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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

5 de jan. de 2016

Uma Risada Invisível: A Comédia Alemã de Schünzel e Lubitsch


“O cinema alemão não produziu comédia
que   se   possa   considerar   clássica  (...)

Lotte Eisner (1)
Muita gente não se dá conta de que a maioria absoluta das referências ao cinema alemão anterior à Segunda Guerra Mundial menciona apenas um punhado de filmes expressionistas. Faz sentido que uma indústria cinematográfica com a pujança da alemã na década de 20 do século passado tivesse produzido tão poucos filmes? Além do mais, é realmente razoável pensar que apenas os elementos estéticos e existenciais do Expressionismo traduzam a alma alemã? Conhecido como República de Weimar, o período compreendido entre 1919 e 1933 não se restringe às pérolas expressionistas, muitas comédias também foram produzidas. De fato, desde a chamada Alemanha Guilhermina (1895-1919) já se realizavam comédias satirizando o próprio cinema. Sabine Hake cita especialmente (2) O Fotógrafo Desempregado (Der Stellungslose Photograph, 1912), Como o Cinema se Vinga (Wie sich das Kino Räch, 1912), A Primadonna do Filme (Die Filmprimadonna, 1913), Onde Está Colette? (Wo ist Coletti?, 1913) (3). (imagem acima, Lubitsch em O Orgulho da Firma, 1914 - fotografia promocional)

Poucos conhecedores da história do cinema parecem conceber a hipótese de que os alemães também são capazes de rir, fazer rir ou rir de si mesmos! Logo após a Segunda Guerra Mundial, houve uma tendência à valorização do cinema expressionista alemão enquanto “arte”. O objetivo era “vender” outra imagem da Alemanha depois da derrota e do Holocausto (4). Seria um dos motivos do obscurecimento do registro histórico da comédia nos primórdios do cinema alemão? Entre 1914 e o final da década de 30 do século passado havia um cinema popular na Alemanha, tão relevante (especialmente em termos mercadológicos) quanto o cinema dito “de arte” – curiosamente, muito tempo depois, em 2001, uma comédia será a maior bilheteria de todos os tempos de uma produção alemã na Alemanha (11 milhões de ingressos), Der Schuh des Manitu (direção Michael Herbig), ainda que Hake o defina como uma sátira pueril da série Winnetou dos anos 60, o faroeste alemão (5).

Santo de Casa Não Faz Milagre: Reinhold Schünzel


Considerado pelos críticos da década de 20 do século passado com um grande cineasta e um gênio da comédia, Reinhold Schünzel (1886-1954) era bastante reconhecido pelo público alemão. Thomas Elsaesser acredita que, tendo sido apresentado aos primórdios do cinema alemão através dos escritos de Lotte Eisner (em seu livro A Tela Demoníaca) e de Siegfried Kracauer (em De Caligari à Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão), é compreensível que a maioria de nós não sinta falta de referências a ele. De fato, Schünzel é desconhecido internacionalmente e pouco lembrado até mesmo por historiadores alemães do cinema (6). (imagem acima, Vitor e Vitória, 1933)

Schünzel dirigiu 45 filmes entre 1918 e 1941, tendo atuado em 140 entre 1916 e 1953. Começou como comediante no Volkstheater (Teatro do Povo) em 1912, apresentando-se também com uma trupe itinerante de teatro. Apresentar-se-á em filmes de educação sexual (Sittenfilme) para o cinema partir de 1916. Era ator, diretor e produtor na tradição de comediantes como Charles Chaplin, Buster Keaton e Harold Lloyd – embora algumas vozes da crítica da época questionassem tais comparações. A partir de meados da década de 20, Schünzel cria uma “persona alternativa” essencialmente cômica - o malandro inútil das ruas de Berlim -, transformando um personagem “local” de reputação duvidosa num tipo reconhecido nacionalmente.

Muitas vezes Schünzel, que se dizia uma pessoa do povo, representou personagens das classes baixas (criados, garçons, artesãos sem trabalho), difundindo fantasias de mobilidade social. O público alvo era justamente a classe ascendente de artesãos que se tornavam funcionários de escritórios. O enredo favorito dele nas comédias envolvia imitações, identidades trocadas, inversão de papéis, engano e dissimulação, escolhas que se conectam com seus outros papéis de vilão. Elsaesser acredita que o desconhecimento em relação à comédia e a Schünzel se justifique em função de pelo menos três fatores: 1) poucas cópias dos filmes sobreviveram; 2) o preconceito da elite cultural de Weimar em relação ao filme de arte e ao cinema popular norte-americano (notadamente a comédia pastelão); 3) a crença de que o cinema alemão nunca foi capaz de produzir boas comédias, com exceção de Ernst Lubitsch (que emigrou para os Estados Unidos).

Internacionalmente, Schünzel só ficaria famoso a partir do advento do cinema sonoro na década de 30, quando dirigiu algumas das mais sofisticadas comédias como Vitor e Vitória (Viktor und Viktoria, 1933) (7), O Casamento Inglês (Die Englische Heirat, 1934) e Amphitryon (1935). Também atuou em sucessos internacionais como A Ópera dos Três Vinténs (Die 3-Groschenoper, direção G. W. Pabst, 1931). Mesmo sendo judeu por parte de mãe, os filmes de/com Schünzel eram tão populares que Josef Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, ansiava por mantê-lo trabalhando mesmo depois de 1933 (8).

