A Morte é Mulher...
Em O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet, 1956), Mia, a esposa do artista mambembe, põe em palavras e atos o amor que sente por ele: ela diz “eu te amo”. É a única mulher do filme que teve filho. Ela também não faz o estilo loura burra. Seu homem parece ser tão puro em sua simplicidade de sentimento quanto ela. Karin, a esposa do cavaleiro que volta das Cruzadas, espera seu amado até o fim. Seu homem se ressente da falta de clareza dos sinais divinos e parece encontrar apenas num ente masculino (que o idioma português designa no feminino: a Morte) o desafio de sua vida. A Morte aparece para ele como um homem, mas é referida no feminino. Sua esposa, ainda que à sua espera e dedicada à memória de seu amor por ele, está distante. Assim, é como se “a” Morte substituísse “a” mulher, ainda que torne incontornável a presença da feminilidade quando o homem questiona sua fé em Deus e no próprio sentido da vida.
mulher é uma mulher
Dessa forma, o feminino se manteria como um elemento de fundo em todos os momentos da tentativa do homem ludibriar a morte. Não podemos esquecer aqui que essa associação do feminino com a morte também se articula com um ponto negativo. Existem tanto na literatura, quanto na arte e no simbolismo cultural Ocidental, uma relação entre a figura da mulher e da morte. É a representação do medo atávico do masculino frente a um Outro radical associado ao feminino (1).
Na Idade Média européia, contexto do filme, o comportamento dúbio do homem em relação à mulher fazia dela um paradoxo. Por um lado, os textos bíblicos viam um ser decadente responsável pelo pecado. Por outro, além de simbolizar a fecundidade, ela era idealizada e idolatrada, como nos ritos do amor cortês (2). Os elementos de ligação entre essas representações são sexo e morte. Na história européia, artes, música e literatura, associam morte e feminilidade. Podemos dizer que todas as personagens femininas de O Sétimo Selo giram em torno do encontro entre Vênus e a Morte.
E o homem, sabe?
A criada do escudeiro é salva de um estupro por ele (que enaltece as prostitutas numa canção), segue-o como empregada e nunca fala. Seus sentimentos são uma incógnita, mas é a primeira a ser ajoelhar diante da Morte quando esta se aproxima de todos. Lisa, esposa do ferreiro faz o estilo loura superficial, trai o marido e depois o incita a matar seu amante.
Plog, o ferreiro, está se lamuriando por tê-la descoberto com outro. Jöns, o escudeiro do cavaleiro que joga xadrez com a Morte, o encontra no bar e conversam. De um filme ambientado durante a Idade Média na Escandinávia, Bergman sugere que em nada seria diferente de uma conversa de bar nos dias atuais. A inocência de Plog é compensada pela sabedoria de Jöns, que admite não crer nos próprios conselhos.
Jöns: É um inferno com elas e um inferno sem elas. A melhor coisa é matá-las enquanto está tudo bem.
Plog: Elas são umas porcarias.
Jöns: Gritaria e fraldas sujas.
Plog: Unhas e línguas afiadas.
Jöns: Brigas, discussões e sogras.
Plog: E quando quer dormir…
Jöns: Uma nova melodia
Plog: Lágrimas e choramingos que acordam até os mortos.
Jöns: “Não vai me dar um beijo?”
Plog: “Não vai cantar uma música?”
Jöns: “Não me ama como antes”.
Plog: “Veja meu novo vestido”.
Jöns: Você vira de lado e ronca.
Plog: Droga.
Jöns: Ela se foi, dê graças a Deus.
Plog: Vou torcer o nariz deles. Vou martelar seus peitos com meu martelo e esmagar suas cabeças com minha maior ferramenta.
Jöns: Está chorando de novo.
Plog: Acho que a amo.
Jöns: Talvez sim. Pois vou lhe dizer uma coisa, meu pobre coitado. O amor nada mais é do que a luxúria pura, enganos e mentiras, traições e tolices.
Plog: Mas dói mesmo assim.
Jöns: Claro que sim. O amor é a pior das pestes, mas morrer de amor seria um prazer. Isto vai passar.
Plog: Meu amor não passa.
Jöns: Claro que sim, poucos morrem de amor. Se tudo é imperfeito nesse mundo imperfeito, então o amor é perfeito... em sua imperfeição.
Plog: Você é feliz por conseguir falar tais coisas e acreditar.
Notas:
Plog: Elas são umas porcarias.
Jöns: Gritaria e fraldas sujas.
Plog: Unhas e línguas afiadas.
Jöns: Brigas, discussões e sogras.
Plog: E quando quer dormir…
Jöns: Uma nova melodia
Plog: Lágrimas e choramingos que acordam até os mortos.
Jöns: “Não vai me dar um beijo?”
Plog: “Não vai cantar uma música?”
Jöns: “Não me ama como antes”.
Plog: “Veja meu novo vestido”.
Jöns: Você vira de lado e ronca.
Plog: Droga.
Jöns: Ela se foi, dê graças a Deus.
Plog: Vou torcer o nariz deles. Vou martelar seus peitos com meu martelo e esmagar suas cabeças com minha maior ferramenta.
Jöns: Está chorando de novo.
Plog: Acho que a amo.
Jöns: Talvez sim. Pois vou lhe dizer uma coisa, meu pobre coitado. O amor nada mais é do que a luxúria pura, enganos e mentiras, traições e tolices.
Plog: Mas dói mesmo assim.
Jöns: Claro que sim. O amor é a pior das pestes, mas morrer de amor seria um prazer. Isto vai passar.
Plog: Meu amor não passa.
Jöns: Claro que sim, poucos morrem de amor. Se tudo é imperfeito nesse mundo imperfeito, então o amor é perfeito... em sua imperfeição.
Plog: Você é feliz por conseguir falar tais coisas e acreditar.
Jöns: Acreditar? Não acredito. Só gosto de dar conselhos. Se me pede um, eu lhe dou dois. (*)
Notas:
(*) As Mulheres de Ingmar Bergman (II) encontra-se no arquivo de julho de 2008.
1. Ver CREED, Barbara. The Monstrous-Feminine. Film, Feminism, Psychoanalysis. London: Routledge, 1993; KAISER, Gert. Vénus et la Mort. Un Grand Thème de l’Histoire Culturelle de l’Europe. Paris: Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme, 1999.
2. BLOCH, Howard R. Misoginia Medieval e a Invenção do Amor Romântico Ocidental. Tradução Claudia Moraes. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.