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Roberto Acioli de Oliveira

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12 de out. de 2016

Andrzej Munk e os Heróis da Pátria


(...) Junto com Cinzas e Diamantes, [de Wajda, Heroica] permanece 
até hoje o filme mais assistido e cult do período da Escola Polonesa” 

Ewa Mazierska (1)

Do Esgoto à Comédia
Juntamente com o conterrâneo Andrzej Wajda, o cineasta polonês Andrzej Munk (1921-1961) é considerado o criador mais importante da “Escola Polonesa” – embora não haja consenso em torno desta denominação, e certamente não havia entre os cineastas poloneses que posteriormente serão identificados com ela pelos historiadores (2), é fato que este “grupo” foi responsável por inserir a Polônia no mapa cinematográfico da Europa a partir do final dos anos 1950. Em grande parte, tal inserção se deu graças a filmes que retratam a experiência polonesa durante a Segunda Guerra Mundial. Heroica (Eroica, 1958) pertence à vertente da Escola Polonesa descrita como “racionalista”, ou “plebeia”, em oposição ao “paradigma romântico-expressionista”, do qual filmes de Wajda como Kanal (Kanał, 1957) e Cinzas e Diamantes (Popiól i Diament, 1958) constituem os principais exemplos. Entre outras características, este paradigma dirigiu seu foco para protagonistas operários e camponeses comuns, um estilo realista e atitude crítica em relação a certo ethos (caráter, espírito) identificado com o Romantismo polonês. Embora Ewa Mazierska veja mais semelhanças do que diferenças entre a obra de Munk e estes filmes de Wajda, na consciência popular polonesa os filmes do cineasta funcionam como uma espécie de anti-Kanal ou anti-Cinzas e Diamantes. Em ambos os filmes encontramos uma crítica da ideia de que a tarefa sagrada do polonês é ser heroico (mesmo que seja a qualquer custo: agindo com imprudência ou colocando a vida de terceiros em risco), embora ambos demonstrem simpatia e compreensão em relação a seus heróis condenados. Heroica, por outro lado, é mais desiludido do que os filmes de Wajda no período da Escola Polonesa (3). 


 Com Heroica, Andrzej Munk rompe com o Realismo Socialista, 
recontando  as  histórias  da  Polônia  durante  a  Segunda Guerra
que   foram   distorcidas   ou   suprimidas   por   tal   estética  (4)

Considerando as décadas imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial, e o panorama da produção cinematográfica dos países da Europa oriental que estiveram sob o domínio da extinta União Soviética, o cinema polonês foi o primeiro a manifestar certa liberdade estética em relação ao Realismo Socialista. Com Geração (Pokolenie, 1955), Kanal (este que se passa nos esgotos da cidade, foi o primeiro filme a respeito do Levante de Varsóvia) e Cinzas e Diamantes, Wajda sai na frente, seguido por Munk, com Heroica e Má Sorte (Zezowate szczescie, 1960), filmes de tom irônico, distantes de qualquer heroificação épica (5). De acordo com Mazierska, alguns críticos poloneses, como Ewelina Nurczyńska-Fidelska, maior especialista na obra de Munk, sugerem que apesar da atitude crítica e até cínica em relação a alguns mitos nacionais, os filmes deste cineasta devem ser inseridos no paradigma do romântico polonês. A razão seria a complexidade e riqueza deste paradigma, que contém atitudes e temas que se contradizem, incluindo elevação e condenação do patriotismo e do heroísmo abstratos, realismo e simbolismo, pathos (melancolia ou ternura) e ironia. De fato, o tema do heroísmo está embutido no próprio título do filme. O subtítulo, Symfonia Bohaterska w dwóch Częściah (uma sinfonia heroica em dois movimentos), foi retirado da 3ª Sinfonia, de Beethoven, cujo título é Heroica – ele queria homenagear Napoleão, mas se desiludiu quando este se fez coroar imperador. A sinfonia tem três movimentos, e o filme tinha originalmente três partes – todas baseadas em histórias escritas por Jerzy Stefan Stawiński, considerado o melhor roteirista da Escola Polonesa. Contudo, apenas duas partes foram incluídas no final, a terceira não seria exibida até 1995, quando transmitida na televisão estatal polonesa.


(...) A ideia do ‘heroico’ permeia a [Escola Polonesa] precisamente
por estabelecer  ligação entre a ideologia oficial do internacionalismo
proletário  do  pós-guerra e a persistência subterrânea na consciência
polonesa   de   hábitos   de   pensamento   anteriores   à   guerra” (6)

De fato, o roteiro de Kanal, que aborda o Levante de um ponto de vista muito mais sério e dramático, foi parar nas mãos de Munk antes de chegar à Wajda. Munk o apresentou à Janusz Morgenstern (que viria a ser o assistente de direção de Wajda), que ficou muito impressionado com o material e queria trabalhar no filme. Contudo, tempos depois, Munk desistiu da empreitada por concluir que seria possível filmar nos esgotos de Varsóvia utilizando iluminação artificial - Morgenstern achou que era uma oportunidade perdida, mas logo depois Wajda o chamou para ser assistente de direção.  “(...) E como vocês sabem, isso não é minha praia. Prefiro fazer outras coisas para as quais eu tenho mais jeito. Como a verdade nua e austera, ao invés de uma história” (7) justificou Munk. O que não deixa de ser um comentário curioso, considerando a ficcionalização presente em Heroica, especialmente em seu caráter cômico. De qualquer forma, naquela época Munk era, nas palavras de Morgenstern, “um documentarista típico” – e Munk lhe explicou: “não posso imaginar como retratar a realidade daqueles tempos em um filme de ficção (...)” (8). Então o roteiro acabou chegando às mãos de Wajda por intermédio de Tadeusz Konwicki, gerente literário do grupo Kadr (empresa polonesa de produção e distribuição de fundada em 1955 pelo cineasta Jerzy Kawalerowicz, mesmo ano em que produziu Geração, de Wajda; Heroica seria sua sexta produção). Wajda resumiu assim o dilema de Munk:

“Então, o que foi que Munk fez? Ele mandou que se levantasse a tampa do bueiro, entrou lá por um instante e depois saiu. Toda a equipe esperava por sua decisão e ele disse: Não se pode enxergar aqui dentro. É impossível fazer uma filmagem aqui. Por que ele acreditava, como o grupo dinamarquês Dogma – no local onde os eventos tivessem ocorrido... e considerando que ele não conseguia enxergar no esgoto, ele havia decidido não fazer o filme.” (9)

Heróis do Nada?


