“No fundo eu não sei ao certo
o que aconteceu. Se quisermos
ser solenes, poderia dizer que
encontrei minha paisagem,
minha verdadeira morada”
Ingmar Bergman
o que aconteceu. Se quisermos
ser solenes, poderia dizer que
encontrei minha paisagem,
minha verdadeira morada”
Ingmar Bergman
A Ilha Misteriosa (1)
Em 1960, Bergman não conseguiu filmar Através de um Espelho (Såsom In En Spegel, 1961) (imagem acima) numa ilha no litoral norte da Escócia. Foi então que descobriu Fårö, na Suécia. Em 1966, foi lá que filmou Persona (1966) (imagem ao lado), namorou a atriz Liv Ulmann e decidiu se instalar definitivamente (mantendo um apartamento em Stockolmo). Contou que ninguém da ilha compreendeu porque ele comprou toda aquela terra “infértil” (a maioria era pescador ou criador de carneiros). Uma trilogia de filmes protagonizados por Liv Ulmann e Max Von Sydow foi gravada por lá, Vergonha (Skammen, 1968), A Paixão de Ana (En Passion, 1969) (última imagem) e A Hora do Lobo (Vargtimmen, 1968). Bergman fez também dois documentários sobre a ilha, Fårö-Dokument (1969 e 1979).
Nos documentários, não faz experiências visuais, apenas mostra os habitantes e sua própria nostalgia por algo que está desaparecendo. Mas nos filmes a ilha é transfigurada pelo olhar da arte. Neste caso, a ilha é inexistente, ficcional, impondo uma aura especial às paisagens e construções que sempre participaram da vida do lugar. Como seria o caso da mercearia que aparece em Vergonha (imagem ao lado), na qual ele utiliza o mesmo enquadramento que fez no documentário de 1969. Ainda que os documentários sigam uma linha realista tradicional, é a própria ilha que está carregada das ficções de Bergman, ainda que freqüentada ou perseguida por sua própria história. O primeiro documentário se insere na obra do cineasta como um prolongamento de Persona, A Hora do Lobo, Vergonha e Paixão de Ana.
Mas Fårö é bem mais que um cenário. Participou como terra natal desse cineasta que a descobre na altura de seus 45 anos. No conjunto da obra de Bergman, esta ilha desempenha o mesmo papel da casa de parentes, como podemos encontrar em Saraband (Saraband, 2003), ou mesmo na casa de campo de Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957), onde o velho professor Isak Borg se entrega as memórias de sua juventude. Ao longo dos anos, ainda que palco das ficções cinematográficas do cineasta sueco, a ilha se tornou autenticamente autobiográfica, profundamente enraizada, talvez mais até do que o terreno das lembranças reais. Fårö simboliza perfeitamente a lembrança de infância assim como Bergman a compreende: absolutamente clara e vivida no âmago da memória, mas também inteiramente construída.
Nota:
1. AUMONT, Jacques. Ingmar Bergman. “Mes Films sont L’explication de mes Images”. Paris: Cahiers du Cinema, 2003. Pp. 45-7