“As comédias
que realizei tiveram
o mesmo motivo que os
filmes Bris. Era imprescindível
que elas me dessem dinheiro. E não
me envergonho de confessá-lo.
A maior parte das coisas que
acontecem no mundo do
cinema acontecem
devido a esse fator”
que realizei tiveram
o mesmo motivo que os
filmes Bris. Era imprescindível
que elas me dessem dinheiro. E não
me envergonho de confessá-lo.
A maior parte das coisas que
acontecem no mundo do
cinema acontecem
devido a esse fator”
Ingmar Bergman (1)
O Garoto que não Sabia Rir
Em 1951, o já relativamente famoso cineasta sueco dirigiu algumas propagandas do sabão BRIS, eram peças cômicas e mostravam um teatro em miniatura (2). Tudo leva a crer que aqui se tratou de uma comicidade cínica, uma vez que, como em toda propaganda, o objetivo é vender um produto “a qualquer preço”. Quando criança, Bergman recorda, ele era tido como uma pessoa sem senso de humor, ao contrário de seu irmão. Já trabalhando no teatro, encenou duas peças de Ano Novo que considerava engraçadas, mas ninguém riu. A partir daí, Bergman disse que procurou sem sucesso compreender o comportamento daqueles que conseguem fazer as pessoas rirem. O cineasta elogiou a capacidade das farsas francesas clássicas criarem construírem situações que culminam com o riso. Em sua opinião, “quando ela é bem sucedida, a farsa é o que há de melhor. Mas também é um dos gêneros mais difíceis” (3). Bergman cita Quando as Mulheres Esperam (Kvinnors väntan, 1952) como sua primeira tentativa no campo da comédia. O cineasta confessou seu medo em relação a essa tentativa, admitindo também que foram os protagonistas, o ator Gunnar Björnstrand (que reencontramos muitas vezes na filmografia de Bergman) e a atriz Eva Dahlbeck (estrela de Bergman durante boa parte da década de 1950) que lhe disseram o que fazer. Na famosa sequência do elevador no final do filme Dahlbeck e Björnstrand nem de longe indicam o futuro tom pesado das discussões entre casais nos filmes que Bergman realizaria na década de 1970 (4). (imagem acima, Bergman em companhia de Gunnar Björstrand, durante as filmagens de Através de Um Espelho)
“Assisti a estréia de
Uma Lição de Amor
(...). De repente ouço gargalhadas (...). Pensei:
não é possível! Todo
mundo está rindo, está
mundo está rindo, está
rindo de uma
coisa que eu fiz!”
coisa que eu fiz!”
Ingmar Bergman (5)
O sucesso desse episódio encorajou o cineasta a realizar a comédia Uma Lição de Amor (En lektion i kärlek, 1954), mais próximo do burlesco do que da farsa (6), novamente apresentando a dupla Dahlbeck e Björnstrand. Bergman que mais uma vez Dahlbeck e Björnstrand lhe ensinaram algo sobre fazer cinema. No dia da filmagem, Bergman avisou aos dois que havia desistiu de realizar a seguinte cena: ela não quer casar e tenta se enforcar, ao mesmo tempo em que ele faz uma declaração de amor (ela deveria estar casando com o melhor amigo dele); o teto desmonta com o peso dela e a coisa toda é muito cômica (imagem acima). Dahlbeck e Björnstrand não concordaram com a tese de Bergman (de que a cena fosse mal escrita e impossível de filmar), então pediram que ele saísse do estúdio. Quando o cineasta retornou, verificou como era possível fazer a cena de outra maneira. Dahlbeck e Björnstrand retornariam em Sorrisos de Uma Noite de Amor (Sommarnattens leende, 1955) (imagem abaixo) que nada mais é, explicou Bergman, do que um desenvolvimento do tema de Uma Lição de Amor. No caso da comédia O Olho do Diabo (Djävulens öga, 1960), Bergman disse que só realizou porque então lhe permitiriam fazer A Fonte da Donzela (Jungfrukällan, 1960). Com relação à Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (För att inte tala om alla dessa kvinnor, 1964), o cineasta não poderia ter sido mais desdenhoso (“foi um filme realizado apenas para dar dinheiro à Svensk Filmindustri”) (7), embora tenha admitido que se trata de uma obra de farsa mais pura do que suas outras comédias (8). Depois de revelações tão pouco glamorosas, é difícil acreditar que as comédias realizadas por Bergman tenham algo de revelador a oferecer.
