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Roberto Acioli de Oliveira

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18 de jul. de 2017

Luis Buñuel e o Sentido do Filme


“Adoro sonhar, mesmo quando meus sonhos são pesadelos, 
o  que  é  frequente. Eles são sempre semeados de obstáculos, 
que   conheço  e  reconheço.   Mas   isso   me  é  indiferente” 

Luis Buñuel (1)

O Espectador Atormentado

Com exceção de O Discreto Charme da Burguesia (Le Charme Discret de la Bourgeoisie, 1972) a fase final de Buñuel seria caracterizada por uma adesão ao sonho pelo sonho. É o que sugere Charles Tesson, para quem é como se, apesar da insistência de Buñuel em não separar a vida da arte (causa de seu rompimento com Andre Breton, “chefe” dos surrealistas franceses), a utilização dos sonhos e das ambiguidades tivesse se tornado algo próximo do clichê. Situação que acabou por sedimentar uma postura de busca sistemática por explicações e interpretações para as inúmeras cenas e sequências de seus filmes que não possuem (ou parecem não possuir) significado preciso. A insistência de Buñuel em não explicar seus filmes só fez estimular essa tendência (2). (imagem acima, A Ilusão Viaja de Trem, La Ilusión Viaja en Tranvía, 1954)

“Nenhuma obra admite uma única forma de leitura. (...) A validade de uma leitura se reforça quando encontramos na biografia, nas leituras formativas ou nas atividades paralelas do autor elementos que confirmem a existência de alguma afinidade de espírito entre ele e o critério de interpretação que escolhemos” (3)

Buñuel chegou a antecipar/questionar a interpretação do espectador em Viridiana (1961), quando um personagem testemunha e interpreta um acontecimento. Certa noite Don Jaime descobre que Viridiana é sonâmbula, segue seus passos e vê quando ela joga seus pertences de costura no fogo da lareira e os substitui por cinzas, que ela joga na cama onde faleceu a esposa dele. No dia seguinte, conta o que viu e Viridiana explica que para ela cinzas significam penitência e morte. Don Jaime acrescenta que é para ela o convento, enquanto que para ele é a morte, sua velhice. O espectador, explica Tesson, guardou, sobretudo, que o inconsciente de Viridiana a levou ao leito de morte muito antes que Don Jaime lá a colocasse desacordada, e a “desposasse” - vã tentativa de fazer com que sua noite de núpcias interrompida renasça das cinzas. (imagem abaixo, Nazarin)


“Freud abriu  uma  janela  maravilhosa  para  o  interior  do  homem, 
mas o freudismo se converteu numa igreja com respostas para tudo” 

Luis Buñuel (4)

Mas antes de aderir à “vala comum” do inconsciente, é bom lembrar que Buñuel nutria uma relação ambígua em relação à Freud. Como esclareceu em sua semibiografia (5), O Último Suspiro, Buñuel agradece o fato de psiquiatras e analistas de todo tipo haverem escrito a respeito de seus filmes, mas não se interessa em ler seus livros. Alguns analistas, acrescenta o cineasta, o declararam “inanalisável”. “Na minha idade, deixo que falem”, conclui Buñuel, apostando na capacidade de sua imaginação inocente para sustentá-lo até o fim. E disse mais:

“Não gosto de psicologia, nem de análise nem de psicanálise. Claro, tenho excelentes amigos entre os psicanalistas e alguns escreveram para interpretar meus filmes de seu ponto de vista. Como quiserem. Por outro lado, desnecessário dizer que a leitura de Freud e a descoberta do inconsciente me influenciaram muito quando eu era moço. Entretanto, da mesma forma que a psicologia me parece uma disciplina frequentemente arbitrária, constantemente desmentida pelo comportamento humano e quase totalmente inútil quando se trata de dar vida a personagens, da mesma forma vejo a psicanálise como uma terapêutica reservada a uma casse social, uma categoria de indivíduos à qual não pertenço (...)” (6)

Tesson sugere em Os Esquecidos (Los Olvidados, 1950) outro desses momentos em que Buñuel colocou de maneira premonitória seu espectador ocupado em interpretar aquilo que vê. Pedro está num reformatório com um diretor tolerante e confiante como o padre de Nazarin (1958) - atitude que não será recompensada. O diretor havia colocado Pedro no aviário da instituição, do qual acaba roubando ovos. Os outros internos conseguem prendê-lo no galinheiro, onde mata duas galinhas. O diretor manda confinar Pedro, mas pede que o alimentem. De acordo com Tesson, os comentários do diretor (“a miséria é má conselheira” e “estamos bem melhores quando estamos de barriga cheia”) demonstram que ele já está interpretando os fatos. Durante o roubo, Pedro joga um ovo, que se esparrama na câmera. Na opinião de Tesson, aqui Buñuel estava jogando um ovo nos espectadores. Quando Pedro não dá uma explicação para o que fez, o diretor diz que a atitude do garoto é porque ele pensa que todos ali o detestam e que se pudesse mataria a todos, mas como não tem coragem matou as galinhas. Pedro balança a cabeça concordando. (imagem abaixo, Simão do Deserto, Simón del Desierto, 1965)


“Buñuel tem uma obsessão pelos obcecados, e isto o aproxima
 de autores como  [Jorge Luis] Borges  ou  Edgar Allan Poe (...)” 

Braulio Tavares (7)

Leia também:

Notas:

1. BUÑUEL, Luis. Meu Último Suspiro. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2009. P. 135.
2. TESSON, Charles. Luis Buñuel. Paris: Éditions de l’Étoile/Cahiers du Cinema, 1995. Pp. 62-6.
3. TAVARES, Braulio. O Anjo Exterminador. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. P. 13.
4. DUNCAN, Paul; KROHN, Bill (Ed.). Luis Buñuel. Filmografia Completa. Köln: Taschen, 2005. P. 58.
5. BUÑUEL, L. Op. Cit., pp. 15, 247-8.
6. Idem, p. 319.
7. TAVARES, B. Op. Cit., p. 75.

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