Elsaesser alerta para o fato de que naquela época não era incomum que um ator também tivesse que ser diretor. Sendo assim, no que diz respeito à Schünzel, sua carreira de ator-cineasta-produtor não significa necessariamente que ele era um gênio apenas porque acumulou vários cargos. Enquanto cineasta, Schünzel era elogiado, como ator era acusado de maneirismo – embora tenha sido comparado à Conrad Veit, o que constitui um grande elogio. O ano de 1926 foi bom para ele, realizou Hallo Caesar! e passou a ser levado a sério como cineasta. Neste mesmo ano, sua carreira de ator cômico se consolida. Mas Schünzel seria um talento, um criador, ou apenas um ator de quadros cômicos? Elsaesser procura iluminar esta questão traçando um paralelo com Lubitsch. (imagem abaixo, Vitor e Vitória)


Nos filmes onde Lubitsch dirigia e também protagonizava, como em Meyer de Berlim (Meyer aus Berlin, 1916), “Meyer” era um personagem familiar do teatro de revista e das histórias em quadrinho dos jornais alemães. Nos Estados Unidos, esse aproveitamento do conhecimento prévio do público já acontecia e formava a base de personagens como o Carlitos de Chaplin – assim como de Buster Keaton, Al St. John e Harry Langdon. Temendo que Meyer fosse um tipo muito restrito geograficamente, Lubitsch o abandona e se concentra na direção. O receio era que um personagem como este, ainda que popular na Europa, não fosse exportável. Schünzel só chegaria neste ponto durante a década de 30, quando sua reputação internacional cresceu com Vitor e Vitória, que dirigiu seguindo a tradição da fase norte-americana de Lubitsch.

De acordo com Alice Kuzniar, na Alemanha das décadas de 20 e 30 havia um interesse insaciável por comédias de troca de sexo, travestismo ou identidades trocadas. Além de Vitor e Vitória, que Kuzniar considera um clássico do gênero, poderiam ser citados Der Fürst von Pappenheim (1927), de Curt Bois e Eu Não Quero Ser Homem (Ich Möchte kein Mann sein, 1918), de Lubitsch (9). No caso do filme realizado por Bois, onde ele próprio aparece como rainha transformista, Kuzniar afirma ser parte do jogo que a platéia tentasse adivinhar a identidade sexual dos interpretes (10). Com exceção de Vitor e Vitória, na maioria das comédias com travestis a heterossexualidade triunfa no final (11).

Para Elsaesser, a indústria cinematográfica alemã na década de 20 não foi capaz de produzir comediantes de grande apelo como o francês Max Linder, o norte-americano Ben Turpin, o inglês radicado nos Estados Unidos Charles Chaplin, entre outros. Existiram comediantes alemães de destaque (os nomes de Siggi Arno, Curt Bois e Victor Janssen são exemplos), a questão é que seus nomes por si só não garantiam bilheteria. Harry Liedtke e Harry Piel protagonizaram filmes de enorme sucesso, seus nomes eram sinônimos de seus papéis, mas eles incorporavam apenas um tipo de herói (o aventureiro audacioso) e não o anti-herói. Schünzel era uma promessa, entre o ator de papéis cômicos e um comediante-estrela, para competir com a popularidade de Chaplin.

Um filme como Hallo Caesar! (1927), que Schünzel produziu, dirigiu, protagonizou e foi responsável por parte do roteiro, é considerado por Elsaesser como uma pequena fenda luminosa na opinião comumente aceita de que o cinema alemão pré-Hitler é um espelho negro da alma da nação e de seus traços autoritários. É provável que Chaplin seja o modelo para o personagem de César – uma comédia que exige muito do físico, com elementos do pastelão e enredo simples e sentimental. Elsaesser conta que os filmes, e a fama, de Chaplin chegaram relativamente tarde à Alemanha. Curiosamente, ele se tornaria o parâmetro do filme de “arte”, e não da comédia. Em 1924, o crítico Hans Siemsen disse que Chaplin era muito necessário para sacudir a prostração dos alemães em relação ao status social e a autoridade política – opinião compartilhada por Bertold Brecht.

Além da obra de Chaplin, uma série de situações de Hallo Caesar! remetem a influências da escola norte-americana da comédia pastelão de Mack Sennett. Com este filme, Schünzel estaria imitando certos gêneros populares de Hollywood, enquanto tornava o enredo e os personagens reconhecíveis para os alemães. Naquele momento, isso fazia com que Schünzel fosse percebido como um cineasta sem ambições no mercado norte-americano, mas proporcionando o mesmo tipo de entretenimento ao público alemão. De certo modo, conclui Elsaesser, isso mostra (muito mais claramente do que os filmes de arte de Weimar) até que ponto o gosto popular e o mercado alemão estavam americanizados em meados da década de 20.

