“Artesão de grande talento, Veidt foi inibido por produtores
ou diretores que o venderam como exótico, e não por sua autêntica
aptidão: o visionário, operando com força a partir das margens” (1)
ou diretores que o venderam como exótico, e não por sua autêntica
aptidão: o visionário, operando com força a partir das margens” (1)
Depois da Guerra
Mais lembrado entre os cinéfilos por sua atuação como o sonâmbulo-assassino Cesare em O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, direção Robert Wiene, 1920), símbolo máximo do Expressionismo no cinema alemão, Conrad Veidt (1893-1943) já havia atuado em 33 filmes desde 1916 – sua carreira começou bem no meio da Primeira Guerra Mundial. No ano anterior havia protagonizado Diferente dos Outros (Anders als die Andern, direção Richard Oswald, 1919), primeiro filme sobre homossexualidade (2) - tema polêmico, basta lembrar que na Alemanha o homossexualismo era um crime previsto no código penal e, alguns anos mais tarde, Adolf Hitler os mandaria para os campos de extermínio junto com judeus, ciganos, comunistas, deficientes mentais e demais opositores do regime. De fato, a androginia é considerada uma marca do Expressionismo no cinema alemão, e Veidt um de seus símbolos – um dos temas que o ator explorava era a crise da masculinidade (3). Na mesma época e Der Januskopf (direção F.W. Murnau, 1920), uma história ao estilo Dr. Jekyll e senhor Hyde, onde ele contracena com Bela Lugosi, que posteriormente se tornará famoso no papel de Drácula. Depois de Caligari, dentre os muitos títulos ainda durante o cinema mudo que poderiam ser citados, três exemplos são Satanas (direção F.W. Murnau, 1922), onde Veidt aparece como o diabo, As Mãos de Orlac (Orlacs Hände, direção Robert Wiene, 1924), onde é um pianista que teve mãos de um assassino transplantadas com tem vida própria, e O Homem que Ri (The Man Who Laughs, direção Paul Leni, 1928), onde Veidt é um homem de rosto deformado que sofre com um sorriso fixo, do qual todos riem. Até aqui seus personagens atormentados se encaixam no padrão alemão de certo sentimento de fim do mundo após a derrota na Primeira Guerra Mundial. (imagem acima, Veidt no papel de Jaffar, em O Ladrão de Bagdá, 1940)
“Conrad Veidt, que em 1931 estrelara Die Nacht der Entscheidung
ao lado de Olga Tchekova, partiu porque sua esposa era judia.
Mais tarde, no entanto, ficaria famoso no mundo anglófono por seu
papel como major Strasser ‘do Terceiro Reich’, [em] Casablanca” (4)
ao lado de Olga Tchekova, partiu porque sua esposa era judia.
Mais tarde, no entanto, ficaria famoso no mundo anglófono por seu
papel como major Strasser ‘do Terceiro Reich’, [em] Casablanca” (4)
Por uma ironia do destino, devido ao sotaque germânico perfeito, muitos judeus da área do cinema que
fugiram da perseguição na Alemanha eram contratados em Hollywood para atuar em papéis de nazistas
Conrad Veidt desembarca na Inglaterra em 1932. Além de não concordar com o rumo de seu país, mudou-se definitivamente da Alemanha no ano seguinte por ser casado com uma judia e Adolf Hitler já estava disseminando seu “projeto industrial” antissemita – certa vez, quando lá esteve de passagem, chegou a ser preso por alegações de que teria envolvimento com propaganda antinazista. O presidente da produtora Gaumont para a Inglaterra teve de intervir para que ele conseguisse retornar à Grã-Bretanha. Ele nunca mais voltaria à Alemanha, entrando com um pedido de naturalização em 1937, aprovado em fevereiro de 1939. Naquela época, Veidt era um dos grandes nomes do cinema europeu. Ao contrário de muitas carreiras que foram destruídas pelo advento do cinema falado, o registro vocal do ator podia variar entre do áspero ao sedoso. Possuía também absoluto controle físico, conseguindo fazer com que uma veia em sua testa latejasse a qualquer momento (5). (imagem abaixo, Veidt como o pianista amaldiçoado, em As Mãos de Orlac, 1924)