de Amor foi premiado
no Festival de Cannes em
1956, sendo aclamado
por seu “humor
poético” (9)
no Festival de Cannes em
1956, sendo aclamado
por seu “humor
poético” (9)
Apesar das revelações de Bergman em relação ao lugar da comédia em sua obra, Jacques Aumont a vê como um universo quase totalmente estruturado pela comicidade. Um questionamento de Aumont a respeito de breves momentos cômicos que podemos encontrar na obra de Bergman para o cinema ilustra bem a dificuldade dos europeus em geral quanto a considerar o riso como portador de informações profundas sobre a humanidade. Aumont admite que o cineasta sueco sempre flertou com o elemento cômico, como exemplo apontou o encontro daquele menino com os anões num filme sério como O Silêncio (Tystnaden, 1963) (penúltima imagem do artigo), chegando a sugerir que a sequência seja uma homenagem transparente ao tom carnavalesco de certas passagem de Nazarin (1959) e Viridiana (1961), do espanhol Luis Buñuel. Pelo simples fato de indicar como uma questão a existência da breve comédia no interior de O Silêncio, Aumont (nascido na França) deixa bem claro que para ele é difícil justificar sua presença no “cinema de lições de vida” de Bergman (10). Parece difícil para alguns acreditarem que a aprendizagem do menino, intimamente ligada à angústia de sua mãe e sua tia, abra espaço para o riso. Por que é tão difícil para alguns acreditar que o cômico seja capaz de parir lições de vida? Aumont vai buscar no segundo livro da Poética de Aristóteles as raízes de uma forte tendência a separar comédia e drama em dois mundos distintos. No teatro clássico francês, por exemplo, tal distinção se cristalizou entre Molière de um lado e Racine do outro. (imagem abaixo, a famosa sequência do elevador em Quando as Mulheres Esperam)
Em Quando as Mulheres Esperam e Uma Lição
de Amor, Gunnar Björstrand
de Amor, Gunnar Björstrand
e Eva Dahlbeck se inspiram livremente na dupla norte-americana Cary Grant
e Katherine Hepburn (11)
Aparentemente, é culpa de Aristóteles (ou por preguiça intelectual nossa?) que sempre consideramos o drama algo “mais metafísico” (que remete à luta do ser humano contra forças superiores), enquanto a comédia trata “apenas” dos comuns mortais oferecendo-lhes um reflexo sorridente. Sem anular esta distinção, Bergman borrou suas fronteiras. Na opinião de Aumont, este seria o lado shakespeariano da obra de Bergman: a bufonaria auxilia o sublime. Ainda de acordo com Aumont, em quase todos os filmes do cineasta podemos encontrar elementos de comicidade. Em Crise (Kris, 1946), primeiro filme que Bergman dirigiu, personagem Jack se apresentando como um “cômico sinistro” (atrapalhando a cantora de ópera com jazz, criticando os mais velhos e os burgueses, os chamado de fantoches). De fato, o próprio narrador no início do filme começa definindo a história como “um drama cotidiano. Quase uma comédia”. Muitos vão dizer que Crise ainda não é “um Bergman”, contudo Aumont insiste que o filme já traz a marca do cineasta sueco: depois de elogiar a curiosa decoração com cabeças cortadas (as cabeças de manequins do salão de beleza), o tiro que dá na própria cabeça é sua última piada. Não podemos deixar de notar um efeito cômico inesperado (para quem vive nos tempos atuais), como acontece em todos os filmes da década de 40 do século passado, Jack passa o tempo todo acendendo cigarros e atirando os palitos de fósforos em todas as direções, até mesmo no chão das casas onde se encontra (onde também apaga os cigarros).
