A questão era
evidenciar a raiz
anti-semita sobre
a qual a Alemanha
moderna fora
construída
Yann Lardeau resumindo
a intenção de Fassbinder (1)
evidenciar a raiz
anti-semita sobre
a qual a Alemanha
moderna fora
construída
Yann Lardeau resumindo
a intenção de Fassbinder (1)
Esquecer e Reprimir (o Novo Pecado Original)
Durante muito tempo Rainer Werner Fassbinder procurou formas de mostrar a memória alemã no que ela guardava de mais sensível e problemático: o anti-semitismo e o genocídio. Na opinião de Anton Kaes, suas tentativas falharam (2). Fassbinder chegou a ser chamado de anti-semita, quando na verdade procurava apenas mostrar que a tendência anti-semita ainda era uma questão problemática na República Federal da Alemanha da década de 70 do século 20. Não é para menos, o povo alemão estava empenhado na tarefa de reprimir e esquecer os horrores nazistas. Por outro lado, muitos ex-nazistas estavam livres e ocupando postos chave da economia alemã – fato que inclusive está na gênese do grupo terrorista Baader Meinhof, cuja palavra de ordem foi exatamente não agir como seus pais, que viram Hitler subir ao poder e nada fizeram para impedir; por trás de tudo isso, afirmavam, estava o imperialismo norte-americano.
Em 1977, outro projeto, baseado no romance Débito e Crédito (Soll und Haben), de Gustav Freytag, foi rejeitado em função da suspeita de que Fassbinder estivesse usando, como na peça, figuras e motivos que poderiam ser interpretados como anti-semitas. Desta vez, Fassbinder planejou uma série de televisão em 10 episódios que seria uma história crítica da burguesia alemã do século XIX. Kaes se pergunta como se explica essa “obsessão cruel” de Fassbinder com relação a esse tópico (3).
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Em sua opinião, foi a ideologia da burguesia alemã que produziu tanto o anti-semitismo quanto o Terceiro Reich - Hitler não foi um acaso. Entretanto, e este é o ponto chave, os valores atribuídos pela burguesia alemã a um “caráter germânico”, teriam sobrevivido na sociedade alemã – pelos menos, sejamos otimistas, até 1977, quando Fassbinder disse isso. Portanto, seu objetivo com esta série de televisão era empreender uma arqueologia da burguesia alemã. Fassbinder ficou bastante contrariado quando este projeto também foi rejeitado. Ele seria o ponto de partida para uma história da burguesia alemã, de meados do século XIX até a eclosão do Nacional Socialismo.
“A burguesia precisava dos judeus de forma a parar de desprezar suas próprias atitudes, para conseguir sentir-se orgulhosa, importante e forte. O resultado final desse auto-ódio subconsciente foi a aniquilação em massa de judeus no Terceiro Reich. Foi realmente uma tentativa de arrancar o que as pessoas não queriam reconhecer em si mesmas. Esse relacionamento significa que de alguma forma a história dos alemães e dos judeus está ligada para sempre, não apenas durante o período de 1933 a 1945. Algo como um novo pecado original será passado para as pessoas que nascem e vivem na Alemanha, um pecado que não é mais leve porque os filhos dos assassinos agora lavam as mãos em inocência”(4)
Nestes filmes, os personagens judeus não aparecem nem como oprimidos e muito menos como caricaturas de seres imorais. Eles são mostrados como intelectuais privilegiados ou homens de negócio influentes que se sentem superiores aos alemães. Fassbinder não pretendeu cair também na armadilha de falar em “nobres vítimas”, o que seria o anti-semitismo invertido – algo como amigos incondicionais dos judeus. Lá pelas tantas, Fassbinder percebeu que corria o risco de ser mal compreendido, tanto como alguém que sem saber repete estereótipos anti-semitas quanto como alguém que conscientemente repete estereótipos anti-semitas - ainda que com o objetivo de desconstruí-los. Não se pode esquecer afinal de contas que, quando Fassbinder se refere “aos alemães”, também está falando sobre ele mesmo.
Notas:
Leia também Berlin Alexanderplatz (I), (II), (final)
1. LARDEAU, Yann. Fassbinder. Paris: Éditions de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1990. P. 207.
2. KAES, Anton. From Hitler to Heimat. The Return of History as Film. Massachusetts: Cambridge Univ. Press, 1989. P. 90.
3. Idem, p. 92.
4. Ibidem, p. 94.
5. Ibidem.