Um vento
de mau agouro
sopra em várias cenas
de Fausto, de Nosferatu,
em A Morte Cansada, Os Nibelungos... É o “papel
dramático” reservado
aos objetos e à
natureza
Lotte Eisner (1)
de mau agouro
sopra em várias cenas
de Fausto, de Nosferatu,
em A Morte Cansada, Os Nibelungos... É o “papel
dramático” reservado
aos objetos e à
natureza
Lotte Eisner (1)
Em sua busca pela “expressão mais expressiva” de um objeto, os expressionistas acreditavam que é necessário se distanciar da natureza. Os jardins ressecados e artificiais de O Gabinete do Doutor Caligari e de Genuine (ambos direção de Robert Wiene, 1920), ou aqueles exuberantes dos burgueses em Metropolis (direção Fritz Lang, 1927), são lugares inquietantes onde tudo pode acontecer. Na primeira parte de Os Nibelungos (direção Fritz Lang, 1922), quando acompanhamos a saga de Siegfried entre os homens e o mundo natural, uma árvore seca se transforma numa caveira (imagem acima). O enorme dragão Fafner agoniza numa floresta assombrada por criaturas mágicas como ele. Morto pela espada especial de Siegfried, o sangue de Fafner tornará o herói imortal - salvo pelo ponto, como na lenda de Aquiles, onde a natureza colocou uma folha de árvore, impedindo que o fluido protegesse toda a pele de Siegfried. Na floresta, a exaltação da bruma, do claro-escuro. O Walhalla está envolto por uma bruma, enquanto o sonho premonitório de Kriemhild é povoado por pombas sendo atacadas por águias (2). (imagem abaixo, à direita, Nosferatu)
Enquanto alemães
se referiam aos filmes
de seus compatriotas como
“paisagem imbuída de alma”,
os franceses viam apenas
paisagens de estúdio
Lotte Eisner (3)
A natureza participa do drama, mas aparentemente sempre como algo contra a vida... humana... Em Nosferatu (Nosferatu, ein Symphonie des Grauens, direção F.W. Murnau, 1922), a iminência do golpe do destino sobre a cidade dos homens se mostra pela imagem das ondas criadas enquanto o navio onde está o morto-vivo rasga o mar em sua busca pela mulher que lhe dará sua vida e sua morte definitiva pela adaga de luz – quando o raiar do sol anunciado pelo galo fulminará o vampiro. Em Fausto (Faust – Eine Deutsche Volkssage, direção F.W. Murnau, 1926), uma natureza reconstruída em maquete será sobrevoada pela câmera, lagos, florestas, montanhas. Durante esse vôo, que Fausto realiza num tapete mágico em companhia de Mefisto, passa por eles uma esquadrilha de pássaros negros descarnados. Em Aurora (Sunrise, 1927), Murnau apresenta um lago envolto em brumas onde a melhor coisa a fazer parecer ser se matar a mulher com quem não se quer mais viver. Nas palavras de Rohmer, o céu de Fausto é o único cenário, uma fumaça empurrada por um ventilador. É a luz que cria as formas (raios, círculos, manchas). Espaço arquitetural (a etapa correspondente à criação cenográfica) e espaço pictural (a etapa da fotografia do filme, as imagens que serviram de modelo e a soma com aquilo que somente o cinema pode criar) se confundem. (imagem abaixo, à esquerda, Caligari)
A paisagem
expressionista não se
alcança através de uma
abstração arquitetônica. O
realizador deve buscar os “olhos
da paisagem”. O sucesso de Caligari
e suas árvores achatadas mostrou
que não se trata apenas de uma
questão de filmar fora
do estúdio (4)
Como não podia deixar de ser, a cidade, um delírio gótico, se contrapõe à natureza (seja enquanto artificialidade da criação humana seja pela artificialidade de segunda ordem que constitui a maquete da cidade que Fausto visualiza durante seu vôo). A forma aguda é apontada por Rohmer como uma das preferências de Murnau. Sempre como um aspecto do mal, da morbidez (5). Neste ponto, talvez, os telhados das casas e das catedrais góticas se assemelhem aos pináculos das montanhas (que Rohmer também vê na curva das asas do diabo na seqüência inicial de Fausto), outro presságio maligno presente no cinema de Murnau, muito evidente nas paisagens que se mostram ao longo do caminho para o castelo de do conde Orlok, o Nosferatu. Enfim, neste universo, a natureza é hostil. Uma natureza rebelde que suscita no humano ao mesmo tempo o terror e o sublime. Repleta de claros-escuros, criaturas monstruosas, portadoras de uma significação tipicamente germânica onde se capta a influência do Romantismo. O expressionismo eventualmente encontrado nos cenários de Fausto, de Os Nibelungos e outros filmes alemães da década de 20 do século passado, são apenas um dos elementos de uma colcha de retalhos, onde também encontramos os escritos de Goethe, as imagens de Caspar David Friedrich e a música de Schubert. (imagem abaixo, Os Nibelungos)
o expressionismo
desaparece, as paisagens
suaves naufragam no mau gosto, no empolamento
nobre (...)”
Lotte Eisner (6)
Leia também:
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Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
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Roma de Mussolini
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Roma de Mussolini
Notas:
1. EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. As Influências de Max Reinhardt e do Expressionismo. Tradução Lúcia Nagib. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Pp. 108-9.
2. DEMARRE, Audrey ; VALLON, Sylvie. Le Cinéma Expressioniste Allemand. Splendeurs d’Une Collection. Ombres et Lumières Avant la Fin du Monde. Paris: Éditions de La Martinière, 2006. Catálogo de Exposição. P. 74.
3. EISNER, L. Op. Cit., p. 105.
4. Idem, pp. 105, 108.
5. ROHMER, Éric. L’Organization de l’Espace dans le Faust de Murnau. Paris : Cahiers du Cinéma, 2000. Pp. 6-7, 33, 50.
6. EISNER, L. Op. Cit., p. 108.
1. EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. As Influências de Max Reinhardt e do Expressionismo. Tradução Lúcia Nagib. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Pp. 108-9.
2. DEMARRE, Audrey ; VALLON, Sylvie. Le Cinéma Expressioniste Allemand. Splendeurs d’Une Collection. Ombres et Lumières Avant la Fin du Monde. Paris: Éditions de La Martinière, 2006. Catálogo de Exposição. P. 74.
3. EISNER, L. Op. Cit., p. 105.
4. Idem, pp. 105, 108.
5. ROHMER, Éric. L’Organization de l’Espace dans le Faust de Murnau. Paris : Cahiers du Cinéma, 2000. Pp. 6-7, 33, 50.
6. EISNER, L. Op. Cit., p. 108.