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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

15 de dez. de 2019

A Propaganda Nazista e a Construção de Inimigos


“A  propaganda
política   é   mais   eficaz
em tempos de  incerteza,
e  ódio é geralmente  seu
auxílio mais fértil” 

David Welch (1)

Cultura e Terror

Durante discurso proferido na Câmara de Cinema do Reich (Reichsfilmkammer) em 15 de fevereiro de 1941, portanto a Segunda Guerra já estava completando dois anos, o posicionamento de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Adolf Hitler, deixa claro aos analistas, da época e aos futuros, que qualquer análise da estratégia de propaganda para o cinema de massa na Alemanha durante o Nazismo que se restrinja a desqualificá-la, como estúpida e vulgar, está fadada a reafirmar uma miopia em relação ao tema. Dizia o Ministro: 

“Quando a guerra explodiu, houve vozes, mesmo nos principais círculos alemães, dizendo que agora não havia tempo para nos preocuparmos com a cultura, que a guerra afetava as mais elementares condições de nossa vida nacional, e que a cultura era apenas uma questão para tempos felizes, pacíficos... Eu me oponho veementemente a qualquer movimento para paralisar nossa vida cultural... Afirmei minha opinião de que a guerra deveria representar um desafio para o cinema alemão (aplausos)” (2). (imagem acima, Goebbels durante um de seus muitos discursos)

Desde o começo da guerra, a frequência ao cinema sobe a níveis astronômicos na Alemanha. Para Goebbels, uma das razões disso foi que os cineastas alemães rejeitaram o que ele chamou de “diálogos pálidos”, concentrando-se na representação da ação – que para Goebbels não está em oposição à eficácia do entretenimento escapista para alcançar o mesmo objetivo, detalhe que muitos especialistas no tema não prestam a devida atenção, concentrados que estão apenas nos filmes nazistas antissemitas mais famosos e, portanto, mais facilmente classificáveis. 
David Welch observa que muitas vezes, na propaganda nazista, essa ação é suplementada por uma grande dose de intimidação e medo. Goebbels acreditava que a propaganda não apenas deve ser apoiada pela força, mas que seu próprio conteúdo deve incitar à ação violenta. Em seu diário, Goebbels escreveu que “uma espada afiada deve sempre estar por trás da propaganda, se é para ser eficaz”. Eugen Hadamovsky, chefe da radiodifusão alemã, escreveu: “propaganda e terror não são opostos. Violência, de fato, pode ser parte integrante da propaganda” (3). (imagem abaixo, à esquerda, cartaz de Batismo de Fogo, 1940)

O Que Pensar, Como Pensar, Controvérsia, Verdade 

(...)  Essa  arma, 
que clama por ser
usada é  o  melhor
instrumento   de
propaganda (...)

Leon Trotsky

Declaração em 12 de julho de 1923 a respeito
da importância do cinema, ao Pravda, jornal
oficial  do  Partido  Comunista  Soviético  (4)


No contexto de uma guerra, é necessariamente mais simples, ou, pelo menos, a posteriori, definir o que é propaganda. Contudo, uma abordagem mais detalhada pode nos levar a um beco sem saída. Aquela mensagem nas embalagens de cigarro alertando para os problemas de saúde decorrentes do consumo daquelas substâncias, deve ser considerada propaganda ou informação? O fato de ser baseada em elementos científicos a torna imune aos valores morais de nossa sociedade ou à ideologia? O Estado avisa que faz mal à saúde, mas não deixa de recolher os impostos provenientes da venda. A propaganda já foi definida como manipulação de símbolos significativos ou emoções com o objetivo de neutralizar os poderes da razão humana. Bem... Mas ela é produzida por seres humanos! Como pode um ser supostamente racional disseminar irracionalidade? Não parece lógico... Mas, o que é lógico? Seja propaganda ou antipropaganda, ambas podem ser perfeitamente lógicas em suas mensagens. Existiria, como se pergunta Richard Taylor, algo definível como “propaganda racional”, ou a emoção reina suprema? Em caso positivo, como a distinguiríamos de informação ou educação? (5)
Desenvolvendo o argumento de J. A. C. Brown em Técnicas de Persuasão (6), para quem a educação pode ser tão aberta à desinformação quanto a propaganda, Taylor parece procurar desesperadamente uma luz no fim do túnel através da primeira:

“Escrevendo a respeito da distinção entre educação e ‘propaganda’, Brown observa que ‘educação’ ensina o povo como pensar, enquanto a ‘propaganda’ os ensina o que pensar. Esta é uma distinção que poderia ser adaptada de forma útil para distinguir entre informação e propaganda. Informação oferece oportunidades às pessoas, enquanto ‘propaganda’ diz a elas como utilizar tais oportunidades. Esta distinção é também certamente imperfeita, mas possui o mérito de dirigir o foco de atenção [ao] propósito, ao invés de técnica ou conteúdo. Também serve para sublinhar a tendência da propaganda ao estreitamento, em contraste com a perspectiva mais ampla da informação ou da educação. Isto não significa, contudo, que toda transmissão de ideias carregada de valor ou não desinteressada deva ser classificada como ‘propaganda’. Afinal, é quase inevitável que qualquer sistema educacional transmita os valores da sociedade da qual faz parte. Mas educação está preocupada em abrir mentes, ‘propaganda’ em como fechá-las. Aí reside a diferença vital, pois a educação levará seu público a questionar os valores nos quais ela própria está baseada, enquanto a ‘propaganda’ visa apenas fazer o público aceitar esses valores e, às vezes, atuar sobre essa aceitação” (7) (imagem abaixo, cartaz de Vitória no Ocidente, 1941)


“A propaganda dá força
e direção aos movimentos sucessivos   do  sentimento
e desejo populares,  mas não
faz    muito   para    criar    tais
movimentos. O propagandista
é   um  homem  que  canaliza
um riacho já existente.  Em
uma terra onde não existe
água, ele cava em vão”


Aldous Huxley (1894-1963)

Notes on Propaganda, Harper’s 
Magazine,  vol.  174,  1936



De acordo com Taylor, um dos princípios básicos do propagandista bem sucedido é tornar o mais não controverso possível às atitudes que deseja propagar, pois o cheiro de controvérsia levaria ao debate, expondo tais atitudes à contradição. O propagandista, continua Taylor, lida com drogas de sedação, não de estimulação, é através da anestesia que espera alcançar alguma reação. Contudo, o propagandista ainda fará uso da controvérsia como arma de seu arsenal, para construir um debate simulado em torno da questão para a qual ele fornece uma solução pronta. Tanto Nazismo quanto Bolchevismo, focos específicos do interesse de Taylor, utilizaram esta técnica para provocar uma “demanda” pela solução que, de qualquer forma, ambos desejavam impor, de maneira a conferir legitimidade falsa a suas ações.

“Ninguém (...) pode criar emoções ainda não existentes, e o propagandista limita-se a evocar ou estimular as atitudes adequadas a seu fim entre todas as existentes em seu público, atitudes essas que podem ser inatas, porém mais habitualmente são socialmente adquiridas. Como todas as motivações básicas do homem são condicionadas emocionalmente, o especialista recorrerá amplamente ao amor, raiva, medo, esperança, culpa, e quaisquer outros sentimentos, emoções e impressões úteis ao que tem em vista. Via de regra, ele desejará despertar um desejo por algum objetivo, para posteriormente [sugerir] ser ele o único que possui o meio de satisfazer aquele desejo; pode, porém, igualmente, tirar partido dos sentimentos de inadequação ou culpa do seu alvo a fim de induzi-lo a ‘querer fazer a coisa certa’ (...)” (8)

Taylor ressalta, a favor da controvérsia (disputa intelectual, contestação, polêmica), que ela não constitui parte essencial da propaganda, trata-se apenas de uma de suas técnicas. Da mesma forma, não é necessário que ela seja constituída de mentiras. De fato, a propaganda mais efetiva é a verdade, já que a longo prazo sua utilização permitirá ao propagandista ganhar a confiança do público. Na Segunda Guerra Mundial, esclarece Taylor, isto foi reconhecido pelos dois lados. A linha de separação é fina mas, em sua opinião, onde existe um tema público em relação ao qual as pessoas apresentam uma opinião pública, ali poderá haver tentativa de influenciar essa opinião através do que chamamos “propaganda” – Taylor dá um exemplo remetendo ao final dos anos 1970 do século passado, quando escreveu seu livro a respeito do tema: na Grã-Bretanha, por exemplo, a atitude do indivíduo em relação à reprodução e contracepção é geralmente considerada uma questão da consciência individual, enquanto na Índia, Itália e República da Irlanda, foi uma questão pública.

“O que é então ‘propaganda’? A propaganda é a tentativa de influenciar as opiniões públicas de uma plateia através da transmissão de ideias e valores. A utilização da palavra ‘tentativa’ implica ao mesmo tempo em que o objetivo da atividade é importante, mas que o resultado não. A propaganda pode falhar e ser vista como falhando. O verbo ‘influenciar’ é empregado em preferência a ‘controle’ porque o último é muito absoluto em suas implicações, e ‘persuadir’ ou ‘mudar’ porque a propaganda possui um significado mais amplo. A propaganda pode abranger tanto a confirmação das inclinações existentes quanto a ‘conversão’ àquelas que até então não eram aparentes; propaganda confirma e ‘converte’ (mas sujeito às reservas expressas por Huxley e já citadas [dois parágrafos acima]). A propaganda visa influenciar as opiniões públicas de um público: preocupa-se em influenciar opiniões e atitudes em relação a questões de interesse público, como já explicado, em assuntos que possam ser de interesse em um contexto, mas não em outro. Portanto, devemos incluir a palavra ‘público’: a propaganda é destinada a determinado público e manipula esse público de acordo com seus próprios objetivos. Finalmente, a propaganda exerce sua influência através da ‘transmissão de ideias e valores’: distingue-se, portanto, de pressões mais explícitas, como recompensa financeira ou ameaça ou uso de violência. Mas essas idéias e valores podem ser transmitidos diretamente, como em um discurso político, ou indiretamente por associação, através do uso de símbolos significativos, como bandeiras ou emblemas (...)” (9) (imagem abaixo, à direita, cartaz de Refugiados, 1933, perfil de Hans Albers e Käthe von Nagy, apresentando estrelas de cinema como fisionomias arianas idealizadas; durante o Nazismo, Albers foi o ator cuja figura física mais se aproximou do herói loiro com olhos azuis, dentre os protagonistas masculinos foi aquele que mais se aproximou de um Siegfried, de Os Nibelungos, inspiração tão cara à Hitler)


 “Uma das mídias  mais
 modernas  e  de   longo
 alcance que existe para
 influenciar  as massas”


Joseph Goebbels  

Declaração a respeito do cinema,
9 de fevereiro de 1934



Mas onde tudo isso, pergunta Richard Taylor,  se encaixa com o cinema? Naquela época, a partir da década de 1930 em diante, apesar da força que o rádio ainda manteria mesmo durante a Segunda Guerra, o potencial do cinema como arma de propaganda já havia sido amplamente reconhecido. Durante a década de 1920, Lênin, Stalin e Trotsky foram bastante explícitos. Em 1925, Lênin disse que “(...) de todas as artes, para nós o cinema é a mais importante” (embora tenha insistido que a censura é necessária para neutralizar filmes contrarrevolucionários e imorais) (10); em 1924, Stalin o descreveu como “o maior meio de agitação em massa” (fala que inspirou a redação da Resolução do 13º Congresso sobre Cinema, em 29 de maio, que entre outras providências reafirma a necessidade de concretizar um controle ideológico do cinema) (11); em 12 de julho de 1923, depois de citar os benefícios de usar o cinema para divulgar educação, saúde e divertimento para os trabalhadores, Trotsky foi direto ao ponto: “(...) essa arma, que clama por ser usada, é o melhor instrumento de propaganda (...)” (12). Em 9 de fevereiro de 1934, Goebbels declarou que o cinema é “uma das mídias mais modernas e de longo alcance que existe para influenciar as massas” (13).
Na opinião de Taylor, o fato de o cinema constituir um elemento puramente visual faz dele a única e verdadeira mídia de massa. Para ele, escrevendo em 1979, portanto antes da Internet (com seus robôs, fake news e deep fake), seja a imprensa, o rádio e ou televisão, todos perdem para o cinema. Quando se refere a “puramente visual”, Taylor remete ao cinema mudo, sugerindo que ao introduzir palavras e/ou legendas o cinema diminuiu sua eficácia porque as pessoas só o compreendem se receberam treinamento (alfabetização). De qualquer forma, insiste que mesmo o cinema falado se apoia principalmente em seu impacto visual, agiam mais nas emoções do que no intelecto da plateia. Observa também que o cinema é a única mídia de massa que se dirige a uma plateia que é ao mesmo tempo uma massa. A imprensa, o rádio, a televisão, ao comunicarem-se geralmente o fazem com um indivíduo isolado (em sua casa, no carro, no ônibus, no elevador...) - neste exemplo até poderíamos por nossa conta incluir a internet.
Quando o cinema se dirige ao indivíduo, ele já é parte de uma multidão (dentro do cinema). Como na plateia de teatro ou de partidas de futebol, o indivíduo não está suscetível apenas à suas próprias emoções, mas reage também em interação com as emoções da multidão que o circunda. Concluindo, de acordo com Taylor quando o entusiasmo individual é despertado, ele/a se tornam como membros de uma torcida de futebol no estádio ou... um/a espectador/participante num comício em massa. Nessa hora, ele/a são como argamassa nas mãos dos propagandistas.

