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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

22 de jan. de 2009

Hiroshima Meu Amor (I)





“Porque negar
a evidente necessidade
da memória?”


A mulher para seu amante
em Hiroshima Meu Amor





Sinopse (1) 

Estamos em agosto de 1957, amanhece num quarto de hotel em Hiroshima, uma das duas cidades japonesas que foi arrasada por bombas atômicas lançadas pelos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial. Dois amantes, ele arquiteto japonês, ela atriz francesa que veio a Hiroshima atuar num filme sobre a paz. É o último dia de filmagem. No dia seguinte ela deverá voltar para a França, para seu marido e filhos. Durante sua conversa, ela fala sobre a tragédia de Hiroshima, sua visita ao museu, ao hospital, os documentários ou filmes de reconstituição realizados pelos japoneses, as revistas de lembranças, etc. Ele contesta: “Você não viu nada em Hiroshima”.

Manhã do último dia, ela olha seu amante enquanto ele dorme. Subitamente, uma imagem surge de seu inconsciente. A partir da mão dele a imagem corta para outra mão em outro lugar: ela está ao lado de um soldado alemão morto (imagem acima, a mão do amante japonês, ao lado, a mão do amante alemão). É o primeiro diálogo que se estabelece entre o presente de Hiroshima e o passado dela. A atriz se apronta para seu último dia. Seu amante pede que ela fique na cidade. Durante a conversa, ela explica que cresceu na cidade de Nevers: “Nevers é a cidade e até a coisa no mundo na qual, à noite, eu mais sonho. Ao mesmo tempo em que é a coisa no mundo na qual eu penso menos”.

Nas ruas de Hiroshima no último dia de filmagem do filme sobre a paz. O japonês encontra a francesa sonolenta e longe das filmagens. Novamente, ele insiste para que ela fique mais alguns dias em Hiroshima. Em seguida, os dois estão no apartamento do japonês. Sem ordem cronológica, ela revela a seu amante algo de seu passado em Nevers. Durante a Segunda Guerra Mundial, ela se apaixonou por um soldado alemão, encontrando-o em celeiros e ruínas de construções. (imagem ao lado, durante uma conversa onde ela explica sobre seus problemas em Nevers, suas mãos falam também; na imagem abaixo podemos ver suas mãos tentando arranhar a parede da adega)

A noite cai em Hiroshima, os dois amantes estão numa casa de chá na margem do rio Ota. Retomam a conversa em torno das lembranças dela em Nevers. Muito confusa, a jovem mulher explica seu trauma passado. Seu amante alemão foi morto à bala durante a libertação da cidade. Em seguida ela tem os cabelos raspados (como se fez com as mulheres que mantiveram relações ou colaboraram com o inimigo), depois foi escondida na adega da casa de seus pais. Achava que estava louca, mas progressivamente se reconstruiu. Alguns meses mais tarde, ela deixa Nevers e seus pais e vai para Paris. Chega no mesmo dia de 1945 em que os norte-americanos jogaram a bomba atômica em Hiroshima.

Depois da lembrança, o esquecimento. A francesa e o japonês devem agora matar o tempo antes do nascer do dia. Começa para eles uma errância noturna pelas ruas de Hiroshima: a boate Casablanca, a estação de trens, e o hotel onde ela está hospedada. Enquanto o japonês procura em vão detê-la, ela se perde pela noite entre a realidade de Hiroshima e suas lembranças de Nevers. Na última cena do filme ela esta em seu quarto de hotel com o amante. Olhos vidrados, dedos e unhas recolhido para dentro da mão, ela fixa os olhos dele e diz: “Hi-ro-shi-ma, é seu nome”. Ele responde: “É meu nome, sim. Seu nome é Nevers. Ne-vers-na-França”.

Abertura Enigmática

Já na abertura, Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, direção de Alain Resnais, 1959) mostra a que veio. Como um microcosmo enigmático, as imagens nos forçam a pensar. Desde já, a questão do tempo: a abertura ilustra um acontecimento traumático ao mesmo tempo ausente (pois está no passado) e absolutamente presente (pois está para sempre inscrito na memória e nos corpos) (2). Marguerite Duras disse que o filme iria começar com a imagem do cogumelo atômico, mas Resnais preferiu algo menos óbvio. Trata-se de uma imagem fotográfica que o cineasta fez durante seus passeios em Hiroshima. (imagem acima)


Certa vez ele disse que seria mato crescendo na areia, mas depois também disse que não tinha certeza, preferindo disseminar a dúvida. Portanto, Resnais abre seu filme com uma imagem indecifrável – essa imagem ressurge tempos depois. Luc Lagier faz uma tentativa de decifração, a imagem enigmática durante os créditos é como uma cicatriz que mostra a passagem do tempo (3). A seguir temos cinco planos de corpos abraçados (imagens acima, à esquerda, ao lado e abaixo). Eles representariam os efeitos da bomba, os corpos que surgirão no dia seguinte ao bombardeio. Durante a primeira parte do filme, imagens mais objetivas de documentário darão seqüência a isso.


Os dois protagonistas vão surgindo aos poucos. De acordo com Resnais e Duras, trata-se de fazer Hiroshima renascer a partir de uma estória de amor. De uma “imagem morta” (a imagem fixa do começo), nascem novas imagens de vida e de amor (os corpos em movimento). Os dois personagens são como as crianças da bomba. Os planos da abertura escondem os rostos, o casal não se vê, apenas tocam as peles um do outro. Eles só se vêem através do toque, como as pessoas que foram cegadas pelo clarão da bomba atômica: “Você não viu nada em Hiroshima. Eu vi tudo. Tudo”. As primeiras palavras são pronunciadas, mas ainda não se vê os rostos: “voz sem corpo, corpo sem voz” (4).

Desde o princípio, Hiroshima Meu Amor complica a montagem e os diálogos são descontínuos: frases desconstruídas, sintaxe maltratada (essa observação de Lagier só será percebida por aqueles capazes de compreender o idioma francês, já que as legendas em português tendem a corrigir e resumir o que é dito), repetição de frases em poucos minutos, repetição de palavras. No roteiro original, Marguerite Duras afirma que os dois personagens devem adotar uma voz de leitura recitativa, sem pontuação. Lagier conclui que o texto criado por Resnais e Duras é ideal para contar uma estória próxima da alucinação (5). (acima e abaixo, um abraço em close e o enigma do filme)


Como se fosse mais um efeito da bomba, a sintaxe, a pontuação, tudo que poderia estrutura uma fala desapareceu. De acordo com Resnais, é como se não existisse diálogo entre um homem e uma mulher, mas uma espécie de sonho, como vozes do inconsciente. Por essa razão os personagens dão muitas vezes impressão, não apenas de não se olharem, mas também de nunca se escutarem verdadeiramente. Como se falassem sozinhos ou para eles mesmos. (imagens acima, as mãos tem lugar de destaque no filme. Em vários momentos a mulher segura e solta seu amante com as unhas, ela parece não conseguir distinguir o que está agarrando, o presente ou o passado)

Notas:

1. Baseada na tradução livre contida no livro de Luc Lagier sobre o filme, com alguns complementos – ver nota 2, p. 92.
2. LAGIER, Luc. Hiroshima Mon Amour. Paris: Cahiers du Cinéma, 2007. P. 26.
3. Idem, p. 30.
4. Ibidem, p. 31.
5. Ibidem, p. 33. 


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