O discurso do heroísmo será ironizado pela Escola Polonesa, seja no estilo trágico de Wajda ou no humor negro de Munk em Heroica (10)
Citando como exemplos Lotna (1959) e Cinzas e Diamantes, de Wajda, Como ser Amado (Jak byc kochana, 1963), de Wojciech Has (1925–2000), Má SorteHeroica, de Munk, Paul Coates observa que a ironia aplicada ao heroísmo ocorre ao nível da imagem, da aparência visual, do visível e do invisível. Nas sequências da segunda parte de Heroica que mostram o prisioneiro que fingiu que fugiu, mas se mantém escondido no telhado para alimentar a lenda de seu heroísmo, este não vem acompanhado por uma imagem heroica (já que ele está escondido fora das vistas). Em certo sentido pode-se dizer que também há um heroísmo no autossacrifício de levar a vida como um morto-vivo. Numa dialética entre o visível e o invisível, esses filmes inculcam a desconfiança em relação a seu próprio veículo, a imagem: o herói sempre tem um duplo, está sempre vivo e morto, hora lenda oral (Heroica), ora ícone visual oficial (as estátuas e pôsteres do trabalhador que ultrapassa sua cota de trabalho, em O Homem de Mármore [Czlowiek z marmuru, 1977], de Wajda). Na opinião de Coates, essa dialética entre heroísmo e anti-heroísmo permeia a Escola Polonesa, em parte devido aos cineastas que sabem que seus filmes são ao mesmo tempo uma traição (ao denegrir o Exército Interno Polonês, questionando também os valores anteriores à guerra, enaltecem o Exército do Povo, apoiado pelos soviéticos) e uma homenagem ao passado. Ainda de segundo Coates, Cifras (Szyfry, 1966), de Has, é o melhor exemplo da persistência de uma consciência traumatizada por a “contorção” da realidade. Este filme diagnostica a doença da qual é um sintoma: a impossibilidade de dizer, antes de 1989 (quando cai o Muro de Berlim e a União Soviética entra em colapso), toda a verdade a respeito da guerra (11).


Heroica serve como contraponto em relação aos filmes
de Wajda, na medida em que os personagens de Munk negam
as  características  dos  protagonistas  de  seus filmes (12)

As duas partes de Heroica são inspiradas em eventos autênticos, mas locais e personagens foram mudados. A primeira parte, scherzo alla pollacca, baseada em Węgrzy (Os Húngaros), de Stawiński, é ambientada no Levante de Varsóvia, em 1944. Dzidziuś Górkiewicz é uma espécie de quebra-galho que confessou trabalhar no mercado negro. Durante o Levante ele se encontrava em Molotów (como os personagens de Wajda em Kanal) e acompanhava os rebeldes do Armia Krajowa (Exército Interno Polonês), cuja missão era apoiar o governo antissoviético polonês, então no exílio em Londres – exército que era também a principal força organizando o Levante, com uma intenção respectivamente militar e política: libertar Varsóvia dos nazistas antes que o exército de Stalin chegasse. A certa altura, foi o tédio de Dzidziuś durante o treinamento fez com que prestasse atenção num ataque do inimigo, salvando sua vida e a dos demais – o comandante nem percebeu o perigo. Mazierska chama atenção de como nessa cena Munk contrapõe heroísmo e idealismo “cego”. Disparates se sucedem: dois grupos em diferentes em Varsóvia telefonam um para o outro através de Londres. Desde o inicio, o Levante é apresentado como irracional e fadado ao fracasso. No final os soviéticos e não os poloneses libertarão a capital, um dos oficiais desabafa para Dzidziuś: o oficial se refere a um “destino polonês”, trágico e absurdo ao mesmo tempo (13). De acordo com Paul Coates, “(...) A ideia do ‘heroico’ permeia a [Escola Polonesa] precisamente porque estabelece uma ligação entre a ideologia oficial do internacionalismo proletário do pós-guerra e a persistência subterrânea na consciência polonesa de hábitos de pensamento anteriores à guerra” (14)


Dzidziuś  traz  as  notícias e ajuda as pessoas,  assumindo  seu  papel
de mensageiro até o fim. Ele já foi comparado ao deus grego Hermes

Após o episódio do ataque inimigo com um avião, Dzidziuś troca Varsóvia por um balneário próximo, onde deixa sua esposa, Zosia. Ao retornar para Zalesie, a encontra com um oficial húngaro, que oferece armas em troca de apoio contra os soviéticos, o que faz com que Dzidziuś vá e volte entre Zalesie e Varsóvia várias vezes enfrentando perigos – embora Munk os represente de maneira cômica. A especialista em cinema polonês Bronisława Stolarska comparou Dzidziuś a Hermes, o deus da mitologia grega. Assimilado posteriormente pelo sincretismo do Império Romano invasor como Mercúrio e no egípcio como Toth, Hermes é o guardião da família, mensageiro dos deuses, deus da comunicação (em sua capacidade para guiar os mortos até o Hades), patrono dos andarilhos, comerciantes, viajantes e ladrões, deus das coisas achadas ou roubadas, deus do lucro e da riqueza. Nesse sentido, Dzidziuś assume o papel de um mensageiro, trazendo notícias e auxiliando as pessoas. Alguns têm discutido quais foram às razões para que ele trocasse a paz de Zalesie pelo inferno de Varsóvia. Alguns afirmam que seu ato testemunha a atmosfera romântica e heroica durante o Levante contra os nazistas, clima que contaminou do camponês às pessoas moralmente dúbias, levando-os a sentir como se suas vidas devessem estar direcionadas mais para a lenda do que para seu bem estar. Segundo Stolarska, por seu retorno à capital do país, Dzidziuś completa sua missão como Hermes. Além disso, conclui Mazierska, ao inscrever a percepção polonesa de “tudo ou nada” na mitologia mediterrânea, Munk torna o mito polonês universal. Ela também comentou a respeito da esposa de Dzidziuś, lembrando que a figura da “loura burra” é bastante rara no cinema polonês do pós-guerra:

“Aparentemente, [a oferta de uma confirmação para os Aliados de que o oficial Húngaro, cujo país estava com os nazistas, arranjou armas para o Levante contra os soldados de Hitler] foi discutida anteriormente com Zosia, como indica claramente a troca de olhares [com Dzidziuś], mesmo que isso aconteça entre um beijo e outro [assim que o marido pega ela com o húngaro]. Trazer isto à baila não é de forma alguma mostrar que no cinema polonês a figura da ‘loura burra’ pode ser transformada numa pessoa com consciência política. Também não é meu objetivo aqui questionar os papeis de gênero, mas indicar que Munk brinca com os esquemas e estereótipos de heroísmo e covardia, assim como com as imagens de masculino e feminino. Portanto, [em Heroica] um homem não é nem tão heroico quanto se poderia desejar que fosse, nem é uma mulher tão estúpida quanto parece ser. Um breve episódio, quando uma mulher simples, lavando roupas no rio, responde detalhadamente para Dzidziuś a respeito de posições de batalha dos nazistas, confirma a atitude cética de Munk quanto a aceitar estereótipos” (15)


Os dois meses  do  Levante  de  Varsóvia são considerados o ponto de
partida do conceito de guerrilha urbana em cidades muito grandes (16)

A decisão de se juntar àquela insurreição condenada também aproxima Dzidziuś do mito grego de Ulisses (Odysseus). Em comum com a interpretação de Ulisses por Homero, Dzidziuś abandona sua esposa e sua casa cheia de pretendentes dela (Kola, o húngaro, parece ser apenas um dentre outros) em busca de aventura e outras mulheres. Uma delas, que aderiu ao Levante com o codinome Berry, cativou Dzidziuś ao ponto dele afirmar que preferia que ela fosse sua real esposa. Mazierska observa que o contraste moral entre Dzidziuś e seus companheiros de insurreição parece menor do que o de sua esposa em relação às jovens mulheres que lutaram contra o invasor alemão. Enquanto Dzidziuś se mostra (à sua maneira) bravo e patriótico, sua esposa parece só pensar em conforto e bens materiais, sendo até mesmo incapaz de distinguir entre inimigo e aliado. No título dessa primeira parte do filme, a palavra italiana scherzo (brincadeira, piada) indica o tom do que virá a seguir. Assim, scherzo alla pollacca é repleto de situações engraçadas, enfatizando o contraste entre a seriedade da situação dos moradores da capital da Polônia durante a insurreição e uma abordagem leve em relação aos acontecimentos. O título da segunda parte, ostinato lugubre, baseada em Ucieczka (fuga), novamente de Stawiński, indica o tom lúgubre, fúnebre, triste e desanimado daquilo que iremos assistir a seguir. Agora estamos num campo de prisioneiros de guerra nos Alpes, os personagens não estão condenados a morte iminente, levando uma vida pacífica.  


