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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

29 de mar. de 2013

O Prado de Bejin: Eisenstein e a Censura Stalinista






 
   
As filmagens
foram    interrompidas
em  17  de  março  de  1937, 
por ordem do governo 
soviético (1)








Do Louvor à Sociedade ao Filicídio

O Prado de Bejin (Bezhin Lug, também conhecido no Brasil como Traição na Campina, 1937) é muito citado como o filme de Serguei Eisenstein que não resistiu às críticas negativas dos inimigos do cineasta e à censura do governo soviético (único financiador do projeto). Realizado entre o fracasso de ¡Que Viva Mexico! e o sucesso de Alexander Nevsky (também conhecido no Brasil como Cavaleiros de Ferro, Aleksandr Nevskiy, 1938), sua produção foi prejudicada pela saúde ruim de Eisenstein e por problemas políticos (2). Recolhido pelas autoridades, os negativos originais tiveram um destino incerto; alguns dizem que se perderam numa inundação, enquanto outros afirmam que foram destruídos pelo bombardeio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Sobreviveram apenas algumas imagens. Em 1967, Serguei Yutkevich e Naum Kleiman montaram duas versões com fotogramas fixos dos planos do filme e a partir do roteiro e de anotações de Eisenstein (3), uma com trinta e outra com sessenta minutos (4). O enredo de O Prado de Bejin aborda dois temas entrelaçados: a dramatização de um conflito de gerações e os desdobramentos da coletivização implementada por Stalin na União Soviética durante os anos 1930 do século passado.



(...) Zel’dovich, 
da GUK [Diretório 
Estatal para a Indústria
de  Cinema  e  Fotografia],
manifestou  preocupação  de
que  a  um  homem  de  pouca
confiabilidade política como Eisenstein fosse permitido 
trabalhar  com  alunos
no   Instituto   de 
 Cinema” (5)



Em 1935, o roteirista Alexandr Rzheshevsky recebeu uma encomenda do Komsomol para fazer um filme falando da contribuição feita à coletivização pelos Pioneiros (uma organização soviética para garotos abaixo dos quatorze anos). Ele abordou Eisenstein, que aceitou a tarefa. O título veio de uma história do escritor e dramaturgo russo Ivan Turgenev (1818-1883), parte de Bloco de Notas de um Desportista (Zapiski Okhotnika, 1852). Contudo, explicou Kenez, o trabalho de Turgenev (tratando de garotos camponeses na década de 1850 e uma morte anunciada) tinha tão pouco a ver com o roteiro do filme que não está claro o motivo que levou Eisenstein a escolher este título. O filme foi inspirado em Pavlik Morozov, um herói soviético muito conhecido na época – Eisenstein entrevistou dois mil garotos até escolher Viktor (Vitya) Kartashov para o papel (as duas imagens acima). Durante a coletivização, o garoto foi assassinado por sua família porque apresentou uma denúncia de que seu pai era amigo dos Kulaks. Rzheshevsky modificou bastante a história, em sua versão foi o pai que matou o filho. Não obstante, se manteve a justaposição básica entre a obrigação para com o comunismo e a família. Fabricado ou não pelo Estado, Pavlik foi um símbolo: um jovem que respeitava mais seu dever em relação à sociedade do que em relação à família. Numa época de denuncismo, ele foi o grande delator (6).

Carnaval ou Inconveniência Política? 


(...) O próprio
[Eisenstein] queima
todos  os   documentos  que se
referiam a [O Prado de Bejin],
apagando-o em definitivo 
de sua vida (...)

Atitude do cineasta depois de se
humilhar e, mesmo assim, ver seu filme 
definitivamente proibido (7)




