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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de mar. de 2018

O Cinema Inglês e a Censura


 “(...)  De fato,  se não existe propriamente censura 
na Grã-Bretanha, o país dispõe de um quadro legal
bem rigoroso para proibir aquilo que desejar (...)

Jean-Luc Douin (1)

Bom Governo do Império

Desde 1909 a censura é exercida pelas autoridades locais, não pelo Estado. Contudo, percebeu-se a necessidade de salvaguardar os interesses da indústria cinematográfica em função das diferentes regulações. Para evitar abusos e uniformizar as regras impostas, foi criado em 1912 o British Board of Censors, que praticamente nunca interveio no plano político, a não ser durante as duas guerras mundiais. As autoridades locais geralmente seguem as notificações provenientes da autoridade competente da capital, o Great London Council, o qual nem sempre está de acordo com o British Board. Numa pesquisa publicada em 1931, George Altman enumerou oito motivos previstos para interdição: religião, política, social, militar, relativos ao sexo, crime, crueldade, administração pública e Justiça. “Os ingleses, disse ele, são muito sensíveis a respeito da área colonial”. O editor do British Movietone News notou que as filmagens dos cinegrafistas durante os distúrbios em Bombaim (Mumbai) não glorificavam o exército e a polícia ingleses e que, ao mesmo tempo, a coragem dos hindus estava bastante nítida – vale lembrar que, até a década de 1960 do século passado, a supostamente pacífica Grã-Bretanha foi o poder colonial europeu com maior quantidade de terras e povos dominados no planeta. Depois de vários cortes, sobraram algumas imagens de oficiais ingleses jogando dinheiro para crianças (pobres) hindus ou durante um banquete fazendo um brinde à Sua Majestade (a rainha da Inglaterra) – o título do filme: A Situação nas Índias. No que diz respeito à religião, não se podia fazer uma referência muito livre aos textos bíblicos, devendo-se ter o cuidado de evocar, nas legendas ou imagens, Sua Alteza o príncipe de Gales (2). Quanto aos filmes de horror...

“(...) Os mais famosos filmes de horror dos anos 1930, é claro, foram aqueles realizados em Hollywood pela Universal Studios, ainda que muitas vezes utilizassem atores e diretores britânicos. Na Grã-Bretanha durante esta década, a produção do que foi chamado de filmes ‘horrorosos’ limitou-se a um punhado, em grande medida porque eram desaprovados pelo British Board of Film Censors. Foi o aumento no número de filmes [norte-]americanos de horror que levou o Board a introduzir a categoria ‘H’ em seu sistema de censura. Inicialmente, em 1933, como uma classificação de assessoria, e depois como um certificado formal em 1937, que proibiu a exibição à qualquer um menor de 16 anos. Embora um ‘cinema de horror’ britânico não emergisse até depois da Segunda Guerra Mundial, ainda assim, como observa Peter Hutchings, ‘enquanto os filmes de horror em si eram desencorajados, outros gêneros do período estavam incorporando regularmente o macabro e o mórbido em suas narrativas’ (...)” (3) (imagem acima, cartela da censura antes dos créditos iniciais de O Inquilino, direção Alfred Hitchcock, 1927; abaixo, o mesmo para A Estalagem Maldita, 1939)


Para que a censura não o incomodasse no roteiro
de A Estalagem Maldita, Hitchcock mudou a profissão
  do vilão,  que  de  pastor  passou  a  homem da lei  
Durante a fase inglesa de sua obra, Alfred Hitchcock teve problemas com O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, 1934) e A Estalagem Maldita (Jamaica Inn, 1939). No primeiro caso, o cineasta imaginou que o personagem de Peter Lorre, Abbott, chefe do grupo terrorista, sequestrador e assassino inescrupuloso, conseguia escapar da polícia. Este final foi abandonado em razão da coerção da censura, que estabelecia que o homem mal fosse sistematicamente punido. No segundo filme, o personagem de Charles Laughton, Humphrey Pengallan, é um juiz de paz rico e respeitado que secretamente comanda uma gangue de sabotadores e saqueadores de naufrágios. Na verdade, no romance original de Daphne Du Maurier adaptado para o filme, o homem de vida dupla era um pastor. Para que a censura não se intrometesse, Hitchcock substituiu o homem da igreja corrupto por um homem da lei corrupto (4).