Na opinião de
Jacques Aumont, com
Uma Lição de Amor Bergman
se aproxima da comédia feita nos Estados Unidos, como aquelas
do “americano de Berlim”:
Jacques Aumont, com
Uma Lição de Amor Bergman
se aproxima da comédia feita nos Estados Unidos, como aquelas
do “americano de Berlim”:
Ernst Lubitsch
Mesmo em Sede de Paixões (Törst, 1949), um filme já bastante pesado e cheio de personagens suicidas, Aumont valoriza alguns momentos que chamou de burlescos (quando Raoul, pressionado ao encontrar a esposa na casa de sua amante, declara que a bigamia é uma coisa normal; a sequência da tentativa de sedução de uma paciente suicida por seu psiquiatra; ou ainda a tentativa de sedução pela dançarina lésbica). Em Prisão (Fängelse, 1949), as risadas do casal que assiste ao filme mudo burlesco aliviam o clima tensão do filme (última imagem do artigo). Em Rumo à Alegria (Till Glädje, 1950), Aumont destaca a sequência hilária em que o oficial de justiça anuncia o nascimento do bebê. Assim como a sequência em estilo O Gordo e o Magro (quando os dois agentes secretos levam o cadáver errado no carrinho de bebê, passando por uma fila de mulheres com as pernas levantadas) naquele filme que Bergman detestou tanto que nem o considerava em sua filmografia, Isto Não Aconteceria Aqui (Sånt händer inte Har, 1950). A cena final em Quando as Mulheres Esperam no elevador marca um momento em que Bergman tenta conscientemente se aproximar da comédia. Com Uma Lição de Amor, o cineasta se aproximou muito da comédia norte-americana – anunciada nos créditos inicias como uma comédia para adultos, o narrador se apressa a esclarecer que a comédia poderia ter sido uma tragédia. Aumont chega mesmo a dizer que algumas sequências deste filme fazem de Bergman uma espécie de Lubitsch escandinavo. (imagem acima, à esquerda, O Olho do Diabo)
Para Não Falar
de Todas Essas Mulheres
é a comédia de Bergman
de Todas Essas Mulheres
é a comédia de Bergman
mais próxima de Buster
Keaton, um burlesco
por excelência (12)
Keaton, um burlesco
por excelência (12)
Primeiro filme de Bergman a receber uma recepção unânime, Sorrisos de Uma Noite de Amor é uma comédia leve e uma obra muito teatral. O confronto entre os personagens caricaturais Fredrik Egerman e o conde Carl Magnus Malcolm é muito cômico, sem falar nos gorros para dormir, pantufas e camisolas – uma comédia de erros e máscaras, cuja referência shakespeariana do título não um acaso (13). Aumont definiu o filme como vaudeville (com suas idas e vindas e seus amantes no armário), comédia realista meio amarga (onde as antigas amigas se tornaram mulheres e trocam confidencias), comédia irreverente (o casal de empregados e sua transa barulhenta) e uma comédia de humor negro (com personagens perseguindo uma felicidade improvável, como o aprendiz de pastor, um autêntico torturado). Bergman disse que queria ser espirituoso, já que todos o consideravam obscuro e taciturno. Stig Björkman aponta em Sorrisos a utilização por Bergman do plano de conjunto, que o permitiu dilatar uma situação ridícula. Todos os atores são mantidos no quadro e tem de se virar sozinhos. A este respeito, Bergman citou a utilização refinada do plano de conjunto feita pelo cineasta japonês Mizoguchi, mas insistiu que ele já estava consciente disto bem antes de ter visto seus filmes. (14). Na opinião de Aumont, esta foi uma última tentativa realmente direta de Bergman no gênero da comédia. Para ele, O Olho do Diabo e Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (imagem acima) misturam demais o burlesco à pura fantasia, irrealismo e fábulas – Aumont não deixa claro porque isso faz desses filmes comédias menos puras. Quanto ao primeiro filme, durante entrevista em 1968, Bergman lembrou que esta obra foi tratada num número especial anti-Bergman da revista Chaplin. Quanto ao segundo filme, o cineasta o considera muito sem graça. (imagem abaixo, Noites de Circo)
A Risada na Lágrima
“Não existe quase
nenhum filme de Bergman, mesmo os mais pessimistas, que não contenha, em
sua própria essência, um
grão de comédia”
nenhum filme de Bergman, mesmo os mais pessimistas, que não contenha, em
sua própria essência, um
grão de comédia”
Jacques Aumont (15)
De fato, Jacques Aumont acredita que é preciso buscar em outro lugar o estilo cômico de Ingmar Bergman, como na pequena peça teatral grotesca montada pelos filhos para a visita do pai muito ausente em Através de um Espelho (Såsom i en spegel, 1961) (imagem abaixo, à direita). A peça lembra a farsa teatral montada em Hamlet para sugerir que o verdadeiro assassino é conhecido, é meio sem graça e a atuação é primária, mas o risível da sequência cai como uma luva para envolver o os temas tratados: a Morte e a solidão. “O cômico, em Bergman, não tem necessidade de ser cômico: é uma espécie de lição de vida” (16). Aumont afirma que esse procedimento já estava presente em Noites de Circo (Gycklarnas afton, 1953) (imagem acima), o cômico está em toda parte, porém jamais sob a forma de comédia de costumes. Aumont aponta um contraste cômico entre o pingente ofertado por Frans para Anna e o botão do paletó de Albert (de quem Anna é amante) sendo costurado pela sábia e desprezada esposa Agda. Na sequência do palhaço branco que vai buscar a esposa (que tirou a roupa diante de uma platéia de soldados), seu desespero é articulado com risadas, os canhões (metáforas fálicas) e um ensurdecedor silêncio da trilha sonora e musical. Nós, espectadores, não conseguimos rir como os soldados. Mas aquele riso cumpre sua função. Neste filme, o grotesco e o sublime se encontram.