Capturando Inocentes Úteis

“Através de A Vitória da Fé
(Sieg des Glaubens)   de  1933
 e Triunfo da Vontade (Triumph
des   Willens)   de   1935,   Leni
Riefenstahl define a imagem
do   Nacional-Socialismo”

Jürgen Trimborn (14)


Em seu estudo a respeito da relação entre o cinema alemão durante o Nazismo (1933-1945) e a propaganda de massa, Welch aponta alguns dos mecanismos utilizados na construção e consolidação dos vilões ou bodes expiatórios básicos (no caso: judeus, britânicos e comunistas) necessários à consolidação do projeto de poder de Hitler, o líder totalitário de extrema-direita - a expressão “Nazismo” é uma contração de Nacional-Socialismo, em alemão: Nationalsozialismus.
Mas Peter Rentschler chama nossa atenção, não devemos nos enganar com a capacidade da propaganda nazista, ou pelo menos com o ponto de vista de Joseph Goebbels a respeito de como produzi-la. Encarregado do Ministério da Educação do Povo e da Propaganda do Reich (Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda), popularmente conhecido como Ministério da Propaganda (Propagandaministerium), Goebbels acreditava que temas encantadores e enigmáticos seriam mais maleáveis do que um espectador atormentado pelo terror audiovisual. O ministro repetidamente reclamava da falta de talento e incapacidade de cineastas e roteiristas alemães.
Um bom exemplo disso surge da comparação entre dois filmes antissemitas financiados pelos nazistas, O Judeu Süss (Jud Süss, direção Veit Harlan) e o nojento O Judeu Eterno (Der Ewige Jude), ambos produzidos em 1940. O segundo, que Hitler aprovou e Goebbels questionou, é cheio de insetos, ratos e tom antissemita truculento. O primeiro, que segue as diretivas de Goebbels, utiliza dados históricos para construir um vilão judeu que persegue a loirinha casada, fiel, ariana, angelical - em nenhum dos dois o famoso ator Hans Albers foi escalado - Albers foi o ator cuja figura física mais se aproximou do herói loiro com olhos azuis, dentre os protagonistas masculinos foi aquele que mais se aproximou de um Siegfried, de Os Nibelungos, inspiração tão cara à Hitler (15). (imagem abaixo, Goebbels discursa)



“Minta, minta que alguma coisa fica”

Frase atribuída a Joseph Goebbels

Rentschler insiste que com suas ideias Goebbels procurou politizar a arte do cinema como nunca antes havia sido realizado. Para o pesquisador, os filmes se tornaram uma forma de dominar as pessoas por dentro, ocupar um espaço psíquico, uma mídia de controle remoto emocional. Renegando o Expressionismo no cinema, que constituiu a mais alta expressão do cinema alemão na década de 1920 (a comédia no cinema alemão até a década de 1930 também constitui um capítulo a parte, contudo inexplicavelmente negligenciada pelos historiadores do cinema), mas que considerava símbolo da decadência que assolava a Alemanha, os guias de Goebbels estavam do outro lado do Oceano Atlântico, Hollywood e Walt Disney! Em 1937 Goebbels fez um pronunciamento:

“Quando a propaganda é percebida enquanto tal, ela se torna ineficaz. Quando a propaganda, mensagem política, viés, atitude, ficam no pano de fundo e surgem apenas em função do enredo, sequência, ação, ou contraste entre personagens, então ela se torna eficaz de todas as maneiras possíveis” (16)

Em pesquisa anterior a Welch e Rentschler, Taylor comparou soviéticos e nazistas quanto à utilização da propaganda. Lembrando que tanto Lênin, Stalin e Trotsky, quanto Hitler e Goebbels, portanto da esquerda à direita, de maneira bastante similar consideravam o cinema como a mais importante arma para a propaganda política de massa – as autoridades britânicas, que já se preocupavam com o avanço do Comunismo e talvez já previssem a inevitabilidade de uma guerra com a Alemanha, também estavam cientes desta importância, como evidenciam as conclusões do Comitê Moyne em 1936 (17). Taylor lembra que o Nacional-Socialismo de Hitler estava focado numa fé nas virtudes da nacionalidade orgânica (uma conexão que se perde nas brumas do passado) sob o slogan “Um povo, Um Império, Um Líder!” (“Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer”) – Führer: substantivo derivado do verbo alemão Führen: conduzir, dirigir, guiar; significa em primeiro lugar “dirigente”, “chefe”, “guia” (18).  

“O propagandista confia em que, se repetir uma informação muitas vezes, com o tempo ela será aceita pelo público. Uma variação dessa técnica é o uso de slogans e palavras-chave, por exemplo: ‘O Razoável para Todos’, ‘Mantenham o Mundo Seguro para a Democracia’, ‘Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer’, ‘Cerveja é Força’, etc. Frases assim, muitas vezes sem sentido, desempenham papel importante na política e na publicidade. No entanto, o que é ‘razoável’? O que é ‘democracia’?” (19)

A suástica nazista (cruz gamada na heráldica, em alemão Hakenkreuz, “cruz com ganchos”), que apontada para a direita, utilizada por Hitler e o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, NSDAP) devido à associação com os povos “arianos”, de quem alegam descender, passou a ser esse importante elo visual, essa marca..., do pertencimento a uma coletividade imemorial - embora na Ásia, de onde se original os arianos, a suástica possui outras conotações. Rentschler nos recorda como isso foi utilizado em A Volta para Casa (Heimkehr, direção Gustav Ucicky, 1941) – não confundir com O Canto do Prisioneiro, dirigido por Joe May, cujo título original também é Heimkehr; confusão que talvez o tradutor do famoso livro de Siegfried Kracauer, De Caligari a Hitler, para o português o fez ao traduzir o título literalmente, sem considerar o título com o qual o filme foi lançado no Brasil. (imagem abaixo, consta que o quadro foi pintado em 1938, quando a Alemanha anexou a Áustria)


“Por repetição até os asnos aprendem”

Provérbio Árabe

Enfim, na opinião de Rentschler, o filme de Ucicky, roteirizado pelo totalmente nazista Gerhard Menzel, é uma das obras mais repugnantes do período, repleto de cenas de ódio em que poloneses rasgam um colar de suástica da patriota alemã e apedrejando-a sem piedade. Rentschler aponta vários elementos contrastantes básicos da política nazista: a separação racista entre um mundo civilizado e um mundo primitivo, anticapitalismo (não confundir com pró-comunismo, a ala esquerda do partido nazista misturava antissemitismo com profunda suspeita em relação ao capitalismo liberal (20)) e antiamericanismo, além de sua retórica da “casa do Reich” (Heim ins Reich) (21). De acordo com Taylor, o filme de Ucicky marca uma apoteose da fé no slogan “Um povo, Um Império, Um Líder!”, que pode ser percebida na fusão entre sangue e solo que impregna o discurso de Maria Thomas no final. A população alemã da Polônia foi aprisionada, enquanto aguardam pela força aérea e os tanques alemães para libertá-los, ela conforta a todos com suas palavras:

“Apenas pensem como será, meus amigos, apenas pense em como será quando houver apenas alemães em torno de nós, quando entrar numa loja e não for Yiddish ou polonês que você vai ouvir, mas alemão! E não é apenas toda a aldeia que será alemã, mas tudo a nossa volta será alemão. E estaremos no meio disso, no coração da Alemanha. Apenas pensem meus amigos, como será! E por que não deveria ser assim? Estaremos vivendo no bom e velho solo quente da Alemanha. Em nosso próprio país e em casa. E à noite, em nossas camas, quando acordarmos de nosso sono, nosso coração vai acelerar de repente com o doce conhecimento de que estamos dormindo no meio da Alemanha, em nosso próprio país e em casa, cercados pela noite reconfortante e milhões de corações alemães que batem suavemente e como um. Você está em casa, meu amigo, em casa com seu próprio povo. Haverá uma sensação maravilhosa em nossos corações quando soubermos que o solo no campo e nosso pequeno pedaço de vida, a rocha, a relva ondulante, os ramos oscilantes da avelã e das árvores, que tudo isso é alemão. Assim como nós, pertencendo a nós, porque cresceu dos milhões de corações alemães que foram enterrados na terra e se tornaram terra alemã. Porque não apenas vivemos uma vida alemã, também morremos uma morte alemã. Mesmo quando estamos mortos, ainda somos alemães, ainda somos uma parte real da Alemanha. Um punhado de solo para nossos netos cultivarem milho. E do nosso coração as videiras crescerão no sol que não as queima, mas lhes dá luz, e dão às uvas sua doçura também. E a toda nossa volta os pássaros cantam, e tudo é alemão” (22)

Resumindo nas palavras de Taylor, ser alemão é alcançar o apogeu da conquista humana, é ter algo pelo que viver e morrer. Frequentemente os personagens dos filmes no do Nazismo retornam a este ponto, como demonstra Taylor fartamente. Perseguida pela polícia secreta soviética, a heroína de G.P.U.  (direção Karl Ritter, 1942) diz, “é preciso ter algo pelo que morrer – eu não posso viver”. Em Refugiados (Flüchtlinge, direção Gustav Ucicky, 1933), o líder já havia dito algo assim: “ser capaz de morrer por algo é a melhor coisa. Eu gostaria de uma morte assim”. No caso, esse algo é a Alemanha! Em Spähtrupp Hallgarten (Patrulha Hallgarten, direção Herbert B. Fredersdorf, 1941), o herói morreu “para que nosso povo possa viver”. Ele morreu, explica Taylor, mas seu nome vive nos anais do martírio ao lado dos nomes de Mocidade Heroica (Hitlerjunge Quex, direção Hans Steinhoff, 1933) e Horst Wessel em Hans Westmar (direção Franz Wenzler, 1933), o qual, significativamente, tinha como subtítulos alternativos Um de Muitos (Einer von vielen) e Hans Westmar. Um de muitos. Um destino alemão a partir do ano de 1929 (Hans Westmar. Einer von vielen. Ein deutsches Schicksal aus dem Jahre 1929) (23). (imagem abaixo, à direita, propaganda de Triunfo da Vontade na capa da revista de cinema Film Kurier, que circulou na Alemanha entre 1919 e 1945)


Depois que Hitler
anexou a Áustria em 1938,
Triunfo da Vontade foi exibido
 diariamente  para   casas   cheias. 
Onde não havia cinema, enviavam
veículos  equipados  com  telas. 
Isso se repetiu em outras
áreas ocupadas, como
Tchecoslováquia e
Polônia (24)



O sacrifício daqueles que morreram no golpe da cervejaria de Munique em 1923 é comemorado na sequência da bandeira de sangue de Triunfo da Vontade, enquanto a qualidade épica das bandeiras tremulantes superpostas a colunas de marchando para o futuro aponta para a metamorfose da morte em vida eterna e que, no Nacional-Socialismo, o espírito da nação vai durar para sempre. O ideal nacional que justifica o sacrifício do indivíduo combina elementos das virtudes tradicionais alemãs com aqueles da agressiva nova superior que Hitler estava tentando aperfeiçoar. O Nazismo repetia o Cristianismo e o Socialismo soviético ao enfatizar o pertencimento do indivíduo a um grupo maio, uma comunidade. O slogan nazista, “A comunidade antes do indivíduo”, se aproveita do fato de que este valor já estava incutido na cultura alemã em função do Cristianismo. 