“Através da primeira versão de O Homem que Sabia Demais, [Hitchcock] se confronta pela primeira vez com o Board of Censors. O Board exige a supressão de certos planos do tiroteio final onde os policiais londrinos são filmados com armas na mão, já que tradicionalmente a polícia londrina nunca anda armada. Está sequência faz alusão ao ‘cerco de Sidney Street’, em 1911, que levou a polícia [da capital] a apelar ao exército para desalojar uma gangue de anarquistas entrincheirada num prédio. O ataque foi conduzido por Winston Churchill em pessoa. [...] O personagem encarnado por Peter Lorre [...] se inspira visivelmente no terrorista de Whitechapel apelidado ‘Peter the Painter’. Hitchcock deve se submeter: os censores afirmam que mostrar os guardas armados prejudica a polícia londrina. Restou apenas uma cena no filme mostrando os policiais em pânicos invadindo uma loja de armas para requisitar seu estoque, e o plano de uma caminhonete onde se distribuem fuzis, sem que possamos distinguir para quem. Além disso, o responsável pela distribuição na Gaumont-British, C. M. Woolf, não gostou do filme e decidiu que deveria ser refilmado [pelo cineasta] Maurice Elvey. Os amigos de Hitchcock conseguem evitar a catástrofe, dando ao filme uma chance de estrear como estava: seu sucesso aniquila os projetos de Woolf (...)” (5)


Stanley  Kubrick  retirou Laranja Mecânica  (1971de distribuição e
circulação  na  Grã-Bretanha  por  receio de que delinquentes o vissem
como apologia à violência (ou, talvez, por receber ameaças de morte)

Nas telas britânicas, era vetada a representação de relacionamentos entre mulheres brancas e homens de outras raças. Os oficiais ingleses não devem ser apresentados em situações vergonhosas, e os conflitos entre as forças armadas e o povo não devem ser objeto do cinema. Certas cidades proibiram a representação da convivência entre pessoas sem vínculos, assim como a vida das prostitutas. Então, em 1977, o Criminal Act encorajou o British Board a ser mais severo com aqueles filmes acusados de obscenidade – filmes que já haviam sido proibidos no ano anterior, como Salò ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma, direção Pier Paolo Pasolini, 1975) (liberado em 2000, proibido até 18 anos) e Império dos Sentidos (Ai no Korîda, direção Nagisa Ōshima, 1976), seriam definitivamente interditados. Em 1979, uma comissão de inquérito conclui favoravelmente à liberalização da censura, o que provoca muita contestação no parlamento. Em 1985, o British Board se transforma em British Board of film Classification, mais severo como o vídeo cassete doméstico do que com o cinema, devido ao maior acesso das crianças – desde 1984, já existia um Video Recordings Act. Em 1993, os conservadores no governo restringiram o acesso aos vídeos violentos, como os video nasties, em virtude do assassinato do pequeno James Patrick Bulger (dois anos de idade) em Liverpool por duas crianças com dez anos de idade (idade mínima de imputação penal na Inglaterra). 

A censura política
acontece na produção.
Agenda Secreta (Hidden
 Agenda, 1990), de Ken Loach
 aborda  o  terrorismo de Estado 
britânico na Irlanda. Só chegou
 às  telas  com   financiamento
americano  em seis meses,
 por coincidência ou não, 
Thatcher  renuncia