Em determinado momento do filme, acompanhamos uma sequência em que ocorre a invasão e depredação de uma igreja. É de conhecimento geral que a Revolução Bolchevique “pregou” o ateísmo. Portanto, em princípio não é de se estranhar que Eisenstein tenha desejado retratar na tela um evento que deve ter se repetido muitas vezes nos primeiros tempos da União Soviética. Acontece que houve reclamações das autoridades em relação justamente a esta sequência. Durante a doença de Eisenstein a política stalinista referente às campanhas anti-religiosas mudou para uma convivência pacífica. Portanto, foi um prato cheio para os detratores, do cineasta como seu grande inimigo Boris Shumiatsky, que exigiram uma revisão completa do roteiro. Além disso, o cineasta foi obrigado a publicar uma retratação pública. Ao comentar a respeito das manifestações carnavalescas na obra de Eisenstein, Arlindo Machado sugeriu que a invasão e depredação daquela igreja teriam sido incorporadas pelo cineasta em O Prado de Bejin como um episódio mais denso do que uma demonstração de ateísmo fundamentalista. A transformação da igreja em clube seria uma inversão carnavalesca nos moldes da cultura popular. Aqueles lavradores das fazendas coletivas (Kolkhoses) promovem uma farra dionisíaca, o cenário religioso se transforma em profano, os homens passam a ocupar o lugar dos deuses. Eisenstein havia encontrado solo fértil para tratar deste tema quando tentou realizar ¡Que Viva Mexico!, quando simplesmente se deparou com o cenário pronto durante as celebrações carnavalescas do Dia dos Mortos naquele país (8).


(...) O cineasta é
forçado    a    publicar
uma  retratação esse  texto deprimente   é   hoje   um   dos 
mais   tenebrosos    documentos 
que  sobraram  do  período pois nele Eisenstein assume e leva ao
delírio    os  dogmas  da  política
cultural stalinista. Depois disso, 
[O Prado de Bejin] vira tabu: 
ninguém mais se dispõe 
a falar dele (...) (9)



Oleg Kovalov viu todo um simbolismo religioso por trás da sequência da igreja, além de uma “idéia da Rússia” que seria o fermento de todos os filmes de Eisenstein. Aquela destruição teria sido incluída por algum motivo além de satisfazer o Partido (enquanto interessava a este as campanhas anti-religiosas). Para alguém que se maravilhou com as cerimônias mexicanas, que descreveu poeticamente as catedrais russas em suas memórias, e que viria a recriar um ritual religioso cheio de pompa em Ivan, o Terrível (Ivan Groznyy, parte 1, 1944), a simples destruição de uma igreja não poderia agradar. Kovalov segue o mesmo caminho de Machado ao enfatizar como aquela multidão blasfema se metamorfoseia nas figuras bíblicas que atacou. Desta forma, aquilo que estava preso nas imagens religiosas destruídas passou para o mundo da vida (10). Ivanov avaliou a teoclastia de Eisenstein em O Prado de Bejin como um passo além em relação à Outubro (Oktyabr, 1928). Ao passo que neste último o cineasta amontoa imagens de deuses através da montagem, no primeiro as representações são mostradas quando deixam de desempenhar seu papel habitual. A colocação de diferentes pinturas lado a lado, atitude característica tanto da prática cinematográfica de Eisenstein quanto de sua análise da obras de Piranesi e El Greco sob o aspecto da montagem, combina com a rebeldia dele em relação à prática figurativa existente – contra aquilo que Eisenstein chamava de “hipertrofia da imagem” (11).

Dos Kulaks aos Gulags 


(...)  Os  críticos 
[de cinema soviéticos], 
‘soldados’   da   revolução 
cultural, compreenderam que 
a  nova  ordem   política  pedia 
uma  nova  atitude  em  relação 
ao    cinema.   Eles    realizaram 
um     ataque     radical.     Sua 
violenta      agressão      aos 
cineastas fez  muito mal 
à causa do cinema 
soviético (...) (12)



Stepok, o garoto assassinado em O Prado de Bejin, havia denunciado o pai por simpatizar com os Kulaks, e a invasão da igreja foi realizada por Kolkhoses. Após o final da Guerra civil que se seguiu à Revolução Bolchevique, Lênin introduziu uma política econômica semicapitalista com a justificativa de que a economia do país ainda estava muito debilitada para a implementação do comunismo. A Nova Política Econômica (NPE), que incentivou os produtores rurais e camponeses (Kulaks), lançou a proposta de um capitalismo de Estado (permitindo a formação de estúdios de cinema como empresas de capital aberto) (13) que deveria levantar a economia – a proposta foi acompanhada por uma política social de moderação e disciplina, especialmente no tocante à juventude soviética. Considerada uma política pró-burguesa e contra-revolucionária, seria revogada por Stalin (depois da morte de Lênin), que a substituiu por Planos de Cinco Anos e pela coletivização forçada dos meios de produção (e das fazendas, agora chamadas Kolkhozes). Considerados inimigos do Estado, os Kulaks que não foram mortos seriam enviados para campos de trabalhos forçados (Gulags). (imagem abaixo, com suas ferramentas manuais em punho, os camponenses dos Kolkhoses coletivos assistem a passagem dos Kulaks pela estrada estrada com seus grandes tratores. Stepok provoca o riso dos Kolkhoses ao dizer (?) que os Kulaks deveriam estar num museu e que desejam a volta do Kzar; acima, à esquerda e abaixo, à direita, a passagem dos Kulaks)