“Com Triunfo da Vontade, Leni Riefenstahl foi agraciada com o Prêmio Nacional de Cinema, que Goebbels lhe apresentou em 25 de junho de 1935, e vários prêmios estrangeiros. Entre então estavam o prêmio para melhor documentário estrangeiro no Festival Internacional de Veneza em 1935 [Mussolini já estava no poder desde 1922] e o Grande Prêmio de 1937 na Feira Mundial de Paris em 1937, cujo júri, incluindo René Clair e Jacques Feyder, era liderado pelo pioneiro do cinema Louis Lumière. Depois de 1945, Riefenstahl procurou repetidamente utilizar o Grande Prêmio na Feira Mundial como evidência de que Triunfo da Vontade não tinha sido visto não como um filme de propaganda, mas como um documentário puro. Ela deliberadamente omitiu o fato de que na exibição do filme na França houve uma série de protestos por cidadãos franceses (e também por membros americanos e britânicos do júri) que se opuseram, em relação à função do filme enquanto propaganda, que Riefenstahl fosse homenageada. Mas o júri permaneceu impassível e manteve sua decisão; o prêmio homenageou o extraordinário talento de Riefenstahl, não suas opiniões políticas [- na mesma Feira Mundial, Albert Speer, arquiteto do Führer entre 1934 e 1937, para a sua e a surpresa de Hitler, recebeu o Grande Prêmio por seu modelo da construção da área do comício do Partido nazista em Nuremberg]. Leni ficou radiante ao receber o prêmio. Apesar de seu apoio a Hitler, com essa honra ela havia estabelecido um lugar para si mesma como diretora no cenário internacional.” (25) (imagem abaixo, à esquerda, cartaz de Kolberg, 1945; a Alemanha já estava quase perdendo a guerra quando Goebbels mandou retirar milhares de soldados da frente de batalha para fazer papel de soldado no filme)


(...)  Kolberg, 
de  [Veit]  Harlan,  se
tornou   um   emblema  da
crença inabalável do Terceiro
Reich no poder demagógico da
imagem. Nas palavras de Paul Virilio, Kolberg é a ilustração 
mais   impressionante   da
‘osmose  entre  guerra  e
  cinema industrial’” (26)

Taylor conta que a única resistência estava confinada aos intelectuais, confinados indistintamente pela Nova Ordem na vala comum dos bem conhecidos esquerdistas criadores de caso... Mas isso, quer dizer, a desobediência, não seria tolerada. Em Himmelhunde (Cães do Céu, direção Roger von Norman, 1942) um personagem observa: “Não temos tempo  para esses porcos que sempre colocam a si mesmos em primeiro lugar e questionam as razões para uma ordem, ao invés de simplesmente cumpri-la”. Aqui ele ecoa Hitler, que dizia, em 10 de novembro de 1938, que o povo “deve aprender a ser tão fanático em sua fé na vitória final que, ainda que sofra um ocasional revés, a nação interpretará isso como o que vou chamar de plano superior: isso vai passar, e no final a vitória será nossa! (...) Em outras palavras, é essencial, que de forma alguma se desconte ou discuta a possibilidade de erro, porque como princípio básico a honestidade da liderança deverá ser enfatizada repetidamente. Este é o cerne da questão” (27). 
Em Kolberg (Veit Harlan, Wolfgang Liebeneiner [não creditado], 1945), talvez a última grande tentativa de Goebbels para tentar convencer a população de que não estavam prestes a perder a guerra, o prefeito questiona uma ordem, mas, antes que sua pergunta seja respondida, explicaram a ele que “ordens são ordens”. Portanto, deve existir, conclui Taylor, uma hierarquia bem definida na sociedade, com uma massa que obedece a ordens. O Führer comanda, nós seguimos!


“Os jornais não são a nação”

Comentário  do  personagem  de  Otto  von  Bismarck
 quando criticado pela imprensa em Bismarck (1940) (28)

A figura do líder resume as melhores características de seu povo: força e determinação, devoção e simplicidade, humanidade e generosidade. Taylor observa que Triunfo da Vontade foi o único filme construído em torno do próprio Hitler – nisso ele era diferente de Stalin. O filme ofereceu um modelo de estereótipo do líder para ser copiado por muitos cineastas. Como no cinema soviético, Taylor comenta, a História se transforma numa arma eficiente. Naquele período, os dois exemplos mais frequentes colhidos da historia alemã eram os de Frederico II (1740-1786) e Otto von Bismarck (1815–1898), ambos representativos do “velho espírito prussiano” na propaganda dos nacionalistas de direita durante a República de Weimar – que precedeu o Nazismo. Em Die Entlassung (A Demissão, direção Wolfgang Liebeneiner, 1942), Bismarck afirma: “Conceitos abstratos são eternos. É o homem que vem e vai”. 
No final do filme ele reforça o ponto ao dizer tendo um retrato da coroação do Kaiser Wilhelm I atrás de si: “Meu trabalho está feito. É apenas um começo. Quem irá completá-lo?” A responde sugere Taylor, é óbvia! Criticado por jornalistas inúteis, Bismarck é apresentado como um homem de destino, um líder nato a quem devem ser entregue poderes ilimitados e que contrasta com os políticos briguentos e impotentes - alusão ao período de Weimar. Quando sua ajuda é ignorada, as circunstâncias provam que ele estava certo. Verdadeiro líder de seu povo, e servo do rei, em Bismarck, filme anterior, do qual Die Entlassung é uma sequência, ele comenta: “servos fiéis merecem mestres fiéis”. Um elo quase místico é assim estabelecido entre o líder e os seguidores, uma fé e confiança mútuas. E quando Bismarck sofre um atentado, como o filme é de 1940, o assassino tem de ser um judeu inglês.
Nos filmes nazistas, a figura paterna é articulada com a do líder. Ele é um protetor das mulheres e crianças, aventurando-se no mundo exterior para garantir o lugar de sua família nele. A mãe, figura emotiva tanto em filmes nazistas quanto soviéticos, assume seu papel principal no interior da família alemã, confinada aos três K: Kinder, Küche, Kirche (crianças, cozinha, igreja). A exceção, Olga Feodorovna, a heroína em G.P.U., apenas confirma a regra de a mulher irá se realizar apenas em seu supostamente sacrossanto papel tradicional no seio de sua família. A família, a comunidade, a nação, o líder, pontos de um contínuo no qual cada alemão deve encontrar seu lugar. (imagem abaixo, à esquerda, cartaz de Hans Westmar, 1933)

A Importância de Cultivar Inimigos

O dispositivo
estilístico de maior
destaque na propaganda
cinematográfica nazista
é  a  utilização  de
contrastes

De acordo com Welch, nos padrões de contrastes encontramos oposições entre Bem e Mal, a bela e o monstro, ordem e caos, etc. Com sua grande carga emocional (maior do que quando as nuances são mais sutis), o contraste força o indivíduo (guiando a simpatia da audiência com maior assertividade) na direção do comprometimento desejado pelos manipuladores. Para alcançar este objetivo, acredita Welch, a propaganda é auxiliada por uma necessidade humana de julgamentos de valor em termos simples, tipo “preto ou branco”. Isto é particularmente verdadeiro, continua, se um país está em crise ou guerra, quando existe necessidade crescente de simplificação das questões: então, enquanto o “outro lado” será identificado com o Mal absoluto, o “nosso lado” será acolhido como indiscutivelmente justo e todos se reunirá em torno de símbolos de unidade (29).

“Como o cinema soviético, o filme nazista tinha de criar um estereótipo negativo contrastante, um bode expiatório para explicar todas as mazelas do mundo. Havia três principais inimigos externos sobre quem a culpa por muitos infortúnios amontoados foi jogada: os judeus, os anglo-saxões (especialmente os ingleses) e os eslavos, fossem poloneses ou russos, liberais ou bolcheviques. Todas as três categorias de vilão apresentam as mesmas características gerais e ocasionalmente são deliberadamente confundidos: os judeus e os anglo-saxões (de qualquer forma, um nome usado para insinuar miscigenação) estão misturados em Os Rothschilds (Die Rothschilds, rebatizado As Ações dos Rothschilds em Waterloo, Die Rothschilds Aktien von Waterloo, direção Erich Waschneck, 1940), Tio Kruger (conhecido também como O Presidente Krüger, Ohm Krüger, direção Hans Steinhoff, 1941) (o repórter) e Bismarck (o assassino). Bolcheviques e socialistas eram muitas vezes de origem racial duvidosa, frequentemente possuindo feições claramente orientais. Isto se aplica ao papel desempenhado por um suspeito Paul Wegener semelhante a Lênin em Hans Westmar e ao papel do comissário bolchevique em Frísios em Perigo (Friesennot, direção Peter Hagen, pseudônimo de Willi Krause, 1935) (...)” (30) (imagem abaixo, à direita, Tio Kruger, 1941)


“Propaganda
não tem nada a
ver com verdade! 
Servimos  à  verdade
ao servir à vitória alemã”


Joseph Goebbels

Ministro da propaganda nacional-
socialista  de  Adolf  Hitler  (31)


Épocas de incerteza apresentam o solo mais fértil para a propaganda política, cujo fruto mais prolífico, geralmente, é o ódio. Esta é a opinião de Welch, para quem em qualquer sociedade o povo não aguenta ser mantido por muito tempo no limite do sacrifício e da convicção. Ele explica que mesmo durante os 13 anos de vigência do regime Nacional-Socialista, com todo o fanatismo implacável que exigia da população, alguma forma de diversão era necessária. O ódio ao inimigo, provavelmente a mais espontânea das reações, era manipulado para preencher tal necessidade. A maneira mais simples é levar cada um a atribuir todos os seus problemas a um estranho (outsider), alguém que de fora (ou quem se considera estar fora) do universo de todas as pessoas com determinado problema ou religião ou forma de vida. Ainda de acordo com Welch, o ódio faz parte das necessidades de um povo frustrado, e ao ser compartilhado constitui a mais potente de todas as emoções unificadoras.

“(...) Quer seja objeto do ódio o bolchevique [comunista], o judeu ou o anglo-saxão [britânico], tal propaganda tem sua maior chance de sucesso quando aponta claramente um alvo como fonte de toda miséria e sofrimento, contanto que o alvo escolhido não seja muito poderoso. A finalidade da propaganda é fornecer o objeto desse ódio, de forma a torná-lo uma realidade. Aliás, como observou Jacques Ellul: ‘a propaganda aponta inimigos que devem ser mortos, transformando assassinato num ato meritório... Ela abre a porta e permite que se matem os judeus, os burgueses, o comunista, e assim por diante; tal assassinato até se torna uma façanha’” (32)

O elemento mais marcante e evidente utilizado pelo cinema alemão daquela época (padrão reconhecível em várias outras mídias desde muito antes e até os dias atuais) para influenciar as atitudes sociais (modificando/ reforçando opiniões) foi o emprego de estereótipos

“(...) Neste contexto, a propaganda fornece ao indivíduo, na forma de slogans ou rótulos, o estereótipo que ele não terá mais que produzir sozinho. O reconhecimento de estereótipos é uma parte importante da compreensão da utilização de antissímbolos e da representação do inimigo na propaganda nazista. O inimigo é muito importante na propaganda veiculada pelo cinema, já que não apenas aponta um alvo que pode ser atacado, mas também oferece um bode expiatório, a maneira mais fácil de desviar a atenção pública dos verdadeiros problemas sociais e políticos da nação” (33) (imagem abaixo, SA Mann Brand, 1933)

Vilão nº1: Os Bolcheviques

Em  Minha  Luta,
sua autobiografia, Hitler 
conta  como   ligou  judeus
marxistas em Viena, antes 
da  Primeira  Guerra.  Em  15
de abril  de  1945, pela última
vez toca no assunto, durante
um   apelo   final   a   suas
tropas  e  à  nação (34)


O conceito anti bolchevique foi central para a visão de mundo (weltanschauung) do Nazismo. Juntamente com os judeus, isto formava o alvo principal dos insultos nazistas. De fato, explicou Welch, na ideologia nazista, o judaísmo era equiparado ao marxismo. Desta forma, a antiga União Soviética era para eles não apenas o centro do comunismo mundial, mas também ninho do que chamavam de “judaísmo internacional”. Desde 1924 o anticomunismo era um dos grandes temas da propaganda nazista, e Hitler enxergava a si mesmo como o cruzado que salvaria o mundo de judeus e marxistas (35).

“Não apenas os estereótipos vêm prontos para usar, tendo evoluído, seja conscientemente ou não durante considerável período de tempo. (...) [No contexto do Nazismo], frequentemente estão vinculados a mitos associados com outras nações, raças ou grupos. Este foi particularmente o caso em relação ao tema anti bolchevique na propaganda nazista. Em 1933, os nacional-socialistas estavam plenamente conscientes de sua força. Ao descobrir a conspiração judaico-bolchevista, os nazistas não apenas encontraram um bode expiatório para a derrota do exército alemão em 1918 e o vingativo Tratado de Versailles [Welch se refere à derrota do então Império Alemão na Primeira Guerra Mundial e as condições impostas pelos vencedores], mas também conseguiram apelar ao receio antigo das classes médias alemães ao retratar o bolchevique como o bárbaro untermensch (sub-humano). (...) Os comunistas formam o principal inimigo nos filmes de longa-metragem durante o Kampfzeit [tempo de luta] e o período da consolidação do poder de Hitler. Filmes como SA-Mann Brand [às vezes com subtítulo Ein Lebensbild aus unseren Tagen, direção Franz Seitz, 1933], Mocidade Heroica, e Hans Westmar [um dos três outros títulos é Horst Wessel - Ein deutsches Schicksal, direção Franz Wenzler, 1933] apresentam o inimigo compatível, decadente e totalmente subserviente aos desejos de Moscou. Contudo, se comparada à campanha antissemítica, o aspecto interessante da campanha anti bolchevique é que embora nunca estivesse longe do centro da propaganda nazista, tinha de ser continuamente suspensa ou modificada em função das demandas das relações diplomáticas com a União Soviética” (36)

Além da série de “filmes do partido” realizados em 1933, o primeiro longa-metragem a atacar abertamente o Bolchevismo e colocá-lo como ameaça tanto a Alemanha quanto à civilização ocidental foi Um das Menschenrecht (Pelos Direitos Humanos, 1934). O filme acompanha a vida de quatro amigos que retornam amargurados e desiludidos do campo de batalha em 1918 para uma Alemanha empobrecida e à beira da revolução. Dois se juntam aos comunistas, um ao Freikorps [milícia direitista alemã] e o outro volta para sua fazenda. Na luta que se segue, os três se reencontram em campos opostos como inimigos. Concluem pela a futilidade de tudo aquilo e que nenhum dos partidos políticos serve para nada. Fogem para a fazenda do último, mas são apanhados (especialmente os comunistas). Decidem então emigrar, já que não existe mais nada para eles na Alemanha.


