempo, alcançando no passado o que se furta à lembrança. Como o flashback parece derrisório perante explorações do tempo tão fortes, como o silencioso caminhar sobre o tapete espesso, que cada vez que ocorre situa a imagem no passado, em O Ano Passado em Marienbad (...)” (7)
Temos ainda a receita do próprio Resnais que, ao ser interpelado no ano de lançamento de Marienbad, almeja a introspecção da leitura:

“Existe uma história, certamente, mas eu queria, sobretudo, propor vários temas psicológicos: a persuasão através da palavra, o medo diante do desconhecido, o estupro considerado como uma união ritual, e até mesmo psicanalítica, tudo apelando ao nosso mundo mental moderno: a representação de séries não causais, as repetições com variações, a realidade do imaginário materializado, a atualização do passado e do futuro e a mistura de tempos em geral. Em resumo, na decoração faustosa e gelada de um palácio internacional, onde o tempo parece abolido, um desconhecido insiste com uma mulher que eles já se encontraram. Essa mulher tem um companheiro, mas ela dá a impressão de se recordar. Ela luta, cede, se recupera... Mas é pela associação de imagens e sons, por sua forma instantânea, que esses temas devem agir sobre o espectador. Eu gostaria de reencontrar as condições da leitura, me dirigir ao espectador como se ele fosse um leitor – e só...” (8)

Marienbad de Deleuze


O filósofo Gilles Deleuze considerava Resnais um cineasta do cérebro e do tempo, chamou atenção também para o detalhe de alguns personagens de seus filmes que entram nos sonhos uns dos outros. Mas a expressão “cineasta do cérebro” não quer dizer “cineasta cerebral” ou intelectual. Comentando sobre sua afirmação em 1985, Deleuze explicou que apenas se referia à riqueza e complexidade da obra desse cineasta, em contraposição ao cretinismo reinante na indústria cinematográfica (9). Desta forma, em Providence (1976), Claude, Kevin e Sonya entram no sonho de Clive; em Eu te Amo, Eu te Amo, Catrina entra no sonho de Ridder; em O Ano Passado em Marienbad, A entra no sonho de X. A relação com o sonho em Resnais seria a mesma que Deleuze identificou no cineasta Vincent Minelli: 

“A grande ideia [dele] sobre o sonho é que, antes de qualquer coisa, isso diz respeito àqueles que não sonham. (...) Por que aquilo lhes diz respeito? Porque uma vez que se sonhou com o outro, existe perigo. O sonho das pessoas é sempre um sonho devorador, que poderia nos engolir. Que os outros sonhem, é muito perigoso. O sonho é uma terrível vontade de potência. Cada um de nós é mais ou menos vítima do sonho dos outros” (10)

Muito antes de editar seus livros sobre cinema na década de 80, Deleuze já havia demonstrado interesse em Resnais. Em seu livro de 1968, Diferença e Repetição, Deleuze aponta O Ano Passado em Marienbad como um filme onde se vê bem as formas de repetição que o cinema pode inventar (11). De fato, como lembram Liandrat-Guigues e Leutrat, o filosofo construirá parte de sua reflexão em seu Cinema 2: A Imagem-Tempo em torno de Resnais (12). 

As estátuas em Marienbad são novas e sua única função parece ser levar os personagens a imaginar, na opinião de Liandrat-Guigues e Leutrat elas contribuem para fazer do filme uma obra aberta. Tanto as estátuas quanto a peça de teatro ancoram firmemente na idéia de representação, mas também na de combinações múltiplas, à imagem dos jogos (cartas, dominó, palitos) que aparecem no filme. Ao contrário do que ocorre em Muriel, o filme seguinte de Resnais, o tempo em Marienbad flui como um instante-eterno, entre um passado imaginário e um futuro ainda imaginado. Também é significativo, notaram Guigues e Leutrat, que primeira aparição de uma mulher em Marienbad seja através da atriz da peça de teatro, enquanto alguém que se disfarça atrás de maquiagens e personagens, ela é um duplo – personagens que são atrizes encontram-se na obra de Resnais também em Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, 1959), Muriel, Meu Tio da América (Mon Oncle d’Amérique, 1980) e Stavinsky..., fora aqueles filmes que são a encenação de peças de teatro – existe ainda o trocadilho possível entre as palavras “repetição”, em português, e repetition, em francês, que também pode significar “ensaio”; ou seja, um duplo da peça ensaiada.