 Alguns  acreditavam   que   os   soviéticos  ajudariam  os  poloneses
a  expulsar  os  nazistas  durante  o  Levante de Varsóvia. Mas Stalin
desconfia do caráter anticomunista da insurreição e prefere esperar
 que fossem aniquilados, facilitando sua própria invasão  da  Polônia 

A história começa quando no final de 1944 chega ao campo um grupo de guerrilheiros capturados pelos alemães durante o Levante de Varsóvia e se mistura ao grupo que já estava por lá desde 1939. Logo os recém-chegados descobrem que o clima no campo beira o bizarro, ninguém mais conta o tempo e o senso de realidade se foi. É como se o tempo tivesse parado em 1939, daqueles que chegaram nessa época, ninguém se interessa pelo Levante na capital e também não se fala no final da guerra (que é iminente). Os valores morais que eram válidos em 1939 é a única coisa que conta para eles, que questionam a validade das medalhas militares ganhas por aqueles que participaram dos combates em Varsóvia. O assunto mais importante para esses prisioneiros de 1939 é a honra dos oficiais, que deve ser afirmada através de um ato de bravura – um tema que soava questionável em 1944. O tenente Zawistowski, por exemplo, havia conseguido escapar do campo, tornando-se um herói e servindo de exemplo. Ocorre que é tudo mentira, pois o tenente estava escondido no teto do alojamento, bem sobre as cabeças deles. Dois prisioneiros compartilham secretamente suas rações com o oficial para manter sua lenda heroica intacta. Munk mostra que a justificativa para manter a mentira (preservar uma lenda heroica para elevar o moral dos prisioneiros) acaba levando ao efeito oposto, uma vez que o grupo que não escapou passa a se sentir covarde. O tenente Żak, melhor amigo do tenente Zawistowski, inveja o amigo pela coragem de fugir do campo e será morto em sua tentativa de igualar o feito herói. Zawistowski fica devastado com a notícia, que se sente culpado pela morte do amigo e comete suicídio.


“Embora ostinato lugubre seja ambientado na guerra, alguns críticos
o  consideram  metáfora  da  situação  dos  poloneses  após  1945    (...)” 

Ewa Mazierska (17)

Desta forma, conclui Mazierska, pode-se argumentar que tanto Żak quanto Zawistowski são vítimas das expectativas de efetivação do ato heroico, ao invés de por sua motivação. Este paradoxo que consome vidas também é o tema de outros filmes da Escola Polonesa, como Cinzas e Diamantes, realizado por Wajda, e Como ser Amada (Jak być Kochaną, 1963), realizado por Wojciech Has. Munk retornaria ao tema em filmes posteriores, como Má Sorte. Alguns consideram a segunda parte de Heroica uma espécie de metáfora da situação dos poloneses depois de 1945, quando o país foi definitivamente ocupado pelos soviéticos, que os haviam libertado dos nazistas. Consequentemente, o campo de prisioneiros simboliza toda a Polônia, agora sob o governo comunista, e do qual é quase impossível escapar, devido às numerosas barreiras visíveis e invisíveis – incluindo a grande dificuldade de conseguir um passaporte. A atmosfera claustrofóbica do campo de prisioneiros, sua apatia e falta de esperança, era visível em grande parte da sociedade polonesa do pós-guerra, particularmente a intelectualidade, que tinha muita dificuldade em se adaptar à nova ordem sociopolítica da Polônia comunista. Mesmo o absurdo e o humor negro, imortalizados por Munk, é reminiscente da visão de que a Polônia era a prisão mais alegre em todo o campo de prisioneiros soviético.

Por Trás da Cena


Ao contrário dos filmes de Wajda, altamente consciente de seu pesado simbolismo, o elemento de arte é evitado em Heroica. Ao contrário de Kanal e Cinzas e Diamantes, símbolos e metáforas sempre aparentam ser inerentes à realidade representada. Em Heroica, por exemplo, a garrafa que Dzidziuś atira de costas na direção de um tanque carrega associações diversas com os mísseis caseiros utilizados pelos poloneses durante o Levante em Varsóvia, enquanto Wajda utiliza muitos close-ups e câmeras subjetivas, buscando empatia por parte do espectador. Munk, pelo contrário, evita tais procedimentos em Heroica ao afastar a câmera dos personagens e enfatizar o contexto no qual estão inseridos, em detrimento de uma suposta necessidade de busca da empatia do espectador. Contudo, Mazierska explica que a impressão de um filme de poucos artifícios artísticos só foi possível para Heroica justamente devido ao emprego de meios técnicos e artísticos sofisticados, incluindo o foco profundo (deep focus) e o zoom – alguns dos quais foram utilizados no cinema polonês pela primeira vez. O mais importante foi o foco profundo, que o diretor de fotografia Jerzy Wójcik admitiu neste filme de Munk ter sido fortemente influenciado pelo trabalho do colega Gregg Toland, em Cidadão Kane (Citizen Kane, direção Orson Welles, 1941) (18).


Apesar do início da desestalinilização na União Soviética e seu bloco
na  Europa  do  leste a partir de 1956, questionar, ou discutir, a respeito
do  Levante  de  Varsóvia,  seria problemático  [ou proibido] até 1989

Em Heroica apenas alguns instrumentos musicais são utilizados na trilha sonora (piano, trompete, xilofone, percussão). Na primeira parte, apenas para revelar ou acentuar as ironias em torno dos personagens. Na segunda, apenas para imitar os sons de soluços, suspiros e gritos distantes, aprofundando a sensação de claustrofobia e paranoia do campo de prisioneiros. O círculo é o símbolo visual mais significativo utilizado por Munk em Heroica, especialmente na segunda parte. Em scherzo alla pollacca, Dzidziuś continua retornando para o mesmo lugar, ainda que por rotas diferentes. Em ostinato lúgubre, os soldados se exercitam caminhando em círculos. O círculo aqui possui um valor negativo apontando para a desesperança e a inutilidade do heroísmo e do patriotismo – vale lembra que ostinato, caracteriza um trabalho musical por definição repetitivo. Em sua estreia, Heroica dividiu a crítica, enquanto alguns o consideraram um filme honesto em relação à guerra e ao destino polonês, outros afirmaram que ele ofendia o sentimento patriótico, especialmente daqueles que participaram do Levante, chegando a dizer que era um trabalho antipatriótico. O filme também foi criticado nos outros países do extinto bloco de países sob a influência soviética, sendo reprovada a mistura de tragédia e comédia, sendo também “acusado” de pessimismo e formalismo. “(...) É preciso acrescentar que, antes do advento da Escola Polonesa em meados dos anos 1950, era praticamente impossível realizar na Polônia uma discussão honesta a respeito do Levante de Varsóvia. Devido à sua controvérsia política (a insurreição visando não apenas os ocupantes alemães, mas também a libertação de Varsóvia [realizada pelos russos] e o controle político do país [ - uma vez que o Exército Interno Polonês era tão anticomunista quanto antinazista]), o assunto era praticamente tabu” (19).
 