Quase   toda  a  obra  de  Veit
Harlan foi banida pelos aliados
depois da guerra. Contudocomo
Mein  Sohn,   derr  Herr  Minister 
(1937)  apresenta  tema  antirrusso, 
permitiu-se  sua  distribuição  na
 Alemanha   (37).   Como  se  nota, 
é um mundo de conveniências

Siegfried Kracauer, que em 1947 já havia realizado extensa análise da propaganda nazista/totalitária no cinema, sugeriu que em SA-Mann Brand, Mocidade Heroica, Hans Westmar e Pelos Direitos Humanos, respectivamente com o objetivo de popularizar o Freikorps, a SA e a revolução nacional, se detalha até certo ponto o sofrimento da classe média e dos trabalhadores iludidos, o resultado final é fraco se comparado a clássicos soviéticos de Serguei Eisenstein e Vsevolod Pudovkin (38). Ao contrário de Eric Rentschler, que encontra valor estilístico em Mocidade Heroica, Kracauer insiste que aos nazistas não interessava a realidade e não enxerga ligação disso com a intenção propagandística. Cita dois filmes, Batismo de Fogo (Feuertaufe, direção Hans Bertram, 1940) e Vitória no Ocidente (Sie in Westen, direção Fritz Brunsch, Werner Kortwich, Svend Noldan/Nolan, Edmund Smith, 1941) (o primeiro mostra a campanha aérea de contra a Polônia, o segundo a conquista da Holanda, Bélgica e França), comparando-os aos primeiros filmes de Eisenstein e Pudovkin, que retratam o sofrimento e o triunfo final de uma heroica coletividade.

“(...) Batismo de Fogo oferece uma tal massa de argumentos a favor da Alemanha que a suposta legitimidade de sua guerra contra a Polônia fica não apenas clara, mas clara demais. Depois da reanexação de Dantzig ao Reich, a narração introduz os episódios de guerras subsequentes com as palavras: ‘A Polônia... está pegando ameaçadoramente em armas contra a justa causa da nação alemã’, e o bombardeio de Varsóvia aparece como o trabalho de seus defensores. De modo semelhante, as declarações verbais de Vitória no Ocidente superam sua tentativa de transformar os ataques relâmpago da Alemanha em medida de autodefesa, e neste sentido se enrolam em conjecturas patentemente dúbias. Foi exatamente ao detalhar as provas de sua inocência que os líderes nazistas se expuseram como agressores. Criminosos experientes são ricos em álibis” (39)

Na opinião de Kracauer, ao contrário dos filmes nazistas, foi justamente em função de sua fidelidade à realidade que o elemento propagandístico, inerente às obras dos dois soviéticos, não neutraliza o caráter épico. Para ele, o fato de que os nazistas evitam cuidadosamente a realidade, fica evidente pela superficialidade com que retratam a miséria. Ao contrário dos russos, inserem tomadas banais para corroborar as afirmações verbais que na parte inicial dos filmes apontam os sofrimentos da Alemanha antes de Hitler. Os sofrimentos e miséria não “adquirem vida”, reduzidos a ilustrações convencionais de artigos padronizados.
Já em 1934, com apenas um ano da subida e Hitler ao poder, Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda, disse que não havia mais necessidade de filmes explícitos que perpetuassem os mitos e lendas do tempo de luta (Kampfzeit). Welch explica que Goebbels decidiu incorporar na propaganda o imperialismo marxista-leninista, abandonando a simples apresentação do bolchevismo como uma luta de poder no contexto da Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. Contudo, ele entendeu que poderia ser prejudicial para os nazistas mostrar alemães comunistas, mesmo que sua existência pudesse ser explicada como fruto da falência social e financeira da República de Weimar. Com o intuito de criar um alvo mais preciso para o ódio, alemães e russos começaram a ser comparados em termos de estereótipos raciais, o primeiro ariano louro, o segundo sub-humano. Esta oposição foi explorada no próximo filme, o antibolchevique Frísios em Perigo (imagem abaixo).


Valeri  Inkijinoff
alcançou a distinção de
participar em dois filmes
de propaganda de potências
  muito em breve antagônicas,  
o   soviético,   Tempestade 
sobre  a  Ásia   (1928),  e
o nazista,   Frísios em
Perigo  (1935) (40)



Um dos poucos filmes a ser distribuído diretamente pelos nazistas, Frísios em Perigo se beneficiou da capilaridade fruto da hegemonia do partido Nacional-Socialista, especialmente pela utilização de unidades móveis de cinema que podiam levá-lo até os vilarejos mais afastados (coisa que os soviéticos também faziam em seu país). Frísios em Perigo mostra a saga de imigrantes alemães que foram para a Rússia ainda nos tempos do Czar, mais especificamente em torno do rio Volga, na Ucrânia (área que será palco de algumas das maiores batalhas da 2ª Guerra Mundial). Naturalmente, o objetivo é mostrar os alemães sendo oprimidos pelos comunistas que sucederam ao Czar. O brutal chefe bolchevique foi interpretado por um ator de feições asiáticas, Valeri Inkishanov (ou Inkijinoff ou Inkizhinov), nada menos do que o protagonista de Tempestade sobre a Ásia (Potomok Chingis-Khana, 1928), clássico do cinema mudo de Pudovkin.
Welch sugere que em muitos aspectos Frísios em Perigo pode ser comparado a Refugiados, que acompanha imigrantes alemães, desta vez na Manchúria soviética, e O Canto do Prisioneiro (Heimkehr, direção Joe May, 1928), onde soldados alemães da Primeira Guerra prisioneiros na Sibéria conseguem voltar para a Alemanha. Nos três casos, russos ou poloneses são apresentados como responsáveis pela opressão perpetrada contra minorias alemãs, curiosamente tratando-os como os nazistas tratariam os dois primeiros quando ocuparam a Europa oriental... Em 1941, depois da invasão na União Soviética, filmes curtos enfatizavam os horrores da vida sob o governo bolchevista e de como os russos saudavam as tropas alemãs como libertadoras. Um exemplo é Das Sowjet-Paradies (O Paraíso Soviético, 1942), que também dá nome a uma exposição na mesma época denegrido o regime soviético - nos mesmos moldes do que os nazistas já haviam feito em 1937, através Arte Degenerada (Entartete Kunst), exposições onde denegriam a arte e a música com a qual não concordavam (41).
Welch segue sua explicação afirmando que a partir de 1942 ocorre uma mudança no padrão quando os nazistas tentam adaptar a propaganda antibolchevique anterior a 1939 às novas necessidades da guerra. Goebbels parou de antagonizar o povo russo e falar em sub-humanos, focando em apenas antagonizar o Bolchevismo. Em 6 de novembro de 1941, ordenou à UFA (famoso estúdio onde foram produzidas algumas das obras-primas do Expressionismo no cinema mudo, mas que também participará ativamente da tarefa propagandística nazista pusilânime) que realizasse quatro filmes utilizando dialetos russos, com o objetivo expresso de “iluminar a população russa a respeito da vida na Alemanha”. Os temas a serem retratados eram: fazendeiros, operários de fábrica, acampamento dos trabalhadores florestais, o Führer e seu povo.

“Ao rejeitar o tema do Untermensch [sub-humano], Goebbels estava retornando à sua missão original de resguardar a Europa contra a ‘conspiração judaico-bolchevista’. Refletindo esta virada, o filme virulentamente antibolchevique de Karl Ritter, G.P.U. (1942). Entrevistado por Filmwelt durante as filmagens, Ritter esboçou a mensagem básica de propaganda que deveria ser disseminada: ‘que as forças armadas alemãs destruíram a organização terrorista G.P.U., estabelecida intenção dos ‘criminosos’ judeu-bolcheviques de plantar as sementes vis da revolução bolchevique por todo o mundo’” (42)


 O anti bolchevique
 G.P.U. não fez sucesso. 
O estereótipo dos “bestiais
soviéticos”  não  sobreviveu
ao   contato   entre   soldados
 alemães e fazendeiros russos. 
Voltando  à  Alemanha,   eles
lançaram   outra   visão   a
respeito do sub-humano
Exército Vermelho (43)

Portanto, o objetivo era revelar uma influência judaica por trás do Bolchevismo e a brutalidade da G.P.U.. Welch aponta que, se os nazistas não estavam preparados para entrar no debate ideológico, era preciso especificar um alvo para o ódio. O estereótipo empregado aqui se chama Nikolai Bokscha. Ele não é o sub-humano (rostos com feições asiáticas desapareceram em grande parte) ou o comunista profundamente comprometido, também não é um eslavo racialmente inferior ou um membro mal orientado do partido. Bokscha simboliza o oportunismo bolchevique e sua alienação em relação à civilização ocidental, um burguês típico, embora cínico e brutal. Na época, a revista de cinema Filmwoche o definiu como um burguês em busca de seu pedaço de terra e um manipulador do caos visando seu próprio enriquecimento. Entretanto, em função do contato dos soldados alemães com o povo russo e provavelmente também pela resistência oferecida pelo exército soviético a partir de certo momento, aqueles que ainda estavam vivos para voltar à Alemanha haviam formado outra opinião a respeito do soldado russo. Portanto, a propaganda antibolchevique falhou.
Depois de G.P.U., Goebbels passou a rejeitar longas-metragens com o tema antibolchevique, passando a preferir cinejornais e pequenos documentários que pudessem inocular medo nas plateias de cinema – agora, os longas-metragens deveriam se concentrar em material histórico que servisse para levantar o moral. Um exemplo que Welch considera excelente é o pequeno documentário Na Floresta de Katyn (Im Wald von Katyn, 1943), onde os nazistas acusam o exército russo de massacrar os militares poloneses, aproveitando para enfatizar o perigo representado pelo Bolchevismo. Durante décadas o mistério continuou enquanto soviéticos culpavam nazistas, até que com a queda da União Soviética a dúvida acabou. De fato, foram os soviéticos – não que os nazistas não fossem capazes disso. Andrzej Wajda, o cineasta polonês, recontou a história em Katyn (2007). Aparte o padrão autoritário e os mesmos métodos de propaganda, nazistas e bolcheviques não podem ser confundidos. Por que incitar a tal confusão não poderia ser considerada uma forma de propaganda?

Vilão nº2: os Britânicos

Durante o verão  e  o  outono de  1940, 
a propaganda  contra  a  Grã-Bretanha
cresceu,  já que a Alemanha acreditava
que o país estivesse à beira do colapso



“A doutrinação através do cinema é mais bem sucedida quando existe um elemento de emoção na apresentação, pois isso fornece a ilusão de que o espectador está fazendo suas próprias descobertas ou tirando suas próprias conclusões. Essa ausência de emoção foi uma das razões porque os filmes antibolcheviques eram estéreis e pouco convincentes. Outro ponto que deve ser destacado é que ao produzir um elemento de emoção através do cinema, alguém está inevitavelmente manipulando imagens visuais e sonoras” (44) 


A explicação de Welch acima dá bem a dimensão de como o cinema nazista retratava a relação de amor e ódio entre o Estado Nacional-Socialista e a Grã Bretanha, simbolizada pelo mito da “plutocracia britânica” que, até o avanço alemão contra a União Soviética em 1941, representava uma mistura de respeito e ciúme por um país que Hitler admirava entre outros motivos pela capacidade de dominar tantos povos através de uma força militar muito menor. Só para lembrar, enquanto a propaganda aliada espalhava que Hitler queria dominar o mundo, naquele exato momento da História, a Grã-Bretanha colonizava tantos lugares que poderia se dizer que dominava metade do planeta – enquanto poder colonial, portanto, não se pode dizer que ela foi alegremente convidada pelos próprios povos a escravizá-los... 

Entre 1934 a 1936, por exemplo, filmes como Ein Mann will nach Deutschland (Um Homem quer ir para a Alemanha, direção Paul Wegener, 1934) e Die Reiter von Deutsch-Ostafrika (Os Cavaleiros da África Oriental Alemã, direção, Herbert Selpin, 1934), são ambientados na Primeira Guerra Mundial e retratam os britânicos como inimigo respeitável – em 1940, Goebbels baniu o primeiro pelo caráter pacifista, mas foi convencido a voltar atrás devido a grande bilheteria. Der Höhere Befehl (O Comando Superior, direção Gerhard Lamprecht, 1935) retratava a aliança entre britânicos e prussianos em 1806 contra Napoleão - convenientemente na sequência do tratado naval anglo-germânico de 1935 (45) (imagens acima, à esquerda, cartazes de Carl Peters, 1941, e O Comando Superior, 1935, abaixo, à direita, Os Cavaleiros da África Oriental Alemã, 1934; Traidores, 1936)


Depois  da  queda  da  França,  quando viu que 
os britânicos continuariam a resistir, Goebbels
 decide atacá-los em termos raciais chamado-os 
de  judeus  entre  os  arianos e  a quem deve-se
antes  nocautear  para  só  então  conversar (46)

No ano seguinte, para reavaliar o tratado, uma vez que os britânicos eram os maiores oponentes do rearmamento alemão, Traidores (Verräter, direção Karl Ritter, 1936) manda uma mensagem aos alemães contra as maquinações da espionagem estrangeira e adverte para as consequências para aqueles considerados traidores da pátria. Segundo Welch, Traidores constitui excelente exemplo de como o Ministério da Educação do Povo e da Propaganda do Reich utilizou o que considerava um bem sucedido filme de propaganda para doutrinar as massas alemãs. Ele foi apresentado durante o encontro do Partido Nazista em Nuremberg – aquele retratado por Leni Riefenstahl em Triunfo da Vontade. O Departamento de Cinema do partido pediu que o filme fosse incorporado nos programas escolares.
Uma versão reeditada foi premiada e um texto com imagens do filme será distribuído aos professores com o objetivo de que o rearmamento fosse inculcado na mente dos jovens – o que se repetiu nas forças armadas. Até depois da Segunda Guerra, este seria o último filme a utilizar os britânicos como tema. Hitler desejava, ao mesmo tempo, acalmar os políticos ingleses e deixar claro para o povo inglês que ele não era o alvo, apenas a classe dirigente, à qual se referiam como “plutocracia britânica”, com conotações anticapitalistas. Uma diretiva editada no início da guerra enfatizava em que todos os esforços deveriam ser empregados para afastar o povo britânico de seus líderes, atacando particularmente os judeus, o capitalismo internacional e os interesses financeiros.

