“Eu não gosto de sua
ficção científica típica,
eu não a compreendo, eu
não acredito nela. O fato é que,
quando eu estava trabalhando
em Solaris, preocupava-me com
o mesmo assunto de [Andrei]
Rublev: o ser humano. Estes dois
filmes estão separados apenas
pelo tempo onde a ação
está acontecendo” (1)

Sinopse: Você se Conhece?
"Chris, ela só existe aqui,
na estação [orbital].
Não leve para a cama
um problema científico"
Dr. Snout procura convencer
Chris a abandonar Hary
Chris Kelvin é psicólogo, ele foi chamado para desvendar estranhas visões que os tripulantes de uma estação orbital andam tendo - e que pelo menos um deles insiste que não é demência. O grupo está na órbita de um planeta chamado Solaris, totalmente coberto por um oceano. Antes de viajar, Chris é informado da hipótese do Dr. Messenger, ele acredita que o oceano é um cérebro, mas ainda não sabe do que ele é capaz. Ao chegar à estação, Chris logo percebe que as coisas não estão bem. Pouco tempo depois, é sua própria esposa Hary, morta há dez anos, que se materializa diante de seus olhos.
Chris resolve colocá-la num foguete, mandando-a para o espaço. Mas ele a reencontra quando volta para seu quarto. O Dr. Snout, um dos tripulantes, procura tranqüilizar Chris dizendo que ela é apenas alguém do passado dele. Pior seria, argumenta Snout, se o oceano de Solaris materializasse algo que só existe na imaginação – fazendo referência a nossos pesadelos. Snout explica que tudo leva a crer que o oceano captou de seus cérebros algo como pequenas ilhas de memória. (imagem abaixo, antes do suicídio, Gubarian deixa mensagem para Chris, a seu lado alguém que o oceano trouxe de sua memória)
Chris conclui que outra Hary surgirá a cada tentativa de destruir a anterior. Os seres criados pelo oceano são imortais, podem ser mortos, mas sempre haverá uma ressurreição. Por outro lado, eles podem ser bastante complexos. Na verdade, o filme gira em torno também de uma crise de identidade de Hary. Ela não sabe quem é, mas percebe que é idêntica a falecida esposa de Chris. Até que pergunta a Chris: e você, se conhece? Ele responde que todos os humanos se conhecem, indicando que Hary não é humana. Nesta resposta ele mostra também uma concepção ingênua da humanidade.
Durante essa estranha crise de identidade de um clone, Hary até tenta o suicídio inalando oxigênio líquido, acreditando que assim pode morrer congelada. Snout comenta com Chris que as coisas devem piorar, pois quanto mais ela fica com ele, mais ela se torna humana. Em seguida, assistimos com Chris, essa impressionante cena da ressurreição de Hary. Snout aconselha Chris a esquecê-la, o doutor insiste com o psicólogo que Hary só existe ali na estação orbital, sugerindo que ele “não leve para a cama um problema científico”. (imagem abaixo, dr. Snout explica para Chris o que é Hary)
Por alguns instantes, durante a seqüência da sala de espelhos, Chris confunde Hary com sua mãe. Durante esse delírio de Chris, acompanhamos uma longa conversa entre mãe e filho. Ao acordar, Snout o comunica que na sua ausência Hary conseguiu se aniquilar de uma vez por todas. Relata também que começaram a se formar estranhas ilhas no oceano de Solaris. Na próxima seqüência, vemos Chris na Terra, caminhando no campo ao redor da casa de seu pai, a mesma que conhecemos no início do filme. Descobrimos logo depois que ele não está na Terra, mas numa das ilhas no oceano de Solaris.
Tarkovski e o Karma

"Chris, ela só existe aqui,
na estação [orbital].
Não leve para a cama
um problema científico"
Dr. Snout procura convencer
Chris a abandonar Hary
Chris Kelvin é psicólogo, ele foi chamado para desvendar estranhas visões que os tripulantes de uma estação orbital andam tendo - e que pelo menos um deles insiste que não é demência. O grupo está na órbita de um planeta chamado Solaris, totalmente coberto por um oceano. Antes de viajar, Chris é informado da hipótese do Dr. Messenger, ele acredita que o oceano é um cérebro, mas ainda não sabe do que ele é capaz. Ao chegar à estação, Chris logo percebe que as coisas não estão bem. Pouco tempo depois, é sua própria esposa Hary, morta há dez anos, que se materializa diante de seus olhos.




Tarkovski e o Karma
o homem não seja capaz”
Dostoyevski
As lembranças dos tripulantes, boas e ruins, tornam-se reais. É a ação do mar que cobre Solaris. Chris Kelvin, o investigador, torna-se parte do enigma. Sua esposa, que se suicidou há dez anos, se materializa. Algo de que Chris é culpado, porém é tarde demais para corrigir, porque Hary já morreu. O coração sabe que ele não a amou o suficiente, que a magoou mortalmente, então ela partiu para a não-existência. Mas ela não partiu! No fundo, está cada vez mais próxima dele. Cedo ou tarde, Chris irá confrontar essa realidade (2).