Os cinejornais escaparam da censura, que aumentou durante o período em que Margaret Thatcher foi a Primeira-Ministra britânica (1979-1990). Os filmes são classificados como “para todos os públicos”, “proibido para menores” (12, 14 ou 18 anos) e “reservado aos sex shops”. Durante algum tempo, a classificação X for London apontava aqueles que só poderiam ser projetados na capital. Os britânicos, afirmou o cineasta Ken Loach, preferem ignorar, tolerar, a proibir, fazer “como se as coisas não existissem”. No início do século XX, o cinema britânico tendia a ignorar os trabalhadores e os problemas de miséria e alcoolismo, enquanto respeitava regras puritanas em relação ao casamento e questões sexuais. Um decreto para a prevenção do terrorismo (naquela época praticado pelo IRA, Exército Republicano Irlandês, contra o colonizador britânico), permitia proibir qualquer filme em todo o território. Um “Comitê D” pode fazer uso de censura sempre que a defesa do país for ameaçada. De fato, concluiu Jean-Luc Douin, se não existe propriamente censura na Grã-Bretanha, o país dispõe de um quadro legal bem rigoroso para proibir o que quiser. Ela será exercida essencialmente na televisão, onde uma comissão independente estipulou o horário das 21 horas para cenas de nudez e sexo, investindo também contra o “humor mal colocado” e de “mau gosto” e proibindo a publicidade de “afrontar a decência pública”.  Com o Obscene Publications Act, de 1977, o Ministério Público processou o mercado de vídeo – já que filmes proibidos eram acessíveis em video tape. Batidas policiais em videoclubes apreenderam farto material, particularmente video nasties e filmes gore (sanguinolentos). Um dos últimos casos de censura foi de Trainspotting - Sem Limites (Trainspotting, direção Danny Boyle, 1996), que aborda a vida de viciados de Edimburgo – da mesma época, Crash: Estranhos Prazeres (Crash, 1996), de David Cronenberg, só será liberado com cortes. Em 1997, Philippe Rouyer concluiu:

“Em 1990, a comissão havia verificado 17.011 fitas de vídeo e decretado somente 28 proibições (dentre as quais, O Exorcista, The Exorcist, direção William Friedkin, 1973). Mas deve-se notar que muitos filmes inseridos na lista negra dos video nasties não foram avaliados. Além disso, essas estatísticas não levam em conta os cortes. Na Inglaterra hoje, poucos filmes gore estão disponíveis em vídeo [cassete] em sua versão integral. Pelo menos oficialmente, pois existe um florescente mercado negro de fitas proibidas” (6) (imagem abaixo, visto da censura para o primeiro filme sonoro de Hitchcock, Chantagem e Confissão, Blackmail, 1929)

Censura e Anticomunismo


Com a derrota do  anticomunista  Hitler  em 1945, a perspectiva de
 aumento do poder soviético na Europa desperta interesse em utilizar
censura  para reforçar o status quo e marginalizar o debate político

Mais importante organismo de censura britânico, no final de 1919 a maioria das autoridades locais aceitava os certificados do British Board of Censors (expostos antes dos créditos iniciais) como garantia suficiente de que um filme era adequado para exibição pública. De acordo com Tony Shaw, a cooperação em tempo de guerra entre British Board, Whitehall (a sede do governo) e o aparato governamental de censura à imprensa convenceu o Home Office (equivalente ao Ministério da Administração Interna) de que no Board (chefiado, até 1948, por Joseph Brooke-Wilkinson, responsável pelo Departamento de Propaganda Cinematográfica durante a guerra) se poderia confiar que agiria de acordo com as linhas gerais da convenção social. O resultado foi que essa ligação entre departamentos do governo se transformou numa característica permanente do serviço do Board após a Primeira Guerra, ao mesmo tempo em que discretamente continuaria a exercer sua autoridade temporária de tempo de guerra para censurar filmes sobre temas específicos, fossem eles documentários educacionais ou veículos de propaganda de grupos de pressão. Para Shaw, o receio da insurgência comunista parece ter sido pelo menos um fator no fortalecimento da censura política no Board depois da guerra. Entre 1917 e 1919, foram editadas regras em relação à temas “controversos”, incluindo a manutenção das prerrogativas de tempo de guerra quando o assunto do filme for o conflito nas relações industriais, relações ruins entre a Grã-Bretanha e seus antigos aliados, e os maus tratos aplicados aos povos colonizados pelos britânicos – nada disso poderia ser mostrado (7). Previsível é também a censura que os ingleses aplicavam aos povos que subjugavam:

“O cinema indiano é o mais prolífico do mundo [...]. Ele conheceu a censura desde 1918, sob o domínio britânico: o governo inglês estava preocupado em preservar o público indiano de toda influência nefasta [(como é evidente, do ponto de vista do colonizador)], que venha das imagens do Ocidente O Encouraçado Potemkin ou da propaganda nacionalista. É proibido, por exemplo, evocar nas telas as ideias de Gandhi. Os comitês de censura instalados nas principais cidades do país garantiam que não fossem representados nem o estupro, nem a prostituição, nem a nudez feminina (o auge do sexy é filmar uma bela mulher saindo do banho, ou moldada por suas roupas molhadas após a chuva). A censura foi reforçada na hora da Independência, em 1947; em particular em 1951, com a criação de um comitê central de censura (...)” (8)


 Banimento tende a se limitar a clássicos soviéticos como A Mãe
  e O Encouraçado Potemkin.  Em  1925,  “incitamento ao ódio de
  classe” e “propaganda bolchevique” são motivo  de  intervenção

A autocensura era regularmente encorajada durante os encontros na sede do British Board com produtores e distribuidores onde se discutia a respeito de projetos de filmes e cortes naqueles já completados. O banimento imediato tendia a se limitar aos clássicos do cinema soviético com O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potemkin, direção Serguei M. Eisenstein, 1925) e A Mãe (Mat, direção Vsevolod Pudovkin, 1926). Em 1925, motivos para intervenção incluíam “incitamento ao ódio de classe” e “propaganda bolchevique” – segundo Shaw, o primeiro reconhecimento público de que o Board estava discriminando contra um partido político em particular. Durante a década de 1930, o Board reforçou o controle através da prática do veto de roteiros, para eliminar material inaceitável antes mesmo de ser filmado – prática corriqueira na União Soviética desde Stalin. A controvérsia religiosa, moral e política era uma das maiores preocupações dos censores. Ou seja, explica Shaw, era considerada suspeita qualquer coisa que ameaçasse o respeito à autoridade, encorajasse o debate em relação ao status quo ou questionasse a política externa britânica. No Board, chegou-se a rejeitar projetos denunciando as condições de vida no comunismo porque continham referências a atividades contra o Estado. Por vezes, mesmo a representação da Rússia era considerada controversa, fora dos limites. A despeito da censura, no período entre guerras, vários filmes referem-se abertamente às classes sociais e a situação política na União Soviética. Contudo, ao contrário do produto de Hollywood, filmes britânicos eram menos histéricos, não diziam claramente que o país estava em guerra com a ideologia bolchevique. Com o advento do filme sonoro, a censura relaxou por alguns instantes...

“(...) Houve mudanças importantes de equipe no British Board of Censors (um novo presidente em 1929 e novo chefe censor em março de 1930) que, combinados com os problemas de adaptação ao processo de censura a ser adotado para lidar com o advento do som nos filmes, resultaram num lapso do controle sempre rigoroso do Board. Foi apenas em 1930, com a introdução do exame minucioso de scripts, roteiros ou sinopses durante a pré-produção para superar as dificuldades, que a situação voltou lentamente ao normal. Loose Ends (direção Norman Walker, 1930), The Stronger Sex (direção Gareth Gundrey, 1931) e The Woman Between (direção Miles Mander, 1931), foram três dos filmes que embarcaram na produção em fevereiro, junho e outubro de 1930, respectivamente. Eles se beneficiaram da lacuna no processo de censura (...)” (9)

Durante toda
a década de 1930, 
British Board  of
Censors  reforçaria  o controle através do veto
de roteiros, para eliminar
material inaceitável antes
de ser filmado prática
comum  na  União 
Soviética desde 
Josef Stalin