No começo da guerra, Veidt colocou sua fortuna pessoal à disposição
da Inglaterra – em 1941, quando ela já se espalhava pela Europa
há dois anos, o ator decide imigrar para os Estados Unidos (6)
da Inglaterra – em 1941, quando ela já se espalhava pela Europa
há dois anos, o ator decide imigrar para os Estados Unidos (6)
Mas Veidt não estava sozinho, ele chegou juntamente com uma onda de especialistas em várias atividades ligadas ao cinema que estavam saindo da Alemanha em função de Hitler. Embora para atores e atrizes alemães tudo fosse mais difícil, ele foi o único que conseguiu sucesso artístico e financeiro. Conrad Veidt desembarcou na Inglaterra com a reputação de ser um dos maiores atores alemães, perdendo em popularidade apenas para Emil Jannings – Hans Albers talvez fizesse mais sucesso na bilheteria. O ator trouxe na bagagem consigo a fama de ator expressionista, de um corpo assimétrico, suas duas metades (esquerda e direita, alto e baixo) estavam em constante oposição entre si, num estado de desarranjo muscular. Seus olhares nos filmes alemães e nos primeiros norte-americanos eram imprevisíveis e oscilantes. Na opinião de Sue Harper, as observações de Sigmund Freud a respeito do drama psicopatológico são precisamente aplicáveis a essa fase da carreira de Veidt. Ainda segundo Harper, tudo isso mudou na Inglaterra, época em que apostou numa mudança de sua imagem pública, passando da representação de figuras demoníacas para figuras marginais. Sua postura física mudaria radicalmente entre 1932 (Expresso para Roma) e 1933 (Eu Fui uma Espiã). O ator alterou completamente o alinhamento contorcido (expressionista) de seu corpo, recuperando a simetria muscular e se tornando mais solto e relaxado. Seu olhar também se alterou e a energia de seu corpo não é mais demoníaca, mas carismática. Para Harper, embora pense nisso apenas como uma suposição, a mudança de Veidt pode ter relação com a técnica de Frederick Matthias Alexander. Popular durante nas décadas de 1920 e 1930, e até hoje, a técnica afirma que o alinhamento correto entre cabeça, pescoço e costas transforma vidas. (imagem abaixo, Veidt como Gwynplaine, em O Homem que Ri, 1928)
“(...) Descreveu sua habilidade especial como forma de auto-anulação
– dar lugar à persona representada, esvaziar o egoísmo da mente
e permitir que um novo eu viva, ainda que temporariamente (...)” (7)
– dar lugar à persona representada, esvaziar o egoísmo da mente
e permitir que um novo eu viva, ainda que temporariamente (...)” (7)
Poderia parecer que uma série de coincidências domésticas (viver na mesma vizinhança que Alexander, frequentar círculos liberais/boêmios) teria transformado a persona de Veidt e assim permitido que ele interpretasse de novas maneiras. Harper acredita ser mais produtivo lembrar que os estúdios britânicos que deram emprego a Conrad Veidt influíram em seu comportamento a partir de suas diferentes abordagens em relação ao mercado tanto inglês como estrangeiro. A Gaumont-British era focada em filmes de entretenimento luxuosos, ocasionalmente direcionados à propaganda. Seu chefe, Michael Balcon, pretendia continuar empregando os refugiados alemães e judeus (escritores, produtores, fotógrafos e técnicos de filmagem, atores e atrizes, etc) que deixaram a famosa UFA, na Alemanha, assim como também estava interessado no mercado internacional – Balcon chegou a negociar em 1934 a contratação do próprio