Elsaesser chama atenção também para o fato de Hallo Caesar! ser um filme orientado para a atuação e carregar um traço populista evidenciado na “saudação” ao herói (protagonizado pelo próprio Schünzel). Este tipo de filme pertence à categoria do “cineasta como espetáculo”. Nesta tradição se enquadram figuras como Georges Méliès nos primórdios do cinema francês, Buster Keaton e, no panorama posterior à Segunda Guerra Mundial, Jacques Tati na França, Federico Fellini na Itália, Jerry Lewis e Woody Allen nos Estados Unidos. Figuras cujo talento foi enriquecido com base em tradições não narrativas como circo, teatro de revista, cabaré e stand-up comedy. No contexto alemão, a influência veio também da opereta, já denunciada em 1913 como o pior inimigo da arte teatral – isso explica porque a sétima arte demorou a dar frutos naquele país, sendo considerada uma ameaça ao teatro e a literatura.

Ernst Lubitsch: A Fase Alemã do “Americano de Berlim”


No que diz respeito à obra de Ernst Lubitsch (1892-1947), infelizmente não possuem cópia conhecida 27 dos 62 títulos relacionados numa filmografia divulgada em 1982 (12). Ele seria muito citado por suas comédias hollywoodianas leves, como Ninotchka (1939), onde mostrou Greta Garbo rindo (fato raro que foi utilizado na propaganda do filme), mas também por Ser ou Não Ser (To Be or Not to Be, 1942) (13), quando satirizou Adolf Hitler – o filme foi muito elogiado por Vinícius de Moraes no ano de lançamento (14). Antes de trocar a Alemanha pelos Estados Unidos em 1922, o cineasta já contava em seu currículo com muitas comédias – Lubitsch também realizaria dramas históricos (15). Foi em sua fase alemã, entre 1914 e 1922, que começou a construir aquilo que será chamado de “toque Lubitsch”. Partindo da opereta, não apenas apontou para um novo padrão na relação entre gêneros (misturando tragédia e farsa) e classes sociais, como realizou um comentário cáustico sobre a relação neurótica do cinema de Weimar em relação à visão e a visibilidade. (imagens acima, Lubitsch em Palácio do Sapato Pinkus, 1916)

A fama do cinema de Weimar, especialmente o expressionista, gira em torno da paranoia em relação a estar sendo vigiado e à incerteza quanto a quem está olhando. Entretanto, Lubitsch não identificava isso com o Estado terrorista (como Kracauer, que viu aí o germe do Nazismo). Para Elsaesser os filmes de Lubitsch invertem esse padrão ao apostar na cumplicidade da plateia (mais do que no sinistro do filme de terror), em conjecturas e conclusão (mais do que em surpresa e choque), levando o espectador a mudar seu foco: do olho traumatizado à mente hipnotizada (16). Ao invés de falar da ansiedade de estar sendo vigiado e dos poderes perversos envolvidos, os filmes de Lubitsch falam sobre os prazeres de uma boa atuação. Já no final da década de 1910, a popularidade de Lubitsch lhe rendeu o apelido de “o diretor americano de Berlim”. De acordo com Hake, Lubitsch foi o primeiro cineasta a utilizar a câmera como instrumento para o comentário irônico. O modelo de muitas comédias românticas e sofisticadas posteriores é tributário direto do ponto de vista de Lubitsch. Seu profundo ceticismo em relação à natureza humana era compensado pela compreensão dos defeitos e fraquezas do indivíduo. O “toque Lubitsch” deriva da sua capacidade de captar as diferenças entre o comportamento público e o privado.

Como tantos nomes famosos do primeiro cinema alemão, ele se juntou ao teatro de Max Reinhardt em 1911. Dois anos depois estreava no cinema em Meyer no Campo (Meyer auf Alm), o primeiro numa série de “filmes Meyer” que o tornariam popular. Personagem judeu cômico desastrado, o charme implacável de Meyer sempre lhe rende a filha do chefe no final. Hake vê similaridades entre o humor de Lubitsch e as peças de teatro Yiddish do século 19, especialmente as peças Purim (Purimshpil ou Purim Spiel), mais próximas dos espetáculos populares do que do teatro burguês. Originalmente um feriado judaico, as peças Purim, ainda que baseadas na Bíblia, sempre incluem palhaços e bobos da corte com suas piadas irreverentes e comédia pastelão. Os personagens de Lubitsch remetem também às figuras padrão da commedia dell’arte italiana, e às figuras alemãs picarescas Hanswurst e Picklehering. Similaridades com as peças Shrovetidas (teatro de caráter burlesco na Europa central/oeste do século 15) também podem ser encontradas (17).


Algumas das primeiras experiências de Lubitsch na direção, como em O Orgulho da Firma (Der Stolz der Firma, 1914) (imagens acima) e Palácio do Sapato Pinkus (Schuhpalast Pinkus, 1916), ameaçavam confiná-lo a esse meio e suas fantasias de ascensão social, mas o sucesso propiciou contatos que lhe permitiram uma mudança de rumo. Um exemplo da capacidade de Lubitsch em falar de assuntos como o suicídio (um tema recorrente em seus filmes) deslocando-o para uma atmosfera cômica já se fazia sentir nessa época. Em O Orgulho da Firma, primeiro ele cai da escada e lemos no intertítulo: “Parece que estou morto!”. A seguir, tendo perdido o emprego, ele pensa em se afogar, mas antes resolve ir fazer uma refeição. Em Sumurun (1920), um filme histórico com toques cômicos, o próprio Lubitsch atuou como um corcunda que bebe veneno, mas não morre. Em A Boneca (Die Puppe, 1919), o senhor Hilarius evita um suicídio ao reclamar que o aprendiz estava tentando beber uma tinta muito cara. Enquanto filmava curtas-metragens de comédias e paródias para o mercado alemão, Lubitsch também realizou uma série de dramas de época e filmes históricos. Foi quando realizou as comédias que lhe deram uma passagem para Hollywood: A Princesa da Ostra (Die Austernprinzessin, 1919) e A Boneca (18), A Gata Montanhesa (Die Bergkatze, 1921).

