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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

2 de fev. de 2014

Palavra e Imagem: Cinema Falante



“Imagem  e  som  não  devem  se  ajudar
  mutuamente, mas que eles trabalhem cada um à sua
  vez    numa    espécie   de   revezamento 

Robert Bresson,
Notas Sobre o Cinematógrafo
(frases de 1950 a 1958) (1)

A Descoberta do Silêncio

Desde os primórdios do cinema não foram poucas as tentativas que buscaram alcançar a sincronização perfeita entre imagem e som – da mesma forma, ao contrário do que se imagina, havia vários processos de colorização disponíveis. Embora a crítica de cinema da época não tenha dado muita importância, as plateias saldaram o lançamento nos Estados Unidos de O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, direção Alan Crosland, 1927) pelo estúdio Warner Brothers. Conhecido como o primeiro filme sonoro do cinema, na verdade a Warner já havia realizado Don Juan e vários curtas-metragens com o sistema de som Vitaphone em 1926. Apenas no ano seguinte a Warner construiria em Hollywood os estúdios onde filmar O Cantor de Jazz. Charles Chaplin está entre os grandes nomes do cinema mudo que torceu o nariz para a novidade. Mas seu caso era especial, como alguns outros artistas ele tinha um personagem que “nasceu mudo”, a transição para o cinema sonoro poderia ser um desastre! O questionamento de Chaplin na época da produção de Luzes da Cidade (City Lights, 1931) resume bem o dilema, que parece ter sido mais dos artistas do que da indústria cinematográfica em particular: “(...) Essa revolução foi um desafio maior tanto para Chaplin quanto para os outros. Seu personagem vagabundo [Carlitos] era universal. Sua pantomima era compreendida no mundo inteiro. Mas se o vagabundo agora começasse a falar inglês seu público mundial se reduziria imediatamente. Ainda havia o problema de como deveria falar. Todos ao redor do mundo haviam construído sua fantasia quanto à voz do vagabundo. Como poderia Chaplin impor agora uma voz única monolíngue? Chaplin resolveu o problema ignorando a fala e realizando Luzes da Cidade da forma como sempre havia trabalhado antes, como um filme mudo (...)” (2)

De Sábado para Domingo (Ze soboty na neděli,
1931),     primeiro    filme    sonoro     da     antiga
Tchecoslováquia,    foi    realizado    por    Gustav
Machatý.  Dois  anos  depois ele  dirigiu a novata
Hedy Lamarr (que só adotaria este nome após se
mudar para  Hollywood)  em cenas de nudez em 
Êxtase  (Ecstasy, 1933),  com diálogos em alemão

Considerando apenas os números de oito estúdios norte-americanos (Columbia Pictures, First National, Fox Film Corporation, Metro, Paramount, United Artists, Universal Studios e Warner) entre 1928 e 1929, pelo menos em termos estatísticos a mudança foi bastante profunda e rápida. Em 1928, no total foram produzidos 10 filmes inteiramente sonoros, 25 parcialmente sonoros, 48 com efeitos sonoros e música, além um total de 263 filmes silenciosos. Em 1929, inteiramente sonoros foram 182, parcialmente sonoros 61, com efeitos sonoros e música 39, e apenas 53 filmes silenciosos. A MGM só começou a trabalhar seriamente com o “falado” a partir do segundo semestre de 1928, ao inserir som em filmes como Deus Branco (White Shadows in the South Seas, direção W.S. Van Dyke e Robert J. Flaherty, 1928) (primeiro filme falado a ser exibido na Europa) (3) e Garotas Modernas (Our Dancing Daughters, direção Harry Beaumont, 1928). Os engenheiros de som Jimmy Valentine e Douglas Shearer dão uma ideia da pressão, que poderia estar levando a mudanças técnicas e estéticas que desvalorizavam o filme silencioso talvez além da conta: “Nós estávamos mudando para a produção sonora porque a competição estava muito grande na época” (4). Contudo, quando em dezembro de 1928 a Metro gravou a famosa vinheta com o leão rugindo, concluiu laconicamente o historiador de cinema Joel W. Finler, “(...) estava claro que a era do filme silencioso tinha acabado” (5). (imagem abaixo, poster da Pathé de 1906 anunciando técnica de sincronização anterior àquela que conseguiu unir trilha sonora e película cinematográfica; na parte inferior lemos o aviso: "vemos e ouvimos")


Em contraste com a passagem dos curtas para os longas-metragens, 
que    levou    vários    anos    durante   a   década  de  1910,  a  transição
 do   cinema     mudo     para     o     falado     foi     relativamente    rápida. 
Nos     Estados     Unidos,     entre     1928     e     1929,     noutros   países
com   forte    indústria    cinematográfica    não    passou   de   1930 (6)

Louise Brooks, eterna Lulu de A Caixa de Pandora (Der Büchse der Pandora, direção Georg W. Pabst, 1929) (filme alemão que poderia ter sido sonoro), atuaria no primeiro filme silencioso do estúdio norte-americano Paramount a receber posteriormente alguns diálogos em setembro de 1928, Mendigos da Vida (Beggars of Life, direção William A. Wellman). Sem Novidade no Front (All Quiet in the Western Front, direção Lewis Milestone), considerado a primeira obra-prima da era sonora, foi produzido pela Universal e estreou em abril de 1930. Algum tempo antes, em fevereiro do ano anterior, a Metro Goldwyn Mayer lançou Melodia da Broadway (The Broadway Melody, direção Harry Beaumont), seu primeiro filme totalmente sonoro e o primeiro musical hollywoodiano (com músicas escritas especialmente para ele). Na França o processo foi mais problemático, as sequências com diálogos de seus primeiros filmes parcialmente sonoros tinham de ser gravadas na Grã-Bretanha ou na Alemanha. A propósito de algumas preocupações do espanhol Luis Buñuel, a chegada na Grã-Bretanha do primeiro equipamento de sonorização importado dos Estados Unidos permitiu a um jovem Alfred Hitchcock (1899-1980), então ainda em sua fase inglesa, re-filmar e incluir diálogos em parte de Chantagem e Confissão (Blackmail, 1929) (imagem abaixo). Contudo, Jean-Pierre Eugène mostrou o poder do silêncio nos filmes de Hitchcock, que, aliás, utilizou muito pouca música em seus primeiros filmes falados (7). Ao que parece, foi apenas porque os estúdios pelo mundo estavam em guerra comercial aberta tentado suplantar os concorrentes que o nono longa-metragem de Hitchcock se tornou um dos primeiros filmes sonoros britânicos.


