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Roberto Acioli de Oliveira

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13 de dez. de 2009

Fassbinder: Anti-Semita ou Ingênuo?


“O drama
de um homem
é esquecer até seus
sonhos   de   infância.
O drama de um cineasta
é crescer num país sem
sonhos,
   portanto,
sem cinema”

Serge Daney

 


Nada Como Contextualizar

Em 1974 Rainer Werner Fassbinder aceitou exercer por três anos o cargo de diretor do centro de artes de espetáculo da cidade de Frankfurt (Theater am Turm – TAT), na então Alemanha Ocidental. Já no ano seguinte, entretanto, ele rompe o contrato por conta de conflitos que o opunham tanto ao pessoal do teatro quanto às tutelas administrativas municipais. Peter Berling diria que a causa não foi outra senão o temperamento dominador de Fassbinder. (imagem acima, cena de A Sombra dos Anjos, com o próprio Fassbinder atuando - ele é o morto; abaxo, Fassbinder como ele mesmo, durante as filmagens de O Medo Devora a Alma, Ansgt essen Seele auf, 1973)

Em 1975 Fassbinder escreve uma peça de teatro que será capaz de causar um tumulto sem precedentes no espaço público da República Federal da Alemanha. Chamada O Lixo, A Cidade e a Morte (Der Müll, Die Stadt und der Tod), era baseada no romance de Gerhard Zwerenz, A Terra é Tão Inabitável Quanto a Lua (Die Erde ist unbewohnbar wie der Mond, 1973). De acordo com Thomas Elsaesser, Fassbinder escreve esta peça como um sinal de adeus à burocracia cultural de Frankfurt (1). Em função desta peça, ele verá sua carreira no teatro decair e por longo tempo terá de suportar a acusação de anti-semita.

O texto trata basicamente de uma relação promíscua entre especulação imobiliária, corrupção de autoridades municipais e prostituição. Como bem lembrou Elsaesser, reencontraremos a mesma constelação de fatores noutro filme de Fassbinder, Lola (1981). O Lixo, A Cidade e a Morte acontece no Westend de Frankfurt, um antigo bairro chique que se degradou, girando em torno do personagem de um incorporador imobiliário judeu. Curiosamente, apesar do tema explosivo em qualquer parte do mundo, não foi isso que fez dessa peça praticamente um divisor de águas na carreira de Fassbinder.

A peça, afirmam Robert Katz e Berling, é arquetipicamente fassbinderiana. O especulador judeu se especializou em arrasar bairros arruinados, pondo os pobres na rua, a fim de abrir espaço para a construção de prédios de escritórios. O judeu se apaixona por uma prostituta, filha de um artista travesti nazista. Ela quer morrer e o judeu satisfaz seu desejo. Ele estrangula a mulher e o sistema social corrupto trata de deixá-lo impune. Fassbinder só cometeu um erro, lembra Berling. Ele deu ao especulador o mesmo apelido que tinha no romance de Zwerenz: o vilão era chamado de “judeu rico” (2).

O pomo da discórdia, já que especulação imobiliária e corrupção nas prefeituras parecem não incomodar, foi uma fala insultuosa dirigida aos judeus: “O Judeu tem a culpa de tudo porque pôs a culpa em nós. Se houvesse permanecido lá de onde veio ou se o tivessem metido numa câmara de gás, hoje eu poderia dormir melhor”. Isso sempre é citado como prova do anti-semitismo de Fassbinder. Entretanto, de acordo com Berling e Katz, nenhum dos grupos de judeus que sempre ataca a peça quando alguém tenta montá-la lembra de dizer que esta fala sai da boca de um personagem nazista irrecuperável.

Fassbinder se defendeu dizendo que sua intenção era exatamente oposta e que a peça tinha como objetivo denunciar o anti-semitismo ainda reinante na Alemanha Ocidental. Ele dizia que os mesmos alemães que posavam como amigos dos judeus eram os anti-semitas de ontem. Dizia também que não se pode reconstruir a identidade alemã se não se encarar o Holocausto de frente, ao invés de varrê-lo para debaixo do tapete. Katz e Berling concluem dizendo que “ninguém ficou mais surpreso do que Rainer, tão longe de ser um anti-semita quanto de entrar para a Igreja”.

A Sombra do Anjo Ingênuo

“Ninguém ficou mais surpreso que Rainer,
tão     longe     de    ser      um      anti-semita
quanto     de     entrar    para     a      Igreja”

Robert Katz e Peter Berling

Na opinião de Berling e Katz, Fassbinder foi de uma ingenuidade a toda prova em relação às sensibilidades dos judeus e da Alemanha Ocidental. Como se não fosse suficiente ter suspendido a peça e proibido sua apresentação enquanto ele estivesse vivo, Fassbinder cometeria um erro ainda maior. Ele já havia planejado tirar um filme da peça, mas toda essa polêmica afastou os financiadores – que se baseavam numa lei que proibia o custeio de obras racistas e anti-semitas. Fassbinder resolve produzir o filme por sua própria conta, escrevendo o roteiro, atuando e entregando a direção a Daniel Schmid.

Fassbinder acreditava que o fato de Schmid ser descendente de rica família de hoteleiros judeus da Suíça o deixaria a salvo de ataques. Curiosamente, Schmid não foi atacado, mas Fassbinder recebeu novamente todo o impacto do escândalo por ocasião do lançamento do tal filme, rebatizado de A Sombra dos Anjos (Schatten der Engel, 1976). Em 1983, quando o filme foi exibido pela primeira vez em nova York, um jornal judeu faz um ataque virulento e parcial. Fassbinder, que já havia morrido a mais de um ano, era acusado de copiar as páginas de Minha Luta (Mein Kampf), famosa autobiografia de Hitler.

Em inúmeras entrevistas, Fassbinder esclarecia que sua intenção era denunciar justamente as pessoas que usavam e exploravam a figura do “judeu rico” para seus próprios interesses. Como lembrou Anton Kaes (3), falharam todas as tentativas de Fassbinder em mostrar a memória alemã no que ela tinha de mais problemático: o anti-semitismo e o genocídio. De uma forma ou de outra, O Lixo, A Cidade e a Morte será retomada em outro filme, Num Ano Com 13 Luas (In einem Jahr mit 13 Monden, 1978).

Notas:

Leia também:

Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)

1. ELSAESSER, Thomas. R.W. Fassbinder. Un Cinéaste D’allemagne. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2005. P. 295.
2. KATZ, Robert; BERLING, Peter. O Amor é Mais Frio do que a Morte. A Vida e o Tempo de Rainer Werner Fassbinder. Tradução Carlos Sussekind. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. P. 113.
3. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge Univ. Press, 1989. P. 90. 


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