Max Reinhardt. O Ministério das Relações Exteriores inglês apoiava ativamente o estúdio durante a primeira metade da década, sentindo que poderia com isso produzir filmes que expressassem o coração da cultura britânica. Sendo assim, o Ministério enviava informações acadêmicas e fotografias a Balcon, para ajudá-lo a selecionar os estilos apropriados. Desta forma, concluiu Harper, Gaumont-British representava o melhor e mais europeu dos estúdios britânicos. Antes de se mudar para a Inglaterra, Veidt ainda atuaria em mais um filme realizado na Alemanha pela UFA, FP.1 Antwortet Nicht (direção Karl Hartl, 1933), mais especificamente, em sua versão para o inglês, distribuída pela Gaumont (8) – naquela época o cinema falado ainda era recente, e muitas produtoras realizavam versões do mesmo filme em vários idiomas ao invés de dublá-los. (imagem abaixo, rosto de Veidt marcado com as imagens dos outros detentos da colônia penal nos trópicos, num cartaz de O Rei dos Condenados, 1936 - coloração original desconhecida)
Próxima Guerra
Para
plateias
britânicas dos
anos 1930, as estrelas
nos filmes determinavam
suas escolhas. O problema
do historiador é separar
os estilos pessoais das
estrelas de cinema
e o marketing
em torno
plateias
britânicas dos
anos 1930, as estrelas
nos filmes determinavam
suas escolhas. O problema
do historiador é separar
os estilos pessoais das
estrelas de cinema
e o marketing
em torno
delas (9)
Veidt trabalhou em seis estúdios britânicos: Gaumont-British, Twickenham, New World, London Films, Harefield e British National. Para o primeiro, atuou em Expresso para Roma (Rome Express, direção Walter Forde, 1932), Eu Fui uma Espiã (I Was a Spy, direção Victor Saville, 1933), Judeu Süss (Jew Süss, direção Lothar Mendes, 1934), O Desconhecido (The Passing of Third Floor Back, direção Berthold Viertel,1935), O Rei dos Condenados (King of the Damned, direção Walter Forde, 1936). Para o segundo, O Judeu Errante (The Wandering Jew, direção Maurice Elvey, 1933), Bella Donna (direção Robert Milton, 1934). Para o terceiro, O Poder de Richelieu (Under the Red Robe, direção Victor Sjöström como Victor Seastrom, 1937). Para o quarto, Jornada Sinistra (Dark Journey, direção Victor Saville, 1937) e O Ladrão de Bagdá (The Thief of Bagdad, direção Ludwig Berger, Michael Powell, Tim Whelan, Alexander Korda, Zoltan Korda e William Cameron Menzies, 1940). Para o quinto e o sexto, respectivamente, O Espião Submarino (The Spy in Black, Harefield/Columbia, direção Michael Powell, 1939), e Nas Sombras da Noite (Contraband, 1940). O Poder de Richelieu, O Espião Submarino e O Ladrão de Bagdá foram sucessos de bilheteria, o que para Harper significa que do ponto de vista dos produtores Veidt era financiável, sendo apresentado como grande estrela (10). (imagem abaixo, Veidt é um espião alemão e a atriz Vivien Leigh a espiã francesa, em Jornada Sinistra, 1937)
“Veidt é o representante do homem que carrega o bem
e o mal em sua alma, e nem bem nem mal prevalecem”
e o mal em sua alma, e nem bem nem mal prevalecem”
Paul Ickes, 1927 (11)
Veidt interpreta o vilão Zurta, em Expresso para Roma, onde o ator repete os gestos angulares e movimentos imprevisíveis de seus filmes alemães. Contudo, Harper acredita que num contexto britânico Veidt não era capaz de brilhar com seus personagens desviantes. Além disso, de acordo com Daniela Sannwald, embora o filme permitisse que desenvolvesse seus talentos para a representação de anseios sociais e sensuais, o excessivo interesse de Walter Forde e do diretor de arte nos desafios técnicos do projeto ofuscaram a contribuição de Veidt para o filme. Em seu próximo trabalho Eu Fui