 “O    aspecto    divertido    de    Chantagem    e    Confissão 
 é que depois de muita hesitação os produtores haviam decidido
que  seria  um  filme mudo,  a não ser no último rolo, pois na época
se  fazia   a   publicidade   de   certas   produções   anunciando‘filme
parcialmente  sonoro’.  No  fundo, eu desconfiava  que os  produtores
mudariam    de    opinião   e   precisariam    de   um      filme    sonoro, 
por   conseguinte   previ   tudo.   Assim,   utilizei   a  técnica   do   filme
falado, mas sem o som.   Graças    a    isso,   quando   terminei   o   filme, 
pude    me     opor   à   ideia   de    um    ‘parcialmente    sonoro’,   e  me
deram carta  branca  para  rodar  de   novo   certas    cenas.   A   estrela
alemã,    Anny  Ondra, [tinha   forte  sotaque   germano-tcheco   e]   mal
falava  inglês,   e  como a  dublagem   tal  como  hoje  se  pratica  ainda
não     existia,     contornei     a    dificuldade     apelando     para     uma
jovem    atriz     inglesa,   Joan    Barry,      que   ficava      numa   cabine
fora   do   enquadramento   e   recitava   o   diálogo   diante   de   seu
microfone,   enquanto   miss   Ondra   fazia   a   mímica [...]. Então eu acompanhava o jogo cênico de [...]   Ondra enquanto escutava [...] 
Joan    Barry,    com    o   auxílio   de    fones   nos   ouvidos”

Alfred Hitchcock (8)

Na União Soviética encontramos desde a desconfiança de Serguei Eisenstein (1898-1948) e Vsevolod Pudovkin (1893-1953) até o interesse total de Dziga Vertov (1896-1954) na novidade. Assim como nos Estados Unidos e Alemanha, naquele país (a partir de 1929) também foram pesquisados e desenvolvidos vários sistemas de sincronização (Som Ornamental, Papel Sonoro, Variophone). A comédia musical Os Alegres Foliões (9) (Vesyolye rebyata) foi produzida em 1934 com o sistema de som Kinap (detalhe anunciado nos créditos iniciais do filme). Interesse também do governo bolchevique: o cinema deveria servir para uma “educação política” dos camponeses. Contudo, um dos maiores problemas daquele país era justamente seu tamanho. Embora fosse relativamente fácil produzir trilhas sonoras, era impossível (especialmente na década de 1930) equipar todos os cinemas do país para reproduzi-los – em 1931, existia apenas um cinema em toda a União Soviética capaz de reproduzir o som dos filmes; apenas em 1934 projetores sonoros começariam a ser produzidos. Dois anos depois, apenas 300 em 32, 000 projetores eram capazes de reproduzir som, o que acabou levando à produção de versões silenciosas para os filmes falados – em 1938, a situação pouco havia mudado, existiam 11, 242 projetores com som para 17, 332 capazes de receber apenas filmes mudos. Um catálogo de filmes de 1943 apresentava 277 filmes falados e nada menos que 175 mudos (muitos e muitos deles apenas versões mudas dos filmes falados) (10). (imagem abaixo, A Paixão de Joana d’Arc, 1928)


“O cinema foi sonoro desde a origem. Foi para acompanhar seu
 fonógrafo que [Thomas] Edison [1847-1931] inventou o kinetógrafo. 
Os  primeiros  filmes  foram,  portanto,  acompanhamentos  visuais  de  gravações  sonorasO  sucesso  internacional  das  imagens  mudas  dos irmãos   Lumière   e   o   desenvolvimento   da   produção   maciça   de
filmes    mudos    por    Charles    Pathé    a    partir    de    1903-1905
    retardaram a generalização do cinema sonoro uns 20 anos (...) (11)

No Começo Era o Som

Não é difícil encontrar quem afirme que a implantação do cinema falado atropelou o cinema produzido antes (que então passou a se chamar “mudo”), justamente no momento em que este alcançava a excelência técnica. Ao mesmo tempo em que o modelo de negócio focado no filme enquanto produto também se consolidava – o exemplo francês, como o império em escala mundial dos irmãos Pathé, remonta aos anos anteriores a 1914; seu domínio dos mercados até a irrupção da Primeira Guerra Mundial é um dado histórico incontornável. Compreende-se então a dificuldade que muitos (cineastas e estúdios produtores) sentiram quando se viram forçados pelo mercado a mudar as características de seu produto. Muitos filmes que na realidade são mudos receberam um tratamento com trilha musical e de efeitos sonoros. Contudo, continuam sendo filmes mudos. Uma pequena lista de pérolas do cinema mudo europeu realizadas em plena vigência do cinema falado demonstra de forma definitiva que a transição não se deu numa atmosfera de unanimidade (12).

Curiosamente, talvez o mais famoso dentre os filmes mudos (pelo menos entre os cinéfilos), A Paixão de Joana d’Arc (La Passion de Jeanne D’Arc, também conhecido no Brasil como O Martírio de Joana d’Arc) (imagem acima) foi lançado em 1928. Dirigido pelo dinamarquês Carl Theodor Dreyer (1889-1968), o filme é famoso por ter sido feito quase totalmente de closes dos rostos, algo sem precedentes até então e mesmo posteriormente. No mesmo ano, a França assiste a O Dinheiro (L’argent), “super longa-metragem” (164 minutos; segundo consta, originalmente seria ainda maior), último filme mudo realizado por Marcel L’Herbier (1888-1979) – apesar do ano de lançamento, 1928, poderíamos dizer que o cinema falado, como veremos, ainda não havia chegado na França; o cineasta chegou a inserir ruídos numa trilha sonora. Na Alemanha, Sprengbagger 1010 (direção Carl Ludwig Achaz-Duisberg), elogio à industrialização numa época de desemprego em massa, e Flor do Asfalto (Asphalt, direção Joe May; lançado em DVD no Brasil também como Asfalto) foram lançados no ano seguinte. Asfalto faz parte do bem ciclo de “filmes de rua” alemães, constituindo uma prova do florescimento desta temática pessimista em relação à metrópole até o film do cinema mudo. Outros exemplos deste ciclo são A Viagem de Mãe Krause para a Felicidade (Mutter Krausens Fahrt ins Glück, 1929) e Gente no Domingo (Menschen am Sontag, direção Robert Siodmak, Edgar G. Ulmer, Fred Zinnemann, Rochus Gliese, 1930) (13). (imagem abaixo, o primeiro filme falado e sonoro de Fritz Lang, M, o Vampiro de Düsseldorf, 1931)


“Nós, que trabalhamos na União Soviética, estamos conscientes
de  que,  com  nosso   potencial   técnico,    não    vamos  caminhar
em  direção  à  realização  prática  do  cinema  sonoro  num  futuro próximo.   Ao  mesmo   tempo,   consideramos    oportuno    afirmar
 várias   premissas de  princípio   de   natureza     teórica,     porque, 
por    conta    da    invenção,    parece     que     este    avanço     da
cinematografia   está   sendo   usado   de   modo   incorreto (...)