Marienbad é o filme por excelência da repetição. Ele repousa sobre a repetição de uma obra sobre a outra, sobre o tema da repetição relacionada a uma situação incerta (que talvez tenha acontecido) e sobre o retorno de lugares, de palavras, de gestos, etc. O maior objetivo da arte, Gilles Deleuze notou, seria talvez ‘fazer com que atuem simultaneamente todas estas repetições’ (Diferença e Repetição). ‘O ano passado’ é (a priori) esse passado que o presente não cessa de repetir através dos tempos. Marienbad não é o lugar onde se desenrola a ação (o texto [de Alain Robbe-Grillet] distingue ‘aqui, nesse salão’ de Friedericksbad, Karlstadt, Marienbad ou Baden-Salsa), ou é um dos lugares onde se repetiu uma ação que aconteceu muitas vezes. [Marienbad] é também uma senha que retorna aos esplendores passados de um SPA [estação termal] (então na [antiga] Tchecoslováquia) e àqueles de uma Europa desfalecida dos ‘parapeitos velhos’ (13). Esta senha relembra à memória L’Elégie de Marienbad, de Goethe, liga a Boêmia à Baviera, o castelo de Nymphenburg ao parque Schleissheim, ressurge em L’invention de Morel, de Bioy Casares, obra que repousa sobre a repetição ‘eterna’ de uma situação, etc. Estamos na temporalidade do eterno retorno” (14) 

O imaginário dá um salto em O Ano Passado em Marienbad. Tomemos as imagens de indivíduos retalhados por pedaços de espelhos contíguos em Marienbad, que também são encontradas em Mélo (1986) (a propósito da confrontação final entre Marcel Leblanc e Pierre Belcroix), em Stavinsky... (Arlette) e em Muriel (onde o rosto de Bernard é multiplicado pelo caleidoscópio). Para sair deste jogo de espelhos, Liandrat-Guigues e Leutrat apontam para Deleuze: “o imaginário, não é o irreal, mas a indiscernibilidade entre o real e o irreal. Os dois termos não se correspondem, são distintos, mais eles não cessam de trocar sua distinção”. Descrevendo a questão com outras palavras em 1961, o próprio Resnais afirma seu interesse pelo universo da incerteza: “(...) Eu acredito que, na vida, nós não pensamos cronologicamente, que nossas decisões nunca correspondem a uma lógica ordenada. Nós todos temos imagens, coisas que nos determinam e que não estão numa sucessão lógica de atos que se encadeiam perfeitamente” (15). 
Para Deleuze, a questão do imaginário será ultrapassada em importância pela do tempo. Segundo o filósofo, Marienbad figura um confronto entre os dois amigos, Resnais e Robbe-Grillet. Deleuze se refere a três níveis que operam no filme: 

1) O nível do cinema “moderno”, marcado pela crise da imagem-ação, da qual Marienbad seria um momento importante: a andança das personagens, mas também seus movimentos e imobilizações, guardadas as devidas proporções, tanto para Resnais quanto para Robbe-Grillet apontam para uma falência dos esquemas sensório-motores; 


2) No nível do real e do imaginário, para Resnais há sempre algo do primeiro que subsiste, ainda que correndo o risco de entrar em conflito com o imaginário (algo aconteceu no ano passado? Resnais, segundo Deleuze, acredita que sim). Já para Robbe-Grillet, tudo se passa na cabeça dos personagens (do espectador). Mas nada se passa na cabeça do espectador que não provenha da imagem, afirma Deleuze desdenhando um pouco a posição de Robbe-Grillet. E a distinção entre real e imaginário (atual e virtual, etc) na imagem acaba se tornando reversível e indiscernível.

“(...) Distintos, porém indiscerníveis, tais são o imaginário e o real em ambos os atores [protagonistas de Marienbad]. De modo que a diferença entre os dois só pode aparecer de outra maneira. Ela se apresentaria antes como define Mireille Latil: os grandes contínuos de real e de imaginário em Resnais, em contraposição aos blocos descontínuos ou aos ‘choques’ de Robbe-Grillet. Mas este novo critério não parece capaz de se desenvolver em nível do par imaginário-real – ele necessariamente requer um terceiro nível, que é o tempo” (16)

3) A dissolução da imagem-ação e a indiscernibilidade que se segue ancoram uma “arquitetura do tempo” (Resnais) e um “presente perpétuo” (Robbe-Grillet). De acordo com Deleuze, Resnais vê seu filme sob a forma de “lençóis ou regiões de passado”, enquanto Robbe-Grillet vê o tempo sob a forma de “pontas de presente”:

“Se O Ano Passado pudesse se dividir, diríamos que o homem X está mais perto de Resnais, e a mulher A de Robbe-Grillet. O homem, com efeito, tenta envolver a mulher com lençóis contínuos dos quais o presente é apenas o mais estreito, como o avançar de uma onda, enquanto a mulher, ora desconfiada, ora obstinada, ora quase convencida, salta de um bloco a outro, não para de transpor um abismo entre duas pontas, entre dois presentes simultâneos. De qualquer modo, os dois autores não estão mais no domínio do real e do imaginário, mas no tempo (...)” “Claro, o real e o imaginário continuam seu circuito, porém apenas como a base de uma figura mais alta. Não mais, ou não é mais apenas o tornar-se indiscernível de imagens distintas, são alternativas indecidíveis entre circuitos de passado, diferenças inextrincáveis entre pontas de presente (...)” (17)