“(...) Tanto os alemães quanto os Aliados [principalmente Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e França] recorreram à propaganda ‘negra’ durante a Segunda Guerra Mundial – o que quer dizer propaganda que procurava ocultar sua própria origem. Durante os primeiros meses da guerra os nazistas possuíam pelo menos três estações de rádio tentando dar impressão de estarem situadas em algum ponto da Grã-Bretanha. Nenhuma delas atingia grandes audiências e só podiam permanecer no ar algumas horas por dia, de modo que não é possível supor terem tido grande efeito. Uma intitulada Rádio Caledônia era supostamente a voz no nacionalismo escocês falando contra a Inglaterra; outra, conhecida como Estação de Desafio dos Trabalhadores, apresentava opiniões esquerdistas não ortodoxas, e uma terceira, a New British Broadcasting Station, apresentava boletins noticiosos e comentários no estilo da BBC, mas com tendência antibritânica disfarçada. Durante os primeiros nove meses da guerra, houve também estações secretas dirigidas para a França, talvez melhor sucedidas. Parece que os Aliados não empregaram rádio ‘negro’ até o final da guerra, quando apareceu Soldatsender Calais (posteriormente Soldatsender West), dando a entender que era manejada por soldados alemães para [companheiros] da frente ocidental (...)” (47) 

Durante o verão e o outono de 1940, a propaganda contra a Grã-Bretanha cresceu, já que na Alemanha acreditava que o país estivesse à beira do colapso – a famosa Batalha da Inglaterra, quando a força aérea britânica enfrentou e derrotou o poderio aéreo nazista, ocorreu entre julho de 1940 e maio de 1941, alguns historiadores britânicos o circunscrevem entre julho e outubro de 1940. Welch aponta, embora admita não ter conseguido localizar uma cópia, um pequeno documentário nazista autorizado em abril que apresentava como senhores da guerra políticos britânicos: Churchill, Chamberlain e Eden. No ano seguinte, outro pequeno documentário, Gentlemen, juntava uma massa de imagens de arquivo com o objetivo de atacar a ética dos cavalheiros ingleses na guerra, procurar atrapalhar a relação deles com a França (ao sugerir que estariam sendo empurrados para a guerra apenas para defender interesses britânicos), dificultar a relação de Churchill com o governo e insistir que o povo é deixado de lado por ambos. Enfim, a Grã-Bretanha seria uma nação em decomposição, superado na falta de confiabilidade apenas pelos judeus.


Durante discurso em fevereiro de 1940, 
Goebbels disse que  os  britânicos  acham 
que Deus é inglês, mas não passam de judeus 
entre   os   arianos. Em  julho   é   lançado  Os 
Rothschilds,  primeiro  filme  a  combinar
antissemitismo e um viés antibritânico

O tema da fraqueza e crescente decadência da classe dirigente inglesa aparece num único documentário curto em 1941, Die Englische Krankheit (A Doença Inglesa, direção Kurt Stefan). Misto de propaganda e instrução de saúde (aborda a prevenção e o tratamento do raquitismo), afirma que os britânicos deliberadamente disseminaram a doença na Alemanha durante e depois da Primeira Guerra Mundial com o objetivo de minar a vitalidade do povo alemão. A seguir, o documentário apresenta os esforços dos nazistas para prevenir e quando possível curar a doença. Mostra também que no inverno o partido nazista leva tratamento com luz do sol artificial para a população das pequenas cidades. Welch aponta que não apenas se reforça que a Grã-Bretanha como uma forma negativa e covarde que deve ser o alvo do ódio do povo alemão, como ao mesmo tempo apresenta o Nacional-Socialismo dos nazistas como um sistema político verdadeiramente progressista. Ao final da Segunda Guerra, e considerando que a Grã-Bretanha foi um dos vencedores, o filme foi convenientemente banido devido à virulenta propaganda antibritânica. 

Seguem-se filmes que atacam diretamente os britânicos: Os Rothschilds, Tio Krüger e Carl Peters (direção Herbert Selpin, 1941). O primeiro articula judaísmo e capitalismo (as expensas do sacrifício de soldados alemães), os seguintes atacam os interesses coloniais britânicos na África – como sabem, a França também explorou colônias naquele continente até a década de 1960, o contingente africano no exército francês que ocupou a região do Ruhr em 1923, ao norte do rio Reno, quando a Alemanha deixou de cumprir pagamentos de reparação acordados no Tratado de Versailles que deu fim à Primeira Guerra Mundial, foi tema constante da propaganda nacionalista alemã (48). 

“A partir de agora, na propaganda alemã o termo ‘plutocracia’ se refere ao governo opressivo e sinistro de poucos. Durante comício em Münster a 28 de fevereiro de 1940, Goebbels definiu os ‘plutocratas’ como ‘um tipo de liderança política e econômica na qual algumas poucas centenas de famílias governam o mundo’. A 16 de junho, em seu editorial Das Reich, emitiu sua declaração racista por excelência da guerra contra a Inglaterra: ‘Os ingleses estão firmemente convencidos de que Deus é inglês. Em seu caráter, mistura de brutalidade, mentira, piedade fingida e santidade piedosa, eles são os judeus entre a raça ariana’. Tais sentimentos logo seriam incorporados a uma série de filmes antibritânicos. Pela própria confissão do Ministério da Propaganda, filmes de propaganda em grande escala atacando os britânicos estavam paralisados desde o início da guerra. Isto era devido, sem dúvida, ao fato de que Hitler ainda fazia propostas conciliadoras à Grã-Bretanha. Contudo, Os Rothschilds foi lançado em 1940 em meio a uma onda de expectativa gerada pela mídia de massa, tornando-se o primeiro filme a combinar antissemitismo com um viés antibritânico” (49)

Vilão nº3: Os Judeus

Goebbels apenas adotou
o que já estava lá, a tradição
Völkisch, racista e nacionalista, 
da  primazia  do  povo e aversão
ao   judeu,   que   se  incorporou
firmemente    à     vida   e   aos
pensamentos  dos  alemães
por mais de um século (50)

Welch cita a definição de George Mosse, “um mito é a crença mais forte mantida pelo grupo e seus adeptos como um exército da verdade lutando contra um exército do mal” (51), para afirmar que o mito ocupa o centro do Nacional-Socialismo. Durante o primeiro ano da guerra, Goebbels avisou sua equipe que a propaganda não tem nenhuma relação com a verdade, e que servir à vitória alemã era servir à verdade. Welch enumera os temas míticos nazistas: sangue e solo, o guerreiro heroico, e sub-humano bolchevique, os plutocratas britânicos e o conceito de princípio de liderança (figura mística que incorpora e guia o destino da nação: Führerprinzip), a conspiração judaica internacional. Este último, como parte da necessidade de vitória da revolução racial do povo sobre judeus e povos inferiores, que Welch aponta como talvez constituindo o elemento mais importante para definir o universo do Nazismo, de fato é o único ponto da visão de mundo de Hitler que baliza todos os outros (52). (imagem acima, à esquerda, capara da revista Film-Kurier apresentando A Volta para Casa, 1941)
“Goebbels sustentou que o objetivo da propaganda é convencer o público a acreditar no ponto de vista expresso pelo propagandista. Contudo, se a propaganda é para ser eficaz ela deve, de certo modo, pregar sempre para aqueles já parcialmente convertidos. ‘Certa vez Aldous Huxley disse: A propaganda dá força e direção aos movimentos sucessivos do sentimento e desejo populares; mas não faz muito para criar tais movimentos. O propagandista é um homem que canaliza um riacho já existente. Numa terra onde não existe água, ele cava em vão’” (53)

Após a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, o impacto dos Protocolos do Sião (texto antissemítico fabricado para sugerir um plano de dominação global judeu), durante certo tempo, maior na Grã-Bretanha do que na Alemanha, e a ideia de uma conspiração judaica internacional influenciou até mesmo Churchill. Portanto, conclui Welch, não se pode argumentar racionalmente que o antissemitismo é resultado da ideologia nacional-socialista ou que a propaganda de Goebbels tornou os alemães antissemitas. Mas permanece o fato de que o Terceiro Reich foi responsável por uma tentativa de genocídio de brutalidade e alcance incomparáveis. Evidentemente, tal acontecimento pode ser atribuído parcialmente tanto aos efeitos da propaganda quanto ao ambiente político fechado no qual essa propaganda estava necessariamente operando. (imagens abaixo, à direita, cartaz de Robert und Bertram; capa da época da revista alemã de cinema Film-Kurier apresentado Leinen aus Irland, ambos de 1939 )


“O slogan da conspiração  judaica
foi   concebido  para  preparar  o  povo
para as etapas sucessivas em direção à
‘solução final’ do problema judeu”

Os judeus se tornaram um bode expiatório conveniente para os nazistas expressarem seu ressentimento e culpá-los por toda e qualquer mazela do país – comportamento antissemita para o qual já existia predisposição na população. Quer dizer, o judeu foi manipulado para preencher uma necessidade psicológica para a Alemanha. Tendência que encontrou combustível nos Protocolos. Goebbels era obcecado por esta idéia da conspiração. Hitler também, porém Goebbels não tinha tanta certeza como seu líder de que o texto era verdadeiro. Em 13 de maio de 1943, o Ministro escreveu em seu diário: “não podemos falar categoricamente de uma conspiração da raça judaica contra o homem ocidental; essa conspiração é mais uma questão de raça do que intenções pensadas. Os judeus sempre irão agir de acordo com seus instintos” (54).
Hitler dizia que a guerra era menos entre nações do que uma guerra racial entre arianos e judeus, hipótese a que Goebbels chamava de profecia. O slogan da conspiração tinha como objetivo preparar o povo para a “solução final” do “problema” judeu. É aí que entra o cinema. Uma série de filmes foi coordenada com uma campanha publicitária para incutir medo pelo perigo representado pelo judaísmo, assim como para racionalizar as medidas que deveriam ser tomadas para o genocídio que se seguiria.

“Personagens e temas antijudaicos aparecem por todo o cinema do Terceiro Reich. Nos primeiros filmes do Kampfzeit [tempo de luta], os judeus são mostrados como tendo deliberadamente fragmentado a sociedade alemã ao criar um fosso entre trabalhadores e governo. Foram os judeus que induziram os poloneses a cometer atrocidades contra as minorias alemãs (A Volta para Casa, 1941); e foi um judeu que tentou assassinar o Chanceler de Ferro [Otto von Bismarck](Bismarck, 1940). Contudo, os dois primeiros filmes antissemitas, Robert und Bertram [(direção Hans Heinz Zerlett)] e Leinen aus Irland [(direção Heinz Helbig)] (ambos de 1939), caricaturam o sub-humano judeu no interior da estrutura da comédia. No mesmo ano, Goebbels proibiu a utilização do termo ‘antissemita’, substituído por ‘defesa contra os judeus’ ou ‘oposição aos judeus’. Tanto em Robert und Bertram e Leinen aus Irland, os judeus são estereotipados: apesar de serem identificáveis por suas características físicas repelentes, eles também representam a ameaça econômica e sexual à civilização ocidental devido a sua habilidade para serem absorvidos em diferentes sociedades” (55) 

Welch enfatiza o caráter relativamente inócuo destes dois filmes, pelo menos quando comparados ao que viria no futuro, mais especificamente os exemplos de 1940, Os Rothschilds, o assustador O Judeu Süss e o nojento O Judeu Eterno. Em maio Goebbels avisou aos cineastas e críticos, através de uma definição torta de objetividade histórica: “Filmes em que os judeus aparecem não devem ser rotulados de antissemíticos. Queremos que fique perfeitamente claro que esses filmes não são determinados por quaisquer considerações tendenciosas, mas refletem os fatos históricos como eles são” (56) (imagem abaixo, cartaz de Refugiados, 1933)

Consciência Dividida e Entretenimento

“A  ideologia por si  só  não
é suficiente  para sustentar
uma  população através  de
uma provação como guerra
ou revolução. A capacidade
das     pessoas   exercitarem
 o   que   acreditam  ser  seu
livre   arbítrio    fornece   a
 fantasia  da  soberania   (...)

