“Desde há muito tempo, os cineastas franceses
pareciam fascinados pelos filmes norte-americanos
de tribunal e os duelos verbais entre advogados (...)”
Christian Guéry (1)
Amor e Posse
Dominique Marceau é uma jovem mulher desinibida e insatisfeita com sua vida do interior da França. Vive em guerra com sua irmã Annie, estudante de violino e a preferida dos pais. Ela se muda para Paris e Dominique vai junto. Enquanto Annie estuda, Dominique vive meio à deriva, sem um objetivo claro. Arruma emprego numa boate como garçonete, mas dança o tempo todo e se mistura com os clientes de maneira bastante liberal. Certo dia Gilbert Tellier, namorado de Annie, chega no apartamento e encontra Dominique praticamente numa na cama ouvindo música. Apaixona-se imediatamente. Mas a relação entre os dois é tensa. Os dois têm vinte anos, enquanto ela age como se o mundo fosse uma festa e só existisse o agora, ele é um jovem talento da música clássica com uma postura possessiva em relação a seu objeto de desejo.
Caso típico, Gilbert não aguenta que Dominique continue sendo em público a mulher liberal, extrovertida e hiper sexualizada, justamente o que o seduziu nela. Por um breve momento ele retorna para Annie, mas não dura muito e Dominique volta a ser o centro de sua obsessão. Entre beijos e brigas a vida segue, até que ela arruma um revolver para se matar, aparentemente diante dele. Contudo, segue-se mais uma discussão e ela acaba aturando nele e o matando. Em seguida, dispara em si mesma, mas a arma está descarregada. Será encontrada na cozinha desacordada, onde abriu o gás para se matar. Acusada de assassinato, Dominique sobrevive para enfrentar o julgamento por um tribunal francês misógino e reacionário. O desfecho é bastante previsível, o que o tribunal não se esperava é que ela se matasse na prisão antes do veredito.
Já Vi Esse Filme
O comportamento extrovertido de Dominique se confunde
com certa lascívia. Incapaz de compreender as mudanças culturais
em curso já na década de 1950, a sociedade francesa conservadora
encarnada pelos membros do tribunal usará isso contra ela
Brigitte Bardot é Dominique Marceau, em A Verdade (La Vérité, direção Henry-Georges Clouzot, 1960). Alain Fleischer faz uma análise rápida do personagem de Bardot que revela bastante daquilo que ela representou na época em relação à quebra de tabus sexuais e misoginia, emprestando também à sua personagem o tipo de comportamento extrovertido que a sociedade conservadora francesa mostrada no filme se apressa em considerar como justificativa da crença de que ela é a culpada por tudo que aconteceu, com ela e com Gilbert. Na opinião de Fleischer, em A Verdade todos os tema e todas as figuras do que ele chama de repertório Bardot são recapitulados, dramatizados e elevados ao nível de certa virtuosidade. Fleischer está falando de um filme lançado em 1960 quando se refere à extrema lascividade na cena da dança numa boate, quando Dominique está cercada por muitos homens. Presa numa situação duvidosa em que aparentemente gostava de se deixar levar, sugere Fleischer que Dominique parece não pretender escapar do castigo desejado. Assim, o cativeiro mostrado (círculo dos homens, seus olhares e sua evidente luxúria) gera um fora da tela [um extracampo] (a cena seguinte) que o filme não vai mostrar.
Em 1960, a V República na França reprovava o uso
que o cinema fazia do corpo da atriz, criticando o que
chamavam “sensualidade insolente de Brigitte Bardot” (2)
Noutra sequência, a combinação de duas figuras-chave resulta numa fórmula explosiva. Dominique está ao lado de um toca discos escutando um mambo, Yo Tengo una Muñeca (“eu tenho uma boneca”). Deitada na cama, ela dança sozinha (primeira figura) e até na cama, sacudindo o corpo nu embaixo de um lençol branco (segunda figura) que não chega a cobrir todo o seu corpo. Então Gilbert (maestro de orquestra de música clássica que dá seus primeiros passos na profissão e detesta música latina), então namorado da irmã de Dominique, abre a porta e a encontra pela primeira vez. Ele fica paralizado! Uma visão exuberante bem distante do estilo comportado de Annie, uma violinista de música clássica – primeiro ato de mais uma batalha entre as irmãs em torno dele. Bem depois disso, conclui Fleischer, com um coeficiente emocional infinitamente maior a próxima figura é a primeira vez que finalmente fazem sexo. Tudo está lá, inclusive as pernas abertas diante da câmera, com as imagens tabus encobertas pela iluminação especial da cena (3). Na vida real, Brigitte Bardot e Sami Frey, que atua como Gilbert, namoram por algum tempo.
