“Na história
do cinema sueco,
nenhuma mulher
teve tanto charme
erótico e selvagem
quanto Harriet”
Ingmar Bergman (1)
Mônica e o Desejo
Harri e Mônica (ele 17 e ela 15) resolvem abandonar seus pais e o trabalho. Refugiam-se num arquipélago próximo a Estocolmo. Quando voltam, tentam se integrar numa espécie de vida burguesa, mas tudo acaba numa catástrofe. Bergman, entretanto, sentiu a força da tesoura da censura na Suécia. Foram cortadas três cenas, numa o casal está bêbado (parcialmente cortada), noutras duas eles brigam. Numa dessas, a briga de bêbados acaba em uma cena de amor orgíaca. A censura cortou tudo. Apesar disso, Mônica e o Desejo é um filme muito mais sadio e vigoroso do que os que vieram antes dele, que correspondem a um período de revolta de juventude e puberdade (2).
Harri e Mônica (ele 17 e ela 15) resolvem abandonar seus pais e o trabalho. Refugiam-se num arquipélago próximo a Estocolmo. Quando voltam, tentam se integrar numa espécie de vida burguesa, mas tudo acaba numa catástrofe. Bergman, entretanto, sentiu a força da tesoura da censura na Suécia. Foram cortadas três cenas, numa o casal está bêbado (parcialmente cortada), noutras duas eles brigam. Numa dessas, a briga de bêbados acaba em uma cena de amor orgíaca. A censura cortou tudo. Apesar disso, Mônica e o Desejo é um filme muito mais sadio e vigoroso do que os que vieram antes dele, que correspondem a um período de revolta de juventude e puberdade (2).
Um casal de jovens
em busca de liberdade
amorosa e sexual
(mas também da saída
para o conformismo
de uma sociedade
sufocante) (3)
Como se pode constatar, a nudez dos corpos no cinema de Bergman revela, o mais das vezes, mais uma morbidez do que um ritual erótico (4). O cineasta precisaria retroceder aos 6 anos de idade para encontrar uma lembrança de sua relação com a nudez feminina que não estivesse mergulhada em culpa e ansiedade. A exceção seria Mônica e o Desejo (Sommaren med Monika, 1953). Imortalizado em Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), dirigido pelo francês François Truffaut, na cena em que dois meninos roubam uma fotografia do filme de um cinema (imagem acima), o filme de Bergman mostra uma nudez solar, inocente, naturista e sem culpa.
Jean Breschand
Apenas dois planos do filme mostram a nudez de Mônica, mas eles são capazes de cristalizar o filme inteiro em alguns segundos. Sua volta no final mostra que eles são centrais. Mônica e o Desejo não têm sombras, a nudez está às claras. O que não quer dizer que está explícita, a força de Bergman está em colocar o espectador em posição de ver uma jovem mulher ter prazer com a própria nudez, mas sem a exibir (5). Alguns lembrarão de Mônica por uma imagem no prólogo de Persona (1966), quando num desenho animado uma mulher com os pés na água lava os seios. Na manhã do primeiro dia de fuga, Mônica sai do barco e caminha até uma árvore (urinar?), em seguida vai se lavar na beira d’água (imagem acima).
Mônica e
o Desejo não
afasta de nossos
olhos o outro lado
da liberdade sexual:
uma gravidez não
planejada
Quando Mônica fica nua pela primeira vez na presença de Harri, ela é vista a partir de dois olhares, o do namorado e o da câmera (que é o do espectador). Em primeiro plano, Mônica surge da parte debaixo do quadro, cruza a paisagem e começa a tirar seu pulôver, revelando sua axila não raspada e seu grande peito escondido no sutiã e sua calcinha. Agora um close em Harri, que a segue com os olhos, sugere de maneira muito recatada que ela passa sobre ele de maneira nada recatada, para ir banhar-se inteiramente nua numa posa de água do mar nas pedras próximo ao mar. Mas nós a vemos de costas quando Harri se aproxima para acariciá-la nos ombros. Quando Bergman passa ao contracampo (quando inverte sua posição para ficar de frente para ela), os seios de Mônica são cuidadosamente afastados dos olhos do espectador.
Quando ela corre nua na direção da banheira natural na rocha, teremos aí a única imagem onde se pode vê-la inteiramente nua – de costas. No final do filme, quando Harri para diante de um espelho e relembra seu verão com Mônica, Bergman não mostra a cena em que a vemos passa sobre ele – justamente, pois são as lembranças dele e não as nossas, mas mostra por mais alguns segundos a seqüência, enquanto a vemos de costas descer pelas pedras até uma banheira natural. Portanto, conclui Bergala, trata-se de um filme impar na carreira de Bergman, onde ele se entregou a um erotismo quente, com imagens distantes de seus enquadramentos protestantes habituais em relação à nudez e a sexualidade.
Harriet Andersson, ela foi Agnes morrendo em Gritos e Sussurros, e a Mônica sensual e imatura de 15 anos em 1953. Vinte anos as separam, mas o corpo continua no centro da questão. Durante as filmagens de Mônica e o Desejo, Bergman se apaixona pela jovem atriz e filma algumas das seqüências mais liberadas de sua obra, as únicas que não falam de sofrimento, ansiedade e morte. Entretanto, mesmo na euforia, Bergman não seria capaz de filmar um nu total sem se colocar questões morais e estéticas. Ele não vai mostrar a intimidade da jovem atriz, também sua amante, ao espectador. Curiosamente, em seu próximo filme, Uma Lição de Amor (En Lektion i Kärlek, 1954), Harriet fará o papel de uma menina que prefere ser menino.
A censura
sueca passou
a tesoura em
Mônica e o Desejo,
mas deixou duas
cenas memoráveis,
e o mais importante:
o rosto de Mônica
Para Jean Breschand, Bergman filma um corpo sem máscara em Mônica e o Desejo. Entretanto, pelo menos em relação a certo famoso close do rosto de Mônica, Jacques Aumont acredita que Bergman captou o momento em que um rosto se torna uma máscara. Enquanto Harri está trabalhando fora da cidade, Mônica está no bar fazendo mais do que passar o tempo. A câmera vai se aproximando dela, a menina-mulher se vira em nossa direção e nos encara sem sequer piscar os olhos durante alguns segundos (imagem abaixo). Certamente, não é o primeiro close de rosto do cinema onde um personagem encara o espectador, mas só Bergman compreende que esse olhar é capaz de transformar um rosto numa máscara que o impedirá de exprimir sentimentos (6). Não conseguimos decidir se aquele olhar traduz a perda da esperança ou se Mônica está perguntando: “você pensa que sabe o que eu estou pensando?”
Bergman faz
muitos closes em
seus filmes. Pelo menos
uma coisa sobre o corpo
ele descobriu: o rosto
está sempre nu
está sempre nu
Notas:
Leia também:
A Nudez no Cinema (V)
1. BJÖRKMAN, Stig. O Cinema Segundo Bergman. Tradução Lia Zats. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. P. 63.
2. Idem, p. 61 e 65.
3. AUMONT, Jacques. Ingmar Bergman. “Mes Films sont L’explication de mes Images”. Paris: Cahiers du Cinema, 2003. P. 30.
4. BERGALA, Alain. Bergman In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. Pp. 53-7. Exceto onde for especificado, o artigo resume o verbete.
5. BRESCHAND, Jean. Sommaren Med Monika. In BERGALA (et alii). Op. Cit., p. 356.
6. AUMONT, Jacques. Op. Cit., pp. 85-6.