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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de out. de 2018

Os Ciganos de Certo Cinema Europeu


(...) Estou morrendo de inveja vendo como você acaricia seu cão”

Última frase da canção interpretada por La Caíta (Maria del Carmen Salazar) na periferia de alguma cidade
 espanhola,  no  final  de  Caravana Cigana  (direção Tony Gatlif, 1993),   de  autoria do diretor,  um  cigano

Pelos Olhos dos Outros

Existem várias minorias espalhadas pelos países que compõem os Balcãs, mas somente os ciganos (Roma) ganharam visibilidade através do cinema, e são muitos os filmes onde são representados. Para citar apenas alguns títulos, as mulheres ciganas aparecem como heroínas românticas no início do cinema Iugoslavo em longas-metragens como Sofka (direção Radoš Novaković, 1948), Os Amores de Anita (Anikina Vremena, direção Vladimir Pogačić, 1954), Ciganka (Cigana, direção Vojislav Nanović,1953) e Hanka (direção Slavko Vorkapić, 1955). No grego Laterna, Ftoheia kai Filotimo (Realejo, Pobreza e Dignidade, direção Alekos Sakellarios, 1955), mulheres romani (ciganas) realizam uma dança estilizada para os protagonistas viajantes. No campo do documentário, a vida dos ciganos é o tema do macedônio Dae (direção Stole Popov,1979), do grego Stin Akri tis Polis (Na Borda da Cidade, direção Nikos Anagnostopoulos, 1975 [1995?]), Rom (direção Menelaos Karamaghiolis, 1989). Vários documentários foram realizados na Bulgária durante a década de 1990, como Vrabchetata na Choveshkata Rasa (Os Pardais da Raça Humana, 1990), Tsigani ot Vsichki Strani Saedinyavaite se! (Ciganos do Mundo, Unam-se!, 1994), Vassilitsa (O Dia de Vassil, 1995), Za Horata i Mechkite (De Pessoas e Ursos, 1995), Zhivot v Geto (Vida num Gueto, 1999) (1). 
Em 2001, Dina Iordanova enumerou quatro itens que em sua opinião norteiam a pesquisa em torno da representação dos ciganos no cinema dos Balcãs. Em primeiro lugar, os filmes enfatizam o excitamento do encontro com o estranho estilo de vida dos ciganos, sugerindo que tais encontros constituem uma experiência enriquecedora. A seguir, embora a maioria dos filmes tenha sido realizada por cineastas que não ciganos, são elas que definem a autorrepresentação dos ciganos em suas próprias produções. Terceiro, os Roma são apresentados em termos exóticos e normalmente sem demonstrar hostilidade em relação ao estrangeiro. Finalmente, nos Balcãs, em geral o discurso sobre as minorias é rudimentar, especialmente devido a certo esforço da mídia e do contexto político para impedir um questionamento direto das preocupações do passado e do presente em relação às minorias. Segundo Iordanova, a partir de 1989, uma série de fatores influencia direta ou indiretamente a maneira como eles são retratados no cinema: migrações em larga escala, perda de benefícios, desemprego em massa e aumento da criminalidade, uma variedades de medidas discriminatórias, o crescimento do sentimento anti romani, os ataques de skinheads e extermínios, inexistência de nações que defendam este grupo étnico. (imagem abaixo, pôster de Os Amores de Anita, Anikina Vremena, 1954)

O Pária Conveniente

Suposto interesse do cinema
balcânico  nos  ciganos   seria
puramente  egoísta, e  apenas
uma peça conveniente a mais
no interior  dos  mecanismos
de  “identificação  projetiva”
Grande parte os filmes realizados nos países dos Balcãs por não ciganos onde aparecem ciganos apresentam um mecanismo de “identificação projetiva”, uma vez que servem mais para apresentar os próprios não ciganos em termos positivos e apontar e refletir a respeito de sua própria marginalidade – onde povos balcânicos consideram os Balcãs em relação à Europa da mesma forma como os ciganos em relação a eles. Quando ciganos aparecem nos filmes como elementos exóticos, são considerados positivamente. Nessas produções, comportamentos inaceitáveis (batedores de carteira, por exemplo) são justificados em função da impossibilidade (pressão econômica e social) desses grupos encontrarem oportunidades positivas. Da mesma forma, os países balcânicos que se engajam em atividades consideradas inaceitáveis se justificam utilizando o mesmo argumento (ausência de oportunidades no comercio internacional, instabilidade política, embargos).