“Quanto Lênin falou da necessidade de revolução cultural, tinha em mente a necessidade desesperada de alcançar o avançado e industrializado Ocidente e superar o terrível peso do atraso russo. Ele considerava tal revolução cultural uma precondição para a construção do socialismo. O ‘inimigo’ nesta revolução foi o atraso. Agora, na atmosfera politicamente carregada do final dos anos 1920, os sucessores de Lênin queriam dizer algo muito diferente quando utilizavam este conceito. Neste período, revolução cultural representou o reaparecimento de noções utópicas a respeito da cultura, da política, e a busca de um completo rompimento com o passado. Mais especificamente, o pluralismo cultural que existiu nos anos de 1920 deveria ser rejeitado. Sob tais circunstâncias o ‘inimigo’ não era mais uma abstração, mas carne e sangue: qualquer um que pretendesse proteger o mais ínfimo pedaço de autonomia da cultura. (...) O período do primeiro Plano de Cinco Anos [política econômica que sucedeu a NPE] foi um momento decisivo na história da cultura russa, talvez mais importante do que a própria Revolução. Um aspecto dessa grande transformação foi a destruição da era dourada do cinema soviético” (14)


 

(...) Os filmes mais
interessantes a respeito 
da   Rússia   da   NPE   não 
foram realizados por diretores
famosos      como      Eisenstein, [Vsevolod]       Pudovkin      ou
  [Aleksandr]  Dovzhenko, mas  
  por        [Abram]        Room, 
 [Iakov]     Protazanov     e 
[Fridrikh] Ermler (...) (15)





As campanhas de industrialização rápida e de coletivização forçada aconteceram na vigência do primeiro Plano de Cinco Anos, entre 1928 e 1932. Além disso, posteriormente houve ainda o Grande Terror, uma época de prisões, deportações em massa e trabalho escravo (16). Pairando sobre tudo isso estava o culto da personalidade de Stalin, para cuja manutenção o cinema havia se tornado a arma mais eficaz – sem falar nas campanhas de difamação de inimigos políticos e julgamentos-espetáculo. O Prado de Bejin, que teve sua produção entre 1935 e 1937 (para em seguida ser banido pelo mesmo Estado que o havia financiado), retratou a questão Kulaks X Kolkhoses, portanto focando na situação da coletivização no campo – na época, até surgiu uma classificação: filmes Kulak e filmes Kolkhoz. Nas cidades a ideologia do partido já estava consolidada, enquanto no campo (de um país de proporções continentais como foi a União Soviética) a situação era bem diferente. Filmes para os jovens (mais do que para os adultos) ressaltavam a importância da coletividade – muitos filmes mostravam crianças salvas pela coletividade e insistiam que elas nunca deveriam ser contra seus amigos. Os camponeses deveriam ser cooptados, para que permitissem que sua produção pudesse ser recolhida pelo Estado – durante a vigência da NPE, comprometida com um regime misto que permitia a iniciativa privada, a coleta forçada de alimentos era repudiada. Como Stepok fazia parte de uma organização chamada Pioneiros (o lenço que o menino leva amarrado ao pescoço, geralmente vermelho, era sua marca registrada), deveria ter menos de 14 anos. A partir daí, passaria a integrar outra organização, o Komsomol (responsável pela encomenda de O Prado de Bejin), que os acolhia até 28 anos de idade. O Komsomol exigiu avaliação e discussão de todos os roteiros que abordavam problemas com a juventude (17).