“(...) Se eu tivesse que
definir a farsa, diria que
é uma situação cômica e
realista levada ao nível do absurdo, e o efeito desejado
é atingido através de
uma lógica inabalável”
definir a farsa, diria que
é uma situação cômica e
realista levada ao nível do absurdo, e o efeito desejado
é atingido através de
uma lógica inabalável”
Ingmar Bergman,
5 de outubro de 1968
5 de outubro de 1968
Personagens de Noites de Circo como Frans e Albert fazem rir e ao mesmo tempo incomodam. Aumont reencontrou esses tipos de tom vulgar e carnavalesco em O Rosto (Ansiktet, 1958) (o mágico que apresenta um cadáver e uma levitação falsos; a mulher que sob hipnose revela segredos sobre o corpo desajeitado do marido) e Na Presença do Palhaço (Larmar och gör sig till, 1997) (Carl propõe uma peça sobre a morte de Schubert que se transforma numa sátira social e política) (17). Quanto a O Rosto, Bergman explicou que o filme ficou muito menos engraçado do que havia sido planejado, já que o ator encarregado de um grande papel cômico estava sempre bêbado e esquecia suas falas. Por conta dessa situação por si só hilariante o cineasta teve de cortar um terço das cenas cômicas (18). A questão, explica Aumont a propósito de Bergman, é que o cômico não é para ser engraçado, eufórico. Os peidos do tio Carl, que apagam velas acessas em Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, 1982) (imagem abaixo), só fazem rir a seus pequenos sobrinhos e sobrinhas. Neste filme, insiste Aumont, o cômico está mais próximo do terror do que de qualquer outra coisa – um caminho que teria sido aberto por Da Vida das Marionetes (Aus dem Leben der Marionetten, 1980). Entretanto, se é assim, porque motivo Bergman, que nunca esperou que seu público o amasse pelo riso, sentiu a necessidade de passagens burlescas, de farsa, vaudeville? Seria o cômico tão indispensável para Bergman quanto nunca foi para outros cineastas “sérios” como Robert Bresson ou Andrei Tarkovski?
Rir Também é Preciso
“(...) Em suma,
todos os gêneros
da comédia foram
explorados (...)”
todos os gêneros
da comédia foram
explorados (...)”
Jacques
Aumont (19)
Aumont (19)
Jacques Aumont propõe duas respostas, uma em torno do universo do teatro, outra apontando para as fábulas. A experiência teatral leva a sério (em geral) as reações do público, e o riso é geralmente considerado um elemento de comunicação eficaz para que atores e dramaturgos coloquem o público no bolso. Aumont resume essa idéia de forma mais direta: o riso vende. Dramaturgicamente falando, a situação cômica é quase sempre constituída por um obstáculo intransponível. Com essa frase Aumont procura explicar o caráter descontínuo do gênero cômico, vamos de um obstáculo a outro sem solução de continuidade. Por razões dramatúrgicas ou não, Bergman sempre privilegiou essa descontinuidade, eis porque muitos de seus filmes apresentam blocos desarticulados, levando-nos de uma cena à outra sem partir de uma lógica interna – como ele disse certa vez, “(...) a ideia de um filme em que se tenta associar fragmentos uns aos outros, sem ter acesso ao roteiro, me estimulara” (20). Esse gosto por fragmentos transparece na década de 1940 do século passado em Prisão, e nos famosos títulos da década de 1960: O Silêncio, Persona (1966), Vergonha (Skammen, 1969), A Hora do Lobo (Vargtimmen, 1968) e Paixão de Ana (En passion, 1970). Neste sentido, conclui Aumont, podemos dizer que Bergman escreveu muitos roteiros “cômicos” Aumont inclui também trajetória de teatro do cineasta, repleta de blocos de cenas, mais confrontados ou justapostos do que ligados (21). (imagem abaixo, à direita, o menino encontra os anões, que o vestem de menina, O Silêncio; última imagem, em Prisão o casal está assistindo a um filme mudo burlesco, mas, sutilmente, Bergman aponta o projetor em nossa direção; de que lado da tela está o filme agora?)