O famoso “toque Lubitsch” de sua futura carreira nos Estados Unidos também podia ser percebido na utilização discreta da informação visual, dando ao espectador o prazer de imaginar o resto. Em sua fase alemã, Lubitsch também trabalhou com alusão indireta e conclusão, explorando também a reação em cadeia de uma situação levada ao absurdo. Segundo Elsaesser, um dos melhores exemplos do toque “alemão” de Lubitsch está em A Princesa da Ostra, uma sátira da moda dos Estados Unidos em Weimar e das fantasias de abundância, alimentadas por anos de penúria e hiperinflação. Nesta adaptação livre da opereta The Dollar Princess (1907), satirizando o esnobismo do dinheiro norte-americano em relação aos títulos de nobreza europeus, Nucki (o nobre com quem a mimada e milionária Ossie pretende se casar) está falido e não passa de outro Meyer.

Mas para Elsaesser, o gênio do primeiro Lubitsch vai além da sátira ao comportamento judeu, ele também parodiou os “filmes de autor” expressionistas. Os filmes Meyer parodiam o tema da ascensão social, que ocupa importante posição nos filmes de Paul Wegener sobre estudantes, aprendizes e funcionários (O Estudante de Praga, Der Student von Prag, 1913). A Boneca parodia não apenas todas as histórias de E.T.A. Hoffmann (1776-1822) sobre autômatos e duplos, mas também as relações (que remetem ao gótico alemão do século XIX na literatura) entre Caligari e Cesare em O Gabinete do Doutor Caligari (Das Kabinett des Dr. Caligari, direção Robert Wiene, 1920). A Gata Montanhesa faz piada do orientalismo e do cenário expressionista.

As Mulheres de Lubitsch


Um dos projetos não realizados de Lubitsch em 1920 foi Mephistophela (19). Sátira em torno da lenda de Fausto, onde a mulher é o diabo. Uma dica da misoginia do cineasta? Juntamente com A Boneca e A Gata Montanhesa, A Princesa da Ostra compõe uma “trilogia da feminilidade” que, na opinião de Sabine Hake, desafia o cinema expressionista alemão num momento de transição entre o primitivo e o clássico cinema mudo - atravessando diferentes tradições literárias (grotesco, farsa, contos de fadas), modos de representação (narrativa, espetáculo) e estilos cinematográficos (animação, realismo). Hake explica que espetáculo, fantástico e disfarces são resíduos de tradições mais antigas da representação cinematográfica cruciais para qualquer estudo da feminilidade e da narrativa nos primórdios do cinema. São também indicadores das diferenças da relação sujeito-objeto que distinguem as primeiras comédias de Lubitsch (com uma sensibilidade pré-edipiana) em relação às sofisticadas comédias da década de 20, como Eu Não Quero Ser Homem. (imagem acima, A Princesa da Ostra)

Nas estórias de Lubitsch, a liberação feminina acontece num contexto brincalhão, como em Eu Não Quero Ser Homem. Protagonizado por Ossi Oswalda, primeira descoberta de Lubitsch, para quem atuaria em vários filmes como uma menina-mulher agressiva e ingênua - podemos vê-la também em A Boneca e A Princesa da Ostra. Pola Negri, atriz que protagonizou dramas de época realizados por Lubitsch, era mais conhecida como uma vamp perigosa, mas podemos vê-la num papel cômico em A Gata Montanhesa. Henny Porten, a primeira estrela das telas alemãs, atuou em alguns papeis cômicos para Lubitsch, mas essa parceria não foi adiante. Com sua atmosfera urbana moderna, A Prisão Alegre (Das Fidele Gefängnis, 1917) foi a primeira comédia do cineasta a explorar de forma sutil a relação entre consumo e erotismo, iniciando transição das comédias regionais para as sofisticadas. Baseada na opereta Die Fledermaus, de Johan Strauss, a trama do filme antecipa as complicações maritais das comédias que Lubitsch realizará nos Estados Unidos.

As personagens femininas fortes de Lubitsch não chegam a contradizer a crise da identidade masculina apresentada pelo cinema expressionista, mas não reproduzem a aura de respeitabilidade que este procurou imprimir ao tema. De fato, as comédias do primeiro Lubitsch estavam muito mais próximas das diversões populares do século XIX. Para Hake, com essas mulheres independentes e espirituosas, torna-se possível uma representação do desejo feminino (20). A trilogia da feminilidade é fruto de uma “cultura da garota” que se desenvolveu a partir da década de 20 do século passado em função das mudanças no status econômico e social das mulheres. No cinema de Lubitsch, sugeriu Hake, a androginia de certos papéis femininos (Eu Não Quero Ser Homem), além do próprio tipo físico de algumas atrizes (Asta Nielsen, Pola Negri e Lya de Putti), permitem que essa “nova mulher” nascente teste os limites do padrão tradicional dos atributos femininos (beleza, sexualidade, sociabilidade). O detalhe é que Lubitsch fez isso através da paródia e do exagero. (imagem abaixo, A Gata Montanhesa)


