“Você sabe, ela
tem o corpo – para
filmar é da maior
utilidade”
Comentário de
Fassbinder a respeito de
Hanna Schygulla (1)
Mulher-Objeto
Em 1969, Joanna é a personagem interpretada por Hanna Schygulla, a prostituta que vive com Franz, seu cafetão e parceiro em O Amor é Mais Frio que a Morte (Liebe ist kälter als der Tod), primeiro longa-metragem de Fassbinder. Franz se recusa a colaborar com o crime organizado, que manda Bruno atrás dele para implicá-lo num roubo e forçá-lo a mudar de idéia. Franz gosta tanto de Bruno que o convida para seu apartamento e até oferece os favores sexuais de Joanna (imagem acima). No final, o assalto não dá certo, Bruno morre e Joanna confessa ao Franz que foi ela que chamou a polícia. Franz à chama de puta e o filme acaba. (imagem abaixo, à direita, Os Deuses da Peste)
Joanna é a mulher-objeto. Além disso, explica Wallace Steadman Watson, ela está totalmente atolada em desejos burgueses. Embora o filme não suporte totalmente essa leitura, Watson sugere que possivelmente foram os sonhos burgueses dela que a levaram (irracionalmente, se ela deseja ficar com Franz) a avisar a polícia sobre o roubo do banco - em Rio das Mortes (1970), Hanna é a namorada convencional de Michael, ela só quer casar e ter filhos. A mobília do apartamento de Joanna está muito longe da classe média, ainda assim pode-se assistir a uma cena de pura paródia de vida burguesa: com os seios a mostra, ela conserta uma blusa, Franz faz palavras cruzadas e Bruno está com a metralhadora (2).
No terceiro longa-metragem de Fassbinder, Os Deuses da Peste (Götter der Pest, 1969) permanecem muitos personagens, Joanna é um deles. Como no filme anterior, Joanna trai seu homem. Se no primeiro caso, ela o faz supostamente por interesses burgueses egoístas, desta vez ela só trai depois que Franz a abandona. Joanna, que desta vez é uma cantora de cabaré, se envolve com um policial e delata Franz novamente. Como resultado, ele morre num assalto ao mercado (3).
Mulheres Também São Gente
Mulheres Também São Gente
Em Cuidado com a Puta Sagrada (Warnung vor einer heilingen Nutte, 1970), Hanna (interpretada por Hanna Schygulla) é a estrela de um filme dentro do filme. Aos poucos ela e Ed, o outro ator principal do filme dentro do filme, vão se afastando do grupo, que se mantém em estado de tensão permanente. Enquanto Jeff, o cineasta, que representa Fassbinder, está o tempo todo em conflito com os outros membros da equipe, sua relação com Hanna é suave e inspiradora (imagem acima). Ela o escuta e encoraja, é sua musa e explica para Ed as qualidades de Jeff. Apesar dessa relação maternal entre Hanna e Jeff (o alter ego de Fassbinder), a relação entre Hanna Schygulla e Fassbinder durante as filmagens era cheia de tensão. Ele chegou a dizer que iria demiti-la, ao que todo o grupo reagiu ameaçando irem embora (4).
Um universo de
muitas frustrações,
ciúmes e rivalidades
mau resolvidas
Em O Machão (Katzelmacher, 1969), (as duas imagens abaixo) Marie tenta dissuadir Erich a desistir de atividades ilegais oferecendo seu próprio dinheiro. Certa vez o cineasta definiu as relações dos quatro casais do filme: “Marie pertence a Erich; Paul dorme com Helga; Peter permite que Elisabeth o sustente, e Rose faz o mesmo com Franz por dinheiro”. Paul bate em Helga, por nenhuma razão aparente, em seguida tem um envolvimento homossexual, por dinheiro. Elisabeth constantemente lembra Peter que ela paga as contas e insiste que ele durma em outro quarto. Rosy fica triste com Franz porque ele contou aos outros que ela o pagava (ela insistia que o dinheiro era apenas um presente); ele se pergunta se a atividade sexual dos dois poderia “ser um pouco mais como amor”. (imagem acima, Cuidado com a Puta Sagrada)
Uma espécie de
mistura entre desamor, dinheiro e medo
Estas oito pessoas estão constantemente brigando umas com as outras, incluindo uma guerra dos sexos onde as mulheres e os homens se reúnem em grupos isolados. Jorgos, o imigrante grego que vem trabalhar na Alemanha Ocidental de então gera reações xenófobas violentas, mas de nenhuma forma seria a causa dos problemas entre os quatro casais. Ele é apenas o catalisador, desencadeando o ciúme reprimido, as rivalidades e antagonismos, as frustrações do meio onde se inseriu. Jorgos se transforma no bode expiatório, responsabilizado e punido por problemas que não causou, mas tornou manifestos. A linguagem dos personagens da baixa classe média do sul da Alemanha é cheia de clichês sobre o amor, ordem, e acima de tudo dinheiro – que está presente na maioria das conversas e dos relacionamentos (5).
mulher-objeto sonhando fantasias burguesas repletas
dos objetos que o dinheiro pode comprar e do delírio
de formar uma família em
pleno vazio moral e ético
Notas:
Leia também:
As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (VII)
As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (VII)
Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)
1. KATZ, Robert; BERLING, Peter. O Amor é Mais Frio do que a Morte. A Vida e o Tempo de Rainer Werner Fassbinder. Tradução Carlos Sussekind. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. P. 19.
2. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. Pp. 69-70.
3. Idem, p 72.
4. Ibidem, pp. 72 e 109n19.
5. Ibidem, p. 80.
1. KATZ, Robert; BERLING, Peter. O Amor é Mais Frio do que a Morte. A Vida e o Tempo de Rainer Werner Fassbinder. Tradução Carlos Sussekind. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. P. 19.
2. WATSON, Wallace Steadman. Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art. USA: University of South Carolina Press, 1996. Pp. 69-70.
3. Idem, p 72.
4. Ibidem, pp. 72 e 109n19.
5. Ibidem, p. 80.