Família Substituta
De acordo com Rentschler, Mocidade Heróica renuncia a triangulação característica da narrativa clássica. O filme começa como apenas como um drama familiar, no final o pai e a mãe desaparecem – a mãe será velada rapidamente e o pai tendo entregará seu filho à Juventude Hitlerista. O Partido substitui a família e conecta as classes. Como definiu Klaus Theweleit, Heini retorna ao mundo como a “verdadeira criança da furadeira”, um autômato “criado sem a ajuda de uma mulher, sem pais” (1). No romance, o pai manda a polícia procurar seu filho, que desapareceu após o suicídio da mãe. Exceto por uma breve conversa com Stoppel, o pai desaparece do filme depois de seu encontro com o Líder de Brigada Kass. No sumário o pai sequer é mencionado. Theweleit observa a ausência da figura paterna na literatura Freikorps: “Sejam heróis ou chefes oponentes, os pais são uma categoria a quem é negada voz nesses livros. De uma forma notável, eles são simplesmente dispensados... O patriarcado assegura seu domínio no fascismo sob a forma de uma ‘filiarquia’ [o governo dos filhos] – isso é muito claro. Nada além de filhos até onde os olhos podem ver – Hitler também é um deles” (2). (imagem acima, o pai fica de costas enquanto Heini cumprimenta o nazista Kass durante sua estada no hospital; abaixo, à direita, escondido na mata, Heini assiste ao festival do solstício no acampamento da Juventude Hitlerista; ao chegar em casa, ele canta para a mãe a música que ouviu. Ao perceber, o pai briga com o menino e aos tapas obriga o filho a cantar a Internacional Comunista)
O solstício de verão
(21 de julho) era a data
do recrutamento dos
membros da juventude
Hitlerista. O ritual e o
fogo simbólico evocavam
estados religiosos e
sentimentos a serviço
da ideologia nazista (3)
(21 de julho) era a data
do recrutamento dos
membros da juventude
Hitlerista. O ritual e o
fogo simbólico evocavam
estados religiosos e
sentimentos a serviço
da ideologia nazista (3)
Fritz e Ulla vivem numa casa decididamente burguesa, mas seus pais não são vistos nunca. Além disso, sua experiência de classe média alta nunca entra em conflito com a nova identidade política. A nova ordem hitlerista redefine a família e as configurações sociais para se tornar a fonte dominante de obediência. Como ressaltou Theweleit, por toda parte, o governo nazista pode ter serviços de escuta para toda a família. Não obstante, isso simultaneamente privava os pais das qualidades que seriam respeitadas por uma criança (4). De acordo com Rentschler, em resumo, o projeto do filme era fabricar um novo sujeito político ao redirecionar sua identificação. Mocidade Heróica fornecia um Bildungsroman (romance de aprendizagem ou formação) que permitia reconstruir a juventude de uma nação. As imagens de auto-alienação são tão convincentes que toda uma geração poderá, e aqui Rentschler cita Walter Benjamin, “experimentar sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem”. Rentschler também faz alusão a Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo, especialmente quando ela se refere à completa absorção por um movimento totalitário: “Os membros fanatizados não podem ser alcançados seja pela experiência, seja por argumento; identificação com o movimento e total conformismo parece haver destruído a própria capacidade para a experiência, mesmo se essa for extrema como a tortura ou o medo da morte” (5).
Onde Está a Ruptura?
