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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

23 de dez. de 2009

As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (V)




Desejamos
os  desejos
dos outros

 

Jacques Lacan




A Identificação Com Uma Mulher

Alice A. Kuzniar traça um paralelo entre algumas personagens femininas de Fassbinder e a atriz e cantora Zarah Leander (1). Um timbre masculino de voz, o corpo e as roupas de Leander faziam dela uma espécie de travesti. A mais famosa atriz na Alemanha durante o regime nazista, seu grande sucesso com o público homossexual seria devido a uma identificação com a tela (2). Na medida em que envelheceu, buscou sua aparência quando jovem, seu visual foi ficando parecido com o dos travestis que a imitavam nos palcos dos cabarés alemães.

Apesar de uma aparência masculina, seus papéis no cinema eram bastante femininos. Ela dizia que foi seu operador de câmera (além do diretor Detlef Sierk, posteriormente Douglas Sirk) que fizeram milagres com sua imagem. Desta forma, mesmo antes de tornar-se cantora, Leander já vivia se disfarçando desde a década de 30 do século passado (3). O visual das roupas, a voz, feições deprimidas e gestos, compensam as personagens de Leander apesar das privações de perdas. É como se Zarah Leander fosse como um ventríloquo, exteriorizando os sentimentos de seus fãs.

Onde está Zarah Leander nos filmes de Fassbinder?



Mulheres que
imitam mulh
eres:
O feminino como
construção




Kuzniar não entende porque ele apontou como preferidos apenas os filmes dirigidos por Douglas Sirk após 1945. Entretanto, Harry Baer, ator/amigo/seu biógrafo, lista A Novas Praias (Zu neuen Ufern) e La Habanera (ambos de 1937) - ambos estrelados por Leander - entre os favoritos do cineasta. Em sua peça O Lixo, a Cidade e a Morte (Der Müll, die Stadt und der Tod, 1975), Müller é um ex-nazista que se traveste de Zarah Leander – como se estivesse ainda, afirma Kuzniar, fascinado com os nazistas. Assim como O Medo Devora a Alma (Angst essen Seele auf, 1974) é uma reprodução de Tudo que o Céu Permite (All That Heaven Allows, direção Douglas Sirk, 1956 – cineasta muito admirado por Fassbinder), assim também Leander reaparece disfarçada em Num Ano de 13 Luas (In einem Jahr mit 13 Monden, 1978), Lili Marlene (Lili Marleen, 1980), O Desespero de Veronika Voss (Die Sehnsucht der Veronika Voss, 1981) e Querelle (1982). (as duas imagens acima mostram Elvira, em Num Ano com 13 Luas)

Quando os personagens ecoam Zarah Leander, ventilam uma questão em torno de sua figura: homossexualidade, imitação feminina, camp (4). Espelhando-se em Leander, revelam o quanto a identidade se constitui através da identificação com a tela. Segundo Kuzniar, Leander é a chave para afirmar como a feminilidade é disfarçada na obra de Fassbinder. Filmes como Lili Marlene e O Desespero de Veronika Voss, seguem o destino de Leander. Kuzniar sabe que os modelos aqui são duas mulheres reais: Lale Andersen e Sybille Schmitz. Entretanto, Kuzniar afirma que Leander perpassa as duas, já que é sua carreira que ajuda a criar as imagens associadas à “diva nazista” - que Fassbinder não apenas utiliza, mas desconstrói (5).

Fassbinder sabia que o III Reich tinha muito de espetáculo em sua auto-imagem, e Lili Marlene demonstrava como a mulher enquanto imagem é cooptada por esse espetáculo (imagem acima). A mulher da canção que dá nome ao filme é Willie, que é apenas a cantora da música. Assim, a identidade dela é apagada em nome de uma ilusão (Lili Marlene). A desconexão vai além, pois quem está em primeira pessoa (quem estaria cantando) é um homem, que fala de uma mulher ausente. Portanto, Willie “é” Lili, que por sua vez está ausente. Em O Desespero de Veronika Voss (na imagem abaixo, em seus últimos momentos), a protagonista, uma grande atriz durante o nazismo, e agora decadente, acredita que deve manter uma fachada elegante. Quer adequar-se às expectativas que imagina que as pessoas têm dela. Deseja ser reconhecida em função da imagem de diva das telas que teve no passado.

É curioso que o
suicídio    dela    ocorra
quando    está    longe    das
vistas, onde não há mais um
olhar   para   confirmar   sua existência    –   quando    sua
auto-imagem narcisista
perde   o   apoio


Na cena em que canta para os amigos, a imitação Veronika/Leander/Dietrich se aproxima do camp, que sempre sublinha essa pitada de diferença entre o ídolo da tela e suas imitações. Se Willie e Veronika imitam a feminilidade, o que as distingue do travesti homem-para-mulher que faz isso? (6) As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (Die bitteren Träunen der Petra Von Kant, 1972), por exemplo, poderia ser composta por homossexuais ou pelas lésbicas que lá estão.

Em Querelle (1982) (imagem ao lado), argumenta Kuzniar, é possível pensar uma reversibilidade entre o masculino e o feminino. Neste que foi o último filme de Fassbinder, Lysiane é o único personagem feminino, e pode ser enquadrada neste padrão de reversibilidade: Mario comenta sobre o sexo entre Robert e ela: “(...) quando eles fazem amor, é como dois homossexuais”. Robert e Querelle são irmãos, mais representam o maior laço homossexual do filme. Lysiane, que vai para a cama com os dois, funcionaria como a substituta da homossexualidade deles. Em outras palavras, conclui Kuzniar, por conta da proibição do incesto, é como eles transassem através da mulher (7).

Em Berlin Alexanderplatz (1980, a hipótese também poderia se aplicada a Franz Biberkopf e Reinhold – que manda todas as mulheres com quem transa para Franz. Lysiane seria mais uma manifestação de Zarah Leander. No bar de seu marido, cantando “Cada homem mata aquilo que ama”, sua voz grossa aponta direto para a mistura masculino-feminino. A feminilidade exagerada, Lysiane lembra uma drag queen – como Leander. Alem disso, nesse mundo de parceiros do mesmo sexo, o que intriga Kuzniar são as “rachaduras no espelho” que inserem discrepâncias de gênero: “da mesma forma que o espelho apresenta a imagem invertida, assim também o rosto masculino reflete seu oposto, a feminilidade” (8).

Veronika Voss “atuava” a feminilidade para confirmar sua identidade como alguém desejável. Em Querelle, contudo, a identificação com a mulher é um risco, ainda que essa situação seja rica, já que a atração está em ver a alteridade (da feminilidade) inscrita num corpo de homem. Kuzniar chama atenção para o fato de que Querelle mostra que se a feminilidade pode ser manipulada é porque ela é uma construção.

A Identidade e Seus Disfarces 
 
“O  que  é
ser   feliz?   É   claro, 
eu  não  sou  feliz.  Não
 existe algo como a felicidade. 
Nós  procuramos, o  processo
  é   o   que   é   excitante, 
não     o    resultado,
felicidade”



Num Ano de 13 Luas e O Desespero de Veronika Voss demonstram que o disfarce dos gêneros não se sustenta. Embora o segundo filme, como Lili Marlene, demonstre como a feminilidade é uma construção, não mergulha no desespero da impossibilidade de assumir uma identidade a partir do gênero, como acontece em Num Ano de 13 Luas. Aqui Fassbinder mostra como a transgressão de gêneros é condenada pela sociedade, o que levará alguns anos depois à Querelle e o interessa na afirmação de um espaço onde desejos contraditórios passam se expressar. (imagem acima, Elvira e sua filha)

Em Num Ano de 13 Luas, Elvira foi Erwin, que mudou de sexo para agradar Anton - e não por interesse próprio. Fica evidente a dependência que Erwin tem dos outros (como Veronika) – e sua perda de identidade. Antes de mudar de sexo, Erwin era casado e tinha uma filha – ele nunca se divorciou ou perdeu o contato. Quando o filme começa, já como Elvira, namora Christoph, a quem sustenta se prostituindo.

