Não é apenas nos momentos em que a sociedade está sob os grilhões de um ditador que ficamos órfãos de pensamento crítico. Existe hoje em dia uma ditadura do pensamento ralo e banal, uma maneira de pensar que engendra uma neutralização do questionamento do mundo que nos cerca. Pensamento ralo e banal que procura se impor denegrindo e desvalorizando os necessários momentos de reflexão de onde geralmente surgem reações contra tudo que nos impõem em função de interesses/preconceitos inconfessáveis – sejam financeiros, ideológicos, políticos. Enfim, pensamento ralo e banal que defende com unhas e dentes a proposta de que refletir é chato.
Atualmente, no Brasil, um bom número de críticos de cinema leva a defesa desta proposta muito a sério! Condena-se da pior forma possível qualquer manifestação cinematográfica nacional ou estrangeira que tenha intenções/direções reflexivas, abstratas, subjetivas. Trata-se de cães de guarda do ministério da propaganda dessa ditadura da indústria da cultura de massas. Para que não digam que estou exagerando ou utilizando o espaço para críticas estéreis e invejosas, transcrevo a opinião do presidente da Academia Européia de Cinema, o conhecido (pelo menos por mim!) cineasta alemão Wim Wenders.
Em entrevista de janeiro de 2000, ele comentava sobre uma polêmica em torno de uma reivindicação de cineastas franceses que pediam um código de ética para os críticos de cinema na França. Wenders acredita que um código de ética não vai resolver o problema, mas admite que “a cultura da crítica independente de filmes escorreu totalmente pelo ralo”. Ele nos lembra dos críticos franceses dos Cahiers du Cinema, como François Truffaut e Jean-Luc Godard, que posteriormente passaram a dirigir seus próprios filmes – um movimento que ficou conhecido como Nouvelle Vague. Atualmente, afirma Wenders, em todo o mundo a crítica parece comprada pelas grandes distribuidoras (geralmente americanas, vendendo o material de Hollywood) e só tem olhos para seus filmes-produtos.
“Mas o declínio da crítica de filmes não está confinada à França, é mundial. É difícil encontrar críticos ou uma revista hoje que publicarão material genuinamente independente e escrito sem nenhuma preocupação de ser cortado da lista de algum distribuidor ou não ser convidado para mostras [de cinema]. Muitos dos críticos hoje conseguem passagens de avião, acomodações de hotel, malas, fotografias maravilhosas, presentes e outras despesas pagas por distribuidores, e então é suposto que escrevam artigos sérios sobre o filme. Como podem eles escrever algo de independente sob tais circunstâncias? Não podem. Sua vida consiste em trabalhar e escrever para os distribuidores”.(...)“A cultura da crítica independente de filmes escorreu totalmente pelo ralo e isso parece se aproximar do território da era do consumidor que nós estamos vivendo agora. Tudo é entretenimento; crítica agora é entretenimento e parece que os diretores franceses acordaram um dia e subitamente perceberam que não são mais apoiados”. (1)
Estariam os nossos patéticos funcionariozinhos das distribuidoras americanas preocupados com algo mais que seus bolsos ou seus belos pescoços? O fato de que eventualmente alguns deles possam discorrer sobre as carreiras de cineastas brasileiros significa que estejam dispostos a expor opiniões próprias e independentes? O Brasil não é uma meritocracia, e o território das distribuidoras americanas de filmes muito menos. Ou seja, aqui ninguém é respeitado por aquilo que produz com os próprios meios. Existe uma idéia distorcida que sugere que é o sucesso de bilheteria que demonstra que um filme possui méritos. Será que algum dia um crítico de cinema no Brasil teria a coragem de afirmar em público que é impossível um filme vencer por seus próprios méritos se as distribuidoras (que dominam o mercado) decidirem que ele não vai ser colocado nos cinemas?
Nota:
Crítica Cinematográfica e Mercado (II)
1. The culture of independent film criticism has gone down the drain, entrevistas de Wim Wenders a Richard Philips, 10 de Janeiro de 2000.Disponível em: http://www.wsws.org/articles/2000/jan2000/wwen-j10.shtml Acesso em: 29/01/2008.