Muito Antes de George Orwell 




Eisenstein  gostou  do
roteiro  apresentado  por
Rzheshevsky,     mas    apenas
porque  era  um  bom  ponto  de 
partida. O cineasta foi acusado de
escrever um “roteiro emocional”
trabalhar com tipos, ao invés de
indivíduosainda que os tipos 
já existissem no roteiro (18)






A partir da Revolução Bolchevique de 1917 na Rússia, que passa a se chamar União Soviética, cineastas comprometidos com a causa acreditaram que seu desejo de disseminar os ideais dos novos tempos seria facilitado – dentre os nomes famosos daqueles que mais se iludiram com a possibilidade de um cinema soviético engajado, talvez o mais ilustre seja Dziga Vertov (1896-1954). Segundo Peter Kenez, a realidade é que se tornaria cada vez mais difícil realizar um filme naquele país. A partir de 1923, o Glavrepertkom (órgão ligado ao embrião do Ministério da Educação soviético) determinou que todos os estúdios submetessem os filmes prontos à sua aprovação, sendo que nenhuma mudança posterior no trabalho finalizado poderia ser feita sem seu consentimento. Não obstante, afirmou Kenez, durante um bom tempo (enquanto os estúdios do governo e os privados competiam, assim como várias tendências artísticas) houve liberdade criativa. A partir da Conferência do Partido a respeito do cinema em março de 1928, tudo mudou. A revolução cultural no cinema significou um expurgo nos estúdios e um ataque à experimentação artística (esta última havia sido uma característica dos primeiros filmes de figuras como Lev Kulechov [1899-1970], Vertov e Eisenstein), em nome de uma batalha Bolchevique contra o formalismo (19).


“Em qualquer discussão sobre filmes stalinistas, a natureza da censura é um tema central inevitável. Infelizmente, a palavra ‘censura’ é uma espécie de equívoco. Não se deve imaginar que o problema do artista soviético foi que ele tinha de submeter todo o seu trabalho a um censor ou corpo de censores. Os representantes do Partido, aqueles responsáveis pela pureza ideológica, na verdade, eram co-escritores e co-diretores que participavam em cada fase da produção do filme, do primeiro vislumbre de uma idéia até o último corte” (20.) 




Após 1928, os cineastas
russos   não   seriam   capazes
de   produzir   um   trabalho   de qualidade  e,  ao   mesmo   tempo, satisfazer às demandas políticas, que exigiam apenas ilustrações para  textos  escritos (21)




 Poderíamos até dizer que, por linhas completamente tortas, o esforço da liderança Bolchevique visando o realismo socialista no cinema teria feito a velha disputa em torno da adaptação literária (ou de um roteiro qualquer) para o cinema pender para o lado de uma maior importância do texto escrito. Kenez conta que naquela época existia na União Soviética uma discussão no que diz respeito à relativa importância dos cineastas e dos roteiristas no cinema. Contudo, ainda segundo Kenez não se poderia descrever a situação como um debate, já que apenas o governo podia se manifestar. A situação favorecia os roteiristas. Eram duas as principais razões porque os políticos stalinistas objetavam dar a responsabilidade principal pelo produto artístico ao diretor de um filme. Em primeiro lugar, com o desenvolvimento do realismo socialista no cinema, mais e mais exigências específicas relativas ao enredo foram colocadas aos cineastas, e apenas os roteiristas poderiam satisfazer essa demanda. Em segundo lugar, ao dar uma medida de liberdade artística aos cineastas haveria o perigo de que pelo menos alguns deles se entregassem ao experimentalismo, imprimindo sua marca individual ao produto ou, de acordo com a terminologia do período, produzindo um cinema formalista. Portanto, não era tolerado o diretor que não seguisse o roteiro com o enredo previamente aprovado pelos representantes do Partido. Na opinião de Kenez (e de muitas outras pessoas), a ênfase soviética no roteiro (a palavra escrita) em detrimento do trabalho do diretor (a imagem) era profundamente contraditória em relação à própria noção de arte cinematográfica.