A mudança de sexo de Erwin foi uma maneira de devolver a imagem que acreditava que Anton tinha dele. Kuzniar lembra que foi Lacan quem disse que desejamos o desejo do outro (imagem ao lado, Willie dá o autógrafo como Lili Marlene). Cada tentativa de Elvira seguir códigos e normas, cumprir aquilo que acreditava se esperar dela, as tentativas de decodificar seu corpo, só o tornou mais incompreensível. Entre indivíduo e sociedade, o primeiro nunca chega a conquistar uma identidade independente. Elvira percebe isso, argumenta Kuzniar, e talvez não esteja buscando a si ou uma identidade sexual. Como afirmou Thomas Elsaesser, este é um filme sobre a dissociação do eu, a destruição da identidade. Da mesma forma, Kaja Silverman conclui:

“O filme critica nosso sistema de diferenciação sexual existente por sua inabilidade em acomodar uma figura que não pode ser assimilada nem ao masculino nem ao feminino, enquanto ao mesmo tempo maximiza a intransigência dessas categorias de tal forma a minar totalmente qualquer gesto da parte do protagonista em direção ao restabelecimento de uma identificação fálica” (9)

Silverman afirmou também que a perda anatômica de Elvira dramatiza um abandono masoquista de seu eu. Felicidade masoquista intensificada com a identificação de Elvira com o gado que morre em sua visita ao matadouro. Elvira repercute uma dor que não é mais a sua. Elvira também visita Anton após anos de separação. Ela se veste como Astrée, a personagem de Zarah Leander em La Habanera (imagem abaixo, à direita). No final deste filme, Astrée diz que não sente remorso por sua vida em Porto Rico. De acordo com Kuzniar, a recusa dela ao remorso permite compreender as últimas palavras de Elvira. Ela cita uma frase do Tasso, de Goethe: “E se, como homem, eu sou silenciado em minha agonia, dê-me um deus para falar de como eu sofro”. A necessidade de ser autêntico se mostra também numa frase escrita no apartamento do homossexual chamado Soul Frieda:



“O que eu mais temo
é se um dia eu conseguir

colocar meus sentimentos
em      palavras
,      porque
 quando  o  fizer...(10)



Com o suicídio de Elvira, ouvimos sua voz em narração. Diz que sua autenticidade e integridade não residem num gênero ou afiliação sexual, mas na articulação de um desejo sem definição: “O que é ser feliz? É claro, eu não sou feliz. Não existe tal coisa como a felicidade. Nós procuramos, o processo é o que é excitante, não o resultado, felicidade” (imagem acima, Veronika Voss em seus últmos momentos). Kuzniar sugere que, como Astrée, Elvira percebeu que não foi vítima passiva dos outros, que fez escolhas baseadas em seu desejo sexual, curiosidade e esperança: “A vida é, ou foi, algum tipo de esperança. De certo modo, isso significa conforto, ou, como disse antes, desejo, ou talvez estivesse apenas curiosa para experimentar essas coisas”. A partir daqui ela, como Astrée, afirma o passado e seus desejos: “Talvez gostasse de... Eu não sei, talvez gostasse com Anton. Ou talvez gostasse com Irene. Ou talvez...” (11)

Portanto, conclui Kuzniar, a “vida entre” identidades fixas não tortura Elvira, pois é uma exploração de diferentes e ricos canais do desejo. Ainda segundo Kuzniar, ao invés de concluir que a identidade de Elvira era negativa (não era mulher, homem, homo ou hetero) poderíamos reconhecer que ela amou Irene, Anton e Christoph como bissexual - e que sua mudança de sexo tinha relação apenas própria curiosidade. A saga de Elvira continua, de qualquer forma, ainda “algum tipo de esperança”, posto que Num Ano de 13 Luas retrate a conformidade sexual e social como prisão inescapável. Concluindo, Kuzniar considera que neste filme e em Querelle os personagens são extraordinariamente abertos em relação à própria sexualidade.


“(...) Ao indiretamente imitar Leander, vários personagens [de Fassbinder] mostram como a identificação com a tela racha a imagem, nunca a replicando de forma idêntica. Enquanto Lili Marlene e O Desespero de Veronika Voss ensaiam esta imitação em termos de feminilidade como espetáculo (e revelam sua fundação reacionária e fascista), Querelle e Num Ano de 13 Luas radicalizam essa rachadura para mostrar refletido em seguida um desejo subversivo – o desejo fundamental não apenas de ser o outro, mas de ser o outro sexo. Contudo, por breves que sejam as alusões a Leander em Querelle ou em Num Ano de 13 Luas, oferecem um ponto de entrada para desvendar uma complexa e fascinante impermanência dos gêneros” (12)

Notas:


1. KUZNIAR, Alice A. The Queer German Cinema. California: Stanford University Press, 2000.
2. Idem, p. 61.
3. Ibidem, p. 64.
4. “A essência de Camp é esse amor pelo não natural: de artifício e exagero” (Susan Sontag). “(...) A desestabilização da correspondência entre o interior e o exterior, que a burguesia policia e deseja manter, é de fato o que define camp (...)”. “(...) Camp não é apenas a imitação excessiva da feminilidade, mas a consciência dessa falha da imitação: esta diferença – a inscrição homossexual [queer] de masculinidade – é o que constitui o camp (...)”. Camp é a tendência que procura desnaturalizar a norma e contradizer o olhar. Ibidem, pp. 7, 12, 34, 74 e 187.
5. KUZNIAR, Alice A. Op. Cit., p. 70.
6. Idem, p. 73.
7. Ibidem, p .75.
8. Ibidem, p. 76.
9. Ibidem, p, 83.
10. Ibidem, p. 84.
11. Ibidem, p. 85.
12. Ibidem, p. 87. 


13 de dez. de 2009

Fassbinder: Anti-Semita ou Ingênuo?


“O drama
de um homem
é esquecer até seus
sonhos   de   infância.
O drama de um cineasta
é crescer num país sem
sonhos,
   portanto,
sem cinema”

Serge Daney

 


Nada Como Contextualizar

Em 1974 Rainer Werner Fassbinder aceitou exercer por três anos o cargo de diretor do centro de artes de espetáculo da cidade de Frankfurt (Theater am Turm – TAT), na então Alemanha Ocidental. Já no ano seguinte, entretanto, ele rompe o contrato por conta de conflitos que o opunham tanto ao pessoal do teatro quanto às tutelas administrativas municipais. Peter Berling diria que a causa não foi outra senão o temperamento dominador de Fassbinder. (imagem acima, cena de A Sombra dos Anjos, com o próprio Fassbinder atuando - ele é o morto; abaxo, Fassbinder como ele mesmo, durante as filmagens de O Medo Devora a Alma, Ansgt essen Seele auf, 1973)

Em 1975 Fassbinder escreve uma peça de teatro que será capaz de causar um tumulto sem precedentes no espaço público da República Federal da Alemanha. Chamada O Lixo, A Cidade e a Morte (Der Müll, Die Stadt und der Tod), era baseada no romance de Gerhard Zwerenz, A Terra é Tão Inabitável Quanto a Lua (Die Erde ist unbewohnbar wie der Mond, 1973). De acordo com Thomas Elsaesser, Fassbinder escreve esta peça como um sinal de adeus à burocracia cultural de Frankfurt (1). Em função desta peça, ele verá sua carreira no teatro decair e por longo tempo terá de suportar a acusação de anti-semita.

O texto trata basicamente de uma relação promíscua entre especulação imobiliária, corrupção de autoridades municipais e prostituição. Como bem lembrou Elsaesser, reencontraremos a mesma constelação de fatores noutro filme de Fassbinder, Lola (1981). O Lixo, A Cidade e a Morte acontece no Westend de Frankfurt, um antigo bairro chique que se degradou, girando em torno do personagem de um incorporador imobiliário judeu. Curiosamente, apesar do tema explosivo em qualquer parte do mundo, não foi isso que fez dessa peça praticamente um divisor de águas na carreira de Fassbinder.

A peça, afirmam Robert Katz e Berling, é arquetipicamente fassbinderiana. O especulador judeu se especializou em arrasar bairros arruinados, pondo os pobres na rua, a fim de abrir espaço para a construção de prédios de escritórios. O judeu se apaixona por uma prostituta, filha de um artista travesti nazista. Ela quer morrer e o judeu satisfaz seu desejo. Ele estrangula a mulher e o sistema social corrupto trata de deixá-lo impune. Fassbinder só cometeu um erro, lembra Berling. Ele deu ao especulador o mesmo apelido que tinha no romance de Zwerenz: o vilão era chamado de “judeu rico” (2).

O pomo da discórdia, já que especulação imobiliária e corrupção nas prefeituras parecem não incomodar, foi uma fala insultuosa dirigida aos judeus: “O Judeu tem a culpa de tudo porque pôs a culpa em nós. Se houvesse permanecido lá de onde veio ou se o tivessem metido numa câmara de gás, hoje eu poderia dormir melhor”. Isso sempre é citado como prova do anti-semitismo de Fassbinder. Entretanto, de acordo com Berling e Katz, nenhum dos grupos de judeus que sempre ataca a peça quando alguém tenta montá-la lembra de dizer que esta fala sai da boca de um personagem nazista irrecuperável.

Fassbinder se defendeu dizendo que sua intenção era exatamente oposta e que a peça tinha como objetivo denunciar o anti-semitismo ainda reinante na Alemanha Ocidental. Ele dizia que os mesmos alemães que posavam como amigos dos judeus eram os anti-semitas de ontem. Dizia também que não se pode reconstruir a identidade alemã se não se encarar o Holocausto de frente, ao invés de varrê-lo para debaixo do tapete. Katz e Berling concluem dizendo que “ninguém ficou mais surpreso do que Rainer, tão longe de ser um anti-semita quanto de entrar para a Igreja”.