Serguei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin, Grigori Alexandrov, 
Sobre o Futuro do Cinema Sonoro, 1928 (14)

Dentre os cineastas da antiga União Soviética a espera foi ainda mais longa, os primeiros filmes falados surgiriam em 1930. Filmes de ficção talvez tenham sido lançados até 1936, mas foi apenas na década de 1940 que se deixaria de realizar versões mudas de cine-jornais (15). Embora Serguei Eisenstein não tenha de todo virado as costas ao cinema falado nascente, salta aos olhos que seu último filme mudo, A Linha Geral (Generalnaya liniya; também conhecido como O Velho e o Novo, Staroye i novoye), tenha sido lançado somente em 1929, enquanto seu primeiro filme sonoro chegasse apenas em 1938, Alexander Nevsky (Aleksandr Nevskiy; também conhecido como Cavaleiros de Ferro). Vsevolod Pudovkin sai na frente com seu último filme mudo sendo lançado em 1928, Tempestade Sobre a Ásia (Potomok Chingis-Khana). Filmado nas estepes da Mongólia, existe uma identificação tanto no tema quanto nas locações com Alone (Odna), outro filme mudo com inserções à posteriori de efeitos sonoros e trilha musical. Lançado em 1931, a direção ficou a cargo da dupla Grigori Kozintsev (1905–1973) e Leonid Trauberg (1902–1990). Embora tenha sido recebido friamente pelos espectadores, segundo se conta em função da dificuldade de compreensão da obra, Terra (Zemlya, 1930), realizado por Aleksandr Dovzhenko (1894-1956) se destaca como a última grande conquista do cinema mudo soviético. (imagens abaixo, A Mãe, direção Vsevolod Pudovkin, 1926)

(...) A Mãe [1926], de Pudovkin, contém uma cena impressionante
de cinema sonoro, embora não existisse na época.  Sozinha durante a noite,mãe vela [...]  seu marido.  Sozinha e imóvel  como o morto. Nada
se move. Silêncio. [...] Nós vemos em close gotas caírem da torneira. Ritmo monótono.  Inabalável.   Por  esse  desvio,  Pudovkin  nos  comunicou,  na época,    uma   impressão  auditiva.   O   ruído   fraco   das   gotas  caindo regularmente tornou sensível o silêncio insondável. Numa transmissão radiofônica, seria preciso indicar com palavras o significado do ruído monótono   dessas   gotas.   Não   haveria   mais   nenhum   silêncio”

Béla Balázs, Der Geist des Films, 1930 (16)


O Som é a Morte do Cinema

A crise econômica que atingiu o mundo a partir de 1929 chegou à França em 1934, a situação do cinema naquele país se deteriorou ainda mais. A Pathé abandonou a fabricação de película, de projetores e a distribuição, tornando-se produtora de filmes exclusivamente franceses, encerrava-se assim a hegemonia francesa na área da distribuição, cuja queda havia começado em 1914 – a Primeira Guerra Mundial acabou com os mercados europeus outrora assegurados e a força das distribuidoras norte-americanas se consolidou. Além disso, não chegou a ser desenvolvida na França uma opção economicamente viável para os sistemas de sonorização concorrentes, abrindo assim mais um canal de dependência em relação à tecnologia estrangeira – especialmente as companhias estadunidenses e germano-holandesas. Durante algum tempo a Gaumont utilizou o sistema dinamarquês Petersen & Poulsen, que se revelou comercialmente inviável, deixando os franceses para decidir entre os sistemas R.C.A. e Western Electric norte-americanos e o alemão Tobis-Klangfilm (que acabou por dominar o mercado europeu) (17). A persistência da falta de unanimidade em relação ao valor do cinema falado era outro fator que colocava a França em desvantagem no mercado mundial. (imagem abaixo, O Sangue de um Poeta, direção Jean Cocteau, Le Sang d'un Poète, 1930)


 “(...) O Sangue de um Poeta [1930] possui um status bastardo: nunca
se   sabe   se   é   um    filme    mudo    sonorizado   ou    falado,    [mas]
 atingido  pela  mudez.  O  cinema  de   [Jean]  Cocteau  é  muito  falante, 
contudo, paradoxalmente,  nunca   deixa  o  som invadir  a  exigência  de
silêncio   que   envolve   esse   outro   mundo,   esse   quarto   de   casal
 no   qual   afirma   por   um   momento   morar   ou   traduzir (...) (18)

Uma das hipóteses afirmava que a nova tecnologia levaria o cinema, considerado por muitos franceses uma “pura poesia do visível”, a retroceder, tornando-se um “teatro enlatado” – durante as décadas de 1920 e 1930, o debate já era grande em torno da relação do cinema com o teatro. O próprio Walter Benjamin (1892-1940), que estava em Paris naquele período, também se preocupou a ponto de enviar carta a Theodore Adorno (1903-1969) em 1938 onde demonstrava sua preocupação de que a “primazia revolucionária” do cinema mudo pudesse se perder com a introdução do som.  O cineasta francês Jean Epstein (1897-1953) foi um dos poucos que abraçou os novos tempos sem reservas, enquanto seu conterrâneo René Clair (1898-1981) questionou tanto que acabou erroneamente passando para a história do cinema como uma figura anacrônica totalmente contra o cinema falado (19). O dramaturgo e cineasta francês cineasta Marcel Pagnol (1895-1974) dizia que o cinema era uma arte menor, que nele não havia criação artística envolvida e que não passava de uma extensão triste da pantomima (20). (imagem abaixo, cartaz de Sob os Tetos de Paris; na parte inferior lemos o aviso em destaque: "um filme sonoro e falado de René Clair")


(...) Henry   Langlois   teve   razão   em    sublinhar,   a   respeito
do primeiro  período do  cinema  falado francês  que se situa entre
Sob  os  Tetos  de  Paris  [Sous  les  Toits  de  Paris, 1930]  e  O  Atalante 
[l’Atalante, 1934] que ele era ‘essencialmente dominado (...) pela vontade
de não romper  com  as  conquistas da arte do cinema mudo, a vontade
de  aí  associar  o   som   e   a   palavra   preservando   a   linguagem
 cinematográfica,   de   preservar   o   domínio   da   imagem’” (21)

Um dos primeiros filmes sonoros a estrear na França foi realizado por dois espanhóis, o pintor Salvador Dali (1904-1989) e o cineasta Luis Buñuel (1900-1983), A Idade do Ouro (L’age d’or, 1930). Para Matthew Gale, Buñuel exagerou em fevereiro de 1930 quando se referiu às mudanças e novas incertezas (em função da introdução do som) como uma “crise no cinema atualmente”. Os comentários de Buñuel eram endereçados ao visconde de Noailles, seu patrono e financiador em A Idade do Ouro, e à sua distinção entre filmes falados, chamados sonoro-falado em francês, e o mais paradoxal mudo-sonoro, no qual o som era adicionado na pós-produção. No fundo, insistiu Buñuel, tal distinção representava uma escolha financeira e ideológica vinculada a uma luta entre sistemas rivais desenvolvidos nos dois lados do oceano atlântico (Estados Unidos e Europa) - daí a opção final de Noailles em produzir A Idade do Ouro como filme sonoro (22). O primeiro filme sonoro do cinema francês, As Três Máscaras (Les Trois Masques, direção André Hugon) (imagem abaixo, à direita) foi filmado em Londres com equipamento norte-americano e lançado em novembro de 1929.