Os bolcheviques estavam  convencidos  do  poder  do 
 cinema.  O  controle era  total,  
 nenhum deles (incluindo Stalin) estava    tão    ocupado    que   não  pudesse   emitir  opinião  quanto à
 liberação  de  um  filme. Também  
controlavam  a  distribuição  e  os 
projetores.    Catálogos    anuais
 indicam os filmes permitidos. 
Em    1936,    todos    os    de 
Kulechov são proibidos (22)



A situação de muitos cineastas, roteiristas, atores e atrizes (dos quais se sabe pelo menos alguns nomes), perseguidos pelo Estado soviético naquela época (os filmes destruídos e/ou banidos, dos quais pouco ou nada sabemos) é uma história que ainda está por ser contada. A destruição de O Prado de Bejin pelas bombas nazistas (ou por uma enchente...) durante a Segunda Guerra Mundial deve ser compreendida a partir deste contexto. Eisenstein havia realizado A Linha Geral (Staroye i novoye) em 1929 (cuja produção também teve uma história problemática), então viajou pela Europa e Estados Unidos (tentou fazer um filme em Hollywood, mas o máximo que conseguiu filmar foram as muitas imagens de ¡Que Viva Mexico!, que não chegou a realizar com as próprias mãos) (23). Eisenstein desejava enaltecer o stalinismo através de O Prado de Bejin, não havia nenhuma crítica à situação na União Soviética. Kenez defendeu Eisenstein, pois, dadas as circunstâncias, não se podia recusar trabalho. Ainda assim, Kenez acredita que Eisenstein foi um dos poucos a conseguir preservar alguma integridade artística. É, portanto, muito curioso, concluiu Kenez, que Eisenstein tenha sido denunciado por um filme cuja mensagem ideológica é moralmente repugnante. Sem a permissão e conhecimento do cineasta, Boris Shumiatsky (que dirigia a indústria cinematográfica soviética), um inimigo declarado (24), mostrou uma versão inacabada do filme para os líderes da indústria cinematográfica e aos membros do Politiburo. Eisenstein foi atacado por fazer um drama sobre a luta entre o velho e o novo e quanto ao preço a se pagar pela coletivização como um processo destrutivo – sem mencionar a objeção dos críticos de cinema soviéticos em relação à depredação da igreja.
 


Em 1937, o trabalho
  é  novamente suspenso. 
 Eisenstein é acusado de ser
“abstrato” e um formalista que se
afastou do povo. Foi criticado por
 não  exaltar  o Partido  e mostrar 
a     coletivização     como     um
processo primário. Sua teoria 
 do cinema foi considerada 
profundamente hostil 
ao socialismo (25)



Um ano de trabalho já havia se passado desde o início das filmagens, mesmo assim Eisenstein foi obrigado a revisar o roteiro. Ironicamente, seu colaborador foi o escritor soviético Isaac Babel (1894-1940). Nas palavras de Kenez, o mais sutil e astuto dos escritores soviéticos agora tinha a função de um escritor de segunda classe óbvio e banal – mesmo assim, essa “guinada estilística” não foi suficiente para evitar que ele posteriormente também viesse a se tornar mais uma vítima do stalinismo. O Prado de Bejin nunca foi apresentado ao público soviético daquela época, apenas um pequeno grupo de pessoas teve essa chance. Ao contrário do que sugeriu Machado, Kenez afirmou que O Prado de Bejin tornou-se um dos filmes mais discutidos da década de 1930 na União Soviética, embora basicamente para ser criticado e questionado. Kenez acredita que a partir deste momento Eisenstein começa a perder a simpatia que um dia tivera pelo regime soviético. De qualquer forma, o cineasta escreveu uma autocrítica pública (como provavelmente muitos outros tiveram que fazer) em 1937, onde admitia seus equívocos de interpretação e pedia ajuda de seus colegas e do Partido para repará-los: “O Partido, a liderança do cinema e o coletivo criativo dos cineastas me ajudarão a realizar os novos e corretos filmes que precisamos” (26). (imagem abaixo, Eisenstein durante as filmagens de O Prado de Bejin)


Boris Shumiatsky, ferrenho inimigo de
Eisenstein, ordenou a suspensão dos trabalho
com  O Prado de Bejin  em  1937,  alegando  que  o
cineasta   desperdiçou   o   dinheiro   do   Estado.  Em
1938,  Shumiatsky   será   demitido   e  preso,   sob a
acusação  de  esbanjar   dinheiro  ao  cancelar
produções como a de Eisenstein (27)