A Sombra do Anjo Ingênuo

“Ninguém ficou mais surpreso que Rainer,
tão     longe     de    ser      um      anti-semita
quanto     de     entrar    para     a      Igreja”

Robert Katz e Peter Berling

Na opinião de Berling e Katz, Fassbinder foi de uma ingenuidade a toda prova em relação às sensibilidades dos judeus e da Alemanha Ocidental. Como se não fosse suficiente ter suspendido a peça e proibido sua apresentação enquanto ele estivesse vivo, Fassbinder cometeria um erro ainda maior. Ele já havia planejado tirar um filme da peça, mas toda essa polêmica afastou os financiadores – que se baseavam numa lei que proibia o custeio de obras racistas e anti-semitas. Fassbinder resolve produzir o filme por sua própria conta, escrevendo o roteiro, atuando e entregando a direção a Daniel Schmid.

Fassbinder acreditava que o fato de Schmid ser descendente de rica família de hoteleiros judeus da Suíça o deixaria a salvo de ataques. Curiosamente, Schmid não foi atacado, mas Fassbinder recebeu novamente todo o impacto do escândalo por ocasião do lançamento do tal filme, rebatizado de A Sombra dos Anjos (Schatten der Engel, 1976). Em 1983, quando o filme foi exibido pela primeira vez em nova York, um jornal judeu faz um ataque virulento e parcial. Fassbinder, que já havia morrido a mais de um ano, era acusado de copiar as páginas de Minha Luta (Mein Kampf), famosa autobiografia de Hitler.

Em inúmeras entrevistas, Fassbinder esclarecia que sua intenção era denunciar justamente as pessoas que usavam e exploravam a figura do “judeu rico” para seus próprios interesses. Como lembrou Anton Kaes (3), falharam todas as tentativas de Fassbinder em mostrar a memória alemã no que ela tinha de mais problemático: o anti-semitismo e o genocídio. De uma forma ou de outra, O Lixo, A Cidade e a Morte será retomada em outro filme, Num Ano Com 13 Luas (In einem Jahr mit 13 Monden, 1978).

Notas:

Leia também:

Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)

1. ELSAESSER, Thomas. R.W. Fassbinder. Un Cinéaste D’allemagne. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2005. P. 295.
2. KATZ, Robert; BERLING, Peter. O Amor é Mais Frio do que a Morte. A Vida e o Tempo de Rainer Werner Fassbinder. Tradução Carlos Sussekind. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. P. 113.
3. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge Univ. Press, 1989. P. 90. 


12 de dez. de 2009

Fassbinder e Hollywood





“Não faço filmes de gângsteres
, mas filmes sobre pessoas que os assistiram muito”

Fassbinder (1)




A Reflexão Sobre os Sentimentos

Rainer Werner Fassbinder realizou uma trilogia de filmes de gângster: O Amor é Mais Frio que a Morte (Liebe ist Kälter als der Tod, 1969), Os Deuses da Peste (Götter der Pest, 1969) e O Soldado Americano (Der Amerikanischer Soldat, 1970). Ao contrário de muitos filmes de “homens durões”, aqui encontramos o tema da vulnerabilidade masculina que se dissimula atrás de uma aparência de machão. Vulnerabilidade que procura esconder medos, especialmente em matéria de identidade sexual. Os filmes de gângster de Fassbinder não se limitavam a reproduzir clichês da cultura norte-americana.

A relação do cineasta com o cinema de Hollywood consistia em montar seus filmes em torno de um caos de sentimentos e de emoções que gerava identificação. Ou melhor, filmes onde os protagonistas provinham de uma cultura (a norte-americana) conhecida até então pelos alemães apenas através de imagens, gerava uma corrente que apoiava o investimento emocional do espectador na empatia pelos personagens. Isso tornava os primeiros filmes de Fassbinder incrivelmente “autênticos” (2). A autenticidade em função da identificação com os sentimentos do espectador.

Em sua juventude, Fassbinder assistia versões alemãs de filmes norte-americanos, mas também pornôs de fabricação local. A estética de seus primeiros filmes deve mais a estes do que às reflexões de Brecht. Fassbinder queria fazer filmes como Hollywood, mas não apenas filmes que confirmassem Hollywood (3). Além disso, sua produção abrangia obras para televisão também, o que aumentava não apenas seu público, mas o tipo de público para quem ele podia falar. Entretanto, pelo menos no começo de sua carreira, ele utilizou apenas os filmes de gangster para alcançar os dois públicos. (imagem acima, e ao final do artigo, O Amor é Mais Frio que a Morte, primeiro longa-metragem de Fassbinder; ao lado, Effi Briest; abaixo, à esquerda, Os Deuses da Peste; em seguida, à direita, Medo do Medo)

Estes dois grupos distintos de espectadores não tinham imagens parecidas com eles mesmos ou seus interesses nas telas. Em 1977, Fassbinder afirmou que “a maneira [norte-]americana de fazer cinema abandona o público a suas emoções e a nada mais. Eu queria dar ao espectador os sentimentos e também a possibilidade dele refletir sobre eles e analisá-los” (4). Nos primeiros filmes de Fassbinder, comenta Thomas Elsaesser, esta reflexão sobre os sentimentos dos personagens fazia com que elas não fossem mais do que a suspeita de uma emoção.

Em O Amor é Mais Frio que a Morte, seu primeiro longa-metragem, tudo é indiferença. Tanto que muitos críticos da época chamaram atenção para a inexistência de sentimentos nos personagens, evitando qualquer traço de sentimento, provocando o pensamento do espectador através de uma espécie de anti-realismo estilizado. Em filmes posteriores, especialmente a partir de O Mercador das Quatro Estações (Händler der vier Jahreszeiten, 1971) a “reflexão sobre os sentimentos” torna-se um elemento chave, permitindo a Fassbinder combinar diferentes temas.

Seus filmes mostram retratos plenos de simpatia por personagens que em outro tipo de filme teriam sido tratados como simples casos sociais. A reflexão sobre os sentimentos foi combinada com temas como a homossexualidade em O Direito do Mais Forte (Faustrecht der Freiheit, 1974), o radicalismo de esquerda e a mídia burguesa em Mamãe Küster Vai ao Céu (Mutter Küsters Fahrt zum Himmel, 1975), a criminalidade entre os jovens em Eu Quero Apenas que Vocês me Amem (Ich Will doch nur, dass mich liebt, 1975), o desabamento psíquico em Medo do Medo (Angst Von der Angst, 1975).

Santa Ingenuidade

De acordo
com Fassbinder
,
Douglas Sirk tinha
uma abordagem crítica
em relação à cultura
dos Estados Unidos
que era incomum
em Hollywood
(5)



Embora Fassbinder insistisse em tomar Hollywood como modelo, admitiu ser incapaz de constituir e manipular a ingenuidade do público como eles faziam. Para conseguir a cumplicidade do espectador, Fassbinder recorria um gênero particular de ironia. Em Os Deuses da Peste e Recrutas em Ingolstad (Pioniere in Ingolstad, 1971), por exemplo, o espectador é induzido a se identificar com os personagens, mas também de rir a suas custas, de abordar seus sentimentos e seus conflitos “a partir do interior”, para melhor retornar à confusão gerada pela ingenuidade.

O cineasta alemão capturou a tradição hollywoodiana através da obra de Douglas Sirk – Detlef Sierk, ele próprio um alemão emigrando para os Estados Unidos em 1938. Especialmente os “filmes de mulheres” e os melodramas familiares que Sirk dirigiu nos anos 40 e 50 do século passado. Sirk se especializou em experiências emocionais negativas: amor de mão única, esperanças perdidas, espera atormentada, embaraço doloroso, mal-entendidos trágicos, confiança traída – tudo isso fervilhando na classe média e na burguesia.

Tais ocasiões de engano e traição, manipulação, crueldade, esse borbulhar de emoções, de amores absolutos, sacrifício de si e de dedicação, Fassbinder queria preservar no melodrama. Sua intenção era permitir que o espectador pudesse se apoiar em posições familiares para melhor apreciar uma “nova ingenuidade”, de uma “inautenticidade autêntica” (6). Trabalhando com a cultura popular, Fassbinder procurava induzir o espectador a se mover entre a “vida real” e as coisas que lhe vieram de outros filmes. Elsaesser ressalta que, esta “nova ingenuidade” foi tudo, menos ingênua.



Fazer um filme que
seja ao mesmo tempo
entretenimento e diga
algo sobre a realidade





Todo esse procedimento em relação em relação aos sentimentos, utilizando estereótipos para captar uma verdade, também autoriza interpretações políticas. O Mercador das Quatro Estações, Elsaesser sugere, é o exemplo de um cinema político que conseguiu tocar o grande público. Sua complexidade formal não impediu, e até garantiu, a acessibilidade do filme. Elsaesser esclarece ainda que núcleo da “nova ingenuidade” de Fassbinder estava no colocar em questão “velhas” ingenuidades, como o dogma da “autenticidade” – ao qual muito no Novo cinema Alemão se mantinham atrelados.