Com exceção de Russia – The Land of Tomorrow (direção Maurice Sandground, 1919), o Estado soviético era retratado como ditatorial e disfuncional. The Land of Mystery (direção Harold M. Shaw, Basil Thompson, 1920), que mostrava a queda da dinastia Romanov e a ascensão do bolchevismo, apresentado na imprensa como o filme britânico mais caro até então. Depois da sessão privada para membros do governo antes do lançamento, seriam adicionadas imagens da Rússia rural entre a queda do Czar e a ascensão de Lênin. As plateias deveriam distinguir entre os avanços institucionais do governo provisório de curta duração (apoiado pelos políticos britânicos) e a “anarquia” implantada posteriormente pelo radicalismo bolchevique. Forbidden Territory (Phil Rose, 1934) é baseado num thriller que fala do resgate de um nobre inglês em sua prisão na Sibéria. Shaw observa que, em seu enredo e ideologia, ele apresenta todos os ingredientes básicos do ciclo de melodramas de espionagem da Guerra Fria que floresceriam nos anos 1950: o inglês típico lutando contra as injustiças num ambiente política e geográfico estranho; chefe de polícia desumano e seus espiões onipresentes; expurgos assassinos e exílio; cooperação entre ocidentais presos e comunistas dissidentes; evidências da ameaça representada pela União Soviética para o mundo. O pessoal ligado ao Partido Comunista inglês pediu o banimento do filme, mas o British Board só estava banindo filmes antinazistas, pois questionavam a “estratégia de conciliação” que o governo desejava estabelecer com Hitler. De acordo com o Board, Forbidden Territory não apresenta nenhum elemento político – sucesso de público que será refilmado em 1940; momento estratégico, já que a União Soviética havia invadido Polônia e Finlândia.

“Nos filmes de espião produzidos antes do início da guerra, foi a Alemanha nazista em particular que seria identificada como o ‘inimigo’. Apesar de o British Board of Censors proibir a nomeação do país, os filmes o insinuavam fortemente através do sotaque teutônico de seus vilões e a iconografia dos casacos de couro estilo Gestapo e uniformes estilo militar SS. Dado que a maioria nesse ciclo de filmes de espião foi realizado entre o Acordo de Munique, de setembro de 1938, e o início da guerra um ano depois, um momento em que se percebeu que a agressão da Alemanha não poderia ser contida pela diplomacia, é tentador interpretá-los como uma crítica à [estratégia de conciliação] (...)” (10)


Em O Amor Nasceu do Ódio, casal foge para o Ocidente e União
 Soviética se resume ao caleidoscópio de assassinatos da revolução. 
 Para  o  British Board, o filme não continha propaganda política

O Amor Nasceu do Ódio (Knight Without Armour, direção Jacques Feyder, 1937) foi financiado por Alexander Korda – húngaro de nascença, adorava a Grã-Bretanha a ponto de ser pró-imperialista; simbolizava os “mercadores de sonhos” do período; cultivava muitas amizades entre políticos e diplomatas; acreditava no poder do cinema em projetar a estrutura social vigente e os valores britânicos no exterior. O filme acompanha Ainsley Fortheringhill, jovem inglês que se junta ao movimento revolucionário russo como um espião britânico. Com a derrubada do Czar, sua tarefa é levar a condessa Vladinoff à Petrogrado para ser julgada, mas decide ajudá-la a fugir para o exílio. Escapando da perseguição, o casal atravessa a fronteira num trem da Cruz Vermelha dos Estados Unidos e vai para a Inglaterra, retratada como um refúgio de liberdade, enquanto a União Soviética se resume a um caleidoscópio de assassinatos na esteira da revolução. Novamente o British Board decretou que o filme não continha propaganda política. Outros filmes apontam para a própria Grã-Bretanha, Réveille (direção George Pearson, 1924) e The Last Post (direção Dinah Shurey, 1929), exploram o patriotismo sentimental associado à Primeira Guerra, para condenar a militância de esquerda. Capitalizando a paranoia anticomunista no final dos anos 1920, Asas do Amor (The Flight Commander, direção Maurice Elvey, 1928) mostra interesses coloniais da Grã-Bretanha na China sendo atacados. O Ministério dos Negócios Estrangeiros (Foreign Office) convenceu os produtores através do Board a eliminar as cenas de bombardeio sobre a população civil chinesa, por receio de inflamar a xenofobia contra os britânicos. O objetivo era apoiar a hipótese de que os russos estariam por trás da agitação antiocidental na China.