O Picadeiro dos Advogados
Em A Verdade, Dominique é interrogada de forma tão enérgica
pelo juiz principal, que alguns magistrados se perguntaram
qual a necessidade de um advogado criminalista na França (4)
Considerado um filme cult de advogados, A Verdade é baseado num evento famoso dos anos 1950: o caso Pauline Dubuisson. Além das questões culturais levantadas pelo choque entre a revolução de costumes dos anos 1960 e uma sociedade francesa conservadora, temos o embate entre advogado criminalista e de defesa. Na opinião de Christian Guéry, que compara o papel do advogados nos cinemas francês e norte-americano, o final do filme nos abre a certa ambiguidade na missão do advogado. O advogado criminalista aparenta sentir-se oprimido pela morte de Dominique depois que ele a pressionou no tribunal. Ele não acreditava que ela pudesse ter matado seu amante por amor. “Eu não queria estar em seu lugar” (5), diz sua assistente ao advogado de defesa. Em seguida, ele e o advogado criminalista se despedem como se nada tivesse acontecido. A empatia pela pessoa que se defende aparentemente não se mantém depois de sua morte. De acordo com Guéry, Clouzot mostra bem que se o advogado de defesa parece assumir a causa por sua cliente durante a audiência, fica evidente seu distanciamento durante diálogos com seus colaboradores (6).
“O advogado que pleiteia um processo penal na França também está preocupado com a composição do júri. Não há, no entanto, nenhuma relação entre o direito de contestação como pode ser exercido na França e a escolha do júri americano. Todos os advogados de defesa juntos podem recusar apenas quatro jurados por caso ou cinco perante o Tribunal de Apelação. Assim, em A Verdade, Charles Vanel [o advogado de defesa] recusa as mulheres, sem dúvida porque a beleza e a liberdade de vida de sua cliente, Brigitte Bardot, poderiam ser mais mal percebidas pelas mulheres do que pelos homens” (7)
Alfred Hitchcock desvalorizou louras como Brigitte Bardot e Marilyn
Monroe. Para ele, nelas o sexo estava na cara. “Isso não é fino”, disse.
Escolhia mulheres de alta classe. Damas, mas que no quarto se
tornarão putas. Grace Kelly foi um desses modelos de sexo “indireto” (8)
Em quem acreditar afinal, numa mulher tida por todos como uma vadia cínica ou na capacidade do sistema jurídico atingir um grau de idoneidade que o capacite a distinguir fatos de versões e enxergar a verdade encoberta pelas brumas da opinião? Embora tanto na França quanto nos Estados Unidos o papel do advogado seja determinante no quadro do processo, Guéry nos lembra que Rashomon (direção Akira Kurosawa, 1950), ambientado no Japão do século XI, é apenas um dentre muitos filmes onde o advogado não tem grande importância, ou, pelo menos, demonstra que o acusado não é obrigado a ser por ele defendido. Este filme explora bem o problema de como filtrar as diferentes versões a respeito de um fato de acordo com os papéis de cada envolvido. No conto original de Ryonosuke Akutagawa onde se tenta chegar a uma conclusão em torno da culpa de um estupro e um assassinato, que Kurosawa adaptou (introduzindo seu próprio ponto de vista e interesses), toda verdade é relativa, o que significa que no limite a verdade não existe (ou então a verdade é a única coisa que existe, enquanto o homem está preso em sua condição de mentiroso).
Por outro lado, explica Guéry, quando a presença do advogado no processo é considerada relevante, a confusão entre ele e o cliente é uma tendência significativa no cinema norte-americano. Ao que parece, continua Guéry, ao contrário dos franceses, o público daquele país confunde ou não percebe a distância que separa o acusado em relação àquele que o defende. Evidentemente, sugere Guéry, tal confusão pode reforçar o elemento dramático da ação. No cinema francês, menos prolixo, os advogados são, no entanto, regularmente alvo de intenções maliciosas ou violentas: agredido, em Margem Direita, Margem Esquerda (Rive Droit, Rive Gauche, direção Philippe Labro, 1984); esfaqueado, em En Plein Coeur (direção Pierre Jolivet, 1998); assassinado em A Marca da Serpente (Le Serpent, direção Éric Barbier, 2006), também em Orquídea da Noite (La Crime, direção Philippe Labro, 1983). Mas se fizermos a comparação com o cinema dos Estados Unidos, concluiu Guéry, isso tudo ainda é muito razoável.