A colisão entre pontos de vista inconciliáveis fez da consciência por assim dizer “errônea” de Hans Epp um método para denunciar um mundo insincero e de falsos valores. A “nova ingenuidade” exaltada pelo cineasta se manifesta na escolha deliberada de um ponto de vista que não impede o espectador de se desestabilizar quando a credulidade ou imbecilidade do personagem principal se apresenta como um entrave à compaixão ou não permite segui-lo – como quando Hans Epp em O Mercador das Quatro Estações, ou Fox, em O Direito do Mais Forte, escolhem a via do suicídio.

“Fassbinder mergulha seus personagens em círculos viciosos, onde eles percebem que a felicidade que almejam sempre lhes escapa, porque é justamente a maneira de persegui-la que os faz cair na armadilha, ou os transforma em vítimas consentidas. O público é deixado livre para se ‘distanciar’, para elaborar um ‘saber superior’ ou descobrir uma ‘nova humildade’, apreciando por um novo olhar a humildade fundamental dos personagens” (7)

Honestidade Emocional e Finais Infelizes

Fassbinder
questionava o
lado da narrativa
melodramática que
reforça o machismo
e os pressupostos
de hegemonia
da burg
uesia

Jane Shattuc (8)



Hans Epp e Fox fazem parte de um seleto grupo de “pessoas”, os personagens dos filmes de Fassbinder. Ao invés de personagens “mais representativos”, o cineasta prefere os pequenos criminosos, os perdedores natos e aqueles que vivem as margens da sociedade. Mas seu objetivo não é de ordem ideológica e nem mesmo visa uma evolução moral. O outsider (uma figura marginal em relação aos valores da sociedade em que vive), na obra de Fassbinder, personifica uma deficiência do saber entre os personagens e os espectadores. Uma repartição desigual do saber em relação à ação.

De acordo com Elsaesser, exemplos de “filmes hollywoodianos” bem sucedidos, como O Mercador das Quatro Estações, Effi Briest (Fontane Effi Briest, 191973) e O Medo Devora a Alma (Angst essen Seele auf, 1974), mostram que Fassbinder aprendeu as lições de Sirk. É freqüente que saibamos as verdades antes dos personagens, mas Fassbinder não trabalha para se adequar, seja ao final feliz sirkiano ou ao cinema clássico hollywoodiano. Neste, a compreensão do personagem acaba por coincidir com a nossa, em Fassbinder o espectador sabe sempre um pouco mais – como, por exemplo, em Martha (1973), Medo do Medo e O Direito do Mais Forte; que ele considera tão universais quanto os filmes de Hollywood, apenas menos hipócritas. Talvez a insistência de Fassbinder em finais infelizes tenha ligação com sua intenção de ao mesmo tempo utilizar as regras de Hollywood e ultrapassá-las, ao agregar uma “honestidade emocional” a suas intenções em relação ao público.

1. ELSAESSER, Thomas. R.W. Fassbinder. Un Cinéaste D’allemagne. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2005. P. 113n22.
2. Idem, p. 73.
3. Ibidem, pp. 112n1 e 113n14.
4. Ibidem, p. 74.
5. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. P. 109n22.
6. ELSAESSER, Thomas. Op. Cit., ibidem.
7. Idem, p. 75.
8. WATSON, Wallace Steadman. Op. Cit., p. 106.

20 de nov. de 2009

O Desespero de Fassbinder

(...)  Sobre   por   que
viver e trabalhar juntos 
como    um    grupo    não  
dá   certo,    mesmo   com
pessoas que desejariam
que  desse certo e para
quem   o   grupo  é a
 própria  vida”  (1)



Cuidado com a Puta Sagrada (Warnung vor einer heilingen Nutte, 1970) dramatiza os bastidores das filmagens de Whity, realizado quatro meses antes – filme pouco visto e pouco comentado do cineasta alemão, uma espécie de faroeste com toques surrealistas e muito sadomasoquismo explícito. Não fica pedra sobre pedra, em mais um filme onde o comprometimento autobiográfico de Rainer Werner Fassbinder é total. Foi também o último filme realizado em torno do Antiteatro e de “seu” grupo de atores – Eddie Constantine, ator norte-americano que contracena com Hanna Schygulla, não faz parte do Antiteatro.

Na Espanha, uma equipe aguarda seu diretor para iniciarem as filmagens de uma estória chamada Patria o Muerte, sobre a violência permitida por um governo. O título deste filme é uma referência ao slogan dos fascistas espanhóis (2). É sutil a articulação que Fassbinder traça entre a violência de um Estado e a violência nas relações interpessoais. Em Cuidado com a Puta Sagrada, o sonho coletivo do Antiteatro é finalmente enterrado. O pano de fundo da incapacidade de uma vida em comum perpassa essa questão da violência, e Fassbinder não hesitou em se deixar representar tirânico, maltratado, amante frustrado.

A Narrativa

Depois de do monólogo de Werner Schroeter (cineasta alemão que Fassbinder admirava) no prólogo, passamos ao saguão de um hotel. Todos fofocam e discutem enquanto esperam pela presença do diretor, da estrela, da película e do segundo pagamento da verba que o governo alemão lhes havia concedido para realizar aquele trabalho. É o próprio Fassbinder que está no papel de Sacha, o gerente de produção do projeto, que grita com todo mundo (ao lado). Quando Jeff, o diretor, chega, já esculhamba Sacha por ter escolhido aquele local. Em seguida, Jeff se vê com problema em seu caso com um dos atores. Eddie Constantine e Hanna (Schygulla), os dois protagonistas da produção, tornam-se amantes e se isolam daquele grupo problemático.


Jeff confronta sua antiga amante, Irm, ao mesmo tempo em que alterna momentos de afeto e ciúme em relação a Rick, seu atual amante. Rick, por sua vez, está com dúvidas em relação a sua capacidade de atuar e tem saudades da vida com sua esposa. Jeff se torna tirânico, perturbado, deprimido. Faz declarações mentirosas de casamento a duas mulheres do grupo. No limite, ele esbofeteia uma mulher da equipe, em seguida sendo agredido por um dos homens, enquanto o resto olha indiferente. Finalmente, neste clima, e depois de toda essa violência, começa a filmagem sobre um Estado que aplica violência em Patria o Muerte!

Verdades e Mentiras


“Nos    muitos    pa
péis    que
desempenhamos para [Fassbinder],
era  sempre   possível   identificar  uma
parte  da  personalidade  da  gente, mas, 

em  geral,   uma   parte  isolada,  um
ângulo isolado – o que tivéssemos
de  mais  feio,  é  claro”  (3)

Peter Berling


Apesar de o filme girar em torno de um artista frustrado e sensível e da dramatização das complexas relações entre as pessoas de um grupo, Harry Baer enfatizou que não se podem esquecer os elementos humorísticos de Cuidado Com a Puta Sagrada. Ele lembra que Fassbinder chegou a dizer que teve bons tempos durante as filmagens. Mas o filme não é uma simples comédia, pois constitui uma problematização da questão da liderança no interior de um coletivo artístico. Impressiona o conhecedor da biografia do cineasta a relação entre os personagens e seus correspondentes na vida de Fassbinder. A dramatização pública de sua vida afetiva privada chega a impressionar.

Como por exemplo, a referência a seu primeiro longa-metragem, O Amor é Mais Frio que a Morte (Liebe ist kälter als der Tod, 1969). Jeff consola Rick, afirmando que ele é um bom ator. Rick, por sua vez, afirma para Jeff que tem saudades de seu antigo trabalho e sua esposa. Chega aos ouvidos de Jeff que Rick teria dito que só transou com ele pelo dinheiro. Numa conversa com o diretor de arte de Patria o Muerte, na frente de Rick, Jeff diz (em francês para Rick perceber) que “sem dinheiro ele voltará (...). O amor é mais frio que a morte”. “Não mais frio, mais simples”, o diretor de arte retruca. Jeff insiste, “não! Muito, muito mais frio” (4). (imagem abaixo, à direita, Jeff)

Jeff é o próprio Fassbinder, que até veste o conhecido casaco de couro dele. Jeff é um profissional competente, mas sua vida afetiva é caótica. Jeff passa com um problema com seu amante. Fassbinder, também homossexual, durante as filmagens de Whity, passou por problemas com seu amante, Günther Kaufmann – que também tinha expressado desejo de voltar para a esposa, assim como Ricky (que representa Kaufmann), o amante de Jeff. Kurt Raab, membro do Antiteatro, aparece em Cuidado Com a Puta Sagrada como Fred, o diretor de arte bêbado. Irm, mulher de Jeff, representa Irm Hermann – que dubla a voz da atriz que faz o papel dela. Peter Berling, o produtor de Whity, se indignou com Sacha, papel em que atuou o próprio Fassbinder.