(...)    ao     lidar     com     a     cor, 
elemento   novo   para  ele,  Clair,   que,
ao  lado  de  Chaplin,  se  levantou contra
a sonoridade do cinema que matava o gesto, 
a   mímica,   a   imagem   pura,   e   contra
 a   cor   que   rendia   a   arte   sétima  à
 pintura    ou    ao    cartão    postal” 

Glauber Rocha (23)





“O som é a morte do cinema”, esta frase atribuída a René Clair parece bastante objetiva e clara. A partir dela começa uma entrevista concedida pelo cineasta durante a década de 1950 do século passado onde o cineasta explica o que exatamente ele quis dizer (24). “Eu não fui o único a dizer”, afirmou Clair, que listou outros nomes da época que concordaram com ele: Charles Chaplin (1889-1977), Fritz Lang (1890-1976), F. W. Murnau (1888-1931), Eric von Stroheim (1885-1957), Vsevolod Pudovkin, Serguei Eisenstein. Clair disse que não era contra a utilização do som, apenas temia que, com a proliferação da palavra, fosse neutralizada a inventividade a que se havia chegado no período silencioso. Clair admitiu temer que a introdução de diálogo nos filmes fizesse o cinema retroceder às técnicas de palco do teatro – e a história do cinema mostra como foi difícil para o cinema deixar de ser apenas teatro filmado. Com O Milhão (Le Million, 1931), uma comédia musical que foi seu segundo filme falado, Clair deu um exemplo do que significa para ele uma utilização inventiva do som. Na cena em que há uma correria atrás do bilhete premiado da loteria que supostamente estaria no bolso de um paletó que troca de mãos muitas vezes, a trilha musical é substituída pelo som de uma torcida de futebol americano que reage a cada troca de mãos da bola. O som completamente artificial em relação à cena, embora os atores reproduzissem bastante claramente a “dança” dos jogadores durante uma partida, incluiu até o apito de um juiz. (imagens abaixo, à esquerda, À Nós a Liberdade, À Nous la Liberté, 1931; à direita, o surrealista Entr'acte, 1924, ambos com a direção de René Clair)


 “(...) Eu  poderia  ter  me  revoltado  contra o cinema sonoro em 1929, 
mas   eu  era  bem  jovem.  Além  disso,  os  primeiros   filmes    falados
que assisti não eram convincentes. Eu tinha oito anos de idade. Descobri
que    não   havia   nenhuma   ação   (risos).   Depois  mudei   de    ideia
rapidamente,    graças    às    comédias   musicais   e   a   René   Clair”

Alain Resnais, 2005/2006 (25)

Clair disse ainda que a inventividade da comédia norte-americana do tempo do cinema mudo (Mack Sennett [1880-1960], Chaplin, Harry Langdon [1884-1944], etc.) praticamente deixou de existir com o surgimento do cinema falado. Em sua opinião, o problema foi justamente a introdução de diálogos, que acabou levando os artistas a introduzir palavras (de uma forma realista e não criativa) numa arte (como determinados tipos de comédia) puramente visual que demandava uma busca incessante de novas formas de expressão. Naquela época, todas as gags preparadas pelos comediantes eram visuais e particulares de cada artista, a ponto de identificá-los individualmente em estilos. Com a introdução do cinema falado, a maioria dos comediantes veio do rádio. Ou seja, eles vieram porque conseguiam ser bons com palavras. O que não é necessariamente ruim considerando a introdução do cinema falado, mas a preocupação de Clair está em que essas pessoas não são selecionadas por sua inventividade, mas pela clareza de sua dicção, por sua qualidade enquanto locutores. A especialidade deles não é, definitivamente, inventar gags visuais. (imagem abaixo, o surrealista A Idade do Ouro, L'Age d'Or, 1930; segundo e último trabalho conjunto de Salvador Dali e Luis Buñuel)


“Outras ideias visam explodir pelos ares o sistema de sincronismo, 
continuidade e correspondência utilizado na linguagem padronizada do
cinema   silencioso  e  no   recém   criado   filme  sonoro,   que   já   tinha
 sido   sabotado   em    Um  Cão  Andaluz   e   A Idade  do  Ouro (...)

 Uma dentre tantas ideias contidas no roteiro de La Chèvre Sanitaire (1930-1), não publicado
até    2004.   Escrito   por   Salvador   Dali   logo   após   A  Idade  do  Ouro,   reedita   situações
 apresentadas em artigo de mesmo nome  contido em seu livro  La Femme Visible (1930) (26)
Outros reconheciam um divisor de águas na “crise do cinema” alardeada por Buñuel. Questionado em 1929 se usaria som, depois de hesitar o francês Man Ray (1890-1976) comentou: “os cineastas estão longe de terem exaurido todas as suas possibilidades... O cinema silencioso está sendo abandonado justamente no momento que se torna algo interessante para trabalhar”. Posteriormente, sua atitude endurece: “Atualmente, o cinema é essencialmente uma operação bancária”. Gale explicou que estas palavras indicam que Man Ray evidenciava um deslocamento financeiro: do projeto ainda ao alcance do patrono ou amador durante os anos 1920, para as produções de estúdio da década seguinte; da rápida reviravolta dos primeiros silenciosos para os filmes de Hollywood com versões em vários idiomas. Gale resume toda essa polêmica a respeito do som (ou do silêncio) transcrevendo o relato do jornalista Joseph Roth, que em 1925 testemunhou uma plateia “revoltada”: todos pediam que a música mudasse, mas o pianista se levantou do instrumento e se retirou enquanto o filme continuou sem acompanhamento musical, então alguém da plateia foi buscar o pianista e o forçou a tocar uma melodia popular. No contexto da sala de cinema, lembrou Gale, o poeta surrealista Robert Desnos (1900-1945) disse em 1927 que “não existe nada mais ameaçador... do que um filme projetado em silêncio. O barulho é necessário, todavia cada tentativa de orquestração imitativa tem sido lamentável”. (imagem abaixo, Charles Chaplin e o cômico francês Max Linder, entre 1905 e 1925)


 “O cinema falado ataca as tradições da pantomima que com tanta
dificuldade buscamos estabelecer na tela, e a partir da qual deve ser
 julgada a arte cinematográfica. [...] Hoje o gesto começa onde a palavra
  termina.    [...]     Os    espetáculos    de     [Fred]    Karno      [(1866-1941)], 
empresário    do    teatro   de revista,]  respeitam  todas  as  tradições  da
pantomima. [...] Não poderia existir melhor escola para um mímico na tela
porque  a  essência  do  cinema  é  o  silêncio. Em  meus  filmes, eu nunca
falo.  Não  acredito que minha voz possa acrescentar a minhas comédias.
 Pelo    contrário,   ela    destruiria    a    ilusão     que     pretendo    criar, 
aquela de uma  pequena  silhueta  simbólica  da comicidade;  alguém
que      passe       quase       despercebido,     não     um     personagem
  real,  mas   uma    ideia   humorística,    uma     abstração    cômica” 