Embora o advogado de defesa tenha construido seu
argumento apostando que Gilbert não amava Dominique,
ela não admitia a possibilidade de que isso fosse verdade
Guéry enfatiza a fascinação que os cineastas franceses sempre apresentaram em relação aos filmes estadunidenses de tribunal e os duelos verbais entre advogados, e Clouzot com A Verdade não é exceção. No começo, detalha Guéry, o filme é tão fiel à realidade judiciária que raramente encontramos uma representação tão exata do início de um julgamento: sorteio do júri e direito de recusa de componentes, leitura dos autos diante do tribunal, interrogatório do acusado, depoimentos das testemunhas. A seguir vem o duelo verbal entre os advogados, e um interrogatório realizado por eles, que chegaram a obrigar Dominique a brandir a arma do crime numa reconstituição em plena audiência. Naquela época, cada pergunta que os advogados desejassem fazer deveria antes ser aceita pelo Juiz Principal (referido como président, président du tribunal), que a relatava muitas vezes com suas próprias palavras. Esse procedimento mudou! Em A Verdade o advogado de defesa e o promotor fazem perguntas diretas às testemunhas enquanto duelam entre si em virtude de uma reconstituição do assassinato em pleno tribunal. O Juiz Principal questiona o discurso inflamado do advogado de defesa sugerindo moderação naquele momento (9), ao que ele responde perguntando: “Porque, você acha que existe um momento para a justiça?”. Segundo Guéry, esta frase demonstra que o cineasta estava consciente da liberdade que tomava em relação aos procedimentos e procurava se justificar.
Cultura do Suicídio
A tentativa de suicídio de Brigitte Bardot aconteceu quase ao mesmo
tempo do suicídio de Marilyn Monroe - apenas dois anos depois. Isso
afastou o véu eufórico do star system, trazendo a realidade à tona (10)
Para Guéry, se as vezes no cinema temos a impressão de que o advogado “tudo pode”, é apenas aquele momento em que ele age de acordo apenas com sua própria intuição, independente da moral. Ocorre que essa onipotência pode conduzir certos acusados ao suicídio. Como o de Dominique, na véspera das alegações finais, é uma consequência direta da duração das intervenções do advogado e da impossibilidade do acusado de comunicar ao tribunal qual é a “sua verdade”. Guéry sustenta que no cinema francês muitos casos de suicídio ou de tentativa dos acusados parecem ter relação direta com um julgamento que se aproxima do estilo de pressão que acontece no julgamento norte-americano. Por outro lado, é fato que Dominique já havia tentado se suicidar três vezes, atravessando a rua na frente do ônibus, atirando em si mesma depois de matar Gilbert e, como o revolver não tinha mais balas, ligando o gás na cozinha – até que finalmente consegue se matar na prisão (11).
Guéry insiste na necessidade de sempre repetir que, mimetizando o papel de Bardot na vida real, Dominique sofre uma pressão adicional por representar também a sexualidade feminina, assumida e liberada, ao mesmo tempo chocante e perturbadora para aqueles velhos senhores que compõem a plateia do tribunal, profissionais de justiça ou jurados, claramente desconectados dessa juventude que se apresenta diante de seus olhos, sob o olhar de jornalistas ávidos por sensacionalismo. Trágica coincidência ou não, pouco depois de atuar nesse filme Brigitte Bardot tentou suicidar-se. Certamente Clouzot, que não poupou os atores, havia obtido de Bardot que ela arrancasse suas tripas nesse filme que é considerado uma de suas melhores atuações. Contudo vale lembrar, oito anos antes das revoltas de 1968, a ideia de suicídio assombra todo o filme. Como esquecer do amigo de Dominique que tem sempre nas mãos uma corda com laço pronta para se enforcar.