Combinando habilidosamente o humor da velha comédia pastelão com uma nova sofisticação, A Princesa da Ostra foi lançado em plena crise política e econômica na Alemanha. Falando de consumismo e identidades trocadas, a relação dos europeus sem dinheiro com o novo rico norte-americano foi sucesso instantâneo. Troça com o fetichismo da mercadoria e, pelos exageros (de clichês, de encenação), remete a uma comédia grotesca e ao carnavalesco rabelaisiano. A Boneca, por sua vez, foi lançado na mesma época e remete à O Gabinete do Dr. Caligari - mundos imaginários, relação entre criador e criatura (Caligari e o sonâmbulo, o fabricante de bonecas e sua criação) e ao tema do duplo (a mulher e a boneca feita à sua imagem).

Se Caligari é a ilustração da história de um narrador, em A Boneca acompanhamos o próprio Lubitsch montando o cenário do filme. A diferença é que ao invés de reproduzir um universo claustrofóbico, A Boneca apresenta o paraíso da infância feliz. As mulheres protagonistas na trilogia, de resto em toda a obra de Lubitsch, tendem a resolver as coisas em seus próprios termos – o que não quer dizer que elas vençam sempre; em A Boneca, a protagonista convence um solteiro relutante a se casar (mas a mulher perfeita é um robô). Também são característicos de Lubitsch fortes laços entre pais e filhas (ou homens mais velhos e poderosos e mulheres jovens).

Em A Gata Montanhesa, uma mulher prefere viver na montanha selvagem e evitar as armadilhas da civilização, incluindo o amor romântico – ao contrário dos outros dois filmes não há final feliz, o amor não “pacifica” a mulher e termina numa afirmação da diferença. Antimilitarista, ele foi realizado logo após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Rischka, a “gata”, vive entre bandidos na floresta. O galã, um tenente, entre soldados na fortaleza. A “tarefa” dele é se casar com a filha do comandante, deixando para trás uma multidão de mães solteiras inconsoláveis – cena recorrente em Lubitsch. Hake aponta uma série de elementos cenográficos e de atmosfera que remetem ao Expressionismo, mas A Gata Montanhesa é ignorado pelos historiadores do cinema, ainda que Rudolf Kurtz (em seu muito citado livro de 1926, Expressionismus und Film) louvasse Lubitsch pelo primeiro filme de arte (Stilfilm) alemão realizado de forma consequente. Mas Hake não está afirmando que se trate de um filme expressionista - além de farsa e fantasia, ela também percebeu ali elementos do Futurismo e do Surrealismo. (imagens abaixo, A Boneca)

A Comédia Morreu?


Em seu livro sobre o Expressionismo no cinema alemão, Lotte Eisner se referiu a Lubitsch de forma preconceituosa, como alguém muito ligado a “uma certa grosseria muito ‘Europa central’” e um “espírito berlinense” (que era realista antes da chegada de Hitler, sempre a espreita do ridículo e dado a comentários cortantes, e com a tendência judaica para os subentendidos que se desdobram em duplos sentidos) que estão na base do “toque Lubitsch”, mas que se refina apenas após sua mudança para Hollywood (21). Elsaesser acredita que essa referência de Eisner está mais correta do que ela imaginou, a associação ao mundo da moda dá unidade (sócio-estilística) não apenas à obra alemã de Lubitsch, mas ao próprio cinema de Weimar.

Críticos como Eisner argumentam que “a roupa faz o homem” é um ponto de vista cínico, que só justifica preocupações com disfarces, aparência e fraude. Para Elsaesser, ao contrário, os primeiros filmes de Lubitsch mostram que no interior das estruturas de autoridade baseadas no culto das aparências, motivos materiais como dinheiro, sexo e valores superficiais como roupas e moda, permitem uma reversão das relações de poder (22). Na opinião de Hake, com a partida de Lubitsch para os Estados Unidos em 1922, estancou-se o desenvolvimento de uma tradição especificamente germânica da comédia no cinema. Schünzel e Ludwig Berger continuaram fazendo comédia após a partida de Lubitsch, até que eles mesmos emigrassem para os Estados Unidos na década de 30 (23). (imagens abaixo, A Princesa da Ostra)

Entre o Escapismo e o Trágico


(...) O clássico cinema de Friedrich W. Murnau,
[Fritz] Lang e Ernst Lubitsch e outros nada parece
dizer   aos   novos   cineastas   germânicos   (...)

Glauber Rocha,
O Cruzeiro, 1968 (24)
De acordo com Lotte Eisner, os melhores cineastas alemães do cinema mudo optaram por filmes trágicos, insistindo na vulgaridade de suas comédias - citou Romeu e Julieta na Neve (Romeo und Julia im Schnee) e As Filhas de Kohlhiesel (Kohlhiesels Töchter), realizados por Lubitsch em 1920, As Finanças do Grão-Duque (Die Finazen des Großherzogs, 1924), de Murnau e Sonho de Valsa (Ein Walzertraum, 1925), de Ludwig Berger. Para Eisner, o cinema alemão não produziu uma comédia clássica. Tartufo (Herr Tartüff, 1925), realizado por Murnau, seria mais uma tragicomédia, e Cinderela (Der Verlorene Schuh, 1923), de Berger, um conto de fadas. Eisner cita O Leque de Lady Windermere (Lady Windermere’s Fan, 1925) como resultado da mudança de postura de Lubitsch, nos Estados Unidos, quando afirmou: “Adeus palhaçada e bom-dia indolência” (25). De qualquer forma, não se pode negar o tom irônico em Tartufo e A Última Gargalhada (Der Letzte Mann, direção de Murnau, 1924), Sumurun e Asfalto (Asphalt, direção Joe May 1929).

