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Roberto Acioli de Oliveira

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30 de jul. de 2009

Ingmar Bergman e Suas Marionetes




Descrição realista
das forças sociais contra
as quais os indivíduos se
batem como nas paredes de
um labirinto,
levando-os
à direções que não
escolheram

Jacques Aumont
Ingmar Bergman. "Mes Films sont
L'explication de mes images", p. 30


O Filme Alemão de Bergman

Apesar de já ter dirigido as filmagens de O Ovo da Serpente (Ormens Ägg, 1976) na Alemanha, este filme havia sido concebido na Suécia. Da Vida das Marionetes (Ur Marionetternas Liv, título sueco, 1980), seu "filme alemão", analisado superficialmente, mostra as tentativas de responder por que Peter Egerman matou uma prostituta (1). Ele é casado com Katerina, entretanto não podem nem viver um com o outro, nem um sem o outro. Sabotam-se mutuamente, numa dança da morte sofisticada, um purgatório diário, um processo de desumanização. O psiquiatra dele é amante de sua mulher, Peter descobre, mas não mata nem o médico, nem sua esposa – e tampouco se separa dela.

Estas e outras pistas falsas são lançadas como peças de um quebra-cabeças. A imagem de Peter no quarto de hospital psiquiátrico ao final do filme remete à vida do próprio Bergman. Depois que ele teve problemas com o governo sueco devido a questões de imposto de renda, internou-se numa clínica. Levantava cedo para ser o primeiro a utilizar o banheiro. Cuidava muito da forma física e os dias estavam minuciosamente divididos: dez vezes por dia tomava, a cada vez, dez miligramas de Valium. Na seqüência final, Peter encontra-se mergulhado neste tipo de existência. Dorme agarrado ao velho ursinho de sua infância, joga xadrez com um computador e todas as manhãs alisa a coberta da cama durante meia hora (2) .

Filmes de Rostos

De acordo com Jacques Aumont, Da Vida das Marionetes (Aus Dem Leben Der Marionetten, título alemão) é o último filme de um ciclo que se inicia quinze anos antes com Persona (1966) (3). O ciclo dos filmes de rostos, em plano aproximado. Persona sistematizou um estilo de enquadramento onde a tela se divide entre dois rostos segundo todas as modalidades imagináveis. Longos closes de rostos serão encontrados a seguir, em A Hora do Lobo (Vargtimmen, 1968), O Rito (Riten 1969), A Paixão de Ana (En Passion, 1970) e Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop, 1973). Closes mais curtos temos em Cenas de um Casamento (Scener Ur Ett Äktenskap, 1973) e Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978).

Da Vida das Marionetes oferece rostos de longe e de perto, de frente e de perfil. Rostos gigantes, chegando ao zoom de um olho (havíamos visto um mais radical no prólogo de Persona). Rostos na penumbra e rostos refletidos em grandes espelhos sem bordas aparentes, remetendo nesse último caso à questão do duplo. Reencontramos um dos efeitos de imagem mais impressionantes do cineasta sueco, que em Persona e A Hora do Lobo: o rosto em close e de cabeça para baixo. A cena é longa e temos tempo de ver esse rosto se tornar monstruoso, de perceber a troca de posições entre os olhos e a boca. Os signos da humanidade (olhar, palavra e riso) são destruídos quando Bergman inverte um rosto.

O filme começa colorido, até a morte da prostituta. Depois de ser estrangulada por Peter, as cores do preto e branco invadem a tela. Na opinião de Aumont, a passagem do vermelho da cena do assassinato para o branco sugere que não há mais sangue em Peter Egerman. Ele se tornou definitivamente uma marionete. As cores voltam no final do filme, já no hospital psiquiátrico. Peter e Katerina são o desenvolvimento de Johan e Marianne, o casal de Cenas de um Casamento. Mas são também um novo e último avatar dos casais malditos, estéreis, com câncer na alma, da grande trilogia protagonizada por Max Von Sydow e liv Ullmann, A Hora do Lobo, Vergonha (Skammen, 1968) e A Paixão de Ana.

Aumont acredita que o trabalho de Bergman nos rostos dos personagens traduz a tese fundamental do filme: devido à alienação, a vida afetiva, sexual e conjugal tornou-se uma vida de marionetes. A vida se tornou mecânica porque não há mais desejo próprio para além do simples “êxito social”. Mas é do roubo da alma que se trata e não de uma crítica política ou ideológica da alienação. Uma última referência de Aumont:

“Marionetes: desde sempre – desde o pequeno teatro de bonecos de sua infância – Bergman se pergunta quem puxa os fios desses bonecos que somos. Através da boca de Peter, este filme dá uma resposta [...]: ‘A morte me segue em todo lugar, talvez seja ela que puxa os barbantes, ela que me faz rir’”

Notas:

Leia também:

Kieslowski e o Outro Mundo

1. BERGMAN, Ingmar. Imagens. Tradução Alexandre Pastor. São Paulo: Martins Fontes, 1996. P. 212.
2. Idem, p. 218.
3. AUMONT, Jacques. Ingmar Bergman. “Mes Films sont L’explication de mes Images”. Paris: Cahiers du Cinema, 2003. Pp. 100-5

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