Assim como os ciganos são vulneráveis ao tratamento violento e cruel, porque não recebem auxílio de uma nação poderosa, os países balcânicos se sentem abandonados pelos poderes dominantes (2).
Em 1998, o antropólogo Marko Živković observou inclusive uma estratégia que seria premeditada, por parte de cineastas iugoslavos (neste caso, os sérvios). Ao desenvolver enredos com ciganos, na verdade, estariam interessados em explorar sua própria condição nacional difícil em relação ao contexto europeu mais amplo. Isso porque, explicou Živković, os ciganos são párias exemplares, banidos, proscritos, o fundo do poço das hierarquias internas por toda a Europa. Assim, os Balcãs seriam os párias da Europa. Porque um urbanóide de Paris, pergunta Živković, estaria interessado nos problemas cotidianos de um urbanóide de Belgrado? Barbarismo, violência e exotismo cigano são muito mais sexy. Ainda segundo Živković, para a periferia isso pode resultar em benefícios materiais e imateriais, desde o aumento da receita com o turismo até a Palma de Ouro no Festival de Cannes – aqui o antropólogo provavelmente se refira ao caso de Underground (1995), do bósnio-sérvio Emir Kusturica. (imagem abaixo, pôster de Ciganka, Cigana, 1953)


Na  Europa  Ocidental, 
a representação  de  ciganos
 em filmes também segue clichê
do exótico avesso  à  regra social
e  à  lei  fora  de  seu grupo, o que
denota  a  amnésia  cultural  do
Ocidente  em  relação  aqueles
que  mantém  fora  de  suas
leis e ordem econômica (3)


Antes de qualquer coisa, é preciso não perder de vista neste debate que, na verdade, cineastas como Kusturica foram atacados durante a década de 1990, acusados de tentar humanizar países que promoveram massacres nos Balcãs (como os sérvios). O antropólogo Mattijs van de Port vai além da identificação projetiva entre sérvios e ciganos, encontrando elementos deste fenômeno também na própria vida cotidiana e na literatura dos primeiros. Para van de Port, a identificação projetiva aqui consiste no fato de que os ciganos representam o que os sérvios são, embora não lhes seja permitido ser... Em sua opinião, esse interesse nos ciganos é puro egoísmo. 


“Não se deve considerar que os sérvios estão interessados nos próprios ciganos. Quando derramaram uma lágrima diante do lamentável destino dos ciganos no filme de Kusturica, quando cantam tempestuosamente uma estrofe de uma canção cigana sentimental, quando refletem a respeito de um poema cigano de Glisić ou Dretar, eles se encontram em contato com o conhecimento social implícito para o qual a figura do cigano se tornou um repositório” (4)
Com Gata Preta, Gato Branco (Crna Mačka, Beli Mačor, 1998), Kusturica queria realizar um filme apolítico, mas acaba fazendo uma declaração política em relação ao estado de coisas  nos Balcãs da época (um bandido cujas atitudes mandonas são odiadas pela família inteira se torna alvo de uma piada e acaba caindo na privada). Iordanova lembra que às vezes os paralelos políticos são explícitos. É o caso do macedônio Stole Popov, ele admitiu que ao focalizar nos ciganos em Gypsy Magic (1997) sua real intenção foi ilustrar a condição de incerteza experimentada por seu país no início dos anos 1990, quando, após precipitadamente declarar sua independência, mergulha num período de transição para o qual não estava preparado. Chernata Lyastovitza (Andorinha Preta, 1996), do búlgaro Georgi Dyulgerov é outro desses filmes ciganos auto reflexivos, abordando todos os problemas da Bulgária contemporânea (aumento da violência e da corrupção, declínio da economia e isolamento internacional). (imagem abaixo, pôster de Hanka, 1955)