Leia também:

Notas:

1. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). The Cinema of Central Europe. London/New York: Wallflower Press, 2004. P. 63.
2. COATES, Paul. The Red & the White. The cinema of people’s Poland. London & New York: Wallflower Press, 2005. P. 18.
3. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). Op. Cit., pp. 55-6.
4. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Women in Polish Cinema. New York: Berghahn Books, 2006. P. 6.
5. MARIE, Michel. A Nouvelle Vague e Godard. Tradução Eloisa A. Ribeiro e Juliana Araújo. São Paulo: Papirus Editora, 2011. P. 104.
6. COATES, Paul. Op. Cit., p. 118.
7. Andrzej Wajda: Sobre Kanal (Andrzej Wajda: on Kanal, direção Izabela Frank [como Izabela Muchlinski], Criterion Collection, 2005), entrevistas nos extras do DVD de Kanal, distribuído no Brasil por Aurora DVD, s/d.
8. Idem.
9. Ibidem.
10. COATES, Paul. Op. Cit., pp. 117-8.
11. Idem, pp. 130-1.
12. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Op. Cit., p. 82.
13. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). Op. Cit., pp. 56-60.
14. COATES, Paul. Op. Cit., p. 118.
15. MAZIERSKA, Ewa; OSTROWSKA, Elżbieta. Op. Cit., p. 82-3.
16. DESCHNER, Günther. O Levante de Varsóvia. Aniquilamento de uma Nação. São Paulo: Editora Rennes Ltda., 1974. P. 51.
17. MAZIERSKA, Ewa. Eroica. In: HAMES, Peter (Ed.). Op. Cit., p. 60.
18. Idem, pp. 60-3.
19. Ibidem, p. 62.

14 de nov. de 2008

O Cinema e o Passado: O Caso do III Reich (II)


Horizonte de Expectativas


Os filmes Nazi-Retrô criam um espaço-tempo particular. Seu mundo é ao mesmo tempo familiar (porque os espectadores conhecem o lugar e o tempo histórico ao quais eles se referem) e convidativo (porque esse mundo foi estruturado para não ser ameaçador). Quer dizer, a moral dos filmes é clara. Os valores Nazistas são localizados em um “outro” contra o qual os heróis e heroínas – e os espectadores – se batem. Ainda assim, os filmes Nazi-Retrô pedem que o espectador julgue o que está ocorrendo. Eles são jogados dentro do filme através da familiaridade com a forma e o conteúdo, que se prolonga de filme para filme. (ao lado, Mephisto, direção István Szabó, 1981)

Mas os Reimer insistem que os filmes permitem que os espectadores construam um distanciamento a partir do qual julgar aquilo que é assistido. Não é possível para os espectadores ignorar as ações dos personagens desses filmes porque o espaço-tempo real da platéia está carregado de valores políticos.

Como os filmes narrativos de outros gêneros, os filmes Nazi-Retrô utilizam personagens simpáticos com os quais os espectadores possam se identificar. Mas no caso Nazi-Retrô, essa estratégia produz um dilema. Se esses personagens fazem parte do Terceiro Reich, então o filme está pedindo que os espectadores se identifiquem com nazistas. Entretanto, manter os personagens separados do nazismo sugere que eles continuam a ser aquele “outro” definido de forma vaga. Para não arriscar perder os laços de identificação entre os espectadores e os personagens, a maioria dos cineastas optou por proteger suas criações do rótulo Nazista. Esses personagens são completamente separados do regime Nazista ou tem uma desculpa para apoiá-lo. Mesmo assim, eles são mostrados como tendo feito oposição às atrocidades do regime. Desta forma, os espectadores podem manter uma distancia psicológica segura em relação ao Nazismo.

Os heróis e heroínas dos filmes Nazi-Retrô representam os soldados da infantaria e os cidadãos comuns da Alemanha. Eles são soldados comuns seguindo o código da guerra. São oficiais que optaram por desobedecer alguma ordem de Hitler para proteger seus homens. São secretárias que seguiram os passos de Hitler com o único objetivo de proteger suas famílias. São donas de casa lutando para manter seus lares e, portanto, não tem energia para se preocupar com questões ideológicas de sua sociedade. São jovens crescendo em uma sociedade que eles não compreendem muito bem. A única faceta que eles nunca representam é o Nacional Socialismo. Nestes filmes, os nazistas são tudo menos heróis e heroínas. Eles são ao mesmo tempo personagens periféricos que não capturam a simpatia do espectador e monstros ou vilões a quem se opõem tanto os espectadores quanto os protagonistas. Neste sentido, os filmes Nazi-Retrô seguem a risca o clichê binário da batalha do bem contra o mal.

Os Reimer insistem que existe pouca dúvida de que os filmes sobre o Terceiro Reich encontraram um lugar permanente na cultura popular. Exemplos disso são os filmes da série Indiana Jones, sob a direção de Steven Spielberg, e os comentários que o presidente George Bush (pai) fez em relação à Saddan Hussein do Iraque, referindo-se a ele como um novo Hitler. Houve também uma critica a visita que outro presidente norte-americano, Ronald Reagan, fez a um cemitério de homens das SS na Alemanha em 1985. Houve também a demissão forçada do presidente do parlamento alemão que sugeriu que a reação dos alemães comuns às políticas Nazistas foi normal. Quando se começou a falar da reunificação da Alemanha a partir da queda do muro de Berlim, houve também certa reserva de alguns países. A questão de fundo aqui é como a condenação às políticas do Terceiro Reich, e a repugnância que se sente em relação ao Holocausto, influenciam a maneira como o filme Nazi-Retrô é recebido e compreendido pelos espectadores, que experienciam o mundo ficcional da narrativa contra o pano de fundo da história contemporânea (1).

Os espectadores são mais influenciados pelo que eles conhecem sobre o Terceiro Reich do pela qualidade do filme que estão assistindo. Ou melhor, os Reimer afirmam que a reação aos filmes sobre o Nacional Socialismo é mais monolítica, todos os espectadores tendem a esboçar a mesma reação. Ao contrário, por exemplo, das reações variadas em relação a filme que mostram a guerra no Vietnã. Não é que as opiniões sobre o Nazismo não variem. Entretanto, reiteram os Reimer, independentemente das diferenças de resposta todos os espectadores reconheceram que os valores do mundo em que os personagens estão atuando ameaçam o seu próprio sistema de valores (dos espectadores).

Os Reimer invocam Hans Jauss, o teórico dos estudos de recepção da comunicação, para se referir ao conceito de “horizonte de expectativas”. Segundo essa abordagem, existe certo nível abstrato de conhecimento factual e emocional que os leitores têm a respeito da literatura que estão lendo. Aplicando este conceito aos filmes Nazi-Retrô, espera-se que esses filmes afetem os espectadores na medida em que eles possuem opiniões sobre Hitler, Nazismo e Terceiro Reich. Ou seja, a recepção daquilo que os filmes Nazi-Retrô comunicam está condicionada pelos preconceitos influências que os espectadores possuem (2).