“Suicídio é para você mesmo, não para os outros”
Dominique
Depois de uma discussão entre as irmãs em pleno tribunal durante o depoimento de Annie. Quando ela o acusa de matar Gilbert, Dominique é retirada do local aos berros dizendo que queria se matar, não a ele. Mergulhamos a seguir num flashback onde Dominique conversa com esse amigo que pretendia se enforcar. Estão sem dinheiro e sem comida quando durante a conversa ele descobre a arma que ela tem na bolsa. “Um presentinho para mim. Minha forca”, responde Dominique. Então o amigo expõe sua tese sobre o motivo por que ainda não se suicidou. Suicídio não é tão fácil assim, é preciso planejamento, imaginação e talento. “Para puxa um gatilho?”, pergunta Dominique. Ele diz que isso é para amadores e que ela ficará horrível quando a encontrarem. “E quem se importa com isso?”, ela devolve mais uma pergunta. Ele explica então que cancelou o próprio suicídio ao perceber que quando as pessoas chegassem o ator já teria saído do palco. “Suicídio é para você mesmo, não para os outros”, Dominique com ar de tédio. “Errado! É sempre um protesto contra um indivíduo ou comunidade. E se eu não puder ver o rosto deles, qual o motivo?”, responde o amigo”. Então Dominique se levanta, caminha até o espelho, aponta a arma para a cabeça e diz: “Tem razão. Tem que haver uma testemunha”. O amigo corre, segura ela e dispara com certa irritação: “Ei, eu não serei seu público!”. “Não estava pensando em você”, responde Dominique (12).
Flashback da Versão e da Verdade
“(...) O processo é a reconstrução de um passado incerto e a mistura
entre flashback objetivo e flashback subjetivo mantém essa
incerteza e essa contaminação entre verdades estranhas [entre si]”
Christian Guéry (13)
A Verdade apresenta também um procedimento, o flashback, que embora seja lugar comum em muitos filmes, em si mesmo aponta um limite do próprio cinema em capturar a verdade. Guéry observa que o flashback é também largamente utilizado no cinema judiciário. Muitas vezes o próprio filme é uma longa regressão temporal introduzida pelo discurso do advogado ou dos depoentes. Pode ser subjetivo, quando mostra aquilo que alguém está declarando ou pensado, ou objetivo, que constitui um retorno para trás no tempo imposto pela narrativa e não por um personagem. Contudo, o flashback subjetivo nem sempre mostra apenas o que foi visto por um personagem. No entanto, ele relata o conteúdo do que foi dito e que ele não pôde ouvir. Claro, às vezes é possível pensar que as observações em questão foram posteriormente relatadas à pessoa que as fez. Em Les Girls (direção George Cukor, 1957), o juiz chama atenção de uma das “garotas” que testemunhou de que ela relatou acontecimentos que não viveu (14). Ela explica então que foram relatados a ela...
Mas Guéry chama atenção de que existem muitos exemplos que não se encaixam nessa solução de continuidade. Como explica Yves Mouren... “Tudo se passa como se o cinema tivesse aceitado sua incapacidade de representar a imagem mnésica [da memória], e que teria escolhido nos oferecer as imagens e sons do próprio passado, ao invés do passado tal qual foi realmente vivido na imagem daquele que relembra” (15). Guéry evoca o pensamento de Jean Mirtry, de que o flashback anunciado por um personagem não mostra aquilo que ele pensa, mas aquilo no que ele pensa.
Voltando à A Verdade, Guéry mostra que nenhum dos advogados compreende Dominique. Nem o criminalista, focado em demonstrar que ela não amava Gilbert e que o que a movia era o ciúme em relação à irmã. Nem aquele que a defendia, que procura de todas as maneiras mostrar que Gilbert realmente nunca a amou, hipótese que ela não conseguia suportar. Desta forma, aponta Guéry, em seu duelo retórico permanente, dois advogados estão mais ocupados com sua própria eloquência e de como ultrapassar seu adversário do que com o destino real ou com a visão de mundo que baliza o discurso da acusada. De fato, existe um fosso cultural entre Dominique e alguns de seus amigos da boemia do Quatier Latin do final dos anos 1950 chamados a testemunhar, e uma sociedade burguesa tradicional, simbolizada pelo mundo judiciário, mas também figuras como sua irmã e mesmo Gilbert.