Boa  parte  dos filmes  de  cineastas
dos  Balcãs  que  mostram   ciganos
não se interessam por  eles,  apenas
os utilizam para falar de si mesmos


Iordanova admite que o interesse do cinema iugoslavo pelos ciganos levou à realização de filmes memoráveis, como Skupljači Perja (Ciganos Felizes, conhecido também como Até Encontrei Ciganos Felizes, direção Aleksandar Petrović, 1967), Quem Está Cantando Aí? (Ko to Tamo Peva, direção Slobodan Šijan, 1980), Anđeo Čuvar (Anjo Guardião, direção Goran Paskaljević, 1987) e Vida Cigana (Dom za Vesanje, direção Emir Kusturica, 1988). Todos eles, Iordanova insistiu, tratam a herança Roma com respeito e possuem ótimas trilhas musicais, constituem representações etnográficas autênticas e realistas, com a idealização e estilização reduzidas ao mínimo. O problema é que seu próprio interesse nos ciganos é definido e impulsionado por necessidades de identificação projetiva.
Embora cada vez mais os próprios ciganos estejam estudando sua própria história e representação (como no trabalho do antropólogo búlgaro Asen Balikci, que entregou câmeras de vídeo aos ciganos, que realizaram um trabalho etnográfico excelente em Roma Portraits, 1995-8, mas pouco visto fora do círculo acadêmico), no cinema isso ainda não forma um padrão. A exceção citada por Iordanova é Tony Gatlif, cineasta francês de origem argelina-cigana cujos trabalhos se tornaram conhecidos nos anos 1990, sendo aceitos como as representações definitivas dos Roma. Inicialmente focado nos ciganos franceses, com Les Princes (Os Príncipes, 1983), expande o espectro com Caravana Cigana (Latcho Drom, 1993), com música e ciganos da França, Espanha, Turquia, Romênia, Rajastão, até 1997, quando os ciganos dos Balcãs são focados em O Estrangeiro Louco (Gadjo Dilo), com os ciganos da Romênia. De qualquer forma, observa Iordanova, neste último caso o protagonista ainda não é um cigano, ao contrário d de filmes realizados por Emir Kusturica e Aleksandar Petrović, onde a narrativa é deixada sob o controle de protagonistas ciganos.

Enquanto isso, no Planeta Kusturica...


(...) Quando fiz Vida Cigana me perguntei como fazem
os ciganos para viver no meio dessa loucura recusando o mundo industrial. Provavelmente graças  à  música (...)

Emir Kusturica

 O cineasta comentava durante entrevista que os Iugoslavos não desenvolveram o individualismo 
porque  nunca  conheceram  a  civilização  industrial.  Por  outro  lado,  foram  capturados,  para  o
melhor e o pior,  pelo  coletivismo, pelo  espírito  coletivo  ancorado  em  sentimentos  tribais  (5)

Durante as filmagens de Vida Cigana, Kusturica tentou posicionar uma velha cigana contra a parede de uma casa cigana com uma arquitetura que o cineasta considerava muito bela. A luz vinha da janela, e havia reflexos da chuva no rosto dela e na parede. Ele queria que a cigana agisse naturalmente, que falasse e se movesse, mas sem sair do quadro desse plano muito elaborado. Nesse momento, Kusturica compreendeu que por toda sua vida tentou realizar uma conexão que naquele momento admitiu impossível, entre a liberdade de movimento do Neorrealismo e a potência de evocação do quadro no Realismo Poético (6). Na verdade, ao dizer isso, Kusturica estava respondendo a um entrevistador, que perguntou se neste filme ele estaria levando um pouco os atores para o registro de Michel Simon (no papel de père Jules), entre brincadeira (farsa) e tragédia, em O Atalante (L'Atalante, direção Jean Vigo, 1934). É fato que Kusturica tem este filme francês em alta conta, onde para ele se pode encontrar o equilíbrio mais perfeito entre o diálogo e a ação. Mas é o caso de perguntar se uma cigana seria ela mesma se estivesse preocupada em manter-se dentro do quadro. Talvez, o cineasta não estivesse pensando nela:

“Representar o isolamento Roma em relação à corrente principal da sociedade deu aos cineastas uma chance de abordar simultaneamente uma ampla gama de instâncias de marginalização – das experiências pessoais de ostracismo à declarações gerais a respeito de nações problemáticas em transição. Emir Kusturica, por exemplo, que possui em seu crédito dois filmes focados exclusivamente nos Roma (Vida Cigana e Gata Preta, Gato Branco), se comparou a um cigano em algumas entrevistas que deu em 1999 e 2000, referindo-se à continuidade de sua própria migração e relações problemáticas ” (7)



No final de Underground, a música cigana  transporta
 todos os habitantes da ilha para além de suas querelas 

Serge Grünberg (8)
Noutra situação menos sutil envolvendo ciganos durante as filmagens de Underground (conhecido também como Underground - Mentiras de Guerra, 1995) o cineasta contou a respeito da dificuldade em novembro de 1993 para trazer os músicos desta etnia à Praga, na atual Chéquia (ex-Tchecoslováquia, ainda República Tcheca naquele ano). Aqueles ciganos nunca haviam atravessado a fronteira entre a Iugoslávia e a Hungria. Ciganos que são, nunca tiveram passaportes, e os guardas pediram mil marcos alemães por cada um deles. Kusturica pagou porque a ausência deles comprometeria seriamente as filmagens. Então o cineasta desabafou: “(...) Definitivamente, seja qual for o país do leste [da Europa], os párias são sempre os mesmos (...)” (9). A seguir, Kusturica começa a ter problemas com alguns atores ciganos, que pedem revisão do contrato. Além disso, devido à ocorrência de duas mortes, durante as filmagens de Underground correu o rumor de uma maldição e alguns ciganos foram embora. O cineasta ressaltou que sua experiência em Vida Cigana ensinou que os ciganos deveriam ser pagos no final das gravações, devido à tendência de pegar o dinheiro e sumir.



“Era  natural  utilizar a musica cigana,  já  que  o  filme  fala
da história de um país onde não existe muita música. Na Iugoslávia, 
 a única música verdadeiramente autêntica é a dos ciganos” 

Goran Bregović, a respeito da música que compôs para Underground (10)

Durante as gravações de Underground, a cantina era uma verdadeira corte dos milagres [referência ao bairro da Paris do século XVII onde os mendigos sumiam da noite para o dia]. Os ciganos, que não eram pagos por Kusturica, não tinham outra coisa a fazer senão assombrar o local. Quando Kusturica finalmente consegue resolver os problemas com a orquestra de ciganos, que passará de cinco para nove membros, recebendo o mesmo salário, o pai de um pequeno virtuose violinista que o cineasta mandou trazer de Viena (basicamente só para aparece, mas que custava dois mil dólares por dia) disse que não queria que o filho aparecesse na imagem junto com os ciganos porque isso poderia prejudicar a carreira do menino (11). 

Enquanto isso, na Hungria...

Curiosamente, não  existe  um  equivalente
dos filmes com ciganos  de  Emir Kusturica.
A  marginalização deles no cinema húngaro
 garante que sequer  apareçam  como  vilões, 
mulheres sedutoras ou feiticeiras, como em
alguns  filmes  ingleses e norte-americanos


Na maioria dos filmes ocidentais dos anos 1930 e 1940 os ciganos da Europa Oriental são encaixados no estereótipo das figuras que vivem próximo ao demoníaco, poderíamos citar O Lobisomem (The Wolf Man, 1941), do ciclo de filmes de horror da Universal, o famoso estúdio estadunidense, que representa o tratamento hollywoodiano do “exótico europeu”. Tudo isso se encaixava perfeitamente ao nível elevado de ódio, medo e insulto direcionado aos ciganos na própria Europa oriental em geral, e na Hungria, em particular (12).