Ulli Lommel, representado pela figura de Korbinian, bebe todo o tempo e fala sobre seu desejo de fazer um filme, mas desculpa a si mesmo por não fazer porque sua esposa o oprime. Seus esforços para agradar Jeff são infrutíferos. Em tempo, Lommel foi o co-produtor financeiro da produção de Whity – mas seu cartão de crédito não tinha dinheiro (5). O papel de produtor financeiro coube a Manfred. Irm, Ulli Lommel e sua esposa (na vida real) Katrin, haviam caído no conceito de Fassbinder, o que explicaria seus papéis desprezíveis. Lommel ficou reduzido a um papel de office-boy, e Katrin, descendente de uma família da alta burguesia de Hamburgo, apenas uma ajudante, sempre com vestidos curtos e calada. Harry Baer é o doce marido de uma extra (6). Mas Harry riu dessas supostas correspondências:

“Rainer sempre se divertiu dando dicas para os críticos sobre supostos significados de seus filmes. Que esses críticos – ó Deus, tão sutis, tão argutos! – depois de verem o filme tenham-se curvado à interpretação subseqüente que dele ofereceu Rainer é algo que não os recomenda para o exercício da profissão. ‘Um de seus filmes mais desesperados...’ ‘Cara a cara, sem misericórdia, com sua persona...’ É para rir! Muitas toneladas de cores tiveram que ser jogadas em cima da gente para transformar em aves do paraíso com um toque de loucura à Fellini a cambada de relaxados, grosseirões e mal-educados que éramos. E a sugestão de que o filme dentro do filme deveria ser contra a violência do governo era mais outra maliciosa esperteza com o objetivo de fornecer um significado maior àquilo que, na intenção de Rainer, era apenas a fabricação de mitos em cima de nosso banal cotidiano de atores e a coroação de nosso senhor Fassbinder com uma auréola em torno da cabeça” (7)

(...) O sentimento 
era recíproco [...]. Eles
diziam que eu os explorava, 
e eu dizia que eles me
exploravam (...)

Comentário de Fassbinder
sobre a convivência durante
as filmagens de Whity (8)



“Saiba que 
muitas vezes senti-me
 mortalmente cansado de   
estar     sempre    retratando
a    humanidade       sem
participar   do   que
é humano”

Trecho de Tonio Kröger, Thomas Mann


A Puta Sagrada e as Utopias de 68

Apesar de enfatizar a tirania de um diretor, Cuidado Com a Puta Sagrada não é só isso, também o mostrará sendo vampirizado por seus (supostos) colaboradores. Fassbinder chega a dizer isso, pela boca de Jeff: Todos vocês podem desaparecer! São todos uns porcos, porcos exploradores!... Eu odeio vocês!”. Enquanto o diretor grita dizendo que aquele pessoal está sugando seu sangue, o filme mostra um Jeff profissionalmente centrado quando o assunto é seu trabalho. O caos de sua vida pessoal e as freqüentes explosões contra os atores e a equipe também eram um traço de Fassbinder. Somente em 1977, Fassbinder admitiu ter aprendido a impor autoridade sem amedrontar.

Num certo ponto, Jeff explica ao câmera como ele deverá filmar a cena. No dia seguinte, o cameraman diz não estar muito certo das instruções do diretor. Jeff explode novamente: “Eu tenho que fazer tudo sozinho? Se você não decide nada, nunca lhe agradará seu trabalho!” Um episódio no filme mostra aquilo que para muitos era o mais elogiável em Fassbinder. O cineasta esperava por um trabalho colaborativo por parte da equipe, não apenas um bando de pessoas que meramente seguiam as ordens. (acima, à direita, é a vez de Ulli Lommel, ou Korbinian, ouvir mais algum esculacho de Sacha, ou Fassbinder; acima, Jeff, alter-ego de Fassbinder, e Eddie Constantine e Hanna Schygulla; ao lado, Sacha e Katrin, ou a esposa de Lommel na vida real)


Por outro lado, afirma Yann Lardeau, os laços que Jeff estabelece com o grupo dependem de que destrua, seja as pessoas propriamente ou os laços que existem entre elas. Jeff se mete entre todos de forma a se tornar essencial, indispensável, sentindo a necessidade de destruir tudo que as pessoas tinham antes dele. Simultaneamente, uma vez que alguma coisa não vá bem, Jeff será o foco de todo o ódio, hostilidade e rancores das mesmas pessoas que ele carrega nas costas, por motivos sexuais ou financeiros (9).

Cuidado Com a Puta Sagrada, um filme sobre fazer filmes, mas também sobre a impossibilidade do trabalho coletivo. Além disso, um filme sobre um criador de realidades artificiais (um cineasta) que ao mesmo tempo não consegue lidar com a própria realidade pessoal. E, ainda por cima, tem que desempenhar o papel de figura paterna para todas aquelas pessoas da equipe que dependem dele. Esta era também uma referencia direta ao fim da experiência do Antiteatro. Justamente por serem muito dependentes dele, Fassbinder disse em 1973 que nunca chegaram a ser “um grupo” – o que ficava claro quando depois do fim os antigos membros eram capazes de questionar as decisões de Fassbinder na época, mas não as suas próprias (10).


“Esse é também um filme sobre filmagem em geral, uma meditação sutil sobre o cinema, na tradição de 8 ½ [Fellini Otto e Mezzo, 1963], de Federico Fellini, que Fassbinder estudou alguns anos antes, e O Desprezo [Le Mépris, 1963], de Jean-Luc Godard, no qual o diretor da Nouvelle Vague francesa, que Fassbinder admira, atua como diretor assistente num filme dentro do filme. Como todos esses filmes reflexivos, Cuidado Com a Puta Sagrada, de Fassbinder, desafia as hipóteses ingênuas do espectador a respeito de contar estórias na tela e se engaja no processo de ‘desconstruir a narrativa’, produzindo nas palavras de Robert Stam, ‘um duplo movimento de fabulação festiva e crítica desmistificadora’”(11)

A citação de um trecho de Tonio Kröger no final do filme (“Saiba que muitas vezes senti-me mortalmente cansado de estar sempre retratando a humanidade sem participar do que é humano”) traça um paralelo entre o personagem de Thomas Mann e... Fassbinder? Ou... os atores do grupo Antiteatro como um todo? Tonio tem a convicção de que os artistas não podem ser criaturas humanas razoáveis. Berling e Katz consideraram essa citação um exemplo de extrema auto-piedade, preferindo a fala de Jeff, que murmurou para si mesmo, dizendo que o filme (dentro do filme) resultou numa obra extremamente bela. (acima e ao lado, Sacha e Jeff, alter-ego de Fassbinder. Também vemos uma conversa entre Rainer e Peter Berling nas filmagens de Whity)

Na opinião de Watson Steadman, a puta sagrada é o cinema, essa que degrada e devora seus devotos, também afirma que Fassbinder possuía uma personalidade bipolar (12). “A única expressão sentimental que eu respeito”, dirá Sacha/Fassbinder, “é o desespero” (13). Cuidado com a Puta Sagrada, não se pode esquecer, é de 1970. “Aquele estranho período pós-revolucionário”, como Fassbinder chamou, reavaliava as conquistas e derrotas da “revolução” de 68.

“Não é por coincidência que esse filme, como os outros da série de 1970, trata do desmoronamento de tentativas radicais de viver em liberdade (...). A ‘revolução’ de 1968 já a essa altura estava sendo encarada como um fracasso. Começara a destruir as próprias forças, voltando a sua agressividade para dentro, devorando o próprio coração, por assim dizer; não tardaria a ressurgir como um desapiedado movimento terrorista [na Alemanha]. Fassbinder não era o único, portanto, a ter chegado a um beco sem saída; e não se afastaria nunca da violência, identificando-se, por exemplo, com o grupo Baader-Meinhof. ‘São pessoas muito inteligentes’, diria mais tarde. ‘Tem grande potencial intelectual, mas também uma hipersensibilidade para o desespero que não sei como poderia usar de modo construtivo. Como eles tampouco sabem, perderam a cabeça’. Fassbinder declarou-se interessadíssimo em descobrir ‘como usar a grande força que tem essas pessoas’. A feitura de Puta Sagrada foi um momento decisivo nessa busca” (14)

Notas:

Leia também:

Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)

1. KATZ, Robert; BERLING, Peter. O Amor é Mais Frio do que a Morte. A vida e o Tempo de Rainer Werner Fassbinder. Tradução Carlos Sussekind. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. P. 75. Berling e Katz utilizam as próprias palavras de Fassbinder.
2. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. P. 108n10.
3. Comentário de Peter Berling In KATZ, Robert; BERLING, Peter. Op. Cit., p. 77.
4. WATSON, Wallace Steadman. Op. Cit., p. 99.
5. Ibidem, p. 98. Para as referências a Ulli Lommel e Peter Berling, KATZ, Robert; BERLING, Peter. Op. Cit., pp. 221-230.
6. KATZ, Robert; BERLING, Peter. Op. Cit., p. 78.
7. Idem, pp. 76-7.
8. Ibidem, p. 68.
9. LARDEAU, Yann. Rainer Werner Fassbinder. Paris: Éditions de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1990. P. 113.
10. WATSON, Wallace Steadman. Op. Cit., pp. 101 e 108n16.
11. Idem, p, 102.
12. Ibidem, p. 164.
13. ELSAESSER, Thomas. R.W. Fassbinder. Un Cinéaste D’allemagne. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2005. P. 118 e 154n1. Em outro ponto de seu livro (p. 461), Elsaesser dá uma versão ligeiramente diversa desta: “o único sentimento que eu posso tolerar é o desespero”.
14. KATZ, Robert; BERLING, Peter. Op. Cit., pp. 77-8. 