Resnais, Godard e o Público


De acordo com Colin MacCabe, foi Hiroshima Meu Amor que mostrou que a Nouvelle Vague tinha um significado histórico, mas também um alcance estético que faria Acossado (À Bout de Souffle, direção Jean-Luc Godard, 1960) parecer um filme adolescente (18). Ao contrário de alguns de seus contemporâneos como Jean-Luc Godard, Resnais não é um teórico e nunca foi crítico de cinema. Para ele, o cineasta é apenas um meio de expressão entre outros, Resnais seria uma espécie de anti-Godard! Se por ocasião do lançamento de Hiroshima Meu Amor Godard colocou Resnais no Olimpo (chegando a compará-lo a Eisenstein), nos anos 70 ele já duvidava da capacidade do colega cineasta. Ciúmes? Narcisismo? Seja como for, uma pouco antes disso (1966), Resnais faria um comentário que não deixa muitas dúvidas a respeito do seu descompromisso com a norma, apontado para um novo tipo de espectador:

“Muitas vezes, entrei num cinema no meio do filme e fui imediatamente atingido pela potência de certas imagens. Eu poderia sair da sala cinco minutos mais tarde e me sentir plenamente satisfeito, mesmo se eu ainda ignorasse o contexto dessas imagens. (...) Dessa forma, Marienbad é composto de imagens que se bastam a si mesmas”. (...) “A prova de que as imagens de Marienbad se bastam a si mesmas aconteceu quando num festival qualquer o filme foi projetado com as bobinas fora da ordem. Todo mundo aplaudiu. Mas eu acrescento que existe uma ordem efetivamente, determinada por mim na moviola de uma vez por todas” (19)


Resnais tinha (tem?) uma aura de cineasta intelectual que lhe valeu algumas críticas no passado, notadamente pelo abandono do tema político em Hiroshima e Muriel (alguns sugeriram que a referência à guerra da Argélia é marginal e teria sido incluída apenas para se livrar de críticas). Daí a surpresa quando no final dos anos 60 Resnais realizou La Guerre est Finie (1966) e Eu te Amo, Eu te Amo – embora Robert Benayoun acredite que Guernica, um curta-metragem que Resnais realizou em 1950, prefigure o filme de 1966 (20). Naquela época... a relação do público com o cinema teve a chance de caminhar noutra direção:

“Entrevistado pelos Cahiers [du Cinèma em 1963, o semiólogo Roland] Barthes afirmou que ‘o homem é tão mortalmente ligado ao sentido que a liberdade na arte parece consistir... não tanto em criar sentido, mas suspendê-lo’. O Ano Passado em Marienbad de Resnais marcou uma ‘revolução copernicana’ para os críticos dos Cahiers. [Na opinião de François Weyergans,] tal como acontece com a pintura modernista, onde ‘a tarefa do pintor não é mais pintar um tema, mas fazer um quadro’, assim é com a câmera: ‘o trabalho do cineasta não é mais contar uma história, mas simplesmente fazer um filme no qual o espectador irá descobrir uma história’. A plateia está agora se tornando ‘o herói do filme’” (21)


Salvo por pequenas correções gramaticais que não alteram o sentido, Alain Resnais em Marienbad foi publicado originalmente na revista dEsEnrEdoS (ISSN 2175-3903), ano IV - número 12 - Teresina - Piauí – Brasil. Edição janeiro-fevereiro-março de 2012

Leia também:

Notas:

1. LIANDRAT-GUIGUES, Suzanne; LEUTRAT, Jean Louis. Alain Resnais. Liasons Secrètes, Accords Vagabonds. Paris: Cahiers du Cinéma, 2006. P. 142.
2. Idem, pp. 287-8.
3. BENAYOUN, Robert. Alain Resnais, arpenteur de l’imaginaire. Paris : Éditions Ramsay/Vilo, 2008. Pp. 91, 103, 105n1, 106.
4. LIANDRAT-GUIGUES, S.; LEUTRAT, J. L.. Op., Cit., pp. 17, 36, 57, 68, 266n278.
5. BENAYOUN, R.. Op., Cit., pp. 49n1, 97, 107-8.
6. Idem, p. 70.
7. DELEUZE, Gilles. Cinema 2: A Imagem-Tempo. Tradução Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1990. P. 53.
8. DOUCHET, Jean. Nouvelle Vague. Paris: Cinémathèque Française/Hazan, 1998. P. 117.
9. DELEUZE, Gilles. Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990. P. 86.
10. LIANDRAT-GUIGUES, S.; LEUTRAT, J. L.. Op. Cit., p. 80.
11. DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Tradução Luis Orlandi e Roberto Machado. São Paulo: Graal, 1988. P. 461.
12. LIANDRAT-GUIGUES, S.; LEUTRAT, J. L.. Op. Cit., pp. 12, 20, 74, 80, 160.
13. referência ao poeta Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) em Le bateau ivre: “Je regrette l'Europe aux anciens parapets!”
14. LIANDRAT-GUIGUES, S.; LEUTRAT, J. L.. Op. Cit., p. 276n479; DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Op. Cit., p. 460.
15. LIANDRAT-GUIGUES, S.; LEUTRAT, J. L.. Op. Cit., p. 89.
16. DELEUZE, G.. Cinema 2: A Imagem-Tempo. Op. Cit., p. 128.
17. Idem, p. 129.
18. MacCABE, Colin. Godard. A Portrait of the Artist at 70. London: Bloomsbury Publishing, 2004. P. 137.
19. BENAYOUN, R.. Op. Cit., pp. 38 e n1, 100.
20. Idem, p. 49.
21. BICKERTON, Emilie. A Short History of Cahiers du Cinéma. London/New York: Verso, 2009. Pp. 42-3. O grifo é meu.