Jana F. Bruns (57)



Para Jana Bruns, apenas a análise do cinema na era nazista pode apontar uma explicação menos falseada do motivo porque ela encontrou muitos relatos de alemães cujas memórias da vida durante o Terceiro Reich eram positivas. Muitos alemães, explica Bruns, especialmente entre 1933 e 1939, teve pouca exposição ou conhecimento de perseguição. A política e a ditadura conseguiu existir num lugar diferente e separado da vida diária. Como pode ser que a maioria dos alemães não soubesse (ou conseguisse reprimir qualquer reconhecimento, com a ajuda do governo) que as conveniências da vida moderna de que usufruíam cada vez mais no dia a dia (compras, leitura, relacionamentos, trabalho, escola e lazer)coexistiam ou estivessem intimamente vinculadas à uma ideologia tirânica de perseguição racial que excluía e, posteriormente, passou a assassinar, não arianos e opositores políticos? Em outras palavras, concluiu Bruns, através da utilização do cinema os nazistas engendraram uma consciência dividida entre muitos alemães que foi absolutamente crucial para sustentar o regime (58)
 
Ainda mais difícil é compreender como isso continuou mesmo que no outono de 1941 praticamente todos os jovens na faixa dos 20 anos já tivessem sido convocados para lutar (na primeira metade de 1942, foram convocados também pelo menos 200 mil homens retirados de fábricas de armamentos, numa hora em que eram extremamente importantes para a economia de guerra (59)). A combinação entre propaganda e entretenimento combinando escapismo (pelo menos mais para o final da guerra, quando filmes que exaltavam o patriotismo e o autossacrifício não conseguiam mais neutralizar as notícias ruins que chegavam da frente de batalha) e doutrinação levou, de alguma forma, a que diante da população alemã os nazistas fossem retratados como modernos, cosmopolitas, inovadores.

“Influenciar uma população de milhões, no entanto, requer uma coordenação um esforço coordenado que afete tantos elementos da vida diária quanto possível. Emprestando um termo do compositor Richard Wagner, os nazistas chamavam isso de Gesanmtkunstwerk, ou uma obra de arte ‘total’ ou ‘completa’ que integrasse estruturas visuais, auditivas e performáticas, num esforço para cercar seus cidadãos com mensagens sobrepostas e ideologicamente consistentes. Com o Estado agindo como maestro, todos os locais de entretenimento funcionariam como uma orquestra seguindo a mesma partitura, para entregar uma mensagem coordenada que, não obstante, permanecesse incorporada [na mídia utilizada] sem esmagá-la. Sendo assim, rádio, apresentações de música ao vivo, a imprensa, concertos ‘força através da alegria’ [Kraft durch Freude, organização estatal nazista de lazer] e outras atividades de lazer e fontes de entretenimento, todos foram feitos para girar em torno de um conjunto comum de idéias e práticas. O cinema foi o principal entre esses canais” (60) (imagem abaixo, à direita, cartaz francês do pós-guerra de Alô Janine!, 1939)



Foi difícil
para  os  nazistas
integrar o dogma oficial, 
o  comércio   e   o   elemento
criativo, com resultados muitas
vezes   paradoxais:   filmes  com
organização  narrativa  e  visual
confusa,  ou  então  cópias  de
elementos  de  Hollywood
irrelevantes   para   o 
Nacional-Socialismo (61)

Mas Bruns vai além, ela se pergunta a respeito dos filmes daquele período que ao mesmo tempo pretendiam entreter, doutrinar e ser bem sucedidos comercialmente! A fórmula dos nazistas para alcançar este fim dependia em grande parte de estrelas de cinema, especialmente das atrizes – elas que constituem, na opinião de Bruns, elementos de desejo e sedução. Essas estrelas, explica Bruns, são importantes elementos para doutrinação porque são ícones sobre os quais o povo foca sua atenção e seus desejos, identificam-se com eles e os imitam. Contudo, segue Bruns, as mulheres representavam um desafio para os nazistas em função de certa “disposição feminina”. Eles precisavam delas para apresentá-las como portadoras de crianças arianas, como apoio do homem e eventualmente como constituintes políticas. Entretanto, elas também possuem um poder de sedução que os nazistas achavam que deveria ser controlado (mas não tanto a ponto de estragar a bilheteria...). 

“A mitologia popular normalmente representa o cinema nazista como um lugar de terror, violência e destruição, como um longo filme de terror onde o demônio e seus criados partem para conquistar o mundo. De forma semelhante, comentadores muitas vezes costumam se referir ao Terceiro Reich como cinema do inferno. Esta imagem, contudo, parece mal escolhida quando alguém realmente se senta com o que acaba sendo ocasionalmente intrigante, mas geralmente não espetacular e raramente excepcional. os tropos habituais do misterioso e horrendo dificilmente se aplicam à vasta maioria das produções de época, a seus entretenimentos genéricos, comédias inocentes, melodramas espumantes e peças históricas, filmes que se desenrolam em cenários distantes do Terceiro Reich, em lugares onde raramente se vê uma suástica ou escuta-se um ‘Sieg Heil’. (se alguém procura vilões SS sinistros de casaco preto  ou multidões de fanáticos saudando seu Führer, é melhor recorrer a filmes de Hollywood dos anos 1940.) Mocidade Heroica, Triunfo da Vontade, Judeu Süss, Kolberg, e outras infames produções patrocinadas pelo Estado podem ter chamado a maior parte da atenção em estudos anteriores do cinema nazista. Não obstante, tais obras eram exceções, não a regra; eles constituíam uma parcela muito pequena das produções da época. Filmes no Terceiro Reich resultaram de um Ministério da Ilusão, não de um Ministério do Medo” (62)

Segundo Bruns, que fez um estudo sobre estrelas de cinema do período nazista na Alemanha, as mulheres evidenciam um dilema que o Estado nazista tinha de encarar ao lidar com a população. O regime queria ser visto favoravelmente e desejava a cooperação ativa do povo, o que era crucial para o funcionamento do Estado. Contudo, o funcionamento do Nazismo também era baseado na repressão e na limitação das liberdades do povo. Nos filmes nazistas, segue Bruns, as mulheres serem como uma janela que se abre para uma série de questões a respeito do Nazismo que apenas recentemente os especialistas começam a prestar atenção: a manobra do Estado nazista entre repressão, incitamento e sedução; a experiência popular do Nazismo; a estrutura e os efeitos da propaganda.
Bruns mostra que está em curso uma revisão da imagem tradicional de como o Nazismo “deu certo”. Os historiadores, explicou, não acreditam mais que o regime alcançou controle total, que a mensagem nazista era universal e consistente ou que o Nazismo era meramente repressivo. Novas pesquisas revelam inconsistências e muito acaso nas políticas do Nazismo, que era mais caótico e errático do que tradicionalmente se diz. No que diz respeito ao papel das mulheres, os historiadores não acreditam mais numa mensagem nazista monolítica (mulher é para ter /criar filhos) ou meramente repressiva (a sexualidade feminina deve se restringir à maternidade e à monogamia), mas foi multifacetada e até contraditória – como o caso da administração nazista em relação às políticas de gênero. Sendo assim, os especialistas desviaram o foco tradicionalmente direcionado às instituições e políticas nazistas e refocalizaram na outra ponta, para compreender a experiência das pessoas com o Nazismo. (imagem abaixo, Kristina Söderbaum na revista de cinema Filmwelt, 1942)


(...) Goebbels e outros
compreendiam a importância
de   integrar  escapismo   com
doutrinação  (...)

Jana F. Bruns (63)

Um exemplo curioso a ser citado é a trajetória de Marika Rökk, atriz de origem húngara que fez muito sucesso entre os alemães das décadas de 1930 e 1940. Bruns conta que apesar de seu grande valor como símbolo de esperança e felicidade, Rökk e seus filmes criavam pontos de atrito para os nazistas, lembretes persistentes de uma aliança não cumprida e de ideais culturais comprometidos, subprodutos tolerados, mas indesejados, da guerra. Seu sucesso era politicamente conveniente, mas também constituía uma afronta para os nazistas. O escapismo descarado afastava os filmes de Rökk não apenas dos fatos da guerra (o que só posteriormente seria uma boa ideia, no começo da guerra eram os temas patrióticos e agressivos que estavam em alta), mas também de dos motivos ideológicos e missão do conflito. De certo modo, sugere Bruns, seu apelo esmagador destacou o fracasso do regime em moldar a consciência da população, bem como sua impotência em impedir que uma situação cada vez mais dissonante se estabelecesse. Para Bruns, este era especialmente o caso nos últimos anos da guerra, quando a vida cultural e social da nação se afastou cada vez mais dos objetivos políticos do regime. 
Poderíamos imaginar que a partir de 8 de maio de 1945, dia da rendição incondicional das tropas de Hitler, a indústria do cinema na Alemanha iria sucumbir. Sim, desabou uma indústria que servia de refúgio para as estrelas, as instituições que serviam e apoiavam o cinema, assim como a forte rede de privilégios e repressão que a caracterizava. Então, já em 1946, Os Assassinos Estão Entre Nós (Die Mörder sind unter uns, direção Wolfgang Staudte) é lançado como o primeiro filme alemão do pós-guerra, sendo produzido pela DEFA (Deutsche Film AG) (que confiscou os estúdios da famosa UFA, Universum Film AG), a companhia estatal de cinema da então zona soviética do país – que logo, em 1950, passará a se chamar Alemanha Oriental. Para evitar que os soviéticos chamassem todos os antigos funcionários da UFA, os Aliados ocidentais cooperaram com essa mão de obra ociosa. Por esta razão argumenta Bruns, a transição para o cinema alemão do pós-guerra foi estranhamente monótona, uma continuação perfeita ao invés de uma ruptura radical.
Com a Guerra Fria ditando que a indústria cinematográfica renascesse à imagem de Hollywood, e exceto por alguns casos de propaganda descarada que foram banidos (Triunfo da Vontade e Judeu Süss), durante décadas os filmes nazistas foram esquecidos pelos especialistas. Naturalmente, filmes como Das unsterbliche Herz (O Coração Imortal, direção Veit Harlan, 1939), com Kristina Söderbaum, ou Alô Janine! (Hallo Janine!, direção Carl Boese, 1939), com Rökk, não foram proibidos, por constituírem puro entretenimento escapista. Sabemos agora, Bruns chama atenção, que “propaganda” pode incluir muito mais do que aquelas mensagens que uma plateia vai perceber que é propaganda. Entretanto, insiste Bruns, frequentemente somos incapazes de perceber que mensagens embutidas em filmes ou outros tipos de mídia podem operar em muitos níveis ao mesmo tempo, e aqueles que inicialmente parecem ambíguos podem na verdade fortalecer o regime que os produziu.



Como vivemos numa sociedade focada em celebridades,  não  nos
surpreende que Marika Rökk, Zarah Leander e Kristina Söderbaum
 fossem   veículo   para   milhares   de   epifanias  privadas.  Contudo, 
no final dos anos 1930 e início dos 1940 isto não era frequente (64)

No pacote oferecido pelos nazistas (filmes, shows no rádio, material impresso, eventos e cultura material), aos alemães era permitido que escolhessem suas preferências, mas apenas dentro de determinados limites. E a ilusão da escolha, observa Bruns, separa ainda mais “entretenimento” de “propaganda”, mesmo quando as fronteiras entre as duas foram conscientemente demolidas. Burns acredita que, dentro da difusa categoria de “entretenimento”, o sucesso de Marika Rökk, Zarah Leander e Kristina Söderbaum em filmes tão diferentes nos ajuda a compreender, a partir de uma perspectiva crucial mas até agora ignorada, como o cinema e a cultura do Terceiro Reich foram eficazes. Para a pesquisadora, menos a aplicação de uma fórmula do que a combinação de consequências intencionais e não intencionais, esses filmes refletem a necessidade dos nazistas de ao mesmo tempo ganhar dinheiro, competir com Hollywood (até 1939, com o início da guerra simplesmente a baniriam dos cinemas) e impregnar uma plateia com lições ideológicas.
No final da década de 1930 e início da década de 1940 não era tão comum quanto hoje em dia o culto da celebridade. Por este motivo Bruns acha que muitos de nós tenha dificuldade em compreender o tamanho da fama de Rökk, Leander e Söderbaum naquela época, veículos para milhares de epifanias privadas. Goebbels e sua turma perceberam isso em função valor comercial. Pelo menos até 1943, quando a maré da guerra começou a mudar. A fama e sucesso desses três ícones emana de sua fama e sucesso comercial, mas também de sua utilidade política, traduzida em muitas formas, objetivos e efeitos. Embora os musicais escapistas de Rökk constituíssem um desvio em relação ao interesse de Goebbels (no começo da guerra) e principalmente de Hitler com filmes de substância política, foram cruciais para sustentar o regime nazista, tão importantes quanto os épicos militaristas de Söderbaum ou Leander com seus contos sensuais de sacrifício feminino. Com uma compensava o excesso da imagem da outra, Bruns considera este um bom exemplo da ideia de Goebbels de que a propaganda deve operar como uma orquestra, com “instrumentos” tocando melodias distintas e por vezes dissonantes. Citando os filmes do período nazista em que atuaram atrizes como Rökk, Leander, Söderbaum e por que não incluir Lilian Harvey, Bruns afirma que...