Originalmente,  o vilão de  O Homem que Sabia Demais  escapava
dos policiais londrinos, mas Hitchcock obedeceu a regra da censura
mudou o final: o bandido sempre perde e a polícia sempre ganha

Shaw segue indicando que imagens das diferenças de classe (roupas, linguagem e recreação) saturavam os filmes britânicos nas décadas de 1920 e 1930, mas raramente eram apresentadas um problema. Em poucas ocasiões o conflito de classe era abordado, quando isso acontecia o objetivo era promover integração social e validar as estruturas hierárquicas da sociedade britânica, neutralizar contradições e aspirações da maioria desprivilegiada, induzir a plateia a se comprometer e aceitar as restrições sociais – assim como problemas emocionais deveriam ser solucionados através do casamento, questões políticas ou sociais problemáticas deveriam ser neutralizadas como meros confrontos entre personagens. É o caso de comédias como Hyde Park (1934) e If I Were Rich (ambos dirigidos por Randall Faye, 1936), que ridicularizam as pretensões socialistas dos protagonistas, membros da pequena burguesia que querem virar aristocratas, mas ao chegar lá percebem a natureza pesada do bem estar, status e poder. Concluindo que os ricos não são tão ociosos quanto parecem, os alpinistas sociais preferem voltar a suas origens. O esnobismo aparece em todos os níveis, enquanto as relações de classes são despolitizadas. Shaw lembra que os dois filmes terminam numa nota consensual: a ordem social sendo reforçada a partir da base, a família e diferenças de classe reconciliadas através do doce som dos sinos do casamento. Com a derrota de Hitler (que era anticomunista) em 1945, a perspectiva de aumento da influência da União Soviética na Europa e o advento da Guerra Fria elevou ainda mais o interesse em utilizar a censura para marginalizar qualquer debate político e reforçar o status quo (o que já vinha sendo do interesse da indústria cinematográfica britânica muito antes da revolução russa).

Leia também:

Roberto Rossellini, a Virgem e a Censura
Código Hays: Autocensura de Conveniência
O Prado de Bejin: Eisenstein e a Censura Stalinista

Notas:

1. DOUIN, Jean-Luc. Dictionnaire de la Censure au Cinéma. Images Interdites. Paris: Quadrige/PUF, 2001. P. 389.
2. Idem, pp. 388-9.
3. CHAPMAN, James. Celluloid Shockers. In: RICHARDS, Jeffrey (Ed.). The Unknown 1930s. An Alternative History of the British Cinema, 1929-1939. London/New York: I. B. Tauris, 1998. P. 87.
4. BOURDON, Laurent. Dictionnaire Hitchcock. Paris: Larousse, 2007. P. 166.
5. DOUIN, J.-L. Op. Cit., p. 237.
6. ROUYER, PHILIPPE. Le Cinéma Gore. Une Esthétique du Sang. Paris: Éditions du Cerf, 1997. P. 159.
7. SHAW, Tony. British Cinema and the Cold War. The State, Propaganda and Consensus. London/New York: I. B. Tauris, 2001. Pp. 12-19, 171.
8. DOUIN, J.-L. Op. Cit., p. 251.
9. ALDGATE, Tony. Loose Ends, Hidden Gems and the Moment of ‘Melodramatic Emotionality’. In: RICHARDS, Jeffrey (Ed.). Op. Cit., p. 224.
10. CHAPMAN, James. Op. Cit., p. 94.

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