5 de nov. de 2009

Fassbinder: Um Cineasta e Seu País


A questão era
evidenciar a raiz
anti-semita sobre
a qual a Alemanha

moderna fora
construída


Yann Lardeau resumindo
a intenção de Fassbinder
(1)



Esquecer e Reprimir (o Novo Pecado Original)

Durante muito tempo Rainer Werner Fassbinder procurou formas de mostrar a memória alemã no que ela guardava de mais sensível e problemático: o anti-semitismo e o genocídio. Na opinião de Anton Kaes, suas tentativas falharam (2). Fassbinder chegou a ser chamado de anti-semita, quando na verdade procurava apenas mostrar que a tendência anti-semita ainda era uma questão problemática na República Federal da Alemanha da década de 70 do século 20. Não é para menos, o povo alemão estava empenhado na tarefa de reprimir e esquecer os horrores nazistas. Por outro lado, muitos ex-nazistas estavam livres e ocupando postos chave da economia alemã – fato que inclusive está na gênese do grupo terrorista Baader Meinhof, cuja palavra de ordem foi exatamente não agir como seus pais, que viram Hitler subir ao poder e nada fizeram para impedir; por trás de tudo isso, afirmavam, estava o imperialismo norte-americano.

Fassbinder teve proibida a peça O Lixo, a Cidade e a Morte (Der Müll, die Stad und der Tod, escrita em 1975-6). O cineasta se baseou no livro de Gehard Zwerenz, A Terra é Tão Inabitável Quanto a Lua (Die Erde ist unbewohnbar wie der Mond, 1973), onde um judeu agia como especulador. Fassbinder, na peça, referia-se a ele utilizando o estereótipo anti-semita “judeu rico”, levantando suspeitas e debates em torno da real posição de Fassbinder a respeito do assunto. De acordo com Kaes e com inúmeras entrevistas de Fassbinder, sua intenção era denunciar justamente as pessoas que usavam e exploravam a figura do “judeu rico” para seus próprios interesses. (ao lado, o busto de Hitler. Todas as imagens deste artigo pertencem a Lili Marlene)

Em 1977, outro projeto, baseado no romance Débito e Crédito (Soll und Haben), de Gustav Freytag, foi rejeitado em função da suspeita de que Fassbinder estivesse usando, como na peça, figuras e motivos que poderiam ser interpretados como anti-semitas. Desta vez, Fassbinder planejou uma série de televisão em 10 episódios que seria uma história crítica da burguesia alemã do século XIX. Kaes se pergunta como se explica essa “obsessão cruel” de Fassbinder com relação a esse tópico (3).

A resposta é que no infame romance anti-semita Débito e Crédito Fassbinder imaginou haver encontrado as raízes não apenas da ideologia Nacional Socialista, mas também da ordem social da República Federal da Alemanha (a Alemanha do pós-guerra, até 1989). Fassbinder chegou a afirmar que este projeto era seu ajuste de contas com a pré-história do período Nazista, e que seria justamente através do anti-semitismo do texto de Freytag que os alemães poderiam chegar a um acordo com a história do país e com eles mesmos. O filme, “com a ajuda da televisão”, diria Fassbinder, seria capaz de conseguir isso. (ao lado, numa conversa, no momento que se pronuncia a palavra "mulheres", percebemos na parede a imagem do mulherengo Goebbels)

Fabrique Seu Próprio Bode Expiatório Para Oprimir!

Em sua opinião, foi a ideologia da burguesia alemã que produziu tanto o anti-semitismo quanto o Terceiro Reich - Hitler não foi um acaso. Entretanto, e este é o ponto chave, os valores atribuídos pela burguesia alemã a um “caráter germânico”, teriam sobrevivido na sociedade alemã – pelos menos, sejamos otimistas, até 1977, quando Fassbinder disse isso. Portanto, seu objetivo com esta série de televisão era empreender uma arqueologia da burguesia alemã. Fassbinder ficou bastante contrariado quando este projeto também foi rejeitado. Ele seria o ponto de partida para uma história da burguesia alemã, de meados do século XIX até a eclosão do Nacional Socialismo.

O livro de Freytag está cheio de estereótipos anti-semitas herança de séculos, até se tornarem parte da tradição literária. No filme, Fassbinder pretendia mostrar que aos judeus não foi dada outra opção senão agir como foi permitido. Eles tinham direito de ser agiotas - ocupação que vai contra o código de honra burguês. Por essa razão, segundo Fassbinder, eles eram odiados - alguém te força a agir de uma forma que ele não aprova e, quando você age, essa pessoa justifica a violência contra você. A razão para se basear no livro de Freytag foi evidenciar que para melhor descrever a opressão a uma minoria deve-se mostrar a que tipo de erros ela é forçada em função dessa opressão. Erros dos quais ela não pode ser acusada. Fassbinder explica:

“A burguesia precisava dos judeus de forma a parar de desprezar suas próprias atitudes, para conseguir sentir-se orgulhosa, importante e forte. O resultado final desse auto-ódio subconsciente foi a aniquilação em massa de judeus no Terceiro Reich. Foi realmente uma tentativa de arrancar o que as pessoas não queriam reconhecer em si mesmas. Esse relacionamento significa que de alguma forma a história dos alemães e dos judeus está ligada para sempre, não apenas durante o período de 1933 a 1945. Algo como um novo pecado original será passado para as pessoas que nascem e vivem na Alemanha, um pecado que não é mais leve porque os filhos dos assassinos agora lavam as mãos em inocência”(4)

Nos termos de Fassbinder, o solo que nutriu o anti-semitismo ainda estava fértil na Alemanha em que vivia. Essa “culpa que continua no subconsciente”, e o “perigo de uma perversão renovada da ideologia burguesa” são as pedras de toque de seu trabalho (5). Enfim, o que Fassbinder fez não foi anti-semitismo, apenas teria utilizado os padrões da narrativa anti-semita para empreender uma crítica radical do anti-semitismo. Em filmes como Num Ano com 13 Luas (In einem Jahr mit 13 Monden, 1978), Lili Marlene (Lili Marleen, 1980) e O Desespero de Veronika Voss (Die Sehnsucht der Veronika Voss, 1981), afirma Kaes, pode-se ver isso claramente – não apenas nos padrões narrativos, mas também nos motivos visuais.

Nestes filmes, os personagens judeus não aparecem nem como oprimidos e muito menos como caricaturas de seres imorais. Eles são mostrados como intelectuais privilegiados ou homens de negócio influentes que se sentem superiores aos alemães. Fassbinder não pretendeu cair também na armadilha de falar em “nobres vítimas”, o que seria o anti-semitismo invertido – algo como amigos incondicionais dos judeus. Lá pelas tantas, Fassbinder percebeu que corria o risco de ser mal compreendido, tanto como alguém que sem saber repete estereótipos anti-semitas quanto como alguém que conscientemente repete estereótipos anti-semitas - ainda que com o objetivo de desconstruí-los. Não se pode esquecer afinal de contas que, quando Fassbinder se refere “aos alemães”, também está falando sobre ele mesmo.

Notas:


1. LARDEAU, Yann. Fassbinder. Paris: Éditions de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1990. P. 207.
2. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge Univ. Press, 1989. P. 90.
3. Idem, p. 92.

4. Ibidem, p. 94.
5. Ibidem.


3 de nov. de 2009

Fassbinder, a Cabeça Pensante


“Em todos os filmes
de  Rainer
  existe uma  dimensão autobiográfica. 
Ela nunca é estritamente
autobiográfica, mas existe
sempre uma mistura de [autobiografia] e coisas
inventadas (...)”

Liselotte Eder, mãe de Fassbinder (1)

Enfim Uma Cabeça Falante

Em O Direito do Mais Forte (Faustrecht der Freiheit, 1974) é o próprio Fassbinder que interpreta o papel de Franz Biberkopf – nome que o cineasta nos reapresentará em Berlim Alexanderplatz, de 1980. Fox, como era chamado, era a “cabeça falante”, atração da barraca de aberrações num circo. Sem dinheiro, Franz se prostitui. Ganha na loteria e acaba sendo explorado por um cliente. Eugen é o herdeiro de uma editora falida e usa seu relacionamento com Franz para resolver seus problemas financeiros. Neste drama masculino, Fassbinder faz sua última aparição como personagem em seus filmes, recebendo críticas da comunidade homossexual por retratar Eugen como um abutre explorador.