Clouzot retorna a um “à cada um sua verdade” pirandeliano
Existem treze flashbacks em A Verdade, alguns objetivo, outros subjetivos. No primeiro, o escrivão lê a ordem de acusação, trata-se de um retorno objetivo para trás, trazido pela narração. O segundo é constituído pelo depoimento de Dominique, que fala de sua infância, durante seu interrogatório de curriculum vitae. Os flashbacks seguintes são introduzidos pelo interrogatório do Juiz Principal, que substitui o narrador, relatando certos fatos do dossiê. De acordo com Guéry, tais retornos ao passado devem ser considerados objetivos, mesmo que sejam provocados pela intervenção de um personagem. Esse tipo de “flashback objetivo delegado”, explica Guéry, não se encontra no cinema norte-americano, uma vez que ninguém encarna esse tipo de “verdade” no decorrer da audiência. Saímos do sexto flashback, objetivo, provocados pela voz do advogado criminalista, que pergunta em tom de afirmação para Dominique: “e você não morreu”. A questão só faz sentido em relação à questão anterior contida no flashback (ela saiu na garupa de uma motocicleta com outro homem e estava demorando a voltar, sob o olhar incrédulo dos amigos dela Gilbert sugeriu que poderia ser por causa de um acidente de trânsito...). O mesmo esquema precede o sétimo flashback, o advogado criminalista retoma a palavra para perguntar à acusada: “Para você, talvez... E para Gilbert?” (16), em referência à frase anterior de Dominique (ela disse ao promotor que o homem da moto não tinha importância). O valor de representação da realidade pelas imagens passadas é então reforçado.
Por outro lado, continua Guéry, o próprio do flashback subjetivo é ser conectante, quer dizer que o filme retorna àquilo que desencadeou. Uma testemunha fala, visualizamos o que ela diz, então voltamos a ela. Na opinião de Guéry, Clouzot inovou em relação a isso nos flashbacks oito e nove. O oitavo apresenta o depoimento de Dominique, quando evoca sua vida amorosa com Gilbert. No retorno ao tribunal percebermos que é a proprietária do quarto dele quem fala. O nono flashback aparece a partir da voz do advogado de defesa (que neutraliza o testemunho da dona do quarto), mas no momento da volta ao processo é o dono da boate onde Dominique trabalhou quem está falando. Na volta do décimo primeiro quem fala é a proprietária do segundo local de moradia de Gilbert. A narração retoma no décimo terceiro flashback, aberto para o testemunho de um amigo da vítima que descobriu seu corpo. Ele demonstra a última briga entre os amantes e os tiros disparados por Dominique, ainda que ela mesma não se lembre mais e que ele não estivesse presente no momento do crime.
“(...) Clouzot não apenas retorna a um ‘à cada um sua verdade’ pirandeliano, mas reforça a ideia segundo a qual a verdade judiciária, quer dizer, a solução dada ao litígio, nasce da confrontação do registro escrito daquilo que é dito nas audiência, sem que jamais seja possível alcançar ‘a verdade’, uma vez que aquilo que aconteceu passou. O processo é a reconstrução de um passado incerto e a mistura entre flashback objetivo e flashback subjetivo mantém essa incerteza e essa contaminação entre verdades estranhas [entre si]” (17)
Leia também:
Notas:
1. GUÉRY, Christian. Les Avocats au Cinéma. Questions Judiciaires. Paris: PUF, 2011. P. 136.
2. DOUIN, Jean-Luc. Dictionnaire de la Censure au Cinéma. Images Interdites. Paris: Quadrige/PUF, 2001. P. 197.
3. FLEISCHER, Alain. Brigitte Bardot In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. Pp. 46-7.
4. GUÉRY, Christian. Op. Cit., p. 115.
5. Minha tradução.
6. Idem, pp. 1, 59, 60, 87, 136.
7. Ibidem, p. 121.
8. TRUFFAUT, François. Hitchcock/Truffaut: Entrevistas. Tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Pp. 225-7.
9. Minha tradução, corroborada pela transcrição de Guéry.
10. MORIN, Edgar. As Estrelas. Mito e Sedução no Cinema. Tradução Luciano Trigo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. P. 132.
11. GUÉRY, Christian. Op. Cit., pp. 82, 127, 139.
12. Aqui e em todo o texto utilizei a tradução apresentada na edição do filme no Brasil pela Versátil Home Vídeo, coletânea Filmes de Tribunal, volume 1, 2020.
13. GUÉRY, Christian. Op. Cit., p. 128.
14. Idem, pp. 125-8.
15. Ibidem, p. 126.
16. Legendas da Versátil Home Vídeo.
17. Ibidem, p. 128.