uma Espiã, Veidt é o Comandante alemão interessado pela enfermeira que cuida dos feridos tanto alemães quanto britânicos. Acontece que o contexto é a Primeira Guerra Mundial e ela está passando informações para os inimigos britânicos, responsáveis pelos alemães feridos de que ela cuida. Lançado em 1933, Eu Fui uma Espiã entrega um roteiro pacifista no mesmo ano da ascensão de Hitler ao poder – o resultado final nas telas é sexualmente menos picante do que o roteiro. O filme demonstra a mudança a radical de Veidt em relação a seu corpo. Antes, seus trabalhos representavam figuras neuróticas dilaceradas por tensões geradas internamente, e seu comportamento físico era irregular e assimétrico. Agora, o corpo e o olhar de Veidt evocam uma compostura equilibrada, e seu personagem é alguém dilacerado por um conflito social externo. Dividido pelas forças do desejo e do dever durante o julgamento da enfermeira por traição, o comandante se sente compelido a agir como acusador da mulher que ama. O sucesso de Eu Fui uma Espiã levou a Gaumont-Bristish a oferecer um contrato de longo prazo a Veidt. (imagem abaixo, no ano da subida de Hitler ao poder absoluto, Veidt aparece em O Judeu Errante, 1933; numa Europa da década de 1930, crescentemente antissemita, Veidt protagonizará dois filmes que mostram o judeu de forma positiva)
“Em O Judeu Errante e Judeu Süss, [Conrad] Veidt foi de vital
importância na construção de uma imagem inovadora do judaísmo,
e um avanço nas representações da literatura contemporânea” (12)
importância na construção de uma imagem inovadora do judaísmo,
e um avanço nas representações da literatura contemporânea” (12)
É preciso apenas o cuidado de não confundir esta versão muito pouco lembrada de Judeu Süss, realizada
em 1934, com a versão realizada pelos nazistas em 1940, esta última sim completamente antissemita
Contudo, antes de continuar com a Gaumont, Veidt realiza dos trabalho para o pequeno estúdio Twickenham. O Judeu Errante é baseado numa peça de teatro e apresenta a história de um judeu que vive através dos tempos, até que suas boas ações garantam sua morte e o livrem das dores da imortalidade. Veidt modula sua voz para que os registros graves sejam mais audíveis. Suas expressões faciais não mudam muito e são valorizadas pelo trabalho de luz e câmera. Se o personagem de O Judeu Errante interessou Veidt profundamente, o caso de Bella Donna é o extremo oposto. Agora ele é o amante egípcio exótico de uma mulher casada. Ela fracassa numa tentativa de matar o marido, sendo abandonado por ele e pelo amante. O rigor moral da trama (ela será punida no final) é combinado com um tema chave da cultura popular britânica: o nômade insaciável. O estúdio queria um predador exótico, acontece que justamente agora Veidt estava trabalhando personagens marginais que não possuíam nenhuma qualidade extraordinária. Ao retornar à Gaumont, o ator aceita atuar em Judeu Süss, outro filme onde a política racial está em primeiro plano. O filme não é tão complexo quanto o romance que lhe deu origem, focando exclusivamente no grupo judeu e com uma mensagem de propaganda bem explícita. O roteiro sugere que se atrocidades foram permitidas em 1730, podem muito bem se repetir em 1830 ou 1930. Harper chama atenção para o fato de que o filme termina com uma mensagem de tolerância religiosa incomum para a época. É preciso apenas o cuidado de não confundir esta versão muito pouco citada do filme, realizada em 1934, com a versão realizada pelos nazistas em 1940, esta última sim completamente antissemita. Em sua nova persona, Josef Süss Oppenheimer, Veidt desenvolveu uma nova técnica de introjeção do personagem.