Com relação ao estilo,
Mocidade Heróica não
chega a ser muito diferente
de seu oposto político,
Berlin Alexanderplatz
Francis Coutarde
e Pierre Cadars (6)
Rentschler cita o exemplo inverso em O Tambor (Die Blechtrommel, 1959), livro do escritor Günther Grass, onde um menino resolver parar de crescer aos três anos de idade – talvez por causa do triângulo amoroso entre sua mãe, seu pai e o primo, mas talvez por não desejar crescer numa Polônia dominada pelos nazistas. Oskar Matzerath vive na época de Heini, mas sua experiência é bem diferente. Ele é anti-herói e anti-Heini. Senta sob uma tribuna e lamenta enquanto uma orquestra de garotos da Juventude Hitlerista se prepara para tocar: “Pobre SA Man Brand, disse Oskar para si com amargura, e pobre Hitlerjunge Quex [Mocidade Heróica], você morreu em vão” – na versão homônima para cinema dirigida por Volker Schlöndorff (1979), não existe esta referência. A seguir, ele vai interromper um comício do Partido Nazista batucando fora do ritmo com seu tambor, transformando tudo numa cacofonia anti-Nuremberg (uma alusão ao congresso do partido nacional-socialista nesta cidade, registrado em O Triunfo da Vontade, Triumph des Willens, direção Leni Riefenstahl, 1935). (imagens acima e abaixo, à esquerda, Heini e sua mãe)
Mas no caso de Heini, tudo acontece de forma bem diferente. Ele não questiona nem interfere na oposição entre nazistas e comunistas, apenas se encaixa nela aderindo de forma maniqueísta a um dos lados. Sua individualidade não refletiu seus pais e nem a si mesmo, mas o Partido. A questão do prazer sensual e sexual também não será negligenciada. Rentschler ressalta que, na cena onde o colega de quarto de Heini no albergue nazista faz comentários sugestivos sobre Ulla o menino-mártir desconversa, se colocando ao lado da Juventude Hitlerista sem máculas - ele também rejeitará o flerte de Gerda. Portanto, seja filho de um Partido e não de uma família. Partido que possui suas próprias preferências estéticas. Neste contexto, os comunistas constituíam um contraponto – o que seria bastante conveniente num filme sobre mocinhos e bandidos, não fosse o fato de que nazistas e comunistas se enfrentavam de fato naquela Alemanha. Enquanto os nazistas eram disciplinados e sempre bem vestidos, os comunistas sempre se vestiam e se comportavam como rufiões. (imagem abaixo, à direita)
Em nome do realismo,
a estética dos típicos
“filmes de favela” da
República de Weimar
não foi abandonada (7)
A seqüência inicial de Mocidade Heróica evoca uma situação comum da época na Alemanha da hiper-inflação no entre guerras, problemática já abordada numa série de filmes do período. No começo do filme, acompanhamos a confusão na rua a partir de uma tentativa de roubo de frutas por dois garotos. A confusão se estabelece e logo oportunistas comunistas se aproveitam da situação, até que a eminência da chegada da polícia faz a turba dispersar. As imagens evocam a iconografia dos filmes Zille (preocupados em mostrar a realidade dos desvalidos entre 1925 e 1926) dirigidos por Gerhard Lamprecht, como Favelas de Berlim (Die Verrufenen, baseado em história de Heinrich Zille, 1925) e Crianças sem Importância (Die Unehelichen, 1926). Ou ainda, dramas proletários ao estilo do realismo socialista soviético como A Viagem de Mãe Krause Para a Felicidade (Mutter Krausens Fahrt ins Glück, direção Phil Jutzi, baseado em história de Heinrich Zille, 1929) e Kuhle Wampe (direção Slatan Dudow, 1932). Filmes como Berlin Alexanderplatz (direção Phil Jutzi, 1931), O Vampiro de Düsseldorf (M, direção Fritz Lang, 1931) e Ópera dos Três Vinténs (The Threepenny Opera/Dreigroschenoper, direção G. W. Pabst, 1931), também deixaram sua marca no trabalho de Steinhoff. Rentschler se pergunta como dirigir um filme tão importante para o nazismo e utilizar tantas referências do cinema de Weimar – uma estética que os nazistas atacavam.
A feira é o lugar das
imagens e sons ilícitos.
Um mundo de incertezas,
onde os comunistas se
sentem em casa
Rentschler relata comentários de uma mistura de tendências e esquerda e direita em Mocidade Heróica. O filme evoca a atmosfera urbana de Weimar e mostra espaços da classe trabalhadora: apartamentos pequenos, bares enfumaçados, ruas sem alegria. Talvez por ser um dos primeiros filmes patrocinados pelos nacional-socialistas, numa fase em que ainda havia necessidade de construir em cima dos valores deixados pela defunta República de Weimar. Entretanto, Rentschler ressalta que a maioria das pessoas parece não notar que a maioria dos empréstimos de Steinhoff é carregada negativamente. Ele recicla os filmes proletários e os transcende em nome de um “novo cinema”. Em Mocidade Heróica, dois espaços estruturam toda a ação: a floresta e a feira. Esta última era um lugar de agitação, espetáculo e desejo desde O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, direção Robert Wiene, 1919). Inicialmente esse mundo seduz Heini, é aqui que ele ficará fascinado por uma faca, que Stoppel tentará trazê-lo para seu bando e Gerda faz seu jogo de sedução. É aqui que Heini vai morrer. Na floresta, Heini encontrará a pureza e a ordem do acampamento da Juventude Hitlerista. (8). (imagem abaixo, à esquerda, a mãe de Heini)
Uma Sociedade Sem Pais/Paz
Então como os pais
deveriam fazer, entregar
os filhos para a ideologia
dominante ou arriscar as
vidas de todos opondo-se
a loucura do poder?