12 de out. de 2016

Andrzej Munk e os Heróis da Pátria


(...) Junto com Cinzas e Diamantes, [de Wajda, Heroica] permanece 
até hoje o filme mais assistido e cult do período da Escola Polonesa” 

Ewa Mazierska (1)

Do Esgoto à Comédia
Juntamente com o conterrâneo Andrzej Wajda, o cineasta polonês Andrzej Munk (1921-1961) é considerado o criador mais importante da “Escola Polonesa” – embora não haja consenso em torno desta denominação, e certamente não havia entre os cineastas poloneses que posteriormente serão identificados com ela pelos historiadores (2), é fato que este “grupo” foi responsável por inserir a Polônia no mapa cinematográfico da Europa a partir do final dos anos 1950. Em grande parte, tal inserção se deu graças a filmes que retratam a experiência polonesa durante a Segunda Guerra Mundial. Heroica (Eroica, 1958) pertence à vertente da Escola Polonesa descrita como “racionalista”, ou “plebeia”, em oposição ao “paradigma romântico-expressionista”, do qual filmes de Wajda como Kanal (Kanał, 1957) e Cinzas e Diamantes (Popiól i Diament, 1958) constituem os principais exemplos. Entre outras características, este paradigma dirigiu seu foco para protagonistas operários e camponeses comuns, um estilo realista e atitude crítica em relação a certo ethos (caráter, espírito) identificado com o Romantismo polonês. Embora Ewa Mazierska veja mais semelhanças do que diferenças entre a obra de Munk e estes filmes de Wajda, na consciência popular polonesa os filmes do cineasta funcionam como uma espécie de anti-Kanal ou anti-Cinzas e Diamantes. Em ambos os filmes encontramos uma crítica da ideia de que a tarefa sagrada do polonês é ser heroico (mesmo que seja a qualquer custo: agindo com imprudência ou colocando a vida de terceiros em risco), embora ambos demonstrem simpatia e compreensão em relação a seus heróis condenados. Heroica, por outro lado, é mais desiludido do que os filmes de Wajda no período da Escola Polonesa (3). 


 Com Heroica, Andrzej Munk rompe com o Realismo Socialista, 
recontando  as  histórias  da  Polônia  durante  a  Segunda Guerra
que   foram   distorcidas   ou   suprimidas   por   tal   estética  (4)

Considerando as décadas imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial, e o panorama da produção cinematográfica dos países da Europa oriental que estiveram sob o domínio da extinta União Soviética, o cinema polonês foi o primeiro a manifestar certa liberdade estética em relação ao Realismo Socialista. Com Geração (Pokolenie, 1955), Kanal (este que se passa nos esgotos da cidade, foi o primeiro filme a respeito do Levante de Varsóvia) e Cinzas e Diamantes, Wajda sai na frente, seguido por Munk, com Heroica e Má Sorte (Zezowate szczescie, 1960), filmes de tom irônico, distantes de qualquer heroificação épica (5). De acordo com Mazierska, alguns críticos poloneses, como Ewelina Nurczyńska-Fidelska, maior especialista na obra de Munk, sugerem que apesar da atitude crítica e até cínica em relação a alguns mitos nacionais, os filmes deste cineasta devem ser inseridos no paradigma do romântico polonês. A razão seria a complexidade e riqueza deste paradigma, que contém atitudes e temas que se contradizem, incluindo elevação e condenação do patriotismo e do heroísmo abstratos, realismo e simbolismo, pathos (melancolia ou ternura) e ironia. De fato, o tema do heroísmo está embutido no próprio título do filme. O subtítulo, Symfonia Bohaterska w dwóch Częściah (uma sinfonia heroica em dois movimentos), foi retirado da 3ª Sinfonia, de Beethoven, cujo título é Heroica – ele queria homenagear Napoleão, mas se desiludiu quando este se fez coroar imperador. A sinfonia tem três movimentos, e o filme tinha originalmente três partes – todas baseadas em histórias escritas por Jerzy Stefan Stawiński, considerado o melhor roteirista da Escola Polonesa. Contudo, apenas duas partes foram incluídas no final, a terceira não seria exibida até 1995, quando transmitida na televisão estatal polonesa.