“(...) O Judeu Süss ficcional é consumido, primeiramente pelo desejo de poder, e então por vingança. Alimentado pela raiva por ter sido relegado à margem, despeja sua raiva na sociedade, sendo destruído por ela. O desempenho de Veidt traz quietude e vulnerabilidade ao papel. Seu controle das feições é tal que, em cenas importantes, nos de fato vemos a máscara da persona social cair para revelar a pessoa ‘real’ de Süss por baixo. O método de Veidt é baseado em crenças humanistas profundas, que agora ele tem a habilidade de expressar através de seu corpo. Ele comentou a respeito de Süss: ‘mesmo que seja frio e sem remorsos em seus esforços, e o sentimento em torno dele se retrai para fora da existência, mesmo que tal estado aconteça; existe ainda algum resquício de alma, de natureza humana dentro dele, talvez esmagado ou escondido dentro de alguma crosta externa ou caixa, mas mesmo assim ali, vibrando, vivendo, sempre pronta para sair se essa cobertura enfraquecer’” (13) (imagem abaixo, Veidt como o estranho, em O Desconhecido, 1935)
Na opinião de Sue Harper, a técnica de Veidt alcançou o impossível
em O Desconhecido, ao tornar a bondade um tema interessante (14)
em O Desconhecido, ao tornar a bondade um tema interessante (14)
A esta altura, Veidt era uma estrela e recebia um tratamento equivalente da mídia. Em suas entrevistas, discorria a respeito de formulações eminentemente românticas, como aquela focada na anulação do ego do ator/atriz para dar lugar à entidade que ele/ela devem representar. Levará essa técnica ao pé da letra em seu próximo filme, O Desconhecido, onde um estranho, semelhante a Cristo, aparece numa pousada suburbana e transforma a vida de seus habitantes, despertando neles um sentido de beleza moral. Irá além da peça de teatro em que se baseou, pois a presença do estranho levará todos a reconhecer a insignificância de seus desejos cotidianos e a injustiças do sistema social, construindo o filme em torno de um humanismo visionário, uma vez que o estranho representa o melhor de cada uma daquelas pessoas: “eu vim porque vocês me queriam” – de certa forma, O Desconhecido antecipa Teorema (1969), do italiano Pier Paolo Pasolini. O próprio Veidt elogiou o fato de que nesse filme não existiam o que insinuou como saídas fáceis do cinema mudo através de focos de luzes. Em O Desconhecido, explicou o ator, ele era apenas o estranho, humano, natural, benevolente. Mas não seria tão simples, Harper observa que Veidt constrói a encenação em torno de suas mãos e olhos, beirando o minimalismo hipnótico. Neste filme de 1935 Veidt alcançou ao topo de sua carreira. Daí em diante, seja por falta de oportunidade, dificuldades da indústria ou má gestão, na opinião de sue Harper, para ele seria o declínio. No ano seguinte, O Rei dos Condenados será seu último filme para a Gaumont. Agora Veidt é o Condenado 83 vivendo numa colônia penal nos trópicos, onde lidera uma rebelião por melhores condições de vida. Parece que o filme não foi muito bem produzido. (imagem abaixo, novamente Veidt como espião nazista, agora em Hollywood, em Sombra do Passado, Nazi Agent, 1942)
Durante a guerra civil espanhola, o cineasta Luis Buñuel
trabalhou pela causa republicana (coalizão de grupos de esquerda
e anarquistas). Certa vez discursou num banquete em Londres,
Conrad Veidt era um dos simpatizantes sentados ao seu lado (15)
trabalhou pela causa republicana (coalizão de grupos de esquerda
e anarquistas). Certa vez discursou num banquete em Londres,
Conrad Veidt era um dos simpatizantes sentados ao seu lado (15)