Leia também:

O Cinema e o Passado: O Caso do III Reich (I), (final)

Notas:

1. REIMER, Robert & Carol J. Nazi-Retro. How German Narrative Cinema Remembers the Past. New York: Twayne Publishers, 1992. P. 5.
2. Ibidem. 


20 de set. de 2008

Contestadores Integrados Franceses (II)





“Belmondo   nunca   lia
 o  roteiro.  Ele   tinha  tal  jogo
 de    cintura     que     teria     sido
 necessário ser masoquista para não
 filmar com ele. Eu não estou muito
 certo  de  que  seja  um  grande ator
 (como  o  foi Mastroianni, o maior
 ator do mundo), mas certamente
é   uma   grande   natureza”

Philippe de Broca (1)

Cineasta francês, dirigiu vários
filmes onde Belmondo atuou




Jean-Paul Belmondo

De jovem rebelde da Nouvelle Vague, tornou-se um personagem triunfante e otimista, seguro de seu charme e bem em qualquer situação, como em O Homem do Rio (L’Homme de Rio, direção Philippe De Broca, 1964). Sua carreira explodiu em Acossado (À Bout de Souffle) (imagem acima), em 1960, no primeiro longa-metragem de Jean-Luc Godard. Na opinião de Dehée, entretanto, será em filmes como O Herdeiro (L’Héritier, direção Philippe Labro, 1973) que podemos captar a inflexão política de seu personagem. Belmondo é Bart Cordell, um poderoso industrial.

Se antes seus personagens se vestiam com blusão e jeans, neste filme ele aparece de terno e gravata. Além disso, o gestual e os diálogos também não correspondiam àquilo que ele havia interpretado até então. Até o lançamento do filme, Belmondo não acreditava que seu público gostasse desse personagem. A partir daí, o ator não parou de aceitar papeis de escroques charmosos, como em Stavisky, ou O Império de Alexandre (Stavisky, direção Alain Resnais, 1974) e O Incorrigível (L’Incorrigible, direção Philippe De Broca, 1975). Progressivamente, Belmondo vai migrando para os personagens de justiceiros. Como um oficial da polícia parisiense em Peur sur la Ville (direção Georges Lautner, 1975), ou um policial inconformado com a escalada do crime na cidade francesa de Nice em Flic ou Voyou (direção Henri Verneuil, 1979), ele se identifica agora como a defesa da ordem (2).

Dehée termina sua descrição do fenômeno Jean-Paul Belmondo sugerindo que o ator francês encarnou a ousadia no interior do sistema. Esquecer as regras do mundo francês do pós-guerra, viver prazerosamente, mas inserido na ordem econômica. Seria o herói ideal das classes médias: Belmondo ofereceu ao espectador o arrepio da viagem, da aventura e das cenas perigosas, o prazer das conquistas femininas e da insolência em relação aos patrões. “Ele sintetiza as contradições de sua época” (3).

Notas:

1. “Belmondo ne lisait pas le scénario. Il avait un tel je-m’en-foutisme qu’il aurait fallut être masochiste…” TASSONE, Aldo. Que Reste-t-il de la Nouvelle Vague? Paris: Éditions Stock, 2003. P. 84.
2. DEHÉE, Yannick. Mythologies Politiques du Cinéma Français. Des Anées 1960 Aux Anées 2000. Paris: Puf, 2000. P. 129.
3. Ibidem, p. 131. 


13 de set. de 2008

Contestadores Integrados Franceses (I)



É com este título jocoso que Yannick Dehée se refere à estrelas do cinema francês como Alain Delon, Jean-Paul Belmondo e Catherine Deneuve (imagem acima). Estes seriam os heróis que povoariam as telas de cinema nos anos 70 do século passado, fornecendo modelos de vida para a geração que nasceu no imediato pós-guerra. A característica básica destas três carreiras cinematográficas seria uma ruptura com o conservadorismo das gerações precedentes, mas sem a revolta dos adolescentes de maio de 68. Daí a alcunha de “contestadores integrados” (1).

No começo, Belmondo e Delon apareciam como personagens sem escrúpulos e sem moral. Enquanto Deneuve se apresentava como menina modelo. A partir de certo ponto da carreira, entretanto, os três se bandeiam para o lado da burguesia. Eles se integram ao sistema econômico, mas mantém independência no plano moral. A sua maneira, afirma Dehée, estes heróis populares caminham juntos com a nova sociedade liberal que tenta se estabelecer em meados dos anos 70 na França.

Alain Delon



“Sua força está em sua solidão,
ele a cultiva com afinco, criando
um vazio em torno de si”

La Solitude de l’acteur Delon
Telerama, 30/06/1973 (2)



Na bilheteria, Belmondo e Delon são vistos como os dois lados da mesma moeda. A imprensa os colocava como rivais. São da mesma geração, heróis de filmes de ação, aplicam as mesmas receitas e foram aprovados pelo público. As escolhas de Delon, afirma Dehée, são menos monolíticas do que as de Belmondo. Mas Delon tinha o mesmo cuidado de Belmondo em controlar sua própria imagem, o que significava muitas vezes interferir no trabalho do diretor dos filmes. (imagem acima, Delon em A Primeira Noites de Tranquilidade)

Como Belmondo, Delon é um herói positivo, esportivo e sedutor, que encarna os valores modernos aos olhos do público da década de 70 do século passado. Entretanto, seus personagens não se confundem. Para Belmondo, a zombaria e a espontaneidade. Para Delon, o mutismo, o orgulho e o caráter objetivo. Homicida inquieto em A Piscina (La Piscine, direção, Jacques Déray, 1969), gangster em Borsalino (direção Jacques Déray, 1970), O Círculo Vermelho (Le Cercle Rouge, direção Jean-Pierre Melville, 1970) Sol Vermelho (Soleil Rouge, direção Terence Young, 1971) e A Viúva (La Veuve Cordec, direção Pierre Granier-Deferre, 1971), Delon marcou presença como fora-da-lei. Se ele amadureceu durante os anos 70, se ele se juntou aos mensageiros da ordem, foi no interior da sociedade civil: juiz em O Crime das Granjas Queimadas (Les Grands Brûlées, direção Jean Chapot, 1973), doutor em Tratamento Diabólico (Traitement de Choc, direção, Alain Jessua, 1972), advogado em Encontros Cruzados (Les Seins de Glace, direção, Georges Lautner, 1972), ele gosta de viver com certos luxos sem perder seu dinamismo (3). Sem esquecer que em Um Amor de Swann (Un Amour de Swann, direção Volker Schlöndorff, 1984), Delon interpreta um homossexual.