Durante a Segunda Guerra Mundial, esse ódio se manifestou, e dos supostos 500 mil executados pelos nazistas, aproximadamente 60 mil eram húngaros – muitos foram usados como cobaias em experimentos médicos num campo de concentração localizado na Alsácia, tomada da França, Natzweiler-Struthof (13). O fato de o país entrar na guerra do lado de Hitler apenas facilitou a perpetração do extermínio. Com o fim do conflito a situação não melhorou muito, já que o estilo de vida livre dos ciganos não se enquadrava no Estado comunista húngaro centralizado e no desejo stalinista de planejamento e controle de cada faceta da sociedade, sem mencionar que a adoção do trabalho fabril os privou de seu artesanato tradicional e subsistência. Enquanto isso, um pouco mais ao sul, em 1950 a Bulgária expulsa 140 mil turcos e ciganos.

De fato, no panorama do rearranjo étnico dos pós-guerra na Europa, os ciganos nem tinham muito para onde ir, pois eram tão malvistos quanto os judeus em quase toda parte (14). Aos ciganos eram reservados os piores serviços e os mais baixos salários, em locais muitas vezes apenas um pouco mais do que guetos – um dos resultados foi justamente o abandono do estilo de vida nômade. Se não eram simplesmente exterminados como durante a guerra, agora toda sua cultura, arte e linguagem lhes era negada, restando pouco para preservar sua autoestima e identidade. A queda do Comunismo em 1989 não melhorou a situação, desemprego, baixa escolaridade, assistência de saúde deficiente, moradias ruins e extrema pobreza demonstram que a Hungria não assimilou os ciganos – houve um aumento da animosidade em relação aos ciganos, particularmente na Chéquia (então Tchecoslováquia), Polônia e Hungria; na Bulgária, revoltas eclodiram no outono de 2011 após uma série de demonstrações racistas contra os ciganos (15).



O Cigano (1941), é um dos poucos filmes húngaros a tratar
os  Roma  como  personagens  centrais  e  importantes

De acordo com John Cunningham, não existe na Hungria um equivalente dos filmes com ciganos como na obra de Emir Kusturica – pelo menos até 2004, quando o estudioso emitiu esta opinião. Em muitos filmes húngaros anteriores à Segunda Guerra Mundial, quando eventualmente eles aparecem, estão em bandas de música para oferecer certo sabor folclórico. De fato, a música é uma das atividades que dá aos ciganos algum status ou respeito entre a comunidade daquele país – tais músicos ainda são requisitados para casamentos e celebrações, especialmente em áreas rurais. Isso acontece inclusive no interior da comunidade cigana, onde os músicos detém o status mais elevado – mais até do que médicos, que no começo dos anos 2000 contavam apenas quatro no país. Adaptação do romance de Alfréd Deésy, O Cigano (A Cigány, 1941) é um dos poucos filmes a tratar os ciganos como personagens centrais e importantes. Cunningham explica que a marginalização dos ciganos no cinema húngaro é tão grande que eles nem aparecem nos cartazes como vilões, mulheres sedutoras e feiticeiras, como é o caso, digamos, em alguns filmes ingleses e norte-americanos.



A  vida  dos  ciganos não é bem representada em filmes de ficção
húngaros. Exceção controversa é Assassinatos de Crianças, 1993

