“O homem não
olha, simplesmente;
mas em seu olhar
está contido o poder
de ação e de posse
que faltam ao
olhar feminino”
olha, simplesmente;
mas em seu olhar
está contido o poder
de ação e de posse
que faltam ao
olhar feminino”
Elizabeth Ann Kaplan (1)
“A Juliette em E Deus Criou a
Mulher sou exatamente eu. Quando
eu estou na frente da câmera, sou
exatamente eu mesma” (2)
Mulher sou exatamente eu. Quando
eu estou na frente da câmera, sou
exatamente eu mesma” (2)
Brigitte Bardot
A Bomba Sexual
Em 1956 aparece um filme, E Deus Criou a Mulher (Et Dieu... Créa la Femme, direção de Roger Vadim). Subitamente, as atrizes da maioria dos filmes que vieram antes foram cobertas pela sombra de um mito. Apesar de mito, ela é de carne e osso: Brigitte Bardot. Apesar de ser considerado o ponto de partida da Nouvelle Vague, o filme talvez não tenha nenhum outro mérito que o de servir de veículo para essa mulher que era chamada de bomba sexual. Quem sabe poderíamos dizer o mesmo em relação aos filmes protagonizados por Marilyn Monroe. Não importa, pois talvez ninguém estivesse vendo os filmes realmente. Eles cumpriram seu papel de veículos para uma substância especial, um remédio – pelo menos para os olhos masculinos e alguns femininos.
“O código francês não mais inclui a obediência entre os deveres da esposa”, assim começa “A Caminho da Libertação”, 4ª parte de O Segundo Sexo, famosa obra de Simone de Beauvoir sobre a mulher. Escrito em 1949, Beauvoir já dizia que nenhuma conquista feminina será efetiva sem independência econômica. Neste particular, podemos dizer que Bardot conquistou um espaço. Em Brigitte Bardot and the Lolita Syndrome (1959), Beauvoir afirma que Bardot é uma materialização do eterno feminino no filme dirigido por Vadim e analisa o destruidor poder erótico dela na combinação mulher fatal/ninfeta (3). Beauvoir argumenta que o filme (ela deve estar se referindo ao lançamento apenas) fez menos sucesso na França do que nos Estados Unidos, porque os homens norte-americanos eram menos ameaçados pela liberdade sexual imposta pelo comportamento de Bardot do que os franceses. A imprensa francesa fez uma série de artigos acusando-a de imoralidade.
Bardot acreditava e pregava o amor livre e não usava sutiã. “Como Juliette em E Deus Criou a Mulher, afirmou Beauvoir, uma mulher confusa, sem casa e prostituta, Brigitte parece disponível a qualquer um”, escreve Beauvoir, “mas ainda assim, paradoxalmente, intimidante... Existe algo obstinado em seu rosto emburrado, em seu corpo firme... Não existe nada grosseiro sobre ela. Ela possui um tipo de dignidade espontânea...” Jean-Paul Sartre ressaltou o fato de Bardot virar o nariz para roupas elegantes, jóias, cintas, perfumes, maquiagem e todo o artifício. Disse também que seu andar é brincalhão e que um santo venderia sua alma ao diabo para vê-la dançar (4). Bardot foi a primeira verdadeira estrela de massa francesa. Mas tudo nela era diferente do que as revistas de moda procuravam. As roupas que não combinavam e o cabelo despenteado eram de uma espontaneidade que não existia na época como um exemplo a ser seguido. O estilo de Bardot mostrou-se inadaptável à representação do feminino no cinema francês tradicional.
Após décadas de
holofotes, que homem
desejou saber quem era
a mulher por trás
daquele rosto?
holofotes, que homem
desejou saber quem era
a mulher por trás
daquele rosto?
Por outro lado, mesmo que E Deus Criou a Mulher seja considerado o marcou inicial da Nouvelle Vague, para os cineastas desse Movimento Brigitte Bardot acabou por representar a cultura de massas contra a qual eles lutavam (5). Bardot já era conhecida nas revistas de moda, sua carreira cinematográfica, embora modesta, era copiosa – de 1952 a 1956, ela participará de 15 filmes. Não se trata aqui de julgar os cineastas que dirigiram os filmes de Marilyn ou de Bardot. A questão aqui é Bardot! Seu jeito de ser e seu corpo talvez tenham mesmo mudado a forma como o público olha para as atrizes na telona. Não apenas no sentido sexual, mas também em algo mais amplo, pois Bardot era uma mulher de seu tempo, seu corpo pertence a ela! Nas palavras de Jean Douchet, Bardot anunciou uma era de liberalização que, em vinte anos, derrubará sucessivamente todos os tabus da vida social e cinematográfica (6).