(...) A ideia do ‘heroico’ permeia a [Escola Polonesa] precisamente
por estabelecer  ligação entre a ideologia oficial do internacionalismo
proletário  do  pós-guerra e a persistência subterrânea na consciência
polonesa   de   hábitos   de   pensamento   anteriores   à   guerra” (6)

De fato, o roteiro de Kanal, que aborda o Levante de um ponto de vista muito mais sério e dramático, foi parar nas mãos de Munk antes de chegar à Wajda. Munk o apresentou à Janusz Morgenstern (que viria a ser o assistente de direção de Wajda), que ficou muito impressionado com o material e queria trabalhar no filme. Contudo, tempos depois, Munk desistiu da empreitada por concluir que seria possível filmar nos esgotos de Varsóvia utilizando iluminação artificial - Morgenstern achou que era uma oportunidade perdida, mas logo depois Wajda o chamou para ser assistente de direção.  “(...) E como vocês sabem, isso não é minha praia. Prefiro fazer outras coisas para as quais eu tenho mais jeito. Como a verdade nua e austera, ao invés de uma história” (7) justificou Munk. O que não deixa de ser um comentário curioso, considerando a ficcionalização presente em Heroica, especialmente em seu caráter cômico. De qualquer forma, naquela época Munk era, nas palavras de Morgenstern, “um documentarista típico” – e Munk lhe explicou: “não posso imaginar como retratar a realidade daqueles tempos em um filme de ficção (...)” (8). Então o roteiro acabou chegando às mãos de Wajda por intermédio de Tadeusz Konwicki, gerente literário do grupo Kadr (empresa polonesa de produção e distribuição de fundada em 1955 pelo cineasta Jerzy Kawalerowicz, mesmo ano em que produziu Geração, de Wajda; Heroica seria sua sexta produção). Wajda resumiu assim o dilema de Munk:

“Então, o que foi que Munk fez? Ele mandou que se levantasse a tampa do bueiro, entrou lá por um instante e depois saiu. Toda a equipe esperava por sua decisão e ele disse: Não se pode enxergar aqui dentro. É impossível fazer uma filmagem aqui. Por que ele acreditava, como o grupo dinamarquês Dogma – no local onde os eventos tivessem ocorrido... e considerando que ele não conseguia enxergar no esgoto, ele havia decidido não fazer o filme.” (9)

Heróis do Nada?


O discurso do heroísmo será ironizado pela Escola Polonesa, seja no estilo trágico de Wajda ou no humor negro de Munk em Heroica (10)
Citando como exemplos Lotna (1959) e Cinzas e Diamantes, de Wajda, Como ser Amado (Jak byc kochana, 1963), de Wojciech Has (1925–2000), Má SorteHeroica, de Munk, Paul Coates observa que a ironia aplicada ao heroísmo ocorre ao nível da imagem, da aparência visual, do visível e do invisível. Nas sequências da segunda parte de Heroica que mostram o prisioneiro que fingiu que fugiu, mas se mantém escondido no telhado para alimentar a lenda de seu heroísmo, este não vem acompanhado por uma imagem heroica (já que ele está escondido fora das vistas). Em certo sentido pode-se dizer que também há um heroísmo no autossacrifício de levar a vida como um morto-vivo. Numa dialética entre o visível e o invisível, esses filmes inculcam a desconfiança em relação a seu próprio veículo, a imagem: o herói sempre tem um duplo, está sempre vivo e morto, hora lenda oral (Heroica), ora ícone visual oficial (as estátuas e pôsteres do trabalhador que ultrapassa sua cota de trabalho, em O Homem de Mármore [Czlowiek z marmuru, 1977], de Wajda). Na opinião de Coates, essa dialética entre heroísmo e anti-heroísmo permeia a Escola Polonesa, em parte devido aos cineastas que sabem que seus filmes são ao mesmo tempo uma traição (ao denegrir o Exército Interno Polonês, questionando também os valores anteriores à guerra, enaltecem o Exército do Povo, apoiado pelos soviéticos) e uma homenagem ao passado. Ainda de segundo Coates, Cifras (Szyfry, 1966), de Has, é o melhor exemplo da persistência de uma consciência traumatizada por a “contorção” da realidade. Este filme diagnostica a doença da qual é um sintoma: a impossibilidade de dizer, antes de 1989 (quando cai o Muro de Berlim e a União Soviética entra em colapso), toda a verdade a respeito da guerra (11).