“[Os filmes delas] se agrupam na direção de um lado do espectro da propaganda empregada pelos nazistas; longe de completamente benignos ideologicamente, eles também fornecem entretenimento genuíno e poderiam facilmente ser vistos apenas neste nível. Embora seja difícil associar a noção de sutileza com o Terceiro Reich, esses filmes mostram que a máquina de propaganda era muito mais poderosa do que poderia ter sido porque Goebbels e outros compreendiam a importância de integrar escapismo com doutrinação. A chave, é claro, era o gênero: O fato de nos filmes estrelarem mulheres, não homens, permitia que as ambiguidades que as plateias – especialmente mulheres – encontravam na vida cotidiana acontecessem na tela, reforçando o que sentiam como indivíduos com maridos e famílias, e também como cidadãs do Reich. Mensagens contém múltiplas camadas, algumas intencionais, algumas acidentais, mas todas trabalham juntas para reforçar a visão de mundo nazista” (65) (imagem abaixo, Um Homem quer ir para a Alemanha, 1934)

Entendido, Senhor! Câmbio.

(...) No final, a
‘desnazificação’
da  Alemanha  foi
uma  ilusão. O desejo
dos Aliados  de  reeducar
os alemães e responsabiliza
-los  pelo   envolvimento  no
[Nazismo]   será  substituído
pela emergente realpolitik 
 [muito pragmatismo
para  substituir
ideologia  e
moral](66)




Quem sabe podemos sustentar que a culpa foi toda da Guerra Fria que eclodiu entre a União Soviética e as potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos. Sem isso, talvez o processo de desnazificação da população alemã tivesse dado certo. Contudo infelizmente o que se viu foi  que à muitos nazistas importantes na hierarquia do Nacional-Socialismo foi permitido participar da reconstrução da Alemanha, inclusive das esferas política, educacional e judicial - este era um dos argumentos do grupo terrorista alemão de esquerda Baader-Meinhof contra o Estado alemão como foi “reconstruído” pelos “democratas”-Aliados-vencedores. 

“No processo de desnazificação, muitos nazistas alemães obtiveram – de padres, pastores, antinazistas ou até judeus – depoimentos ou cartas de recomendação (os Persilscheine) que eram apresentados às autoridades, ou mesmo aos tribunais, como atestados de boa conduta. Uma piada da época comparava esses tribunais a lavanderias em que se entrava de camisa marrom (como os camisas pardas nazistas) e se saía branco como a neve” (67)

Essa realpolitik permitiu inclusive que nazistas fanáticos desaparecessem na escuridão – como muitos serviram na Europa Oriental e na frente russa, suas informações eram relevantes para a CIA. No final, apenas os pequenos receberam penas (de prisão e proibição de trabalho) no processo de desnazificação, enquanto aqueles que realmente se beneficiaram do Nazismo saíram impunes. “Enquanto um zelador podia ser incluído na lista negra por ter varrido os corredores da Chancelaria do Reich, muitos industriais, cientistas, administradores e até oficiais de alta patente de Hitler iam sendo reintegrados em surdina pelas forças aliadas (...)” (68) - com exceção, é claro, de alguns poucos figurões que foram julgados e condenados à morte ou se suicidaram antes de ser apanhados (69). Enfim, um filme que parece que já vimos muitas vezes...
Em 5 de setembro de 1977, o Baader-Meinhof sequestrou e assassinou Hanns Martin Schleyer, na época o mais poderoso empresário na Alemanha Ocidental (como era conhecida a parte do país que não foi entregue os soviéticos). Schleyer aparecia frequentemente na televisão representando o ponto de vista da classe dirigente. Era simultaneamente presidente da Associação Federal dos Industriais Alemães (Bundesverband der Deutschen Industrie) e da Associação Federal dos Empregadores Alemães (Bundesvereinigung der Deutschen Arbeitgeberverbände), e tinha reputação de se opor agressivamente às demandas de qualquer trabalhador. Contudo, durante a guerra ele havia pertencido às SS de Hitler, o que fazia dele um símbolo perfeito da integração de ex-nazistas à estrutura de poder do país no pós-guerra – SS: Schutzstaffel, Tropa de Proteção, organização paramilitar do partido nazista responsável por muitos crimes contra a humanidade (70). O Baader-Meinhof afirmava que o povo alemão não deveria repetir a conivência que a geração de seus pais havia tido com o Nazismo (o grupo também incluía nesta conta a necessidade de opor-se aos Estados Unidos, que, além de bastião do capitalismo, utilizava a Alemanha como uma marionete de suas disputas no xadrez da Guerra Fria com a União Soviética).

“Schleyer entrou na SS em 1933, apenas dois meses depois de completar 18 anos. Fascista dedicado, ocupou diversas posições importantes na União dos Estudantes Nacional-Socialistas [Nationalsozialistischer Deutscher Studentenbund] antes e durante a guerra. Em 1943, começou a trabalhar na Federação Central da Indústria para a Bohemia e Moravia, onde era encarregado de ‘germanizar’ a economia da [então] Tchecoslováquia. Após a derrota nazista, foi capturado por forças francesas e preso por três anos, classificado como ‘colega de viagem’ [simpatizante e colaborador de uma organização política sem ter sido um membro formal] pelas autoridades de desnazificação. Foi libertado em 1949 e utilizou sua experiência durante a ocupação da Tchecoslováquia para ser contratado no escritório de comércio exterior da Câmara de Comércio e Indústria de Baden-Baden” (71)


No final da guerra, 
muitos duvidavam de que 
as   crianças  e  adolescentes alemães submetidas à doutrinação
nazista fosse irrecuperável. Soldados
 britânicos   notaram   que   quanto
mais  jovem,  mais arrogante
e cheio de superioridade o 
pequeno soldado era (72)


Schleyer é apenas um exemplo no plano político industrial. Na área do cinema, tendo realizado Triunfo da Vontade, talvez o caso de Leni Riefenstahl seja o mais emblemático. Ela, Veit Harlan, que dirigiu antissemita O Judeu Süss, e, em menor grau sua esposa, a atriz Kristina Söderbaum, que atuou em muitos papéis da loura ariana pura oprimida pelas raças inferiores, embora tenham sido libertados nunca conseguiram se livrar da marca de disseminadores da ideologia nacional-socialista. Outros exemplos aleatórios, agora na música, Wilhelm Furtwängler, Herbert von Karajan e Elisabeth Schwarzkopf. 
O maestro Furtwängler ocupou altos cargos, incluindo reger a Orquestra Filarmônica de Berlim durante todo o Terceiro Reich, em 1947 já estava “limpo”. O maestro Karajan, membro do Partido Nazista desde 1933 e sempre iniciava seus concertos com a favorita dos nazistas, Horst Wessel Lied, uma espécie de hino do Partido e era chamado pelos colegas de “coronel SS von Karajan”. Michael Kater insistiu que nada foi provado pelas autoridades de desnazificação quanto a colaboração de Karajan com o Nazismo. Kater sugeriu que, como tantos outros, o maestro apenas demonstrou seu oportunismo diante da situação política que se apresentava – mesmo durante a guerra, o maestro era caracterizado como “personalidade mefistofélica” (73). Depois da guerra, Karajan foi reinstalado na Filarmônica de Berlim, a qual nos anos do pós-guerra se transformaria em baluarte simbólico contra o totalitarismo soviético. A cantora lírica Elisabeth Schwarzkopf, a quem Kater também classifica como oportunista (embora tenha chegado a se filiar ao partido nazista, ao contrário de Karajan), se apresentava em concertos para as tropas SS na frente oriental durante a guerra, estrelou filmes de propaganda de Goebbels e foi incluída por ele numa lista de artistas “abençoados por Deus”. Logo depois da guerra, libertada pelas autoridades de ocupação, sua carreira alçou voo e pouco tempo depois receberia o título de Dame do Império Britânico (74).
Com o início da Guerra Fria, os soviéticos lançaram em seus mercados vários filmes que haviam sido produzidos pelos nazistas anos antes, mas apenas aqueles que carregavam mensagens anticapitalistas, antibritânicas e antiamericanas (75). Do outro lado da Europa, a Grã-Bretanha (que por um bom tempo durante a guerra dependeu da resistência dos soviéticos para atrapalhar os planos de Hitler), muitas vezes auxiliada pelo governo dos Estados Unidos e suas agências de fomento a mensagens anticomunistas, investiu em filmes antissoviéticos, ainda que fosse necessário distorcer a mensagem original de obras escolhidas para serem adaptadas para o cinema. É o caso, por exemplo, do romance 1984 (1949) – a primeira adaptação para cinema é de 1956 (direção Michael Anderson); em 1953 e 1954 houve duas adaptações para televisão, uma britânica outra estadunidense. Na opinião de Tony Shaw, o cinema desempenhou importante papel na evolução de um forte consenso antissoviético na Grã-Bretanha no auge da Guerra Fria (76). Assim resume como chegamos a certa versão de 1984

O Coração Não Tem Fronteiras (The Demi-Paradise, direção Anthony Asquith, 1943) atesta a generalizada admiração sentida na Grã-Bretanha pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial (...). O governo de coalizão de Winston Churchill procurou canalizar esse entusiasmo pró-Rússia através de campanhas oficiais com o objetivo de distinguir entre as conquistas de guerra soviéticas e o Comunismo (...). [Contudo] pouco se podia fazer para prevenir que a reverência do público pelo Exército Vermelho coincidisse com apoio ao estilo de vida soviético, simbolicamente expresso pela grande quantidade emblemas de lapela com a foice e o martelo (...). Lá por 1950, nos cinemas britânicos, entretanto, ‘Vermelho’ significava perigo ao invés de coragem (...). Filmes promovendo a compreensão mútua entre a Democracia liberal e o Comunismo começou a dar lugar ao cinema da Guerra Fria, no qual o leste encarava o oeste em total oposição (...). [Os anos entre 1943 e 1950] foram cruciais no desenvolvimento da mentalidade da Guerra Fria na Grã-Bretanha e marcam um período no qual o novo governo trabalhista rapidamente construiu sofisticada máquina de propaganda anticomunista, especializando-se na disseminação de material ‘cinza’ no país e no exterior” (77)

O autor do livro no qual se baseia o filme 1984, o socialista George Orwell, havia elaborado uma mensagem criticando todo e qualquer governo totalitário (Fascismo, Comunismo e, posteriormente à sua morte, Macarthismo, podemos incluir também governos de extrema direita que tendem a neutralizar as instituições), mas a mensagem foi adulterada para dar a entender que totalitarismo é coisa possível apenas na União Soviética e seus satélites comunistas. Houve quem concluísse na época que o próprio Orwell facilitou a confusão, já que não deixou seu objetivo claro no livro, optando por fazê-lo através de entrevistas posteriores ao lançamento. De qualquer forma, o objetivo dos britânicos e norte-americanos era realizar o filme mais anticomunista de todos os tempos. O livro foi banido na Europa oriental, evidentemente.

“Ironicamente, portanto, [1984] passou a ser utilizado para o mesmo propósito que advertia contra, propaganda para a manutenção de um conflito de superestado. ‘Seja o que for que Orwell acreditava que estava fazendo’, argumenta Alain Sinfield, ‘ele contribuiu para a Guerra Fria com um de seus mais potentes mitos... Durante os anos 1950, [1984] foi a maravilhosa novilíngua da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]’” (78) (imagem abaixo, Ilse Koch...)