Ingmar Bergman
rompeu com a tradição dramatúrgica em relação
rompeu com a tradição dramatúrgica em relação
à comicidade
Aumont também resgata Bakhtin, que trabalhou muito com a comicidade medieval, para considerar uma resposta em torno do autor de fábulas. Em sua defesa de uma literatura dialógica onde o autor renuncie ao saber globalizante e superior em relação aos personagens que cria, Bakthin propôs uma escritura que dá vez a muitas vozes (dos personagens), seja em acordo ou em desacordo entre si. Na opinião de Aumont, esta é quase a descrição dos roteiros de Prisão, Persona, A Hora do Lobo, Da Vida das Marionetes, Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957) e O Olho do Diabo. É aqui que o cômico se torna um gênero “sério”. Outro elemento teatral que Aumont não tem dúvidas de que Bergman estava a par é do efeito duplo do cômico: dar ao espectador um sentimento de superioridade e produzir liberação e alívio, não no sentido de crise-catarse, mas revelando que “o rei está nu” – “no maior trono do mundo, ainda sentamos sobre nossa própria bunda” (Montaigne). Ainda de acordo com Aumont, as encenações grotescas, carnavalescas e bufonas de Noites de Circo, O Rosto e A Hora do Lobo, nos mostram a miséria do corpo sob os trapos pretensiosos da alma. A opinião, efetiva de Aristóteles a Hegel, segundo a qual o cômico dramático deve ser uma ferramenta em prol dos meios de coesão social e ordem, será virada de cabeça para baixo por Bergman. De fato, insistiu Aumont, aqui o cineasta não inovou, apenas seguiu o mundo moderno, que desfez essa coesão e perdeu essa ordem. Neste caso, Bergman apenas esteve em consonância com os desdobramentos daquilo que se chamará mais tarde “fim das grandes narrativas”.
“(...) Eu não estou nem um pouco de acordo
com os críticos e com os jornalistas, mas só posso
falar por mim. Os críticos redigem linhas,
falar por mim. Os críticos redigem linhas,
influências; de uma forma muito elaborada, muito
intelectual, tentam provar que tudo é o resultado de
uma profunda reflexão, enquanto que para mim,
tudo é temporário, difuso, disforme, irrefletido”
intelectual, tentam provar que tudo é o resultado de
uma profunda reflexão, enquanto que para mim,
tudo é temporário, difuso, disforme, irrefletido”
Comentário de Ingmar Bergman a respeito dos comentários
em relação a sua obra (16 de agosto de 1968) (22)
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Ingmar Bergman e Suas Marionetes
O Rosto no Cinema (III), (IV)
Notas:
1. BERGMAN, Ingmar. Imagens. Tradução Alexandre Pastor. São Paulo: Martins Fontes, 1996. P. 337.
2. BINH, N.T. Ingmar Bergman. Le Magicien du Nord. Paris: Gallimard, 1993. P. 142.
3. BJÖRKMAN, Stig. O Cinema Segundo Bergman; entrevistas concedidas a Stig Björkman, Torsten Manns e Jonas Sima. Tradução de Lia Zats. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. P. 127.
4. BERGMAN, Ingmar. Op. Cit., pp. 337-46.
5. Idem, p. 340.
6. BJÖRKMAN, Stig. Op. Cit., p. 128.
7. BERGMAN, Ingmar. Op. Cit., p. 346.
8. BJÖRKMAN, Stig. Op. Cit., p. 128.
9. DUNCAN, Paul; WANSELIUS, Bengt (eds.). The Ingmar Bergman Archives. Köln: Taschen, 2008. P. 120.
10. AUMONT, Jacques. Ingmar Bergman. “Mes Films sont L’explication de mes Images”. Paris: Cahiers du Cinéma, 2003. Pp. 143-6.
11. Idem, p. 61.
12. BJÖRKMAN, Stig. Op. Cit., p. 128.
13. AUMONT, Jacques. Op. Cit., p. 61.
14. BJÖRKMAN, Stig. Op. Cit., pp. 84, 87, 89, 126, 127.
15. AUMONT, Jacques. Op. Cit., p. 145.
16. Idem, p. 148.
17. Ibidem, pp. 149.
18. BJÖRKMAN, Stig. Op. Cit., p. 100.
19. AUMONT, Jacques. Op. Cit., p. 62.
20. BERGMAN, Ingmar. Op. Cit., p. 209.
21. AUMONT, Jacques. Op. Cit., pp. 150-3.
22. BJÖRKMAN, Stig. Op. Cit., p. 88.