Embora Dehée deixe de citar O Sol por Testemunha (Plein Soleil, direção René Clément, 1960), onde Delon é Ripley, um homem frio e amoral (imagem ao lado), seus comentários são muito centrados nos filmes franceses que Alain Delon estrelou. Isso faz com que deixemos de perceber pelo menos quatro filmes italianos em que ele atuou e cujos personagens diferem do estilo senão homem frio, pelo menos de fora-da-lei: Em Rocco e Seus Irmãos (Rocco e i Suoi Fratelli, direção Luchino Visconti, 1960), temos o inocente, mas confuso; em O Leopardo (Il Gattopardo, também dirigido por Visconti, 1963), temos o oportunista; em O Eclipse (L’Eclisse, direção Michelangelo Antonioni, 1962) temos uma espécie de alienado; em A Primeira Noite de Tranqüilidade (La Prima Notte de Quiete, direção Valério Zurlini, 1972), Delon é a frustração em pessoa. (imagem abaixo, Rocco e Seus Irmãos, onde Delon é Rocco, um personagem moralmente forte, mas que faz escolhas erradas)

Em Rocco e Seus Irmãos, o cineasta italiano Luchino Visconti mostrou a saga de uma família que parte do sul pobre da Itália após a Segunda Guerra Mundial para tentar a sorte no norte industrializado. Quase um documentário da situação real daqueles tempos, todos os ingredientes estão presentes: pobreza, desemprego, subemprego, preconceito e prostituição. Delon é Rocco, um personagem mais contraditório do que frio, que procura manter os valores tradicionais da família numa sociedade que já não é a mesma. No final, a família tende a se pulverizar. Quanto a Rocco, ele que abriu mão de tudo em sua vida, tanto amorosa quanto profissional, para ajudar um irmão desgarrado a se erguer: perde o amor de sua vida, assassinada pelo desgarrado, e abraça uma profissão (boxeador) que não lhe agrada para pagar os débitos do irmão.

O Leopardo, também dirigido por Visconti, traz um Alain Delon da aristocracia rural do sul da Itália do século 19, que adere ao movimento de Giuseppe Garibaldi pelo fim da sociedade de privilégios (imagem ao lado). Trata-se de um filme histórico que retrata um momento conturbado da história italiana. O tempo passa e os garibaldinos são derrotados pelas tropas governistas, Tancredi rapidamente muda de lado. Por insistência de seu tio, o príncipe de Salina, Tancredi vai se casar com Angélica, que representa uma aliança entre a aristocracia decadente com a burguesia rica ascendente. É o personagem de Delon, Tancredi Falconeri, que ouvimos uma frase lapidar que serve para muitos países em muitas épocas diferentes: “é preciso que tudo mude para continuar como está”. Portanto, Delon aqui desempenha o papel de um oportunista.

Em O Eclipse, última parte da chamada Trilogia da Incomunicabilidade, dirigida pelo cineasta Michelangelo Antonioni, Delon é Piero, um operador da bolsa de valores e totalmente insensível às necessidades da mulher que dele se aproxima (imagem ao lado). Apenas o fluxo do dinheiro parece excitá-lo. Entre Piero e Vittoria, sempre haverá o mercado de capitais. Um homem frio, aparentemente cínico, mas uma frieza nascida da crescente falta de sensibilidade, da falta de lugar/tempo para que as pessoas tentem se adaptar às novas circunstâncias do mundo moderno. A existência torna-se um fardo, a não ser para aqueles que se tornaram alheios a si mesmos, como o personagem de Alain Delon.

Para inicio de conversa, em A Primeira Noite de Tranqüilidade, Delon interpreta um homem que chora no final do filme. Aparentando estar cansado do mundo, é difícil que alguém diga alguma coisa que o deixe impressionado. Pode-se dizer que Delon representa aqui um homem frio, embora não no sentido cínico da palavra. Divide seu tempo entre tentar não se entediar com o sectarismo político de seus alunos, o jogo de cartas onde consegue dinheiro para pagar suas despesas e uma aluna que passa a cortejar. É um homem desiludido com tudo e com todos que acaba se apaixonando por uma mulher mais jovem apenas para se desiludir novamente no final.

Se, para além dos diretores que o laçaram ao estrelato, como Luchino Visconti ou Jean-Pierre Melville, os filmes de Alain Delon foram um sucesso (muitas vezes apenas por sua presença) é porque ele encarna em estado bruto um fantasma em vôo. Longe da contestação universitária comum na passagem entre as décadas de 60 e 70 do século 20, Delon cristaliza as aspirações de uma certa classe média, mais individualista, à promoção social e aos prazeres materiais (4).

Notas:

1. DEHÉE, Yannick. Mythologies Politiques du Cinéma Français. Des Anées 1960 Aux Anées 2000. Paris: Puf, 2000. P. 127.
2. Idem, p. 132.
3. Ibidem, p. 133.
4. Ibidem, p. 134.

29 de ago. de 2008

Conexão Nibelungos: O Caso Fritz Lang (Epílogo)


A Dramaturgia das Aparências

Fritz Lang contrapõe sua forma de montar Os Nibelungos com aquela empregada por Hollywood. Segundo Lang, os americanos estavam mais interessados em efeitos especiais, enquanto ele mira na tradição cultural do povo alemão. Lang acreditava ser mais atento ao universal do que os filmes épicos produzidos por Hollywood. Ele queria ocupar o espaço entre a cultura e as massas alemãs (1). A aposta de Hollywood nas temáticas universais falharia por visar mais o mercado do que a cultura. Seria também neste sentido que Os Nibelungos de Lang se destaca em relação aos outros remakes dos Nibelungos, pois existiu uma preocupação em não banalizar o aspecto espiritual-sagrado de uma obra que fala mais ao espírito do povo do que a um grupo seleto de escolhidos. Lang não queria um filme elitista.

O filme gira em torno de uma “dramaturgia da visão”: os personagens transparecem o que são. Incorporada aí está uma alegoria do poder. Desta forma Siegfried, que é o herói poderoso, morre apesar disso, porque ele não “parece” inteligente. Hagen tem um olhar moderado e perspicaz em relação à vida, enquanto o olhar de Siegfried é entusiasmado e ingênuo. Hagen, que tem apenas um olho, é o personagem que enxerga mais longe. Alberich, que deseja matar Siegfried. Mime é o oposto de Siegfried – detalhe que é marcado visualmente, pois Mime entra na classificação de grotesco. Kriemhild e ele se apaixonam a primeira vista. Com o assassinato de Siegfried, Kriemhild passa do visual de doce donzela à vingativa, controladora, com um olhar fálico – um olhar masculino (2).

Siegfried têm uma visão de Kriemhild, mas essa visão nem é sua – trata-se de um relato que ele ouviu. Esta atitude caracteriza sua pureza e a nostalgia por uma época menos complicada – coisas que a Alemanha havia perdido depois da Primeira Guerra Mundial. Siegfried morrerá em função das maquinações de Hagen. Enquanto Siegfried é transparente, ingênuo e exuberante, Hagen é seu oposto, misterioso, calculista e contido. Duas cenas onde a utilização da visão pode expressar conteúdo. 1) Com um olhar penetrante, Hagen desaprova Siegfried, que não percebe o que está acontecendo – essa diferença de ponto de vista será fatal para ele; 2) Kriemhild e Siegfried, que se apaixonaram apenas pela imagem de cada um, se vêem pela primeira vez.