Tarkovski era profundo conhecedor da bíblia, mas também se interessou pela problemática do Karma. Que vida viveríamos se tivéssemos a chance de voltar em circunstâncias diferentes? Kelvin teve outra chance, mas subconscientemente reencontrou no espaço sideral aquilo que o torturava, a mulher que negligenciou a ponto de deixar ela própria se perder. Tarkovski sempre se interessou pela alma humana, por aquilo que o homem é capaz. Ele costumava citar Dostoyevski: “Não há horror do qual o homem não seja capaz” (4).
Mulher Sonhada

“Você ama o que pode perder.
A si mesmo, uma mulher, sua pátria.
Até hoje, a humanidade, o mundo,
ficou fora do alcance do amor”
Chris Kelvin no ápice de sua
confusão/iluminação mental



Uma Imagem do Outro Mundo

concretas. Era muito importante
para ele não aconselhar ninguém.
Ele queria extrair o melhor de
você deste jeito, algo que nem
você podia esperar de si (...)”
Eduard Artemiev, compositor,
autor da trilha sonora de Solaris (6)




Parceria Difícil

“Eu tenho reservas
fundamentais à sua adaptação.
Primeiro de tudo,uma vez que o
filme deve [submeter-se ao livro],
eu teria gostado de ver o planeta Solaris,
o diretor infelizmente me impediu. Em segundo lugar, como disse para
Tarkovski numa de nossas brigas, ele
não fez Solaris de jeito nenhum,
fez Crime e Castigo”(9)



“Meu Kelvin decide
ficar
no planeta sem nenhuma
esperança de nada, enquanto
Tarkovski criou uma imagem onde
algum tipo de ilha surgia, e nessa ilha
no planeta sem nenhuma
esperança de nada, enquanto
Tarkovski criou uma imagem onde
algum tipo de ilha surgia, e nessa ilha
uma cabana. E quando eu soube da
cabana e da ilha eu fiquei irritado.
Esse é um molho emocional no qual
Tarkovski mergulhou seus heróis,
para não mencionar que ele amputou
completamente a paisagem científica e em
seu lugar colocou muitas esquisitices
que eu não entendo” (11)
cabana e da ilha eu fiquei irritado.
Esse é um molho emocional no qual
Tarkovski mergulhou seus heróis,
para não mencionar que ele amputou
completamente a paisagem científica e em
seu lugar colocou muitas esquisitices
que eu não entendo” (11)



“(...) Ocorre que, apesar dele ser um perfeito cara mediano, assim parecia, permanece num alto grau de espiritualidade. É como se condenasse a si mesmo, ele foi bem dentro do problema e olhou-se no espelho. Ocorre que ele foi um homem espiritualmente rico, apesar de suas limitações intelectuais aparentes (...). Quando fala com o pai, é claramente maçante. Em sua conversa com Berton, fala de trivialidades sobre conhecimento, moralidade, conta algumas estórias banais; assim que começa a formar seus pensamentos, ele se torna banal. Mas se transforma num ser humano quando começa a sentir algo ou sofrer. Isso deixava [Stanisław] Lem completamente insensível. Totalmente insensível. Eu estava profundamente sensível a isso. Quando o filme foi premiado em Cannes e alguém o estava felicitando, ele perguntou: ‘ E o que eu tenho a ver com isso? ’ Ele fez essa pergunta com ressentimento. Mas alguém poderia olhar de outra forma para isso e perguntar: ‘ De fato, o que ele tem a ver com isso? ‘. Se tratasse o cinema enquanto arte, ele compreenderia o filme. Uma adaptação para a tela, aparentemente, sempre surge das ruínas [do trabalho que está sendo adaptado], como um fenômeno completamente novo. Mas ele não via as coisas assim”
Notas:
1. Comentário de Tarkovski, disponível em: http://www.acs.ucalgary.ca/~tstronds/nostalghia.com/TheTopics/On_Solaris.html Acessado em: 10/03/2009.
2. Dos comentários de Natalia Bondarchuk em, Dossiê Tarkovski, volume II. Continental Home Vídeo, 2004.
3. Ver nota 1. Estas observações de Tarkovski sobre Solaris de alguma forma lembram as críticas que o cineasta italiano Michelangelo Antonioni fazia em relação à incapacidade das pessoas em repensar sua moral à luz das mudanças tecnológicas da sociedade industrial do pós-guerra.
4. Dos comentários de Eduard Artemiev, compositor da trilha sonora de Solaris, em Dossiê Tarkovski, volume II. Continental Home Vídeo, 2004.
5. Ver nota 2.
6. Ver nota 4.
7. Ver notas 1 e comentários de Romadin em Dossiê Tarkovski, volume II. Continental Home Vídeo, 2004.
8. Dos comentários de Vadim Yusov em Dossiê Tarkovski, volume II. Continental Home Vídeo, 2004.
9. Comentário de Lem a respeito do filme de Tarkovski baseado em seu livro, ver nota 1.
10. Disponível em: http://www.acs.ucalgary.ca/~tstronds/nostalghia.com/TheTopics/interview.html#On_Solaris Acessado em: 08/03/2009.
11. Ver nota 9.