O resultado de todo esse ostracismo foi a produção de documentários que mostram os costumes, a vida e os problemas enfrentados pelos ciganos. Cunningham cita Cigányok (Ciganos, direção Sándor Sára, 1963), Földi Paradicsom (Paraíso Terrestre, direção Pál Schiffer, 1983), Zöld az erdő, Zöld a hegy is, a Szerencse jön is megy is... (A Floresta é Verde, a Montanha é Verde, a Sorte Vem e Vai, direção Miklós Jancsó e József Böjte, 1996), cujo título vem de uma música cigana que fala de seu destino, e Sírsz Magyarországért, Sírjál! (Você Está Chorando pela Hungria, Chore Então! I-II, direção Béla Szobolits, 2002; erroneamente, o autor confunde o diretor com Béla Szabó). A controvérsia envolve este último, que conta a história de um grupo de ciganos da cidade de Zámoly (oeste de Budapest) que tenta levar à corte de Direitos Humanos, em Estrasburgo, uma denúncia de perseguição sofrida por eles na Hungria e solicitar asilo na França.
Cunningham segue explicando que a vida dos ciganos húngaros não é bem representada em filmes de ficção. Uma exceção controversa é Gyerekgyilkosságok (Assassinatos de Crianças, direção Ildikó Szabó, 1993) – Zsolt tem doze anos e conhece Juli, uma garota cigana grávida que vive num vagão abandonado. Quando Juli sofre um aborto espontâneo e Zsolt a ajuda a descartar o cadáver do bebê jogando-o no rio Danúbio, eles são vistos por uma das crianças locais que havia ridicularizado Zsolt por sua amizade com ela, a polícia é informada. Juli é levada para um hospital da prisão onde se enforca. Zsolt silenciosamente se vinga do informante. Simbolicamente, os assassinatos de crianças a que o título do filme se refere são as muitas maneiras pelas quais as almas das crianças são devastadas pela negligência, indelicadeza e crueldade. Cunningham também sugere Paramicha, vagy Glonci, az emlékező (Paramicha, direção Júlia Szederkényi, 1994), onde Glonci é um cigano velho submetido a uma experiência que o permite visualizar suas memórias. Ele foge, mas uma equipe de documentário o encontra. Glonci será submetido a uma cirurgia no cérebro da qual ele volta em estado semivegetativo. Cunningham resume o panorama em 2004:

“Até onde eu saiba, nenhum membro da comunidade cigana até o momento está em condições de realizar seus próprios filmes a respeito de si mesmos; ciganos inevitavelmente foram objeto de filmes feitos por não ciganos. Mas existem pequenos sinais de uma mudança geral, em anos recentes uma Escola Cigana foi inalgurada em Pécs, espacializada no uso da cultura cigana em seus métodos de ensino, e o primeiro personagem apareceu numa novela da televisão húngara. na esfera política mais ampla, os primeiros passos foram dados na organização de ciganos politicamente. Aonde isso vai levar, ninguém adivinha, mas esses são pequenos sinais de que reavaliação e reflexão estão acontecendo, pelo menos em alguns círculos. Que papel o cinema desempenhará nisso é, ainda, incerto” (16)




Leia também:
O Czar e a Sétima Arte: Cinema Russo Antes da Revolução
Este Corpo Não Te Pertence: A Mulher Fascista

Notas:

1. IORDANOVA, Dina. Cinema of Flames. Balkan Film, Culture and the Media. London: British Film Institute, 2001. Pp. 213-4, 229.
2. Idem, pp. 215-226.
3. Ibidem, pp. 218.
4. Ibidem, pp. 217-8.
5. KUSTURICA, Emir; GRÜNBERG, Serge. Il Était une fois... Underground. Paris: Cahiers du Cinéma/CiBY2000, 1995. P. 21.
6. Idem, p. 31.
7. Ibidem, pp. 218-9.
8. Ibidem, p. 106.
9. Ibidem, p. 70.
10. Ibidem, p. 85.
11. Ibidem, pp. 70-1.
12. CUNNINGHAM, John. Hungarian Cinema. From Coffe House to Multiplex. London/New York: Wallflower Press, 2004. Pp. 40, 180-2, 230n15/n17.
13. LOWE, Keith. Continente Selvagem. O Caos na Europa Depois da Segunda Guerra Mundial. Tradução Rachel Botelho e Paulo Schiller. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. P. 103.
14. Idem, pp. 283-4.
15. Ibidem, p. 410.
16. CUNNINGHAM, J. OP. Cit., p. 182.

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