Heroica serve como contraponto em relação aos filmes
de Wajda, na medida em que os personagens de Munk negam
as  características  dos  protagonistas  de  seus filmes (12)

As duas partes de Heroica são inspiradas em eventos autênticos, mas locais e personagens foram mudados. A primeira parte, scherzo alla pollacca, baseada em Węgrzy (Os Húngaros), de Stawiński, é ambientada no Levante de Varsóvia, em 1944. Dzidziuś Górkiewicz é uma espécie de quebra-galho que confessou trabalhar no mercado negro. Durante o Levante ele se encontrava em Molotów (como os personagens de Wajda em Kanal) e acompanhava os rebeldes do Armia Krajowa (Exército Interno Polonês), cuja missão era apoiar o governo antissoviético polonês, então no exílio em Londres – exército que era também a principal força organizando o Levante, com uma intenção respectivamente militar e política: libertar Varsóvia dos nazistas antes que o exército de Stalin chegasse. A certa altura, foi o tédio de Dzidziuś durante o treinamento fez com que prestasse atenção num ataque do inimigo, salvando sua vida e a dos demais – o comandante nem percebeu o perigo. Mazierska chama atenção de como nessa cena Munk contrapõe heroísmo e idealismo “cego”. Disparates se sucedem: dois grupos em diferentes em Varsóvia telefonam um para o outro através de Londres. Desde o inicio, o Levante é apresentado como irracional e fadado ao fracasso. No final os soviéticos e não os poloneses libertarão a capital, um dos oficiais desabafa para Dzidziuś: o oficial se refere a um “destino polonês”, trágico e absurdo ao mesmo tempo (13). De acordo com Paul Coates, “(...) A ideia do ‘heroico’ permeia a [Escola Polonesa] precisamente porque estabelece uma ligação entre a ideologia oficial do internacionalismo proletário do pós-guerra e a persistência subterrânea na consciência polonesa de hábitos de pensamento anteriores à guerra” (14)


Dzidziuś  traz  as  notícias e ajuda as pessoas,  assumindo  seu  papel
de mensageiro até o fim. Ele já foi comparado ao deus grego Hermes

Após o episódio do ataque inimigo com um avião, Dzidziuś troca Varsóvia por um balneário próximo, onde deixa sua esposa, Zosia. Ao retornar para Zalesie, a encontra com um oficial húngaro, que oferece armas em troca de apoio contra os soviéticos, o que faz com que Dzidziuś vá e volte entre Zalesie e Varsóvia várias vezes enfrentando perigos – embora Munk os represente de maneira cômica. A especialista em cinema polonês Bronisława Stolarska comparou Dzidziuś a Hermes, o deus da mitologia grega. Assimilado posteriormente pelo sincretismo do Império Romano invasor como Mercúrio e no egípcio como Toth, Hermes é o guardião da família, mensageiro dos deuses, deus da comunicação (em sua capacidade para guiar os mortos até o Hades), patrono dos andarilhos, comerciantes, viajantes e ladrões, deus das coisas achadas ou roubadas, deus do lucro e da riqueza. Nesse sentido, Dzidziuś assume o papel de um mensageiro, trazendo notícias e auxiliando as pessoas. Alguns têm discutido quais foram às razões para que ele trocasse a paz de Zalesie pelo inferno de Varsóvia. Alguns afirmam que seu ato testemunha a atmosfera romântica e heroica durante o Levante contra os nazistas, clima que contaminou do camponês às pessoas moralmente dúbias, levando-os a sentir como se suas vidas devessem estar direcionadas mais para a lenda do que para seu bem estar. Segundo Stolarska, por seu retorno à capital do país, Dzidziuś completa sua missão como Hermes. Além disso, conclui Mazierska, ao inscrever a percepção polonesa de “tudo ou nada” na mitologia mediterrânea, Munk torna o mito polonês universal. Ela também comentou a respeito da esposa de Dzidziuś, lembrando que a figura da “loura burra” é bastante rara no cinema polonês do pós-guerra:

“Aparentemente, [a oferta de uma confirmação para os Aliados de que o oficial Húngaro, cujo país estava com os nazistas, arranjou armas para o Levante contra os soldados de Hitler] foi discutida anteriormente com Zosia, como indica claramente a troca de olhares [com Dzidziuś], mesmo que isso aconteça entre um beijo e outro [assim que o marido pega ela com o húngaro]. Trazer isto à baila não é de forma alguma mostrar que no cinema polonês a figura da ‘loura burra’ pode ser transformada numa pessoa com consciência política. Também não é meu objetivo aqui questionar os papeis de gênero, mas indicar que Munk brinca com os esquemas e estereótipos de heroísmo e covardia, assim como com as imagens de masculino e feminino. Portanto, [em Heroica] um homem não é nem tão heroico quanto se poderia desejar que fosse, nem é uma mulher tão estúpida quanto parece ser. Um breve episódio, quando uma mulher simples, lavando roupas no rio, responde detalhadamente para Dzidziuś a respeito de posições de batalha dos nazistas, confirma a atitude cética de Munk quanto a aceitar estereótipos” (15)


Os dois meses  do  Levante  de  Varsóvia são considerados o ponto de
partida do conceito de guerrilha urbana em cidades muito grandes (16)