No segundo caso, o papel dos contadores de estória foi crucial. Aqui o filme coloca a si mesmo nessa tradição de contadores, criando uma imagem para a imagem deles. Hagen aparece como fora de moda, porém perspicaz, enquanto Siegfried aparece com uma forma moderna, porém ingênua (3). (Imagens. No início do artigo, Siegfried bebe da taça de boas vindas oferecida por Kriemhild em Worms; abaixo, à direita, ela olha enquanto ele bebe; abaixo, à esquerda, Brunhild se protege a espera da lança que será atirada por Gunther; abaixo, à direita, Hagen protesta quando Siegfried pede a mão de kriemhild; ao lado, Gunther se prepara para jogar uma lança em Brunhild, ajudado durante todo o duelo com Brunhild por Siegfried, que está invisível)


Hagen percebe a ingenuidade de Siegfried, vulnerabilidade que caracteriza o modo de visão deste herói. Como na cena em que, ao ver Kriemhild pela primeira vez, Siegfried baixa sua espada, preferindo amor à guerra, expressando a vulnerabilidade masculina frente ao desejo. Hagen é como uma fortaleza psíquica masculina. Inicialmente subordinada à posição de “quadro bonitinho”, que distrai o olhar de Siegfried, Kriemhild vai mudando ao longo do filme. Ela passa de um objeto bom (na 1ª parte do filme, A Morte de Siegfried, ela está sempre de branco) para um objeto mal (na 2ª parte, A Vingança de Kriemhild, ela está sempre de preto). (imagem ao lado, o castelo de Brunhild, cercado pelo mar de fogo que será apagado por Siegfried)


Siegfried entra em acordo com Gunther e Hagen, no sentido ajuda o primeiro a derrotar Brunhild, que representa o matriarcado desafiando o poder masculino. Ou Siegfried ajuda Hagen e Gunther, ou não lhe será permitido casar-se com Kriemhild. Nesta empreitada, Siegfried utilizará o manto obtido de Alberich, rei dos Nibelungos. Esta capa tornará o herói invisível, permitindo que ele ajude Gunther secretamente durante a batalha. Temos aqui a questão da visibilidade do poder (4). A cena da batalha entre Gunther/Siegfried e Brunhild está repleta de ameaças de castração: as espadas, as armas quebradas e lanças atingindo os escudos das mulheres do exército de Brunhild. (ao lado, Brunhild chega a Worms)


A invisibilidade de Siegfried, por outro lado, ilustra a hipótese lacaniana: a invisibilidade do herói ilustra a afirmação de que o pênis só poderá desempenhar seu papel coberto/escondido (5). Ainda que se possa afirmar que Siegfried resgata o falo para os homens ameaçados pela vagina de Brunhild, não se deve esquecer que Siegfried está com seu falo “por trás” de Gunther. Este, por sua vez, não consegue por seus próprios meios derrotar a reivindicação de Brunhild pelo poder fálico. Será, portanto, pelas costas de Gunther que o invisível Siegfried o ajudará a derrotar Brunhild, assim como será nas costas de Siegfried que cairá a folha que marcará o ponto fraco do herói – e será justamente aí que Hagen o atingirá mortalmente.


Na cena do barco, que, entre outros exemplos que poderiam ser citados, guarda algumas diferenças em relação ao épico dos Nibelungos descrito nos textos da mitologia germânica, apenas Hagen testemunha a incapacidade de Gunther em “dobrar” Brunhild. Em certo momento, quando Gunther tentar levar Brunhild para terra firme, ela o empurra e ele acaba caindo no chão. Então, ela diz, “foi você o homem que me derrotou três vezes em batalha?” Mais tarde, no castelo, é Siegfried disfarçado de Gunther que vai para o leito nupcial com Brunhild. (imagens acima e ao lado, momento que Alberich mostra algo a Siegfried através de uma imagem criada na rocha. Fica evidente a surpresa do herói em relação ao mundo da imagem - quando ele vai procurar a coroa na rocha depois que ela sumiu)

A relação entre Hagen e Siegfried é uma alegoria criada por Lang, e sua esposa e roteirista do filme Thea von Harbou, onde o primeiro representa a indústria cinematográfica americana (ou em relação ao filme estrangeiro em geral) e o segundo representa a ingenuidade do público alemão da época em relação à “Hagen”. Siegfried é o protótipo do herói alemão. Mais especificamente, do herói alemão imperfeito. Heroísmo e imperfeição são exatamente as qualidades que estavam atraindo o público alemão para os filmes americanos: ele é rápido, corajoso, ousado, aventureiro, romântico. O confronto com Alberich na caverna mostra como, em sua imperfeição, ele não tem controle sobre seus poderes mágicos (6).


Dentro da caverna, a caminho do tesouro, que Alberich pretende que Siegfried aceite em troca de sua vida, temos a cena da imagem da coroa projetada na parede. Através de sua bola de cristal, Alberich faz surgir uma imagem na parede da caverna. Siegfried pode ver ali a construção de uma gigantesca coroa cravejada de pedras preciosas. Quando a imagem desaparece, Siegfried tateia a rocha a procura da coroa. Ele parece acordar de um sonho. A alegoria mostra o herói, pela segunda vez no filme, como um espectador ingênuo. Na primeira vez que ele agiu da mesma forma, ainda nas cenas inicias do filme, ao sair da caverna de Mime onde acabara de fabricar uma espada, Siegfried fica hipnotizado pela imagem de Kriemhild que vem a sua mente através da estória contada por alguém (7).

No tesouro que Alberich lhe oferece está Balmung. Trata-se de uma poderosa espada, cuja pose Siegfried comemora como se já não tivesse uma outra poderosa espada. Deixa de comemorar a pose do manto de invisibilidade, além de nem se dar conta da bola de cristal que deixa para trás. Assim procedendo, Siegfried abre mão de se tornar senhor da imagem de cinema. O herói poderia ter passado de alguém diante da câmera para alguém que se apropria dela. O que significa isso, dada a preocupação de Lang com a visão? (8) (imagem acima, Brunhild envenena Gunther contra Siegfried, convencendo-o de que o herói tirou sua virgindade; ao lado, Kriemhild e Siegfried. Ela pressente o perigo, mas não sabe que o destino do herói foi selado quando ela revelou a Hagen o ponto fraco no corpo de Siegfried)

Tirando Hagen, tanto Gunther quanto Siegfried representariam na tela o que os espectadores alemães seriam na platéia: incapazes de perceber o poder da imagem. A roteirista Thea von Harbou afirmou que os “olhos alemães” não são mais o que eram antes de meados da década de 20 do século 20. Lang e Harbou acusaram a literatura e o teatro de não conseguirem ter acesso à imaginação das pessoas. Somente o cinema seria capaz disso – especialmente este filme. Segundo Harbou, o povo alemão estava com os olhos cansados. Este filme, ela acreditava, lhes traria uma imagem pronta da aventura que almejam, mas não faria isso tentando enganá-los como fariam os produtos de Hollywood. O povo alemão, para quem Lang dedica o filme, irá perceber o perigo de perder o controle da produção visual (9).

Harbou apresenta Os Nibelungos como uma oferenda de recitação de um épico nacional. Ela não pretendeu que o filme ocupasse apenas a imaginação visual. “Assumindo o papel de cantor e poeta, deveria tornar-se um porta-voz visual para o povo alemão”. Alberich é mau, Hagen também parece, entretanto será celebrado na 2ª parte (A Vingança de Kriemhild). Hagen incorpora a lealdade incondicional a seu senhor. Ele parece fora de moda, mas é a encarnação dos valores alemães mais antigos. A fórmula hollywoodiana de “tela encantadora” é inútil aqui: os valores antigos alemães recusam dobrar-se ao encanto. Hagen parece imundo, misterioso e sinistro. (imagem acima, Siegfried é atingido pela lança de Hagen exatamente no único ponto vulnerável de seu corpo)

“O verdadeiro herói alemão faz o que tem de fazer, independente do fato de não parecer bom fazendo isso – de fato, ele pode não parecer bom de forma alguma” (10): este será o papel de Hagen frente à vulnerabilidade de Siegfried...