Declaração de Charles Chaplin em 1930 a Motion Picture 
Magazine, feita antes de adotar o som em seus filmes (27)

Enquanto Chaplin, resignado, aderiu ao cinema falado nos Estados Unidos, Jacques Tati (1907-1982) fará o caminho inverso na França. Seus primeiros curtas-metragens datam do final da década de 40 do século passado, portanto bastante posterior à maior parte dos debates acalorados em torno do cinema falado. No entanto, tributário da tradição da pantomima e do humor mais físico (a linguagem do corpo), de onde o próprio Chaplin surgiu, Tati basicamente ignorou o logocentrismo inaugurado pelo cinema falado: em seus filmes, as palavras (os diálogos) não levam a lugar nenhum, evidenciando apenas a própria incomunicabilidade. No caso especifico do cinema cômico, Tati considerava o som como o primo pobre da sétima arte, embora pareça a primeira vista uma contradição que o som também tenha sido para ele o lugar de todas as licenças poéticas. O cineasta se ressentia do poder dado à palavra, em detrimento da linguagem do corpo. Tati segue a fórmula de Georges Sadoul (o diálogo é um ruído entre outros) e dá a palavra aos sons de nosso cotidiano - pelo menos um ano trabalho na sonoplastia (que gravou em cinco canais) de Playtime. Tempo de Diversão (Playtime, 1967) – quem seria capaz de se esquecer da sequência da porta que bate sem fazer ruído! Ao contrapor vários “primeiros planos sonoros” a um plano geral, Tati prende a atenção do espectador em detalhes muitas vezes situados no pano de fundo da cena (28).


O roteirista Jean-Claude Carrière se recorda de um dia em que Tati
o  levou  ao  auditório onde estava gravando o ruído do vidro quebrado
no  chão  da  cozinha,   em   Meu  Tio  (Mon Oncle,  1958).  Lá  havia  oito
tipos diferentes  de  solo  (cimentomármorepedra, etc.).  Acompanhado
pelo  engenheiro  de som, durante  um  dia  inteiro o próprio Tati jogava
copos de diferentes alturas sobre diferentes superfícies. Absolutamente apaixonado, Carrière dizia para si mesmo: “Mas isso é cinema!” (29)

Existem três versões de Dia de Festa (Jour de Fête, também conhecido no Brasil como Carrossel da Alegria), uma de 1947 (restaurada em 1994), outra de 1949 e a de 1964, com personagem novo e toques coloridos. Ao criar a versão de 1964, Tati suprimiu a cena de 1949 no espelho de seu armário no correio quando François finalmente descobre e limpa o risco preto em torno de seu olho (imagem acima, à direita). A fonte dos ruídos estranhos de encanamento não é mais mostrada, o que aguça a imaginação do espectador. Stéphane Goudet pergunta: o som percebido (ou pelo menos um deles) não se parece com a buzina de um transatlântico, cuja passagem foi anunciada pelos dois brincalhões (do bar) para estimular François a olhar na imitação de luneta? (30). A segunda sequência encurtada em 1964 é aquela onde os corpos do homem da feira/parque de diversões e da moradora da vila duplicam o faroeste do cartaz que anuncia o filme que está sendo projetado dentro da tenda (imagem acima, à esquerda). Enquanto isso, fora do quadro, o som do filme de faroeste (que Tati mudou para o inglês, acentuando a distância entre o herói do faroeste e sua pálida cópia francesa) sofre várias alterações de velocidade. (imagens abaixo, comparação entre as duas sequências na linha de montagem da fábrica que inspiraram o processo de plágio dos produtores de À Nós a Liberdade, à esquerda, contra Tempos Modernos, à direita, de Charles Chaplin - ver nota 19)


Para Goudet, ao conservar apenas o efeito sonoro do erro do projecionista Tati evoca a época de ouro do burlesco estadunidense (Bancando o Águia [Sherlock Jr., 1924], de Buster Keaton, por exemplo). Seguindo a sequência com um campo-contracampo do casal, evidencia a separação dos dois e parodia a linguagem cinematográfica clássica de Hollywood. Mas as referências aqui também remetem à França, Goudet mostra que essa duplicação de uma cena visual mantida por palavras que vem de outro lugar (do extracampo) também se encontra em René Clair (a canção em Les Deux Timides [1928] e em O Milhão) e Sacha Guitry (a peça radiofônica em La Poison, 1951). Na opinião de Goudet, entre as modificações ocorridas entre 1949 e 1964, estas duas sequências convergem para a preferência do cineasta durante os anos 1960 pela sugestão através do som em detrimento da explicação através da imagem. Segundo Serge Daney, “(...) sabemos agora um pouco que Tati não esperou ninguém para repensar, desde Dia de Festa, a sonorização no cinema. Sabemos menos ainda que, quase trinta anos mais tarde, Parada [Parade, 1974] é uma extraordinária sondagem no mundo do vídeo” (31) (imagem abaixo, cartaz de Chantagem e Confissão, filme sonoro de "última hora", alardeando o fato de ser o primeiro longa-metragem inglês com esta característica, 1929)


Jacques Tati se especializou em sincronizar fenômenos visuais com fontes sonoras (pré-gravadas) que lhe são estranhas. Andre Bazin saudou As Férias do Sr. Hulot (Les Vacances de Monsieur Hulot, 1953) na época do lançamento afirmando que a astúcia de Tati consistia em destruir a nitidez do som através dela mesma, com diálogos que são mais insignificantes do que incompreensíveis. Durante todo o tempo pode-se ouvir as crianças brincando, a tristeza e o desencantamento que invadem o final do filme vêm do silêncio delas (o que significa que as férias acabaram), disse Bazin (32). Por outro lado, nove anos depois o cineasta francês François Truffaut (1932-1984) rebateu os elogios de Bazin ao questionar a preocupação de Tati com os sons diegéticos e com o mundo real. Em 1958, Truffaut disse que cineastas como Robert Bresson e Jacques Tati fazem o que fazem por necessidade de controlar tudo e eliminar o acaso. Truffaut não fez restrições a As Férias do Sr. Hulot. Contudo, em Meu Tio Truffaut elogiou as cenas em Saint-Maur-des-Fossés (o bairro do mercado), mas considerou aborrecidas as cenas na fábrica e na casa da família Arpel. Seria lógico e verossímil que os mesmos ruídos se repetissem como acontece no mundo real (sem o emprego de elipses), essa é a meta de Tati que Truffaut questionou. A cozinha super moderna só é engraçada da primeira vez, assim como o peixe-chafariz e o ruído dos saltos da senhora Arpel, a repetição obsessiva desses elementos leva a uma visão deformada do mundo. “(...) Quanto mais procura aproximar-se da vida mais se distancia dela, pois a vida não é lógica (nela, nós nos habituamos aos ruídos a ponto de não mais ouvi-los) e, finalmente, cria um universo delirante, de pesadelo, concentracionário, que paralisa o riso mais facilmente que o gera” (33). Posteriormente, com o lançamento de Playtime, Truffaut muda de opinião e enaltece o trabalho de Tati, chegando a citá-lo num de seus próprios filmes, Domicílio Conjugal (Domicile Conjugale, 1970).