A decisão de se juntar àquela insurreição condenada também aproxima Dzidziuś do mito grego de Ulisses (Odysseus). Em comum com a interpretação de Ulisses por Homero, Dzidziuś abandona sua esposa e sua casa cheia de pretendentes dela (Kola, o húngaro, parece ser apenas um dentre outros) em busca de aventura e outras mulheres. Uma delas, que aderiu ao Levante com o codinome Berry, cativou Dzidziuś ao ponto dele afirmar que preferia que ela fosse sua real esposa. Mazierska observa que o contraste moral entre Dzidziuś e seus companheiros de insurreição parece menor do que o de sua esposa em relação às jovens mulheres que lutaram contra o invasor alemão. Enquanto Dzidziuś se mostra (à sua maneira) bravo e patriótico, sua esposa parece só pensar em conforto e bens materiais, sendo até mesmo incapaz de distinguir entre inimigo e aliado. No título dessa primeira parte do filme, a palavra italiana scherzo (brincadeira, piada) indica o tom do que virá a seguir. Assim, scherzo alla pollacca é repleto de situações engraçadas, enfatizando o contraste entre a seriedade da situação dos moradores da capital da Polônia durante a insurreição e uma abordagem leve em relação aos acontecimentos. O título da segunda parte, ostinato lugubre, baseada em Ucieczka (fuga), novamente de Stawiński, indica o tom lúgubre, fúnebre, triste e desanimado daquilo que iremos assistir a seguir. Agora estamos num campo de prisioneiros de guerra nos Alpes, os personagens não estão condenados a morte iminente, levando uma vida pacífica.  


 Alguns  acreditavam   que   os   soviéticos  ajudariam  os  poloneses
a  expulsar  os  nazistas  durante  o  Levante de Varsóvia. Mas Stalin
desconfia do caráter anticomunista da insurreição e prefere esperar
 que fossem aniquilados, facilitando sua própria invasão  da  Polônia 

A história começa quando no final de 1944 chega ao campo um grupo de guerrilheiros capturados pelos alemães durante o Levante de Varsóvia e se mistura ao grupo que já estava por lá desde 1939. Logo os recém-chegados descobrem que o clima no campo beira o bizarro, ninguém mais conta o tempo e o senso de realidade se foi. É como se o tempo tivesse parado em 1939, daqueles que chegaram nessa época, ninguém se interessa pelo Levante na capital e também não se fala no final da guerra (que é iminente). Os valores morais que eram válidos em 1939 é a única coisa que conta para eles, que questionam a validade das medalhas militares ganhas por aqueles que participaram dos combates em Varsóvia. O assunto mais importante para esses prisioneiros de 1939 é a honra dos oficiais, que deve ser afirmada através de um ato de bravura – um tema que soava questionável em 1944. O tenente Zawistowski, por exemplo, havia conseguido escapar do campo, tornando-se um herói e servindo de exemplo. Ocorre que é tudo mentira, pois o tenente estava escondido no teto do alojamento, bem sobre as cabeças deles. Dois prisioneiros compartilham secretamente suas rações com o oficial para manter sua lenda heroica intacta. Munk mostra que a justificativa para manter a mentira (preservar uma lenda heroica para elevar o moral dos prisioneiros) acaba levando ao efeito oposto, uma vez que o grupo que não escapou passa a se sentir covarde. O tenente Żak, melhor amigo do tenente Zawistowski, inveja o amigo pela coragem de fugir do campo e será morto em sua tentativa de igualar o feito herói. Zawistowski fica devastado com a notícia, que se sente culpado pela morte do amigo e comete suicídio.


“Embora ostinato lugubre seja ambientado na guerra, alguns críticos
o  consideram  metáfora  da  situação  dos  poloneses  após  1945    (...)” 

Ewa Mazierska (17)

Desta forma, conclui Mazierska, pode-se argumentar que tanto Żak quanto Zawistowski são vítimas das expectativas de efetivação do ato heroico, ao invés de por sua motivação. Este paradoxo que consome vidas também é o tema de outros filmes da Escola Polonesa, como Cinzas e Diamantes, realizado por Wajda, e Como ser Amada (Jak być Kochaną, 1963), realizado por Wojciech Has. Munk retornaria ao tema em filmes posteriores, como Má Sorte. Alguns consideram a segunda parte de Heroica uma espécie de metáfora da situação dos poloneses depois de 1945, quando o país foi definitivamente ocupado pelos soviéticos, que os haviam libertado dos nazistas. Consequentemente, o campo de prisioneiros simboliza toda a Polônia, agora sob o governo comunista, e do qual é quase impossível escapar, devido às numerosas barreiras visíveis e invisíveis – incluindo a grande dificuldade de conseguir um passaporte. A atmosfera claustrofóbica do campo de prisioneiros, sua apatia e falta de esperança, era visível em grande parte da sociedade polonesa do pós-guerra, particularmente a intelectualidade, que tinha muita dificuldade em se adaptar à nova ordem sociopolítica da Polônia comunista. Mesmo o absurdo e o humor negro, imortalizados por Munk, é reminiscente da visão de que a Polônia era a prisão mais alegre em todo o campo de prisioneiros soviético.