No que diz respeito às comédias musicais, Eric Rentschler aponta o entretenimento escapista buscado pela indústria cinematográfica alemã em suas primeiras três décadas. Ainda que constituam um terço da produção total de filmes da República de Weimar, as comédias alemãs são muito menos conhecidas do que as francesas e norte-americanas do mesmo período, além de consideradas menos relevantes do que os filmes expressionistas. Apesar disso, Sabine Hake resgata o nome de Karl Valentin, conhecido na década de 20 como o Chaplin alemão (26). Cômico de Munique, cantor e artista de cabaré, falava das incongruências da vida em comédias grotescas como O Casamento de Karl Valentin (Karl Valentins Hochzeit, direção Ansfelder, 1912) e Mistérios de Um Salão de Cabeleireiro (Mysterien eines Frisiersalons, direção Bertold Brecht e Erich Engel, 1922) (27).

Embora não se possa confundir quantidade com qualidade, Rentschler insiste que constitui um equívoco identificar o cinema de Weimar com as obras expressionistas, que não somam mais do que um punhado num universo de 3, 500 filmes, produzidos entre 1920 e 1933 (28). Rentschler denuncia que, com exceção de Lubitsch, Schünzel e Ludwig Berger, nenhum cineasta alemão da década de 20 que tenha trabalhado com comédias recebe qualquer reconhecimento. Apenas graças à presença de um artista famoso no elenco uma comédia alemã da época poderá ser citada (29). (imagem abaixo, Valentin em Auf dem Oktoberfest, 1921)


Rentschler elencou três preocupações que nortearam as discussões sobre as comédias alemãs do início do cinema falado. Em primeiro lugar, suspeita generalizada em relação ao cinema sonoro. Temia-se que o realismo deslocasse o poder da imagem e enfraquecesse o cinema enquanto arte. Béla Balázs chegou a sugerir que o som poderia educar os ouvidos, assim como a imagem durante o cinema mudo educou nossos olhos – mas voltou atrás. Em segundo lugar, acreditava-se que o advento do som intensificasse o caráter de distração escapista das comédias, fazendo delas um instrumento político partidário de anestesia do povo. A terceira objeção é ainda mais política, a UFA (conglomerado cinematográfico alemão) era cada vez mais dominada pela ultradireita.

Embora a história do teatro de língua alemã registre comédias desde o século 16, William Grange mostra que o gênero sempre recebeu pouco crédito (30). Parece vir de longe certo desprezo pela eficácia da comédia. Independente das pressões de Hollywood, e apesar de retomada no pós-guerra (31), os próprios alemães talvez sejam os maiores responsáveis por apagar a comédia da história de seu cinema, desvalorizando-a enquanto elemento capaz de traduzir a alma germânica.


Uma Risada Invisível: A Comédia Alemã de Schünzel e Lubitsch foi publicado originalmente em Recine, revista do Festival de Cinema de Arquivo. Ano 9, nº9, Recine Ri à Toa. A Arte do Humor no Cinema. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, dezembro de 2012.


1. EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. As Influências de Max Reinhardt e do Expressionismo. Tradução Lúcia Nagib. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. P. 216.
2. É do autor a tradução dos títulos que não foram lançados no Brasil.
3. HAKE, Sabine. German National Cinema. London/New York: Routledge, 2ª edição, 2008. P. 18.
4. PEHNT, Wolfgang. To the Brothers of the Planet Earth. Expressionism – a German Chapter?! In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). The Total Artwork in Expressionism: art, literature, theater, dance and architecture, 1905-25. Ostfildern, Alemanha: Hatje Cantz Verlag, 2011. Catálogo de exposição. P. 376.
5. HAKE, Sabine. 2008. Op. Cit., p. 204.
6. ELSAESSER, Thomas. Weimar Cinema and After. Germany’s Historical Imaginary. New York: Routledge, 2000. Pp. 295-310.
7. Em 1982, seria realizada uma refilmagem com a atriz July Andrews.
8. Quase metade dos longas-metragens produzidos durante o Terceiro Reich (1933-1945) foram comédias: musicais; familiares; com elementos regionais; sofisticadas e românticas. Sempre com finais felizes, exceto pelas comédias de colarinho branco, que mostravam certa consciência dos problemas sociais e econômicos, contrapondo mulheres competentes a homens pequeno-burgueses inseguros. As comédias regionais bávaras não aderiram às teorias raciais nazistas, mas insistiram em seu próprio provincianismo e xenofobia. Em 1938, em plena Alemanha nazista, Carl Froelich realiza a comédia romântica As Quatro Companheiras (Die vier Gesellen), com Ingrid Bergman. HAKE, Sabine. 2008. Op. Cit., pp. 84, 87-8, 91. A atriz Lilian Harvey protagonizaria muitas comédias durante o período nazista. Durante a década de 70, um desses filmes, Crianças Felizes (Glückskinder, 1936), chegaria a ser considerado “talvez a melhor comédia alemã de todos os tempos”. RENTSCHLER, Eric. The Ministry of Illusion. Nazi Cinema and its Afterlife. Massachusetts: Harvard University Press, 1996. P.118. Para Sabine Hake, embora o cinema fosse desconsiderado pela elite, o grande número de cineastas e produtores judeus atesta a ausência de hierarquias profissionais e preconceitos sociais na Alemanha da época. Idem, pp. 16-7. Tendo realizado um filme por ano durante o Terceiro Reich, Robert A. Stemmle dirige A Balada de Berlim (Berliner Ballade) em 1948. Entre as ruínas bem reais da capital do país, ele tentou fabricar ironias que pudessem levar os alemães a rir e refletir sobre sua situação catastrófica.
9. Durante a República de Weimar, heterossexuais lotavam teatros de revista que apresentavam números com travestis. KUZNIAR, Alice A. The Queer German Cinema. Stanford: Stanford University Press, 2000. Pp. 2, 31-3, 43-4, 47, 49.
10. Uma sequência de Pappenheim foi utilizada pelos nazistas no filme antissemita O Judeu Eterno (Der Ewige Jude, direção Fritz Hippler, 1940), como ilustração de uma sexualidade judia não natural e decadente. Idem, p. 46.
11. Em Vitor e Vitória, a mulher tira a roupa de homem e o homem veste a da mulher. Contudo, sugeriu Kuzniar, a verdadeira “vedete” seria o personagem do outro homem, aquele que se apaixona por Vitória antes de saber que ela não é homem. É significativo que, desde a descriminalização da homossexualidade na Alemanha em 1994, na maioria das comédias de relacionamento sua função é resolver a crise da heterossexualidade e afirmar o casal monogâmico (para qualquer opção sexual) como o fundamento da sociedade – o que rompe com a defesa dos diretos dos homossexuais por cineastas alemães como Rosa von Praunheim e Monika Treut. HAKE, Sabine. 2008. Op. Cit., p. 204.
12. EISENSCHITZ, Bernard; NARBONI, Jean (orgs.). Ernst Lubitsch. Paris: Cahiers du Cinéma, 2006. P. 250.
13. Com relação a esse título, a primeira coisa que vem à lembrança é Shakespeare ou uma referência à função do ator e suas máscaras. Contudo, em 1941, um ano antes da estreia do filme Josef Goebbels se referiu ao cinema utilizando a mesma expressão: “Uma arma na luta total de nosso povo, na batalha existencial total de toda uma nação, na qual devemos lutar até o amargo fim, onde a principal questão é ser ou não ser”. RENTSCHLER, E. 1996. P. 203.
14. MORAES, Vinícius de; CALIL, Carlos Augusto (org.). O Cinema de Meus Olhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. P. 163.
15. Gilles Deleuze inclui toda a obra de Lubitsch (comédia e drama) no conceito de “forma pequena da imagem-ação”. Forma que chamou de “comédica”, onde é a ação que desvenda a situação. Contudo, mesmo depois que certa atitude de um personagem define o sentido de uma situação, a ação não será capaz de eliminar a dúvida em relação a todos os elementos da sequência. Em Ser ou Não Ser, Lubitsch teria alcançado a perfeição desse mecanismo. DELEUZE, Gilles. Cinema 1: A Imagem-Movimento. Tradução Stella Senra. São Paulo: Brasiliense, 1985. Pp. 200-2.
16. ELSAESSER, T. Op. Cit., pp. 207-11; HAKE, Sabine. 2008. Op. Cit., p. 36.
17. Hake chamou atenção aqui para a semelhança praticamente literal em relação a Escritores Criativos e Devaneios, publicado por Freud em 1907, sobre as influências das fantasias infantis nos devaneios dos adultos – especialmente essa tendência a desejar se casar com a filha do patrão. HAKE, Sabine. Passions and Deceptions. The Early Films of Ernst Lubitsch. New Jersey: Princeton University Press, 1992. Pp. 29, 39, 44.
18. De acordo com Revault D’Allonnes, A Boneca é um exemplo raro de comédia com iluminação expressionista. La Lumière au Cinéma. Paris: Cahiers du Cinéma, 1991. P. 30 nota 20.