Cinema Italiano: Dublagem e Realismo 

 



“A    trilha     sonora     é   um
ventríloquo  que,  movendo  seu
boneco  (a  imagem)  juntamente
com as palavras que secretamente
enuncia,  cria  a  ilusão  de  que  são
produzidas   pelo  boneco/imagem, 
quando, na verdade, este tem como
tarefa   disfarçar  a  fonte   do  som.
Longe    de    ser    subserviente    à
imagem,   a  trilha   sonora  utiliza
a  ilusão  de  subserviência  para
  servir aos próprios interesses” 

Rick Altman,
Moving Lips: Cinema as 
Ventriloquism, 1980 (34)




O contexto histórico da opção italiana pela dublagem passou bem pelo meio da indústria cinematográfica estabelecida por Mussolini. Originalmente, Resurrectio (direção Alessandro Blasetti, 1931) deveria ter sido o primeiro filme sonoro italiano, mas seu lugar foi ocupado por Silêncio por Amor (La Canzone dell’Amore, direção Gennaro Righelli, 1930) (35). A introdução da tecnologia de sincronização do som foi relativamente lenta na Itália, país onde a ditadura fascista de Mussolini a implantou de forma a facilitar o funcionamento mecanismos de uma censura bastante peculiar. Il Duce estava muito empenhado na implantação do idioma italiano oficial, então não perdeu mais essa oportunidade para neutralizar os inúmeros dialetos, algo que ele considerava um elemento de desagregação social. A forma encontrada foi investir na dublagem (criando uma indústria que existe até hoje), o que permitia apagar os diálogos originais (de filmes estrangeiros que fossem considerados “equivocados”) e impedir a proliferação de ideologias separatistas dentro da Itália. Poucos filmes italianos foram realizados gravando o som direto, praticamente todos os diálogos eram inseridos durante a pós-produção, foi por este motivo que o cineasta francês Jean-Luc Godard afirmou que a Itália só conhecia o cinema o dublado, por lá o cinema falado surge apenas no final do século XX. (imagem acima, à esquerda, cartaz de Silêncio por Amor destacando a protagonista; imagem abaixo, Resurrectio)


(...) [O]  Neorrealismo,   tão    atento   para   observar   as   possibilidades
estéticas da reprodução  fotográfica, nunca  se refere a qualquer reflexão
séria quanto  à  dimensão  técnica  do  cinema:  na  verdade,  ele  coloca a
tecnologia entre parênteses,  de tal forma que as modalidades de registro
da imagem (e, acima de tudo, do som) nunca são realmente debatidas”(36) 

Segundo Steven Ricci, o caráter ideológico da dublagem administrada pelo Estado Fascista não deve ser subestimada. Entre 1929 e 1931, período em que a infra-estrutura de dublagem ainda não estava totalmente implantada, todos os filmes estrangeiros eram apresentados sem seus diálogos nos idiomas originais. Por dois anos, aqueles filmes estrangeiros que não chegassem já dublados do estrangeiro teriam o som dos diálogos cortados (deixava-se apenas o som diegético e a trilha musical), sendo substituídos pelos intertítulos típicos da era do cinema mudo. Não era incomum que filmes mudos italianos fossem relançados em versões sonorizadas. É o caso de Rotaie (direção Mario Camerini), realizado em 1929 como um filme mudo, recebeu efeitos de som diegéticos antes do lançamento em 1930 (37). De acordo com Rémi Fournier Lanzoni, a comédia italiana não foi tão prolífica quanto com o início do cinema sonoro. De acordo com Lanzoni, o gênero pode florescer em justamente por conta daquilo que aterrorizava a maioria dos cineastas (como René Clair), atores e atrizes: a inserção de diálogos permitiu que a grande quantidade de dialetos sobrevivendo em paralelo com o idioma italiano oficial aparecesse no “humor regional”, que, durante o período mudo (basicamente focado nas proezas de destreza física), simplesmente não encontrou um canal por onde se expressar. Contudo, admitiu Lanzoni, a maioria das comédias italianas da década de 1930 se limitou a copiar as produzidas em Hollywood (38).

Cinema Alemão: Entre Berlim e Hollywood

Lilian   Harvey,
alemã   de   origem
britânica, faria sucesso
ao também protagonizar
com  sua  própria  voz as
  versões   em   inglês  e 
 francês    de    seus
  filmes alemães (39)

Na Alemanha, Fritz Lang relutou em fazer a transição para os filmes sonoros e foi demitido pela UFA (embora o hábito de Lang em ultrapassar o orçamento também tenha pesado na decisão). O que na opinião de Chris Wahl chega a ser irônico, já que o estúdio relutou longamente em abandonar o cinema silencioso, embora até pudesse ter lançado a sincronização do som antes da Warner Brothers. Em 1925, Joseph Massole se torna o técnico responsável pelo departamento do filme sonoro da UFA - juntamente com Hans Vogt e Joseph Engl, inventam o primeiro processo sonoro ótico. Chamado “Tri-Ergon” (trabalho de três), se revelaria superior ao processo de agulha e/ou gravação lançado pela Warner. Guido Bagier, diretor artístico do recém criado departamento, dirigiu naquele mesmo ano o primeiro curta-metragem da UFA utilizando o novo sistema, The Little Match Girl (Das Mädchen mit den Schwefelhölzern). A estréia em 17 de dezembro foi um desastre, o sistema de som não funcionou e a UFA aproveitou para cancelar todo o projeto de pesquisa, sob o pretexto da crise econômica na Alemanha – com total falta de interesse, o estúdio alemão vendeu a patente do Tri-Ergon para interesses suíços em 1926 (40). De fato, Bagier chegou a escrever em seu diário que tudo era problemático para essa equipe em Babelsberg, todos estavam mobilizados para as gravações de Metropolis (direção Fritz Lang, 1927) e ninguém queria mexer num time que estava ganhando (no caso, a estrutura material e financeira montada em torno do cinema silenciosos). Apenas com muito esforço o projeto foi alocado num pequeno estúdio construído em Berlin-Weißensee, ninguém na UFA queria ouvir a respeito do que consideravam experimentos inúteis (41). (imagem abaixo, à direita, Atlantik, como diz o cartaz, "o leviatã de todos os filmes falados", direção Ewald André Dupont, 1929) (imagem acima, Lilian Harvey e Willy Fritsch na versão alemã de The Congress Dance, 1931)


Erich Pommer pelo método trabalhoso
e  caro  de  produzir  o  mesmo  filme  em vários idiomas contratando atores e atrizes
estrangeiros.   Dos 17 filmes que produziu para a UFA, 15 seguiram este padrão (42)