Anton Kaes explica que, para os alemães nascidos na década de 40 do século passado, a geração dos pais era também a geração da guerra. Questioná-los significava interrogar o passado da Alemanha. Durante as décadas de 50 e 60, ninguém ousava perguntar a seus pais sobre seu comportamento na época. Como eles viviam sob o governo de Hitler e em qual medida eles colaboraram – inconscientemente ou não. Isso só começou a ser feito na década de 70. Ao invés de simplesmente apontar o dedo acusador (como faziam na década de 60), escritores e cineastas começaram a tentar compreender. Nasceu na década de 70 um subgênero autobiográfico chamado Väterliteratur, tratando os pais como representantes do passado alemão. Um dos mais perturbadores exemplos foi o semi-documentário Wound Passage (Wundkanal, 1985), dirigido por Thomas Harlan (1929-2010). Ele era filho de Veit Harlan, o cineasta que realizou filmes de propaganda nazista como Kolberg (1945) e o pusilânime O Judeu Süss (Jud Süss, 1940), filme que contribuiu muito para o aprofundamento do anti-semistimo na Alemanha. Thomas contratou um assassino condenado para atuar no papel de seu pai e para proceder a interrogatórios sádicos. Veit é condenado em júri simulado, trinta e seis anos depois recebe uma sentença de morte simbólica das mãos de seu próprio filho.
Passaram pela
Juventude Hitlerista
todos os soldados das SS,
90% na Waffen-SS, 70
a 80% na força aérea,
60% no exército (9)
O filme de Thomas apresenta uma dialética recorrente em outros trabalhos do gênero, onde as fronteiras entre agressor e vítima vão sendo apagadas. No caso desse filme, afirma Kaes, a vingança se revela autodestrutiva. Os Filhos Morrem Antes dos Pais (Vor den Vätern sterben die Söhne, 1977), livro de Thomas Brasch (1945-2001), evidencia já no título o trauma psicológico desses confrontos tardios entre os filhos e seus pais nazistas – embora o livro de Brasch se refira ao seu cotidiano na antiga Alemanha Oriental; seu pai era judeu e chegou a fazer parte do governo comunista. Nesse contexto, o livro de Peter Schneider é bastante revelador, Em Vati (1987), o escritor conta na primeira pessoa o relacionamento com seu pai, o infame médico de campo de concentração, Joseph Mengele. O filho viaja para encontrá-lo em seu esconderijo na América do Sul (Brasil), confuso em seu amor-ódio por ele – que não é mostrado como um monstro; pelo contrário, como alguém vulnerável. (imagem acima, o toque do clarin anuncia a alvorada no acampamento nazi; abaixo, à esquerda, durante sua visita a Heini no hospital, Kass reafirma o valor da independência em relação aos pais e os elogia: “meninos são algo maravilhoso”)
“(...) Embora a propaganda
em curto prazo possa ser
dirigida a qualquer grupo
de idade, [aquela] destinada a
uma doutrinação completa e
cabal tem de ser dirigida às
crianças e aos jovens (...)” (10)
Em Pecados dos Pais (Väter und Söhne: Eine Deutsche Tragöide, minissérie para tv, 1986) Bernhard Sinkel fala da aliança entre Hitler e a indústria petroquímica I. G. Farben – eles fabricavam Zyklon B, o gás venenoso usado nos campos de extermínio, e faziam uso extensivo de tabalho escravo. Nascido em 1940, Sinkel é bisneto de um dos fundadores. O filme acompanha três gerações da família e o gradual envolvimento com os crimes do Terceiro Reich. No final, o filho testemunha contra o pai nos julgamentos de Nuremberg afirmando: “A verdade é que nós nos tornamos culpados. A única coisa que pode extinguir nossa culpa é olhar com olhos abertos e ver o que nós fizemos. Nossas vítimas, todos esses mortos, não podem por vingança. Eles pedem por algo bem diferente. Eles estão esperando pelo nosso luto”. Os autores da Väterliteratur empreendem uma jornada ao princípio e suas vidas nas ruínas das cidades alemãs. Uma infância dominada por pais ao mesmo tempo culpados e vítimas. Eles se lembram de seus pais com uma mistura de simpatia e repulsa, amor e rejeição. Nas palavras de Rentschler, choram por eles, mas ainda os condenam. (imagem abaixo, à direita, Heini e a mãe antes dela ligar o gás)
Embora menos freqüentes, havia também filmes relatando conflitos entre mães e filhas. Alguns muito críticos em relação às mães. Outros, como Alemanha, Mãe Pálida (Deutschland, Bleiche Mutter, direção Helma Sanders-Brahms, 1980), num tom mais discreto. Neste filme, a mãe aparece psicológica e fisicamente como vítima do passado. Sua paralisia facial no final torna visível a destruição física imposta pela história alemã. No prefácio do roteiro, Sander-Brahms declara num tom de auto-questionamento: “Eu não vivo de forma diferente dos meus pais; eu vivo num outro tempo”. Rentschler acredita que o filme de Ingmar Bergman que mostra uma conflituosa relação entre mãe e filha, Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978), poderia ter sido o modelo dessas obras autobiográficas (centradas em temas como despedida e separação, dependência incapacitante e libertação, derrota e endurecimento emocional). Como em Sonata de Outono, de repente, amor pode se transformar em ódio e afeto em desprezo. Frigidez emocional, depressão e pensamentos suicidas muitas vezes são freqüentemente examinados nessas relações problemáticas (11).