Mais um
objeto/mulher?
Mais um mito
lucrativo?
Um dos cineastas que trabalhou com Bardot foi Jean-Luc Godard. Para alguns, O Desprezo (Le Mépris, 1963) não é o filme mais godardiano de Godard. Novamente, não importa. Um dos méritos de Godard neste filme foi o de não pedir a Bardot que interpretasse Camille, mas à Camille para ser Bardot (7) (imagem acima). Segundo Carole Desbarats, foi apenas por pressão dos produtores do filme, chamados pejorativamente por Godard de Mussolini (Carlo Ponti) e King Kong (Joseph E. Levine), que Bardot aparece nua. Eles se contentariam com um “nu clichê”, mas Godard foge disso e dos estereótipos da pornografia, sem esquecer os estereótipos das cenas de amor. Tanto que Godard só filmará a cena com Bardot na cama após o término das filmagens. Na famosa cena, Camille, deitada nua de barriga para baixo, pergunta a seu parceiro se ele ama: você ama minhas pernas, minha boca, etc. Assim fazendo, é como se Godard vestisse a nudez dela com palavras! E são as palavras que levantam o véu da carne. Ele vestiu o nu com o verbo (8). Um ponto para Godard! Os produtores não seriam capazes de perceber isso, assim como muitos espectadores.
Como lembrou Raoul Coutard, naquela época era difícil ver as bundas das donzelas, eis o porquê da insistência dos produtores. Mesmo estando muito contrariado, Godard encontrou tempo para fazer uma piada. Na cena em que Bardot está tomando sol nua no terraço de Villa Malaparte sob o sol de Capri, podemos ver um livro pousado em sua bunda cujo título é: “entre sem bater”. Não preciso dizer que um dos produtores (o King Kong) não achou que as nádegas dela apareceram o suficiente (9).(*)
Notas:
(*) O Rosto no Cinema (VI): Bela Bálazs e o Close Up encontra-se no arquivo de maio de 2008.
1. A Mulher e o Cinema. Os Dois Lados da Câmera. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. P. 54.
2. Comentários de Bardot disponíveis em: http://www.geraldpeary.com/essays/abc/bardot.html Acessado em: 26/05/2009.
3. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo (Tomo II). Tradução Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960. P. 449. A citação do artigo sobre Bardot é do livro de Ursula Tidd. Simone de Beauvoir. London/New York: Routledge, 2004. P. 45.
4. Ver nota 2.
5. SUTLIEFF, Lisa. Brigitte Bardot and the French New Wave How a Blonde Bombshell Triggered a Cinematic and Social Revolution. Disponível em: http://film-history.suite101.com/article.cfm/brigitte_bardot_and_the_french_new_wave 13/07/2008. Acessado em: 26/05/2009.
6. DOUCHET, Jean. Nouvelle Vague. Paris: Cinémathèque Française/Hazan, 1998. P. 145.
7. Idem, p. 146.
8. DESBARATS, Carole. Le Mépris In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. P. 237-8.
9. TASSONE, Aldo (org). Que Reste-t-il de la Nouvelle Vague? Paris: Éditions Stock, 2003. P. 76.
(*) O Rosto no Cinema (VI): Bela Bálazs e o Close Up encontra-se no arquivo de maio de 2008.
1. A Mulher e o Cinema. Os Dois Lados da Câmera. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. P. 54.
2. Comentários de Bardot disponíveis em: http://www.geraldpeary.com/essays/abc/bardot.html Acessado em: 26/05/2009.
3. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo (Tomo II). Tradução Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960. P. 449. A citação do artigo sobre Bardot é do livro de Ursula Tidd. Simone de Beauvoir. London/New York: Routledge, 2004. P. 45.
4. Ver nota 2.
5. SUTLIEFF, Lisa. Brigitte Bardot and the French New Wave How a Blonde Bombshell Triggered a Cinematic and Social Revolution. Disponível em: http://film-history.suite101.com/article.cfm/brigitte_bardot_and_the_french_new_wave 13/07/2008. Acessado em: 26/05/2009.
6. DOUCHET, Jean. Nouvelle Vague. Paris: Cinémathèque Française/Hazan, 1998. P. 145.
7. Idem, p. 146.
8. DESBARATS, Carole. Le Mépris In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. P. 237-8.
9. TASSONE, Aldo (org). Que Reste-t-il de la Nouvelle Vague? Paris: Éditions Stock, 2003. P. 76.