O contrato com a Gaumont termina e no mesmo ano Veidt assina com a London Films, de Alexander Korda. Mas os problemas financeiros deste levariam o ator a aceitar dois papéis apenas como um favor a Korda, já que os filmes concretizados naquele ano foram realizados por outras produtoras. Jornada Sinistra será produzido pela Victor Saville Productions, e O Poder de Richelieu por New World Pictures. A trama de Jornada Sinistra se passa na Noruega em 1918 e Veidt é o barão alemão Marwitz, chefe disfarçado do serviço secreto que se apaixona por uma espiã francesa, o que facilita a captura dela – no papel da espiã, Vivien Leigh, a mesma que veremos mais tarde em ...E O Vento Levou (Gone With the Wind, 1939). O filme está focado na unidade europeia e na ameaça representada por alemães “maus”: “É um crime ser alemão? É pior, é vulgar” – o ano de produção é 1937, e a referência parece explícita em relação à Adolf Hitler, embora ele fosse austríaco; no ano seguinte, a Alemanha anexará sem guerra a Áustria e parte da Checoslováquia; em 1939, inicia a Segunda Guerra Mundial invadindo a Polônia. Jornada Sinistra só não é uma repetição de Eu Fui uma Espiã por dois motivos. Primeiro, Marwitz é um aristocrata, por influência de Korda, que durante os anos 1930 utilizou o simbolismo aristocrático para debater sobre confiança de classe e poder social. Em segundo lugar, Korda era mulherengo, e suas técnicas são aplicadas. Segundo Harper, aristocrático e mulherengo são aspectos de Marwitz profundamente estranhos a Veidt, seja como indivíduo ou estrela. Na contramão do que seria justamente a qualidade específica ao ato de representar outro personagem distante de si mesmo, para Harper o fato de Veidt ter sido dedicado às esposa e identificado com a alta burguesia europeia o afastaram do papel. (imagem abaixo, Maridos ou Amantes, Nju - Eine unverstandene Frau, 1924)
No final, Veidt foi vítima do próprio caligarismo, levando produtores
e diretores a enfatizar mais sua persona exótica do que o homem real
e diretores a enfatizar mais sua persona exótica do que o homem real
O Poder de Richelieu foi o último filme da carreira de outro imigrante, Victor Sjöström, sueco talvez mais conhecido por seu trabalho em A Carruagem Fantasma (Körkarlen, 1921). Agora Veidt é Gil de Berault, um aristocrata aventureiro e mulherengo cuja habilidade na esgrima lhe valeu o apelido de “a morte negra”. Outro filme preocupado com o parentesco e com a definição do estilo aristocrata, Veidt deveria atuar com frieza e desinteresse, elementos distantes de seu estilo pessoal. Por outro lado, Harper afirmou que existem evidências de que o próprio ator desejava um movimentado papel de capa e espada. Em 1938, Veidt estava intranquilo com os papéis que Korda arrumou para ele e procurou sem sucesso financiamento para um filme onde um psicoterapeuta freudiano lhe permitiria abordar o simbolismo dos sonhos, o complexo e Édipo e a sexualidade. No final, acabou atuando em mais um filme de espionagem. O Espião Submarino se passa em 1917 no arquipélago de Órcades (Orkney), na costa da Escócia, focado na relação entre uma agente dupla britânica e Veidt como Hardt, um capitão alemão – o filme estreou em 30 de outubro de 1939; em 14 de outubro, submarinos alemães afundaram navios ingleses na base naval inglesa ali existente (na baía Scapa Flow); em 1918, foi também ali que boa parte da marinha alemã foi afundada pelos próprios alemães depois que eles perderam a Primeira Guerra Mundial. Novamente o verdadeiro foco de Veidt não é considerado. O diretor Powell acreditava que um capitão que leva seu trabalho às últimas consequências (como afundar junto com seu navio) era a cara de Veidt, quando naquela época o interesse dele era retratar homens dilacerados por seus deveres. Outro problema apontado por Harper é a questão política, o tema dos alemães bons e maus já não era muito bem vindo. O filme é muito antigermânico e a Inglaterra já estava em estado de guerra com a Alemanha. (imagem abaixo, Veidt como Josef Süss Oppenheimer condenado, momentos finais de Judeu Süss, 1934)