“(...) Alberich e sua bola de cristal marcam sua vulnerabilidade fílmica, expressando o interesse ingênuo de Siegfried na imagem [na parede da caverna] e sua falta de interesse em conseguir o controle sobre sua produção. Como eu sugeri, os dois estão relacionados: enquanto um espectador ingênuo ele se mostra facilmente manipulável pela visão mais forte e experiente de Hagen; ignorando a bola de cristal, ele cede o controle sobre a produção da imagem – e com isto sua vida – à Hagen. Como um observador impiedoso e astuto, Hagen enxerga através dos poderes de Siegfried e os manipula com duro propósito – de fato, com o duro propósito do novo cinema nacional”. (11) (ao lado, Kriemhild acorda com maus pressentimentos e acaba encontrando o corpo de Siegfried)

Se um herói louro faz o cinema alemão marcar um ponto em Hollywood, o que conta no final não é o visual, mas as proezas e a dedicação. Desta forma ele fortifica seu próprio território afetivo, ao invés de lutar para superar Hollywood utilizando as armas deles. Os Nibelungos estaria a sugerir que deveríamos abandonar a ingenuidade e encanto sedutor de Siegfried (reiterado pela relação ingênua dele com a imagem) em nome da menos atraente (porque mais antiga) das virtudes nacionais alemãs: distanciamento crítico e forte, inquestionável e rígida lealdade. (imagem acima, à direita, Siegfried percebe que Hagen é o culpado, mas não consegue reagir e morre aos seus pés; acima, Kriemhild acorda com um pressentimento e acaba encontrando o corpo sem vida de seu herói)

Thea von Harbou afirmou que o filme deveria trazer ao povo alemão um hino de lealdade incondicional. Uma lealdade à visão dessa lealdade. Hagen é aquele que personifica a fidelidade à visão que ele incorporou. Ao matar Siegfried, Hagen tira do caminho um meio-irmão todo-poderoso atraente, encantador e ingênuo. Um meio-irmão que ganha seus poderes de invisibilidade de uma fonte problemática (Alberich) e depois fica muito desejoso em colocar tais poderes à disposição de alguém mais poderoso. (imagem acima, a última lembrança que Kriemhild tem de Siegfried. Nas três imagens seguintes, podemos ver como essa lembrança vai se apagando e se transformando na imagem da morte)
i

“Assim que Siegfried ganha a batalha ele perde a guerra: vencendo Alberich, ele ganha acesso ao poder [...], mas falha em reconhecer que fez isso e, dessa forma, falha em capitalizar sobre a situação. Ao mesmo tempo, as qualidades que fazem dele desejável enquanto um herói da tela – seu espírito de romance e aventura, sua desatenção, sua ingenuidade – contribuíram para sua ruína. Hagen é capaz de manipular os dois – os traços de caráter de Siegfried e seus poderes sobre a aparência. No processo, a visão que Hagen incorpora – que é ao mesmo tempo uma visão do personagem e uma visão do cinema – é vitoriosa. E a derrota de Hollywood é a vitória da Alemanha; quanto aos Nibelungos, assim como Os Nibelungos, supõe-se que continuem verdadeiros até o amargo final”. (12)

Os Nibelungos Depois do III Reich

No caso das versões de Richard Wagner e Fritz Lang, temos um Siegfried rachado. No filme de Lang, a relação do herói com a visão e com as tecnologias visuais dramatiza uma rachadura na cultura cinematográfica alemã na década de 20 do século 20. A rachadura representa a falta que assombra o filme. A rejeição, nos trabalhos de Lang e Wagner, produz um “objeto ruim”: o judeu. Este objeto ruim incorpora as práticas de estética ruim às quais as duas obras procuram renunciar. O judeu, aqui, materializa posições estéticas amorfas e indesejáveis. Levin acredita que não é suficiente buscar a agressão no nível do conteúdo, devemos chegar ao nível estético. (imagem ao lado, a natureza, antes exuberante na árvore que abrigava os pássaros que Siegfried compreendia, agora é o signo da morte)

No Anel dos Nibelungos, de Wagner, o judeu Mime incorpora a narração de má-fé. Em Os Nibelungos, de Lang, o judeu Alberich é aquele que controla a produção visual. Com que objetivo Alberich/Hollywood controlaria a produção de imagens? A morte de Alberich não resolve o problema. Tanto em Wagner quanto em Lang, a estética ruim residual se mantém e até contribui para morte do herói. Nas duas obras, Siegfried está subordinado a essa “estética ruim”, e o judeu é apresentado como a figura que exerce controle sobre ela (13). (imagem ao lado, lentamente Kriemhild vai percebendo como sua vontade de proteger seu herói foi manipulada. Ela toca o ferimento, que é também o mesmo ponto que marcou a pedido de Hagen. A ingenuidade de Kriemhild muda o destino de Siegfried)

Siegfried é um herói, digamos, sem capacidade! Vítima de sua imperícia em controlar os meios de produção visual, ele não controla a produção da própria imagem. Na opinião de Lang, a ingenuidade do herói em relação à imagem, evidente em seu contato com Alberich e Hagen, prefigura a ingenuidade do espectador alemão da década de 20 do século 20 em relação ao cinema estrangeiro – como vimos, especialmente aquele produzido por Hollywood. É como se, para sermos vistos como heróis, tivéssemos que nos deixar ser... controlados. Preferimos ser vistos como um “objeto bom”, não importando se para isso acabemos nos transformando em “objetos dos outros”. (imagem ao lado, agora menos ingênua, Kriemhild levanta os olhos na direção de Hagen Tronje)

Tempos depois, o Siegfried de Fritz Lang se tornará o Siegfried de Adolf Hitler. Após o holocausto do Nacional Socialismo na Alemanha nazista, a fantasia de um judeu controlando os meios de representação desapareceu naquele país. Tudo foi proibido e a noção de uma figura puxando as cordas como se as pessoas fossem suas marionetes deu lugar a um sentido amorfo de representação. Como um tipo de força complexa e anônima, uma teia discursiva. Entretanto, a pergunta sobre quem controla essa situação continua sendo colocada. (imagem ao lado, iluminada pela razão nos últimos 15 minutos do filme, Kriemhild aponta na direção de Hagen e o acusa pela morte de Siegfried. Mas agora é tarde demais. Todos, principalmente Gunther, se colocam ao lado e na frente de Hagen, demonstrando a quem eles são leais)

Notas:

1. LEVIN, David J. Richard Wagner, Fritz Lang, and The Nibelungen. The Dramaturgy of Disavowal. Princeton University Press: USA, 1998. Pp. 96-7.
2. Idem, pp. 100-1.
3. Ibidem, p. 104.
4. Ibidem, p. 109.
5. Ibidem, p. 110.
6. Ibidem, p. 117.
7. Ibidem p. 121.
8. Ibidem p. 128.
9. Ibidem, pp. 130-1.
10. Ibidem, pp. 132 e 137.
11. Ibidem, p. 138.
12. Ibidem, p. 140.
13. Ibidem, p. 144.

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