Por Trás da Cena


Ao contrário dos filmes de Wajda, altamente consciente de seu pesado simbolismo, o elemento de arte é evitado em Heroica. Ao contrário de Kanal e Cinzas e Diamantes, símbolos e metáforas sempre aparentam ser inerentes à realidade representada. Em Heroica, por exemplo, a garrafa que Dzidziuś atira de costas na direção de um tanque carrega associações diversas com os mísseis caseiros utilizados pelos poloneses durante o Levante em Varsóvia, enquanto Wajda utiliza muitos close-ups e câmeras subjetivas, buscando empatia por parte do espectador. Munk, pelo contrário, evita tais procedimentos em Heroica ao afastar a câmera dos personagens e enfatizar o contexto no qual estão inseridos, em detrimento de uma suposta necessidade de busca da empatia do espectador. Contudo, Mazierska explica que a impressão de um filme de poucos artifícios artísticos só foi possível para Heroica justamente devido ao emprego de meios técnicos e artísticos sofisticados, incluindo o foco profundo (deep focus) e o zoom – alguns dos quais foram utilizados no cinema polonês pela primeira vez. O mais importante foi o foco profundo, que o diretor de fotografia Jerzy Wójcik admitiu neste filme de Munk ter sido fortemente influenciado pelo trabalho do colega Gregg Toland, em Cidadão Kane (Citizen Kane, direção Orson Welles, 1941) (18).


Apesar do início da desestalinilização na União Soviética e seu bloco
na  Europa  do  leste a partir de 1956, questionar, ou discutir, a respeito
do  Levante  de  Varsóvia,  seria problemático  [ou proibido] até 1989

Em Heroica apenas alguns instrumentos musicais são utilizados na trilha sonora (piano, trompete, xilofone, percussão). Na primeira parte, apenas para revelar ou acentuar as ironias em torno dos personagens. Na segunda, apenas para imitar os sons de soluços, suspiros e gritos distantes, aprofundando a sensação de claustrofobia e paranoia do campo de prisioneiros. O círculo é o símbolo visual mais significativo utilizado por Munk em Heroica, especialmente na segunda parte. Em scherzo alla pollacca, Dzidziuś continua retornando para o mesmo lugar, ainda que por rotas diferentes. Em ostinato lúgubre, os soldados se exercitam caminhando em círculos. O círculo aqui possui um valor negativo apontando para a desesperança e a inutilidade do heroísmo e do patriotismo – vale lembra que ostinato, caracteriza um trabalho musical por definição repetitivo. Em sua estreia, Heroica dividiu a crítica, enquanto alguns o consideraram um filme honesto em relação à guerra e ao destino polonês, outros afirmaram que ele ofendia o sentimento patriótico, especialmente daqueles que participaram do Levante, chegando a dizer que era um trabalho antipatriótico. O filme também foi criticado nos outros países do extinto bloco de países sob a influência soviética, sendo reprovada a mistura de tragédia e comédia, sendo também “acusado” de pessimismo e formalismo. “(...) É preciso acrescentar que, antes do advento da Escola Polonesa em meados dos anos 1950, era praticamente impossível realizar na Polônia uma discussão honesta a respeito do Levante de Varsóvia. Devido à sua controvérsia política (a insurreição visando não apenas os ocupantes alemães, mas também a libertação de Varsóvia [realizada pelos russos] e o controle político do país [ - uma vez que o Exército Interno Polonês era tão anticomunista quanto antinazista]), o assunto era praticamente tabu” (19).
 

Leia também:

Notas:

1. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). The Cinema of Central Europe. London/New York: Wallflower Press, 2004. P. 63.
2. COATES, Paul. The Red & the White. The cinema of people’s Poland. London & New York: Wallflower Press, 2005. P. 18.
3. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). Op. Cit., pp. 55-6.
4. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Women in Polish Cinema. New York: Berghahn Books, 2006. P. 6.
5. MARIE, Michel. A Nouvelle Vague e Godard. Tradução Eloisa A. Ribeiro e Juliana Araújo. São Paulo: Papirus Editora, 2011. P. 104.
6. COATES, Paul. Op. Cit., p. 118.
7. Andrzej Wajda: Sobre Kanal (Andrzej Wajda: on Kanal, direção Izabela Frank [como Izabela Muchlinski], Criterion Collection, 2005), entrevistas nos extras do DVD de Kanal, distribuído no Brasil por Aurora DVD, s/d.
8. Idem.
9. Ibidem.
10. COATES, Paul. Op. Cit., pp. 117-8.
11. Idem, pp. 130-1.
12. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Op. Cit., p. 82.
13. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). Op. Cit., pp. 56-60.
14. COATES, Paul. Op. Cit., p. 118.
15. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Op. Cit., p. 82-3.
16. DESCHNER, Günther. O Levante de Varsóvia. Aniquilamento de uma Nação. São Paulo: Editora Rennes Ltda., 1974. P. 51.
17. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). Op. Cit., p. 60.
18. Idem, pp. 60-3.
19. Ibidem, p. 62.

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