Erich Pommer (1889-1966), que estava trabalhando em Hollywood até ser re-contratado como gerente de produção da UFA, recebeu como tarefa “purificar” o estúdio: ao invés de filmes longos a respeito de mitos germânicos (embora o nome de Pommer estivesse ligado a eles de forma indelével), entretenimento internacional leve. Ele acreditava que o som no cinema era algo inexorável, e, como a música se tornaria o “esperanto dos filmes sonoros” (43), as variantes europeias deveriam ser ajustadas para a bem aceita estrutura da opereta. De fato, Pommer queria trabalhar com o sistema Tri-Ergon, mas sua proposta foi rejeitada pela direção em 1928. De acordo com Chris Wahl, quando a decisão de fazer a transição foi finalmente tomada, até 1931 a maioria dos cinemas na Alemanha estava equipado para o cinema sonoro. Sabine Hake contesta e aponta para 1935, devido aos elevados custos e a complicada logística para preparar todos os cinemas alemães. Em 1928, de um total de 128 longas-metragens, apenas oito eram sonoros. Em 1931, apenas dois de um total de 157 não contavam com uma trilha sonora. Em 1928, dois anos depois de a UFA vender o Tri-Ergon, a guerra das patentes pendentes induziu várias companhias a unir forças sob o nome de Tobis (Sindicato Imagem e Som). Em 1929, a “paz parisiense do cinema sonoro” estabeleceu a compatibilidade entre os sistemas europeus e estadunidenses, além de dividir o mercado internacional dentro de suas respectivas zonas de influência. Jacques Kermabon afirma que a data do acordo foi julho de 1930 e que Espanha, França e Itália permaneceram mercados livres (44). Em 1929, a Tobis e a Klangfilm GmbH, financiadas pela AEG (Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft) e Siemens-Halske, fizeram outro acordo sob o nome de Tobis-Klangfilm (formada por capital alemão, holandês e suíço) que, de agora em diante, controlavam os mercados europeus (45). (imagens abaixo, Tabu, 1931, direção F. W. Murnau; a música "tribal" presente no filme, quer seja original ou não, se coloca em direta oposição às tradições musicais germânicas. Nesse sentido Tabu, ou pelo menos sua trilha musical, também poderia significar uma espécie de rompimento de Murnau com suas raízes)


“O primeiro cinema sonoro [alemão]
encontrou sua grande inspiração nas tradições
 musicais que foram centrais para as definições 
 de  germanidade  no  século  XIX (...)” 

Sabine Hake (46)

Apenas com a construção em 1929 do Tonkreuz, prédio equipado com um estúdio de som, os estúdios da UFA em Babelsberg se tornaram os mais avançados da Europa. Naquele período, muitos trocaram a Alemanha por Hollywood (Marlene Dietrich, Wilhelm Dieterle, Karl Freund, etc.), embora também houvesse o influxo de talentos do leste europeu. Os estúdios da UFA foram muito alugados para estrangeiros, especialmente nas produções franco-germânicas, assim como atrizes e atores ingleses e franceses contratados com o objetivo de atuar nas versões estrangeiras de filmes alemães – até 1935, durante o período de transição para o cinema sonoro, quase um terço de todos os filmes sonoros eram acompanhados de versões em outros idiomas. Promovido como o primeiro filme 100% sonoro, Atlantik (direção Ewald André Dupont, 1929), foi realizado em três versões no estúdio britânico Elstree. Com direção de Carl Froelich (1875-1953), A Noite é Nossa (Die Nacht gehört uns, 1929) se tornou a primeira co-produção franco-germânica de um filme sonoro e o primeiro a utilizar a tecnologia de forma criativa (por exemplo, ao experimentar com som fora da tela, extracampo). Depois de 1933, concluiu Hake, a prática das versões em vários idiomas foi abandonada em função dos elevados custos de produção e pela mudança na paisagem política (ascensão de Hitler ao poder).

“Internacional em seu modo de produção, versões em vários idiomas contribuíram para a identificação de estrelas famosas com características nacionais e influiu na crescente preocupação com o idioma e a voz enquanto lugar da identidade nacional. Estilisticamente, a introdução de diálogo pôs fim aos estilos mais expressivos de atuação do período silencioso e introduziu muitas convenções de palco, incluindo pronúncias idiossincráticas como o ‘r’ gutural. Enquanto os atores ficaram muito identificados com a questão do caráter nacional, as atrizes continuaram a trabalhar num contexto internacional. Por exemplo, Lilian Harvey apareceu na versão alemã de The Congress Dances [Der Kongreß tanzt, direção Erik Charell, 1931] ao lado de seu parceiro usual Willy Fritsch, mas foi escalada com Henri Garat na versão francesa. Por outro lado, o filme de aventura futurista F. P. 1 Doesn't Answer [(F. P. 1 antwortet nicht, direção Karl Hartl, 1932)] apresenta Hans Albers, Conrad Veit e Charles Boyer como protagonistas masculinos, respectivamente, nas versões alemã, inglesa e francesa. A prática de versões em vários idiomas foi logo substituída por versões dubladas, em parte por causa desses problemas de elenco. Depois disso a dublagem, que muitas vezes tinha atores alemães muito conhecidos emprestando suas vozes diferentes para estrelas famosas de Hollywood, se tornou o padrão para filmes populares, com versões legendadas normalmente reservadas para filmes de arte” (47)


Em março de 1929, uma compilação de imagens realizada por Walter Ruttmann (1887-1941) chamada Melodia do Mundo (Melodie der Welt) foi lançada como o primeiro filme alemão longo sonorizado. Logo a seguir, a opereta estará presente em A Melodia do Coração (Melodie des Herzens, direção Hanns Schwarz, 1929) foi o primeiro longa-metragem totalmente sonoro da UFA – Wahl se refere a versões em inglês e húngaro, já Hake contou quatro idiomas além de uma versão muda. O segundo longa-metragem ficou bem mais famoso, O Anjo Azul (Der Blaue Engel, direção Josef von Sternberg, 1930), com Marlene Dietrich e Emil Jannings, embora a estratégia de gravar o filme inteiro em inglês visando o mercado estadunidense não tenha surtido efeito. A partir daí as versões em inglês (regravadas, cena a cena, durante as filmagens no idioma alemão) passaram a ser feitas com atores e atrizes dos países aos quais eram destinadas as cópias, fossem quem fossem as estrelas alemãs protagonizando os filmes. Este tipo de pocesso, já sabemos, em breve será substituído pela dublagem. Os Estados Unidos também deixariam de ser o único alvo da UFA, substituído pelo interesse nos mercados britânico e francês, este último muito mais importante para a indústria cinematográfica alemã. (imagem abaixo, intertítulo de Aurora, onde vemos a resposta da vamp da cidade grande quando o amante, um homem do interior, pergunta o que seria de sua esposa quando ele fugisse com outra: "ela não poderia se afogar?", pergunta a vamp enquanto as letras ondulam simulando o movimento da água; na imagem a seguir, a quase tentativa de assassinato; segue-se uma reconciliação e a quase morte dela durante a volta para casa)


(...) Sem  dúvida  Murnau  realizará  filmes
 sonoros   e   falados,   mas  sempre  será  hostil
  ao processo, que ele considera inútil (...) (48) 