Afirmaram que enquanto homossexual ele mesmo, Fassbinder deveria retratar seus iguais de forma mais construtiva: certa vez, uma carta enviada a um jornal da comunidade homossexual disse que a versão que Fassbinder desenhava do mundo deles “nos degrada a todos e deveria ser denunciada”. Neste filme, bastante explícito em relação à nudez masculina frontal, podemos ver claramente exposta a tese de Fassbinder em relação aos relacionamentos afetivos: a exploração emocional (2).

Parece que Fassbinder não estava muito preocupado com os movimentos de direitos dos homossexuais. Não, pelo menos, a ponto de distorcer a realidade dos fatos segundo seu ponto de vista. No fundo, sugeria Fassbinder, o problema está na incapacidade das pessoas (homo ou hetero) abrirem mão de manipular os sentimentos dos outros em proveito próprio. Está é a praga que assola os relacionamentos afetivos de qualquer ordem – incluindo o relacionamento entre pais e filhos. Em Alemanha no Outono (Deutschland im Herbst, 1977), o elemento autobiográfico é bem forte.

“Eu não posso
lhes dizer qual era
a relação de Rainer
com o pai
. O que sei é
que
, em todos os filmes
onde o roteiro foi

escrito por [ele],
não existe pai”

Liselotte Eder (3)

O filme tem autoria coletiva e trata de um tema político delicado. Na parte de Fassbinder, ele discute com seu amante na vida real (então Armin Meier) a respeito dos rumos da política alemã. Enquanto Fassbinder critica o governo, Armin defende o que seria uma posição reacionária. Em seguida, Fassbinder discute com a própria mãe, que também defende uma postura autoritária do governo (4). De uma só tacada, Fassbinder expõe sua frustração com o estado atual da relação com Meier e mostra sua mãe como porta voz da moral alemã que pariu o Nazismo.

Essa nem foi a primeira vez que Fassbinder colocou suas entranhas para fora. Em Whity (1970), Günther Kaufmann (então amante de Fassbinder) é um negro bastardo vivendo como mordomo da família de seu pai. Durante o filme é humilhado e surrado, inclusive pelo próprio Fassbinder, que aparece como um caubói brigão e racista. Durante as filmagens, vale lembrar, a relação entre Fassbinder e Kaufmann estava em crise (5). (as três imagens deste artigo são da cena final de O Direito do Mais Forte)

Apesar das críticas da comunidade homossexual, de acordo com Wallace Steadman Watson O Direito do Mais Forte foi um dos primeiros filmes a mostrar um contexto homossexual de forma natural, sem apelos ao exótico (6). Na última vez que encontramos Franz vivo, ele se ressente de sempre ter de pagar tudo quando se trata de arrumar um parceiro. Na cena final, Fox se suicida ingerindo uma dose fatal de Valium. Acompanhamos durante vários minutos seu corpo caído no metro ser revirado por dois garotos vestindo uniforme escolar. Dois de seus antigos exploradores passam pelo corpo e o reconhecem, saindo rapidamente. Os garotos, que haviam se escondido, voltam e continuam sua tarefa (muito típica dos seres humanos) de depenar aquele corpo. Pegam o relógio, o dinheiro e o casado de Franz. A última imagem mostra um corpo largado no chão, a espera dos próximos abutres.


“Eu
sou meu
próprio
pai”


Rainer Werner
Fassbinder (7)




Notas:


1. LARDEAU, Yann. Rainer Werner Fassbinder. Paris: Éditions de l’Étoile/Cahiers du Cinéma, 1990. P. 25.
2. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. P. 129.
3. LARDEAU, Yann. P. Cit., p. 18.
4. WATSON, Wallace Steadman. Op. Cit., p. 172.
5. Idem, p. 85.
6. Ibidem, p. 127.
7. LARDEAU, Yann. P. Cit., p. 18. 


5 de out. de 2009

Fassbinder: Anarquista Romântico





(...) Não há razão para viver
sem  um  objetivo”
 

Rainer Werner
Fassbinder





A Mediocridade Venceu

O Casamento de Maria Braun (Die Ehe der Maria Braun, 1978) pode ser visto como uma metáfora do destino da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. O filme se passa na década de 50, nos anos do milagre econômico, uma época de reconstrução. O que Maria se tornou? O a Alemanha se tornou? Fassbinder responde: uma criatura vestida com roupas caras e que perdeu sua alma. No final do filme, assim como Maria foi traída pelos homens de sua vida, a Alemanha foi traída quando o Chanceler Konrad Adenauer fez acordos secretos para rearmar o país (em função dos interesses dos países que venceram a guerra), apesar das dolorosas memórias de militarismo e guerra (1).

Na seqüência final, quando Maria está com seu marido em sua luxuosa casa, estão conversando enquanto o rádio transmite a Copa do Mundo. Nessa partida, a Alemanha ganha a Copa, no mesmo instante a casa explode porque Maria havia deixado o gás ligado (no roteiro o suicídio é consciente, no filme isso não fica evidente). Ela morre enquanto a Alemanha renasce. Passamos então a ver um desfile de negativos de fotografias sem comentários: Konrad Adenauer, Ludwig Erhard, Kurt Georg Kiesinger e Helmut Schmitd (o único que não está em negativo). São as fotografias dos vários Chanceleres da República Federal da Alemanha do pós-guerra. O último, Helmut Schmitd, era o Chanceler quando Fassbinder fez o filme (governou de 1974 a 1982). (imagens acima e abaixo, O Casamento de Maria Braun)

Do ponto de vista do final dos anos 70, o preço da “reconstrução” que ocorre nos primeiros 10 anos da República se torna aparente. Essas fotografias no final do filme nos remetem de volta a imagem que aparece no começo, um quadro com a foto do chanceler Adolf Hitler cai da parede com o estrondo de uma bomba. Perguntaram a Fassbinder porque ele omitiu a fotografia do Chanceler Willy Brandt (que governou entre 1969 e 1974). O cineasta disse que via o governo do social Democrata Brandt com uma lacuna, que ele encorajava o auto-questionamento. Aos olhos da geração de Fassbinder, Brandt se tornou o símbolo de uma nova direção na política alemã. Em 1966, construiu-se uma grande coalizão de partidos políticos que detonou a primeira grande crise do pós-guerra na Alemanha.

O problema é que o país ficou sem uma oposição parlamentar (2). Fassbinder, então com 21 anos, sente-se chamado como muitos intelectuais da época a desempenhar seu papel fora do Parlamento. Os acontecimentos que se seguem a 1968 (as leis de estado de emergência durante o governo Brandt, perseguição aos simpatizantes dos terroristas do Baader-Meinhof, lista negra de emprego e constantes ataques a ele na imprensa) apenas aprofundavam sua convicção de que o país precisava de uma revolução. Em março de 1982, três meses antes de sua morte, Fassbinder se define como um “anarquista romântico”. Para Fassbinder, anarquia significa radical independência em relação a partidos e ideologias políticas. Em seu pensamento utópico, germinava a crença de que liberdade individual ilimitada e liberdade nacional seria o produto de uma democracia compreendida corretamente:

“É dificilmente admissível dizer isso hoje, essa parte sobre a anarquia, porque aprendemos através da mídia que anarquia e terrorismo são sinônimos. Mas, por outro lado, existe a idéia utópica de uma nação sem hierarquias, sem ansiedades, sem agressões, e, por outro lado, uma situação social concreta na qual idéias utópicas são suprimidas. Algumas pessoas enlouquecem, compreensivelmente, e uma certa classe dominante deseja isso, talvez num nível inconsciente, de maneira a definir a si própria mais concretamente” (3)


“O cinema
 se tornou uma
 máquina gigante
 para formatar a
  libido social”

Félix Guattari (4)




Fassbinder também nutria uma antipatia pelo sistema de subsídios em geral, e para cinema em particular. Em comentário a respeito das dificuldades para custear a produção de A Terceira Geração (Die Dritte Generation, 1979), ele afirmou que a livre iniciativa era um caminho melhor, porque uma indústria que se baseia em comitês e lobistas torna as pessoas escravas de compromissos problemáticos. Na Alemanha de Fassbinder existia um dispositivo usado para “censurar” ou, vetar, um filme baseado no conceito de “cautela política”. Seus proponentes acreditavam que isso disfarçava a pressão sobre a liberdade de expressão. Freqüentemente Fassbinder mobilizava a imprensa para protestar contra o que considerava “censura politicamente motivada” (5).

Anton Kaes nos lembra a essa altura que, tanto quanto alguns outros alemães, Fassbinder sofria por causa da Alemanha. Seu sofrimento o conduziu ao passado de seu país, assim como impulsionou seu trabalho. Em 1977, Fassbinder cogitou em se mudar para Nova York, Hollywood ou Paris. Ele se ressentia com o que considerava censura e falta de liberdade. Numa entrevista em 1977, “Fassbinder disse que os únicos filmes que a República Federal da Alemanha apóia são aqueles que confirmam a presente situação de democracia ‘com toda essa mediocridade’” (6).