O Cinema Novo alemão já não era tão novo quando começou a compreender o passado de seus personagens também como história. Muitos filmes realizados no final dos nãos 60 e início dos 70 pareciam cuidadosamente evitar referências precisas a qualquer temporalidade. No caso de Werner Herzog, por exemplo, raramente mostrava a Alemanha. Rainer Werner Fassbinder e Wim Wenders inicialmente preferiram explorar o estado colonizado (pela cultura norte-americana) dos protagonistas de seus filmes. Entretanto, quando questionado a respeito do por que a música norte-americana, as histórias em quadrinhos e os filmes foram seus “salva-vidas” na adolescência, Wenders respondeu: “Vinte anos de amnésia política deixaram um buraco: nós o cobrimos com chicletes e Polaróides”. A obsessão com o passado da Alemanha se tornaria uma constante para os cineastas do Cinema Novo alemão. Eles encontraram a história em casa e o Fascismo na família. As fantasias e ansiedades que envolvem a maioria desses filmes numa atmosfera de introspecção melancólica seriam frutos da crise da autoridade, da legitimação do poder e da Lei, do simbólico e do real papel do chefe de família numa Alemanha do pós-guerra sem pais – estavam mortos, ou em prisões militares (12). (imagem abaixo, à esquerda, Heini está sendo caçado)
A figura paterna
sofre uma espécie de
mutação no pós-guerra
alemão. Não é tão simples
apenas retomar o papel
que Hitler havia
retirado dos pais
De acordo com Alexander Mitscherlich, antigo diretor do Instituto Sigmund Freud (em Frankfurt), de alguma forma Hitler estabeleceu um padrão que o identificava com uma mãe, ou uma deusa-mãe. Sua atitude de superioridade e exigência de obediência e comportamento suplicante por parte dos comandados (o povo), equivaleria ao padrão comportamental de uma criança no estado pré-edipiano. Por mais que o Führer exigisse promessas de lealdade eterna, os laços do povo com ele nunca alcançaram o nível de conflito interno necessário para a formação da consciência (uma consciência que, mesmo mantendo tais laços, o faria em bases distintas porque baseadas em autodeterminação). Hitler não se projetava como um pai ideal, mas como o filho obediente de uma mae amada. Portanto, como o representante de um objeto-amor primário anterior a e, ao mesmo tempo, fora da divisão edipiana. Sem a figura do pai para gerar a repressão necessária à ruptura edipiana, o simpatizante nazista torna-se um narcisista sem ego, inacessível ou ofuscado pela autoridade materna. (imagem abaixo, Gerda, a comunista libertina)
A Associação de
Mães Protestantes
apoiava a proibição do
aborto e a eugenia, duas
propostas que caiam
como uma luva nos
interesses nazistas (13)
Na opinião de Mitscherlich, tudo isso transformaria a figura paterna em objeto de ódio numa sociedade dominada por impulsos masoquistas e sádicos. O Nazismo seria uma solução regressiva em relação a uma “sociedade sem pais”. Solução que levaria a um homossexualismo latente e personalidades maníaco-depressivas. Thomas Elsaesser se pergunta se esse tipo de explicação psicanalítica dá conta da complexidade de um fenômeno econômica e ideologicamente complexo como o Nazismo Alemão. No caso do homossexualismo, por exemplo, a promiscuidade sexual em função da hiper-inflação durante a República de Weimar levou a uma espécie de supermercado do sexo – no começo do século XX Berlim era o centro mundial da prostituição homossexual (14). Aliada a um machismo homofóbico, a tendência a reprimir esta opção sexual soava como uma “medida de saneamento populista” – eles também eram mandados para os campos de concentração. Entre seus oficiais, Hitler parecia tolerar o homossexualismo apenas até o momento que fosse conveniente acusar um inimigo político “disso”. Outros ainda diriam que tudo isso é fruto da divisão capitalista do trabalho, penetrando na família e capturando a autoridade parental. Entretanto, nos lembra Elsaesser, uma coisa é certa, na Alemanha do pós-guerra a ausência da figura paterna era um fato incontornável – estavam mortos ou eram prisioneiros (15). Além disso, seria preciso saber até que ponto o homossexualismo é uma patologia para Mitscherlich ou se ele também pode se desenvolver como uma patologia em certos tipos de personalidade. (imagem abaixo, Gerda puxa o vigia da Juventude Hitlerista e oferece seu corpo, seu objetivo é permitir que os comunistas ataquem os nazistas desprevenidos)
