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Roberto Acioli de Oliveira

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18 de mai. de 2009

As Mulheres de Ingmar Bergman (IV)




Caso o ser humano não
tivesse voz, lamentaria
a tagarelice fútil dos
outros animais




 

Rostos Suplicantes
 
Em Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop, 1973), quatro mulheres dividem a tela, os personagens masculinos ocupam papéis secundários. Agnes está em seus últimos momentos e sua enfermidade a deixa ofegante. Seus gritos e sussurros enchem o ambiente de angústia. Ela morre, renasce e então morre definitivamente. Restam suas duas irmãs (com seus sussurros) e a empregada. Somente com muita dificuldade conseguem traduzir seus sentimentos em palavras. Seguindo a trilha de vários filmes anteriores, Bergman se debruça sobre a questão da fala, da palavra, da expressão. Seja o silêncio de Deus (O Sétimo Selo, 1956, e os filmes da Trilogia do Silêncio) (1) ou da alma humana, Bergman não cessa de reeditar essa dúvida primordial: somos nós que não conseguimos escutar (e nos escutar) ou é a palavra que nunca vem? Preenchendo essa incerteza, a hesitação dos corpos e dos rostos.


O corpo fala
vários  idiomas
,
 mas   as   pessoas
esperam apenas
por palavras


Desta vez Bergman utilizou a cor: “todos os meus filmes podem ser pensados em preto e branco, com exceção de Gritos e Sussurros”. O vermelho é a cor das paredes da casa, representando ao mesmo tempo a paisagem da alma e o sangue da ferida (2). Entre vestidos brancos e negros, duas mulheres procuram palavras que hesitam em sair de suas bocas e de seus corações. Aqui e ali, Bergman expõe as duas irmãs em close ups de metade de seus rostos, o outro lado escondido na escuridão. Rostos excitantes que contrastam com os momentos em que máscaras sociais os protegem.





Bergman sempre aponta
em  direção   aos   rostos





Gritos e sussurros também dos rostos, desfilando uma nudez que máscaras procuram sempre esconder. Nudez, os rostos estão sempre expostos. Parte que acaba valendo pelo todo, o rosto nunca se esconde, nós é que tentamos nos esconder atrás dele e às vezes não conseguimos nos encontrar lá dentro onde nos escondemos - então precisamos de um espelho para ter certeza que existimos. Ponto do corpo onde insistimos em concentrar nossa identidade, só conseguimos alcançar com um espelho – seja de vidro, seja da carne dos rostos que nos olham.

Meu reino
por um rosto
 sem máscaras,
um  rosto  de
corpo i
nteiro



Rostos sussurrantes, as duas irmãs se tocam e se repelem. A empregada, que ficou em companhia de Agnes até o fim, que a tocou e tomou nos braços de uma forma que as irmãs não conseguiram, tem um rosto sem máscara. Seu rosto não está isolado, ele pertence a sua cabeça e ao seu corpo. Sim, isso mesmo, na cena em que ela tira a blusa e aconchega a moribunda próxima ao seio, nos indica que a vivência de seu corpo é mais intensa – e que o rosto é parte de um todo maior. Já as irmãs de Agnes, com seus vestidos logos de golas altas, degolam seus corpos.





Alguns  mendigam
dinheiro, outros afeto





Maria ainda ostenta um decote. Mas no instante em que procura utilizá-lo para pescar seu antigo amante (o médico da família), ele a coloca em frente a um espelho e mostra como todas as limitações de seu ser interior transparecem em seu rosto (imagens acima, à esquerda, e abaixo, à direita). Karin vai mais além para mostrar a impotência de seu corpo. Talvez a cena mais forte dos filmes de Bergman, Karin recebe seu marido na cama de lençóis brancos que ela manchou com seu sangue – cortou sua vagina com uma lasca do copo de cristal que havia quebrado no jantar. Enquanto seu marido olha, Karin leva a mão ensangüentada à boca, lambe o sangue e depois lambe os lábios. Deixa transparecer, ou procura mostrar, algum prazer sexual esboçando um leve sorriso com o canto da boca, enquanto devolve ao marido o olhar frio que havia recebido.

As Perguntas São as Mesmas 

Em filmes como O Sétimo Selo e Morangos Silvestres (Smultronstället, 1967), os casais deixam de ser a preocupação de Bergman. O cineasta sueco passa a enfocar a queda do indivíduo, seja homem ou mulher, em confronto com a comunidade e consigo mesmo. Seria preciso esperar a chegada da atriz norueguesa Liv Ullman para que casais voltem a se tornar uma figura bergmaniana dominante (3) (todas as imagens deste artigo mostram Liv Ullman no papel de Maria, em Gritos e Sussurros). No que diz respeito ao feminino, a opinião de Jacques Aumont aponta as tendências heterossexuais do cinema de Bergman (4).

Existem
mulheres que
dizem aquilo que
o homem q
uer
ouvir 

 


Existem
também aquelas
que dizem aquilo
que importa
dizer


Alguns afirmam que a problemática exposta nos filmes de Bergman está ultrapassada. Entretanto, em seus filmes da década de 50, após o advento da bomba atômica, início da Guerra Fria e conseqüente generalização da sensação de que os valores humanos perderam definitivamente sua importância, as perguntas dos personagens são as mesmas de hoje: como viver sem uma crença verdadeira no humano, na sociedade, em Deus ou em si mesmo? Em Mônica e o Desejo (Sommaren Med Monika, 1953), uma menina recusa seu amante e pai de seu filho, a maternidade e a vida familiar – e diz “não” com os olhos. Mônica é mais um exemplo da negatividade ambígua presente em muitos personagens de Bergman: seria ela uma heroína existencialista ou uma vilã moral? A atitude dela questiona o controle da cultura sobre os indivíduos, enquanto nos força a considerar o impacto ético de nossas atitudes sobre as pessoas (5).

Notas:

1. Através de Um Espelho (1961), Luz de Inverno (1962) e O Silêncio (1963).
2. BINH, N.T. Ingmar Bergman. Le Magicien du Nord. Paris: Gallimard, 1993. P. 98.
3. Idem, p. 63.
4. AUMONT, Jacques. Ingmar Bergman. “Mes Films sont L’explication de mes Images”. Paris: Cahiers du Cinema, 2003.
5. HAMISH, Ford. The Radical Intimacy of Bergman. Senses of Cinema. 


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