O próprio Kulechov se viu obrigado a criticar o colega, ainda que para cada questionamento ele admitisse ser tão culpado quanto Eisenstein: “Camaradas, preciso falar dos erros de Serguei Mikhailovich [Eisenstein] de forma especial, porque meu próprio trabalho artístico seguiu pelo mesmo caminho incorreto do trabalho de Serguei Mikhailovich. Cometi erros especiais. Mas meu trabalho artístico é tão repleto de erros que eu não posso falar dos erros dos outros sem me lembrar dos meus próprios” (28). Kulechov disse ainda que o erro dele e de Eisenstein foi uma preocupação excessiva em relação a aspectos artísticos do cinema, ao mesmo tempo demonstrando desconhecimento da realidade soviética. Por outro lado, na opinião de Kenez, ao afirmar que Eisenstein desconhecia a realidade soviética, nas entrelinhas Kulechov poderia estar elogiando seu colega ao sugerir que ele acreditava ser capaz de realizar um trabalho com sua marca pessoal. Por algum tempo, tanto a carreira quanto a própria saúde de Eisenstein (contraiu varíola, o que o obrigou a hospitalizar-se por vários meses) (29) estiveram em perigo. Em 19 de abril de 1937, ele escreveu à Shumiatsky humilhando-se e praticamente suplicando para que seu antigo inimigo o permitisse continuar a trabalhar. Admitiu novamente seus enganos e prometeu estudar marxismo e terminou dizendo que sem esse trabalho sua vida não fazia sentido. Shumiatsky não apenas ignorou o apelo, como escreveu a Stalin aconselhando a não permitir que Eisenstein voltasse a trabalhar como diretor. Eisenstein foi salvo por Viacheslav e Andrei Zhdanov, que lhe garantiram outra chance. Mesmo assim, o cineasta só conseguiu voltar ao trabalho quando a vez de Shumiatsky chegou (ele foi preso por alguma outra coisa que desagradou Stalin). Alexander Nevsky, seu próximo projeto, era outra peça de propaganda para o Partido e desta vez o próprio Stalin interveio em benefício de Eisenstein.


Notas:

Leia também:


1. TAYLOR, Richard. Sergei Eisenstein. Selected Works: Writings, 1934-1947. London/New York: I. B. Tauris, Vol. III, 2010. P. 369.
2. _________. Sergei Eisenstein. Towards a Theory of Montage. London/New York: I. B. Tauris, Vol. II, 2010. P. 404n46.
3. EISENSTEIN, Serguei M. A Forma do Filme. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. P. 139n2.
4. _________. O Sentido do Filme. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. P. 151.
5. KENEZ, Peter. Cinema and Society. From the Revolution to the Death of Stalin. London/New York: I. B. Tauris, 2008. P. 137.
6. Idem, pp. 134-8.
7. MACHADO, Arlindo. Sergei M. Eisenstein. Editora Brasiliense, 1982. P. 20.
8. Idem, pp. 20, 82.
9. Ibidem, p. 20.
10. KOVALOV, Oleg. The Russian Idea: Synopsis for a Screenplay. IN: BEUMERS, Birgit (Ed.). Russia on Reels. The Russian Ida in Post-Soviet Cinema. London/New York: I. B. Tauris, 2006. P. 16-7.
11. IVÁNOV, V. V. Dos Diários de Serguei Eisenstein e Outros Ensaios. Tradução Aurora Fornoni Bernardini e Noé Silva. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), 2009. P. 187.
12. KENEZ, P. Op. Cit., p. 97.
13. Idem, p. 38.
14. Ibidem, p. 92.
15. Ibidem, p. 60.
16. TAYLOR, Richard. Film Propaganda. Soviet Russia and Nazi Germany. London/New York: I. B. Tauris, 2ª ed., 2006. P. 99.
17. KENEZ, P. Op. Cit., PP. 41, 91, 129, 147.
18. Idem, p. 135.
19. Ibidem, pp. 127-8.
20. Ibidem p. 127.
21. Ibidem, p. 128.
22. Ibidem, pp. 130-1.
23. Ibidem, p. 132.
24. Ibidem, p. 17.
25. Ibidem, p. 136.
26. TAYLOR, Richard. Sergei Eisenstein. Selected Works: Writings, 1934-1947. London/New York: I. B. Tauris, Vol. III, 2010. P. 105.
27. ________. Op. Cit., 2006. P. 85.
28. KENEZ, P. Op. Cit., p. 138.
29. MACHADO, A. Op. Cit., p. 20.


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