O Fim das Utopias



Terrorismo:
invenção capitalista
para justificar o aumento
da proteção ao próprio
capitalismo





Em A Terceira Geração Fassbinder sugere que existia pouca diferença ideológica entre os terroristas de esquerda e de direita. Os terroristas da primeira geração representavam para ele um conteúdo político e uma utopia idealista que se distorceu. De acordo com Anton Kaes, o filme se refere a um cinismo dos terroristas contemporâneos de Fassbinder e seu desrespeito pela vida humana (7) (imagem acima). Citando Fassbinder, Wallace Steadman Watson nos dá uma definição mais clara do que significam as três gerações:

“De acordo com Fassbinder, as três gerações eram (1) idealistas sensíveis da Geração de 68 que esperavam fazer mudanças revolucionarias de forma não violenta, mas que ficaram quase loucos em seu ‘desespero quase patológico em função de sua própria fraqueza’; (2) a geração Baader-Meinhof, cuja defesa da primeira geração foi ‘caluniada... como fundamentalmente criminosa’, então eles foram praticamente induzidos a se mudar ‘da legalidade para a luta armada e para a total ilegalidade’; e (3) o grupo atual, cuja ação ‘extrai seu sentido de nada mais do que a própria atividade... empregada... sem nenhum senso de perspectiva” (8) (ao lado, a primeira imagem de A Terceira Geração. Em primeiro plano a igreja Memorial do Príncipe Wilhelm em Berlim. Uma lembrança da Segunda Guerra)


O som constante de transmissões de rádio acompanha os diálogos em A Terceira Geração. Kaes também chama atenção para um apagamento da distinção entre os terroristas e suas vítimas. Não há mais lugar para utopias! Fassbinder chama o terrorismo de “jogo social” nesse filme que pagou do próprio bolso, a ponto dele mesmo ter operado a câmera. Nos créditos iniciais, podemos ler: “Uma comédia em seis partes sobre jogos sociais cheios de tensão, excitamento e lógica, horror e loucura. Como os contos de fadas que contamos às crianças para ajudá-las a tolerar a vida até morrer”.

Um pequeno grupo de terroristas alemães seqüestra o dono de uma empresa norte-americana de produtos eletrônicos, sem perceber que foi ele mesmo que planejou o seqüestro através de dois membros do grupo que na verdade são agentes seus infiltrados. O objetivo do seqüestrado era aumentar as vendas dos computadores de sua empresa para a polícia da então Alemanha Ocidental, vendas que haviam diminuído em função da recente queda na atividade terrorista. Na cena final, os terroristas ensaiam para a gravação de uma fita de vídeo que mandarão para a imprensa. Na gravação, o seqüestrado se declara “um prisioneiro do povo”. Seu sorriso irônico nos faz lembrar que foi ele o arquiteto de tudo aquilo. (imagem ao lado)

“A cena ressalta aquilo que Fassbinder disse ser seu ponto central no filme: ‘São precisamente essas pessoas que não tem qualquer razão, qualquer motivação, qualquer desespero, qualquer utopia, aqueles que podem ser facilmente usados por outros (...). Na análise final, terrorismo é uma idéia gerada pelo capitalismo para justificar melhores medidas de defesa para salvaguardar o capitalismo’”(9). Talvez, só talvez, possamos imaginar a situação da Segurança Pública de certos países sul-americanos a partir deste prisma!

“A dificuldade de Fassbinder em conseguir fundos para financiar esse tratamento explícito do sensível tema do terrorismo [na Alemanha] aumentou sua convicção de que as agências de financiamento e os produtores de televisão e de cinema alemães eram desnecessariamente cautelosos para lidar com temas atuais controversos – em contraste com os italianos, os franceses e até os norte-americanos. Depois que a filmagem já havia começado, tanto a Rede de Radiodifusão da Alemanha Ocidental (Westdeutscher Rundfunk, WDR) quanto o Senado de Berlim retiraram seu compromisso inicial de apoio ao filme. Mas Fassbinder teve, disse ele, a ‘coragem, ou... a loucura’ para completar o projeto com dinheiro emprestado” (10) (imagem ao lado, no final de O Casamento de Maria Braun, as fotografias de Konrad Adenauer [em negativo] e Helmut Schmidt)

Jürgen Habermas já havia falado da exaustão das utopias como um sinal da década de 70 do século passado, e que deixa sua marca nos filmes de Fassbinder. O fim da utopia de Maria no final de O Casamento de Maria Braun corresponderia à perda das utopias na esfera pública na época que o filme foi feito. Fassbinder reflete essa dissolução dos sonhos de 1968. Kaes chama atenção para um filme cujo final antecipava o de Maria. Em Zabriskie Point (1970), o filme de Michelangelo Antonioni sobre as “ilusões burguesas” norte-americanas, assistimos a explosão (repleta de imagens alucinatórias) da mansão de um novo rico.

Os dois finais denunciam uma agressão ao “sistema” como um todo: o que não pode ser salvo deve ir pelos ares. Em 1954, quando Maria Braun explode em sua casa, foi quando começou o rearmamento da República Federal da Alemanha em função dos interesses dos norte-americanos e seus aliados na nascente Guerra Fria. A explosão da casa dela recria a paisagem de ruínas de 1945. Como sugere Kaes, a idéia de uma “Hora Zero” para a Alemanha se provou ilusória. O filme começa e termina numa explosão. Nada mudou. Na opinião de Fassbinder, a única chance de um novo começo para a Alemanha se perdeu para sempre. Foram restauradas as velhas idéias capitalistas de propriedade e ambição, e todos os valores tradicionais burgueses (11).

Em Lola (1981) (imagem acima), segunda parte da Trilogia da Alemanha Federal, Fassbinder escolhe um final mais resignado. O funcionário público encarregado do planejamento de obras da cidade, que inicialmente exibe uma integridade moral a toda prova, torna-se vulnerável a chantagem em função de seu amor por uma mulher. Ele acaba percebendo a rede de corrupção em que foi implicado, mas ao contrário de uma explosão, o homem se acomoda e torna-se um cúmplice. Talvez, só talvez, possamos imaginar a situação da esfera Pública de certos países sul-americanos partir deste prisma!

Em O Desespero de Veronika Voss (Die Sehnsucht der Veronika Voss, 1981) (imagem abaixo), último filme da Trilogia, uma ex-famosa atriz drogada é assassinada. O jornalista que cobre a história mergulha mais e mais no lodaçal moral da cidade, descobrindo que a médica que receitava as drogas (e roubava a atriz) era protegida por altos oficiais da área da Saúde e mesmo da polícia. O final do filme implica, afirma Kaes, que é inútil expor a corrupção. Fassbinder considerava a corrupção típica na Alemanha dos anos 50, tanto na esfera pública quanto na privada.

“(...) [Quando a explosão acaba
com  Maria],   começa  a  elevação
da Alemanha como ‘Campeã Mundial’.
‘Nós  somos  alguém  novamente’, dizem
orgulhosamente  os  alemães  durante  o
período  da  reconstrução.  Este famoso
slogan indica atitude de complacência

e  amnésia  que  Fassbinder  queria
destruir  (um  ato  terrorista  que
incluía  a  autodestruição)”(12)


Em dezembro de 1977, pouco antes de começar a filmar O Casamento de Maria Braun, um jornalista pergunta a Rainer Werner Fassbinder onde ele encontrava forças para continuar a trabalhar. A resposta:

“Da utopia, do desejo concreto por essa utopia. Se esse desejo é tirado de mim, eu não farei mais nada. Eis porque, enquanto pessoa criativa eu tenho a sensação de ser assassinado na Alemanha. Por favor, não confunda com paranóia. Eu acredito que essa recente caça as bruxas, a qual, é apenas a ponta do iceberg, foi encenada com o objetivo de destruir as utopias individuais. Isso significa também deixar meus medos e meus sentimentos de culpa dominar. Se isso chegar ao ponto em que meus medos forem maiores do que meu desejo por algo maravilhoso, então desisto. E não apenas desisto de trabalhar. ‘Você desiste da vida?’, [perguntou o repórter]. Sim, é claro. Não há razão para viver sem um objetivo” (13)

Notas:

Leia também: 

Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)

1. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge Univ. Press, 1989. P. 98.
2. Idem, p. 100.
3. Ibidem.
4. “Le Divan du Pauvre”, Communications 23 (1975): 96 In KAES, Anton. Op. Cit., p. 232n19.
5. ELSAESSER, Thomas. New German Cinema: A History. London: Macmillan, 1989. P. 112.
6. KAES, Anton. Op. Cit., p. 237n66.
7. Ibidem, p. 101.
8. WATSON, Wallace, Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. P. 184n47.
9. Idem, p. 163.
10. Ibidem, p. 164.
11. KAES, Anton. Op. Cit., p. 102.
12. Idem, pp. 102-3.
13. Ibidem, p. 101-2.  


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