A perda de credibilidade
do pai na modernidade
foi reforçada na Alemanha
do pós-guerra em função da
colaboração (ativa ou passiva)
dos pais com um regime
político criminoso e uma
guerra indefensável (16)
Procurando apreender o caráter alemão trinta anos depois do final da guerra, Mitscherlich pretendia saber por que, ao contrário do que esperava a opinião pública mundial, o colapso do Terceiro Reich não provocou reações de consciência, culpa e remorso entre os alemães. Também buscava saber por que, pelo menos na antiga Alemanha Ocidental, a evidência de depressão clínica alcançou proporções epidêmicas no começo da década de 60. Mitscherlich caracterizou a sociedade alemã do pós-guerra como emocional e ideologicamente imobilizada por sua “incapacidade de enlutar”, incapaz de sentir tristeza por si mesma e remorso pela participação pessoal no desastre, ou compaixão e compreensão pelos outros. Os alemães, afirmou Mitscherlich, não podiam odiar Hitler depois da guerra em razão do narcisismo. Mas também não podiam restabelecer qualquer tipo de continuidade com seu próprio passado, sua experiência e suas memórias. Em A Incapacidade Para o Luto (The Inability to Mourn, 1975), Alexander e Margareth Mitscherlich caracterizam o alemão como alguém cuja capacidade de amar está mais ligada a auto-estima do que ao interesse de compartilhar os sentimentos: “A suscetibilidade a essa forma de amor é um dos traços do caráter coletivo do povo alemão. Muito freqüentemente, os alemães vacilam entre arrogância e auto-humilhação. Porém, sua auto-humilhação carrega a marca da melancolia, não tanto da humildade” (17). (no vídeo abaixo, um discurso do Führer para "sua" Juventude Hitlerista)
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Uma Vida Não Tão Bela
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Notas:
1. RENTSCHLER, Eric. The Ministry of Illusion. Nazi Cinema and it’s Afterlife. Massachusetts: Harvard University Press, 1996. P. 323n30.
2. Idem, p. 323n31.
3. Ibidem, p. 325n52.
4. Ibidem, p. 58.
5. Ibidem, pp. 59 e 323n35.
6. Ibidem, p. 235n47.
7. KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Uma História Psicológica do Cinema Alemão. Tradução Tereza Otoni. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 1988. Pp. 170 e 349n14.
8. RENTSCHLER, Eric. Op. Cit, pp. 61 e 324n44.
9. KOCH, H.W. A Juventude Hitlerista. Mocidade Traída. Tradução Edmond Jorge. São Paulo: Rennes, 1973. P. 155.
10. BROWN, J.A.C. Técnicas de Persuasão. Da Propaganda à Lavagem Cerebral. Tradução Octávio Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. Pp. 25-6.
11. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge University Press, 1989. Pp. 27, 141-2 e 247n6 e 7.
12. ELSAESSER, Thomas. New German Cinema: A History. London: Macmillan, 1989. P. 239.
13. STEIGMAN-GALL, Richard. O Santo Reich. Concepções Nazistas do Cristianismo, 1919-1945. Tradução Claudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Imago, 2004. P. 250.
14. ROBERTS, Nickie. As Prostitutas na História. Tradução Magda Lopes. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Ventos, 1998. Pp. 319-20.
15. ELSAESSER, Thomas. OP. Cit., p. 241.
16. Idem, pp. 240 e 242.
17. MITSCHERLICH, Alexander; Margareth, MITSCHERLICH. The Inability to Mourn. London: Tavistock, 1975. P. 63. Citado in ELSAESSER, Thomas. Op. Cit., p. 242.