19. EISENSCHITZ, Bernard; NARBONI, Jean (orgs.). Op. Cit., p. 298.
20. HAKE, Sabine. Op. Cit., 1992, pp. 47, 55, 81-4, 89, 92, 94, 96-7, 103, 108-9, 112.
21. EISNER, Lotte. Op. Cit., pp. 57-8.
22. “Fé nessa reversibilidade faz Lubitsch ver as situações trágicas do cinema ‘expressionista’, como as mostradas em [Cacos (Scherben, direção Lupu Picki, 1921)] e A Última Gargalhada [(Der Letzte Mann, direção F.W. Murnau, 1924)], também enquanto cômicas, dando a elas a virada da ‘opereta’. Talvez seja por isso que a Revolução Francesa [em Madame Dubarry] tenha provado ser um tema tão promissor, e a ascensão de uma costureira de uma butique de moda à posição da mais poderosa mulher na França pareça [a Lubitsch] a mais interessante revolução dentro da Revolução”. ELSAESSER, T. Op. Cit., p. 211.
23. Na Alemanha, apenas Carl Froelich continuaria fazendo comédias escapistas (intercaladas com épicos nacionalistas) durante toda a década de 30 (juntou-se ao Partido Nazista em 1933 e se tornou um figurão da indústria cinematográfica de Hitler em 1939). RENTSCHLER, E. Op. Cit., p.142; HAKE, Sabine. 1992. Op. Cit., p. 57.
24. Glauber deixaria de ter razão em função de alguns filmes de Werner Herzog e Wim Wenders a partir da década seguinte. Mas talvez estivesse certo em relação à Lubitsch. O Novo Cinema no Mundo In: ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. P. 349. Rainer Werner Fassbinder, cineasta mais lembrado por seus filmes alemães sérios, contemporâneo de Herzog e Wenders, realizaria algumas comédias: Rio das Mortes (1970), A Cafeteria (Das Kaffeehaus, 1970), Cuidado com a Puta Sagrada (Warnung vor einer heilingen Nutte, 1970), Como um Pássaro no Fio (Wie ein Vogel auf dem Draht, 1974), O Assado de Satã (Satansbraten, 1976). Fassbinder fez um uso irônico do melodrama hollywoodiano. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. Pp. 83-4, 97, 128, 144, 165.
25. EISNER, Lotte. Op. Cit., p. 216.
26. Colega de trabalho de Valentin, o dramaturgo Bertold Brecht considerava que Charles Chaplin e a comédia muda norte-americana eram um tipo de vitória simbólica bem humorada do trabalhador simples das favelas sobre as instituições urbanas opressivas. Esse tipo de abordagem, afirmava Brecht, era uma das coisas que faltava no cinema da Alemanha da República de Weimar. SOARES, Marcus. Brecht e Cinema, entrevista nos extras do DVD Brecht no Cinema, lançado pela distribuidora Versátil Home Vídeo, 2010.
27. No pós-guerra, Herbert Achternbusch retomaria a tradição do humor anárquico de Valentin em Olá Bavária (Servus Bayern, 1977) e Foi Para o Tibete (Ab nach Tibet, 1994). HAKE, Sabine. 2008. Op. Cit., p. 21, 91, 182.
28. Em 1932, em plena depressão econômica, as comédias eram pragmáticas e incitavam uma atitude positiva. Em suas primeiras comédias sonoras, Schünzel fazia comentários irônicos e insinuações sexuais à maneira de Lubitsch, mas eram apenas fantasias de sobrevivência. Muitas comédias de colarinho branco da década de 30 mostravam locais de trabalho para inspirar histórias de persistência. A preocupação com a aparência, especialmente em situações de dificuldade pessoal e profissional, sobressai nas comédias de travestismo. O florescimento da comédia nos primeiros anos do cinema falado provocou um retorno do humor judaico - elemento básico do cinema alemão que imprime uma atitude sofisticada, irônica e urbana, através de atores como Arno Gerron, Curt Bois e Schünzel. Contudo, Hake acredita que não se pode separar dessa celebração da cultura judaica alemã os estereótipos antissemíticos.  Idem, p. 58-9.
29. RENTSCHLER, Eric. The Situation is hopeless but not Desperate In:  KARDISH, Laurence (org.). Weimar Cinema, 1919-1933. Daydreams and Nightmares. New York: MoMA, 2010. Pp. 47-50, 57 nota 4. Catálogo de exposição.
30. GRANGE, William. Comedy in the Weimar Republic: A Chronicle of Incongruous Laughter. Westport, CT/USA: Greenwood Publishing Group, 1996. P. 7. Disponível em: http://www.amazon.com/Comedy-Weimar-Republic-Incongruous-Contributions/dp/0313299838#reader_0313299838 Acessado em: 26/03/2012.
31. A tentativa de resgate da história alemã pelos alemães a partir de uma reavaliação do conceito de terra natal/lar (Heimat) interessaria a alguns cineastas nas décadas de 70 e 80 do século passado. Vários deles seriam lembrados por sua identificação com situações humorísticas, absurdas e bizarras associadas ao tema. Na década de 80, Rudolf Thome apresentou comédias românticas com homens e mulheres comuns no ambiente de Berlim, antes e depois da reunificação do país. Também durante a década de 80, Doris Dörrie direcionou as convenções da comédia romântica para tentar diagnosticar as complicações no relacionamento homem-mulher a partir de uma perspectiva pós-feminista. Na década de 90, haveria outra ressurgência da comédia romântica, Sherry Hormann apresentou muitos casamentos com problemas, relacionamentos românticos e triângulos amorosos. Katja von Garnier questionou as demandas da mulher emancipada diante do amor. Típico das comédias românticas dos anos 90, a mulher jovem deseja tudo: amantes, amigos, filhos e uma carreira de sucesso. Ao mesmo tempo em que promovem uma versão do amor moderno, essas comédias evocam uma sociedade sem a carga da ideologia, da política e da história (temas muito problemáticos naquele país), unida em função da busca desenfreada por dinheiro e status. HAKE, Sabine. 2008. Op. Cit., pp. 182, 184, 196, 200-2.

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