“Em Hollywood, morreu aos 50 anos de idade o ator alemão
Conrad Veidt. Estava ao lado de Emil Jannings, a estrela [alemã]
mais bem paga dos anos 20. Devido a sua participação [em] Judeu
Süss [foi relegado ao] ostracismo na Alemanha [de Hitler]” (16)
Conrad Veidt. Estava ao lado de Emil Jannings, a estrela [alemã]
mais bem paga dos anos 20. Devido a sua participação [em] Judeu
Süss [foi relegado ao] ostracismo na Alemanha [de Hitler]” (16)
É preciso ter o cuidado de não confundir esta versão muito pouco lembrada de Judeu Süss, realizada
em 1934, com a versão realizada pelos nazistas em 1940, esta última sim completamente antissemita
em 1934, com a versão realizada pelos nazistas em 1940, esta última sim completamente antissemita
O último filme de Veidt para Korda foi O Ladrão de Bagdá, um filme situado no reino da fantasia, onde atua como o mágico Jaffar, capaz de feitos mirabolantes. Este foi um papel difícil para Veidt internalizar e o personagem acabou sendo construído sem as habituais sutilezas que marcaram suas atuações. No diagnóstico de Harper, O Ladrão de Bagdá constitui um bom trabalho de cinema popular, mas onde Veidt não passa de um ornamento na encenação. O último filme inglês dele foi Nas Sombras da Noite, desta vez para a produtora British National. Desta vez Veidt é um capitão dinamarquês, as voltas com uma carga de contrabando e uma relação com outra espiã inglesa. O ano da produção era 1940, a guerra já havia estourado e Veidt tinha pouco controle sobre as falas do personagem, além disso o ator passou a sofrer humilhações. Primeiro ele foi induzido a dar conselhos de maquiagem e shampoo para mulheres, depois a junta comercial o acusou enriquecimento ilícito através do filme. Sentindo que sua honra foi questionada, Veidt se muda para Hollywood, onde realiza uns oito filmes em papéis superficiais, por exemplo como o Major Heinrich Strasser de Casablanca (direção Michael Curtiz, 1942). Sabine Hake utiliza outro tom ao se referir aos dois filmes que Conrad Veidt realiza nos Estados Unidos. Para ela, no que diz respeito aos atores e atrizes que fugiram de Hitler e foram parar em Hollywood, com exceção de Marlene Dietrich, apenas Peter Lorre e Veidt conseguiram construir carreiras significativas (17); talvez seja preciso incluir Ernst Lubitsch nessa lista. Pouco tempo depois Veidt morre de ataque cardíaco, aos 50 anos de idade.
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Notas:
1. HARPER, Sue. “Thinking Forward and Up”: The British Films of Conrad Veidt. In: RICHARDS, Jeffrey (Ed.). The Unknown 1930s. An Alternative History of the British Cinema, 1929-1939. London/New York: I. B. Tauris, 1998. P. 137.
2. HAKE, Sabine. German National Cinema. London/New York: Routledge, 2ª edição, 2008. P. 33.
3. Idem, p. 47.
4. BEEVOR, Antony. O Mistério de Olga Tchekova. A Verdade sobre a Atriz Favorita de Hitler e seu Envolvimento com a Espionagem Soviética. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005. P. 154.
5. HARPER, S. Op. Cit., pp. 121-5, 251n27.
6. Idem, p. 122.
7. Ibidem, p. 131.
8. HAKE, S. Op. Cit., p. 57.
9. HARPER, S. Op. Cit., p. 121.
10. Idem, pp. 122, 125-37.
11. PRINZLER, Hans Helmut. Chronik, 1895-1993. In: JACOBSEN, Wolfgang; KAES, Anton; PRINZLER, Hans Helmut (Eds.). Geschichte des Deutschen Films. Stuttgart: J. B. Metzler, 1993. P. 534.
12. HARPER, S. Op. Cit., p. 130.
13. Idem.
14. Idem, p. 132.
15. BUÑUEL, Luis. Meu Último Suspiro. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2009. P. 226.
16. PRINZLER, H. H. Op. Cit.
17. HAKE, S. Op. Cit., p. 67.