O cinema nazista utilizou a mulher como veículo do patriarcalismo
(mãe=maternidade) e para produzir dinheiro e corpos dóceis com  o
entretenimento escapistaDe qualquer forma, lidar com o feminino
foi  um  problema  para  o  Nazismo,  pelo  menos  no  cinema...   (79)

Acima Margarete Ilse Köhler (ou Ilse Koch), esposa do comandante do campo de extermínio de Buchenwald, chamada
de “bruxa de Buchenwald”, ou “puta de Buchenwald”, ou “Besta de Buchenwald”,  a  SS  a  nomeou  capataz. Sobreviventes
relataram  seu  sadismo  e  devassidão  com  os  prisioneiros. Foi  sentenciada  à  prisão  perpétua, enforcando-se  em  1967


Termo criado por Orwell em 1984, Novilíngua (newspeak) é uma linguagem de propaganda caracterizada por eufemismo, circunlóquio (discurso pouco objetivo, que estende demais algo que pode ser dito objetivamente), e a inversão de significados habituais. De fato, anos antes, em 1945, em A Revolução dos Bichos (Animal Farm), uma fábula onde animais de uma fazenda se livram da opressão de seus donos, mas apenas para instaurar a sua própria, Orwell já sugeria que  exista pouca diferença entre tiranias velhas e novas, entre exploradores capitalistas ou comunistas. Além disso, a festa barulhenta da fazenda pretende satirizar a política cínica do poder da primeira reunião de guerra entre Churchill, Stalin e Roosevelt, em Teerã, em novembro de 1943,  e prever seu inevitável conflito futuro baseado nos interesses de cada um – Hitler ainda não havia sido totalmente vencido quando estes três líderes das únicas potências em condições de neutralizar o Nazismo, se reuniram para decidir sobre a partilha do mundo depois da guerra, de acordo com os interesses de cada um. Voltando a 1984, Tony afirma que em 1952 um rascunho de roteiro foi avaliado pelo poderoso Conselho de Estratégia Psicológica (Psychological Strategy Board, PSB):

“Criado em 1951, o PSB foi encarregada de unificar toda a burocracia de segurança nacional norte-americana – Departamento de Estado, CIA (que absorveu a OPC em 1951 – Office of Policy Coordination, Escritório de Coordenação Política), serviços militares e outras agências do governo [dos Estados Unidos] - por trás de uma campanha de guerra psicológica num grande esforço para combater a União Soviética. Por dois anos, atuou como ‘o centro nervoso para operações psicológicas estratégicas’ e ‘ponto focal... de atividades para influenciar as opiniões, atitudes, emoções e comportamento de grupos estrangeiros’. Ao Serviço de Filmes [Motion Picture Service - MPS], operando através de 135 postos dos Serviços de Informação dos EUA [US Information Service - USIS] em 87 países, que em 1952 alcançavam uma audiência estimada em 300 milhões, foi previsivelmente dada alta prioridade pela organização. A MPS empregou produtores-cineastas a quem se deu autorização de segurança superior atribuída a filmes que articulavam ‘os objetivos nos quais os Estados Unidos esteja interessado em obter’ e aos quais poderia alcançar melhor ‘a audiência predeterminada de que nós como meio cinematográfico devemos condicionar’. O PSB trabalhou com base no fato de que, para a arte ser uma boa propaganda, ela precisava ser uma boa arte, teoria confirmada pelo cultivo de respeitados diretores de cinema como Frank Capra e executivos de estúdio como Nicholas Schenk, presidente da MGM, Harry Cohn presidente da Colúmbia, e Walt Disney” (80)

Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, grandes potências da época e que Hitler teria necessariamente que dominar se quisesse conquistar alguma coisa, posavam de bastiões democráticos diante de uma Alemanha belicista, antidemocrática, ressentida, truculenta e com ambição de dominar o mundo. Contudo, é bom lembrar que na época Grã-Bretanha e França sozinhas colonizavam mais da metade do mundo, obrigando que muitas regiões do planeta simplesmente trabalhassem para elas. Enquanto isso, cobravam pesadas reparações da Alemanha, que foi derrotada na Primeira Guerra Mundial, mantendo-a num estado indigente e exposta a convulsões sociais e políticas – o que foi profundamente agravado com a crise da Bolsa em 1929, que deu aos nazistas combustível para atacar os países capitalistas/democráticos.



Voz masculina,  traços finos e corpo grande, Zarah Leander
foi criada pela UFA em 1936;  não perdeu a fama ao fugir para
a Suécia em 1943; mesmo antes da guerra terminar virou diva
dos homossexuais, tornando-se modelo das drag queens (81)


Em 1898, Estados Unidos (ex-colônia britânica que posava de pacifista no começo do século XX) derrota a Espanha numa guerra e interfere no processo de independência suas ex-colônias, Cuba e as Filipinas, transformando-as em satélites do Tio Sam – aumentando sua influência no Caribe e na Ásia – onde nitidamente os Estados Unidos também tinha ambições. Assim como o Japão, que reclamou por não ter saído da Primeira Guerra com colônias, um dos motivos que o levaria à Segunda Guerra Mundial. Que democracia é esta? Enquanto isso, guardadas as devidas proporções, a partir de 1917 a União Soviética faria o mesmo com várias regiões em torno da Rússia, anexando-as como “repúblicas” soviéticas. 
No início do século XX, no Ocidente os seres humanos orientais eram vistos com desconfiança, ou no mínimo como inferiores. Sem querer ironizar, quem sabe isso tem relação com as tantas colônias de potências ocidentais no oriente! – basta averiguar a quantidade de vilões como rosto de oriental nos filmes de Hollywood até a década de 1980, notadamente o Imperador Ming, o impiedoso, Senhor do planeta Mongo, em Flash Gordon (1936-40), que nasceu como história em quadrinho em 1934. Depois do fim da União Soviética os árabes, uma outra espécie considerada convenientemente sub-humana (já que escravizados por britânicos e franceses em suas colônias da África, Oriente Médio e Ásia), ocupa a atenção dos interessados em fabricar outro inimigo do “mundo livre”. Em relação aos árabes, Jack Shaheen nos lembra que tudo em nossa vida começa com a repetição...

“(...) Visto através das lentes distorcidas de Hollywood, os árabes parecem diferentes e ameaçadores. Projetado junto com linhas raciais e religiosas, os estereótipos estão profundamente impregnados no cinema [norte-]americano. De 1896 até hoje, os cineastas acusaram coletivamente todos os árabes como inimigos públicos nº 1 – brutais, cruéis, fanáticos religiosos incivilizados e ‘outros’ culturais loucos por dinheiro propensos a aterrorizar ocidentais civilizados, especialmente cristãos e judeus. Muito aconteceu desde 1896 – o sufrágio das mulheres, a Grande Depressão, o movimento por direitos civis [nos Estados Unidos], duas guerras mundiais, as guerras da Coréia, do Vietnã e do Golfo, e o colapso da União Soviética. Durante tudo isso, a caricatura do árabe em Hollywood rondou a tela prateada. Ele está lá – repulsivo e não representado como sempre. O que é um árabe? Em incontáveis filmes, Hollywood responde: árabes são assassinos cruéis, estupradores sujos, fanáticos religiosos, milionários do petróleo estúpidos, e que maltratam mulheres. ‘Eles [os árabes] todos se parecem para mim’, ironiza a heroína [norte-]americana no filme O Sheik Conquistador (The Sheik Steps Out, direção, Irving Pichel, 1937). ‘Para mim, todos os árabes se parecem’, admite o protagonista em Comando Sullivan (Commandos, direção Armando Crispino, 1968). Décadas depois, nada mudou. Ironiza o embaixador [norte-]americano em Hostages (direção de Hanro Möhr e Percival Rubens, 1986): ‘Eu não posso diferenciar um [árabe] de outro. Embrulhados naqueles lençóis, todos parecem iguais para mim’. Nos filmes de Hollywood, eles certamente se parecem” (82)

Em 8 de maio de 1943, época em que a maré da guerra havia virado contra os nazistas e a população alemã parecia estar despertando de seu torpor, já não sentindo mais receio de criticar o governo abertamente nas ruas, Goebbels escreveu em seu diário:

“Naturalmente não podemos aceitar questões de certo e errado, mesmo como base de discussão. A derrota nesta guerra constitui o maior errado para o povo alemão, a vitória nos daria o maior certo. No final, apenas o vencedor terá a possibilidade de provar ao mundo a justificativa moral para sua luta” (83)

Como se nota, parece um enredo de peça de teatro ou de filme que nunca muda, somente seus atores e atrizes. Enquanto isso, a verdade, seja veiculada através de informação ou de propaganda, parece ser apenas uma questão de conveniência política/mercadológica, mais do que de democracia... Aliás, o que democracia tem a ver com tudo isso?
Leia também:

Religião e Cinema na França

Referências Bibliográficas

1. WELCH, David. Propaganda and the German Cinema. 1933-1945. London/New York: I.B. Tauris, 2ª ed., 2011. P. 204.
2. Idem, p. 172.
3. Ibidem, p. 173.
4. TAYLOR, Richard; CHRISTIE, Ian (Eds.). The Film Factory. Russian and Soviet Cinema in Documents 1896-1939. London: Routledge & Kegan Paul, 1988. P. 95.
5. TAYLOR, Richard. Film Propaganda. Soviet Russia and Nazi Germany. London/New York: I.B. Tauris, 2ª ed., 2006. Pp. 12-7.
6. BROWN, J. A. C. Técnicas de Persuasão. Da Propaganda à Lavagem Cerebral. Tradução Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2ª edição, 1971.
7. TAYLOR, R. Op. Cit., pp. 12-3.
8. BROWN, J. A. C. Op. Cit., pp. 24-5, a ênfase é minha.
9. TAYLOR, R. Op. Cit., p. 15.
10. TAYLOR, R.; CHRISTIE, I. (Eds.). Op. Cit., p. 57.
11. Idem, p. 111.
12. Ibidem, pp. 95-6.
13. TAYLOR, R. Op. Cit., pp. 15-6.
14. TRIMBORN, Jürgen. Leni Riefenstahl. A Life. London/New York: I. B. Tauris, 2008. P. 125.
15. RENTSCHLER, Eric. The Ministry of Illusion. Nazi Cinema and it’s Afterlife. Massachusetts: Harvard University Press, 1996. Pp. 109-10, 198.
16. Idem, p. 345n40.
17. TAYLOR, R. Op. Cit., prefácio do editor.
18. Idem, p. 152.
19. BROWN, J. A. C. Op. Cit., pp. 28-9.
20. TOOZE, Adam. O Preço da Destruição. Construção e Ruína da Economia Alemã. Tradução Sérgio Duarte. Rio de Janeiro: Editora Record, 1ª ed., 2013. P. 575.
21. RENTSCHLER, E. Op. Cit., pp. 131-2.
22. TAYLOR, R. Op. Cit., pp. 152-3.
23. Idem, pp. 153-7.
24. TRIMBORN, J. Op. Cit., p.  120.
25. Idem, pp. 120, 300n46.
26. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge University Press, 1992. Pp. 3-4.
27. TAYLOR, R. Op. Cit., pp. 153-4.
28. Idem, p. 154.
29. WELCH, D. Op. Cit., pp. 204-5.
30. TAYLOR, R. Op. Cit., pp. 157-8.
31. WELCH, D. Op. Cit., p. 236.
32. Idem, p. 205.
33. Ibidem.
34. Ibidem, pp. 257n5, n7.
35. Ibidem, pp. 205-7.
36. Ibidem, p. 206.
37. Ibidem, p. 257n19.
38. KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Tradução Tereza Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Pp. 333, 349n14.
39. Idem, pp. 346-7.
40. TAYLOR, R. Op. Cit., p. 159.
41. WELCH, D. Op. Cit., pp. 213-8, 258n30 e n40.
42. Idem, p. 214.
43. Ibidem, p. 217.
44. Ibidem, p. 219.
45. Ibidem, pp. 219-222.
46. Ibidem, p. 222.
47. BROWN, J. A. C. Op. Cit., p. 96.
48. TAYLOR, R. Op. Cit., p. 235n7.
49. WELCH, D. Op. Cit., p. 222.
50. Idem, p. 237.
51. Ibidem, p. 236.
52. Ibidem, pp. 123, 236-9, 260n98.
53. Ibidem, p. 237.
54. Ibidem, p. 238.
55. Ibidem.
56. Ibidem, p. 239.
57. BRUNS, Jana F. Nazi Cinema’s New Women. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. P. 234.
58. Idem, pp. 2-7, 91, 225-7.
59. TOOZE, A. 572.
60. BRUNS, J. F. Op. Cit., p. 3.
61. Idem, pp. 7, 90.
62. RENTSCHLER, E. Op. Cit., p. 7.
63. BRUNS, J. F. Op. Cit., p. 234.
64. Idem, p. 226.
65. Ibidem, p. 234.
66. TRIMBORN, J. Op. Cit., p.  233.
67. SAUNDERS, Frances Stonor. Quem Pagou a Conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura. Tradução Vera Ribeiro. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Record, 2008. Nota da tradutora, p. 23.
68. Idem, p. 25.
69. TRIMBORN, J. Op. Cit., p.  233-4.
70. MOUNCOURT, André; SMITH, J. (orgs.) The Red Army Faction: a Documentary History. Volume 1: Projectiles for the People. Oakland (California)/Montreal (Quebec): PM Press and Kersplebedeb, 2009. P. 477.
71. Idem, p. 477n4.
72. LOWE, Keith. Continente Selvagem. O Caos na Europa Depois da Segunda Guerra Mundial. Tradução Rachel Botelho e Paulo Schiller. Rio de Janeiro: Zahar, 1ª ed., 2017. P. 78.
73. KATER, Michael H. The Twisted Muse. Musicians and their Music in the Third Reich. New York/Oxford: Oxford University Press, 1997. Pp. 58-64.
74. SAUNDERS, F. S. Pp. 29-30.
75. TAYLOR, R. Op. Cit., pp. 212-4.
76. SHAW, Tony. British Cinema and the Cold War. The State, Propaganda and Consensus. London/New York: I. B. Tauris, 2001. Pp. 10, 101, 104-5.
77. Idem, pp. 8-10.
78. Ibidem, p. 105.
79. ASCHEID, Antje. Hitler’s Heroines. Stardom and Womanhood in Nazi Cinema. Philadelphia: Temple University Press, 2003. P. 214.
80. SHAW, T. Op. Cit., p. 98. A ênfase é minha.
81. ASCHEID, A. Pp. 155, 159.
82. SHAHEEN, Jack G. Reel Bad Arabs. How Hollywood Vilifies a People. Massachusetts: Olive Branch Press, 2º ed., 2009. P. 8. 
83. RENTSCHLER, E. Op. Cit., p. 263. 

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