Pommer foi um dos muitos europeus contratados por Hollywood, dentre os cineastas que atravessaram o atlântico estava o alemão Friedrich W. Murnau. Dos vários projetos para a Fox Film Corporation, Aurora (Sunrise: A Song of Two Humans, 1927) é o mais famoso, Tabu (Tabu: A Story of the South Seas, 1931) seria realizado em parceria com Robert J. Flaherty (1884-1951) e distribuído pelo estúdio Paramount. A estreia de Aurora aconteceu dias antes do lançamento de O Cantor de Jazz, e apesar de o segundo quase não apresentar diálogos (o que o torna um filme mais sonoro do que propriamente falado; além do mais, utilizou-se playback para as músicas e não som direto) (49), foi o suficiente para a Warner Brothers ofuscar o lançamento da Fox. Os dois estúdios também disputavam mercado de equipamento de sincronização som/imagem, a Fox contrapunha o Movietone ao Vitaphone da Warner. Joël Magny afirma que desde A Última Gargalhada (Der Letzte Mann, 1924), filme mudo que sequer tinha intertítulos, Murnau já havia ultrapassado qualquer cineasta da época no que diz respeito a inserir o som num filme mudo. Portanto seria natural que Aurora revisitasse esta possibilidade, ainda que muitas críticas tenham sido dirigidas à escolha de uma trilha musical tradicional e estereotipada demais. Dentre várias situações apresentadas com acompanhamento de uma ênfase musical, pode-se destacar o  som da voz humana sendo substituído por um instrumento de sopro em dois momentos, quando o marido chama pela esposa que talvez tenha se afogado, e quando ela é encontrada viva e a criada chama para dar a boa nova ao quase assassino (que já está quase matando a segunda mulher no filme) (50).


“Sejam     quais    forem     os     avanços 
do  cinema   falado,   Murnau    está    firmemente
convencido de que um filme totalmente silencioso
 será sempre algo  digno de realizar  (...)” 

Mirador, revista de crítica de cinema; Barcelona, 
Espanha, 3 de outubro de 1929 (51)

Magny afirma também que se cogitou a possibilidade de uma versão sonorizada para Aurora. Segundo Luciano Berriatúa, a verdade é que William Fox queria deixar o filme como estava, o que gerou uma discussão com Murnau, levando-o a romper o contrato com a Fox. Deslumbrado com o êxito da nova tecnologia, Fox queria converter toda a sua produção em falados. Dois meses depois da saída de Murnau já se lia na imprensa a respeito de dois outros filmes seus realizados para a Fox, Os Quatro Diabos (The Four Devils, 1928) e O Pão Nosso de Cada Dia (Our Daily Bread ou City Girl, 1930), que receberiam diálogos e partes sonoras à revelia do cineasta. Quanto a Aurora, Fox pretendia deixá-lo totalmente mudo, para apresentar nos cinemas sem Movietone. Murnau conclui que o único interesse dos estúdios em Hollywood era descobrir suas técnicas e imitá-las, então abandona tudo para filmar em lugares distantes. Associa-se a Flaherty, monta sua própria produtora (com o objetivo de realizar filmes sonoros de baixo custo nos mares do sul) e segue para o sul do Oceano Pacífico. Contudo, de acordo com Berriatúa, a única coisa que se pode dizer com certeza é que apenas o primeiro tratamento do roteiro (que então se chamava Turia) contou com a participação de Flaherty. Em seu próximo projeto Murnau utilizou outro sistema de sincronização (para a música e os cantos), Photophone da R.C.A. Realizar Tabu (1931) como um filme mudo foi escolha deliberada de Murnau, por razões econômicas sim, mas também estéticas. “Uma imagem vale mais que mil palavras”, ou, como no provérbio chinês que Berriatúa cita para definir a estética de Tabu: “muitos ouvidos valem menos do que um olhar” (52). (imagem abaixo, M, o Vampiro de Düsseldorf,1931)

“No  cinema   ‘tal   como  é’,   para  os  espectadores   ‘tal   como   são’,  
não existem sons, dentre os quais a voz humana. Existem as vozes, e todo o  resto.  Dito  de  outra  forma,  em  não  importa  qual  magma sonoro, a presença de uma voz humana hierarquiza a percepção em torno dela” 

Michel Chion (53)


Cinema Escandinavo: A Voz dos Vikings
 
A chegada do cinema falado na Dinamarca foi gradual, como na maioria dos países. Em 1926-7, o primeiro a chegar foi o sistema que utilizava um gramofone, seguido pelo som ótico em 1929, acompanhado por vários experimentos ao longo dos anos.  O Cantor de Jazz, apresentado naquele país com música ao vivo, só estreou meses depois que os primeiros filmes sonoros dinamarqueses já haviam sido lançados. Apenas em 1931 estréia o primeiro longa-metragem falado dinamarquês, The Vicar in Vejlby (Præsten i Vejlby, direção George Schnéevoight) (imagem abaixo), que já havia sido lançado uma primeira versão em 1922 e voltaria a apresentar outra versão em 1972. O filme foi um sucesso de bilheteria e estimulou a indústria cinematográfica local. Em 1930, muitos filmes estadunidenses foram projetados naquele pequeno país, com os alemães em segundo lugar e os próprios dinamarqueses em terceiro. A comédia, que era popular desde a década anterior, invade o cinema dinamarquês da década de 30 com números musicais. De acordo com Astrid Söderbergh Widding, uma comparação com o cinema Sueco na mesma década aponta paralelos marcantes. Em ambos os países, o cinema se deteriorou, não existia uma abordagem explícita dos problemas contemporâneos, a crise econômica foi apresentada como uma bagunça financeira, sempre resolvida no final, as tensões são sempre entre classes sociais e resolvidas através do alpinismo social. A colisão entre elementos contrastantes ofereciam oportunidades para as cenas cômicas. Evidenciava-se também a desconfiança em relação à classe superior, contrapondo sua rigidez à jovialidade dinamarquesa. Mas tudo isso terminaria abruptamente em 1940, com a invasão do país pelos nazistas (54).


Foi no cumprimento de um contrato na França que o cineasta Carl Theodor Dreyer realizou dois de seus filmes mais famosos por representarem sua transição, o mudo A Paixão de Joana d’Arc em 1928 (embora tenha sido filmado no ano anterior) e o falado O Vampiro (Vampyr) em 1932 (filmado em 1930) (imagem abaixo). Como seu primeiro filme falado foi um fracasso de bilheteria, sugeriu-se que o cineasta dinamarquês não tinha nada para fazer na nova era que se iniciava – fizeram-se comentários semelhantes em relação a Dias de Ira (Dies Irae, 1943) e A Palavra (Ordet, 1955). Jean Sémolué comparou os dois, mostrando que o primeiro é um filme mudo centrado nas palavras (do processo no tribunal), enquanto o segundo é um filme falado quase mudo. O Vampiro tem pouquíssimos diálogos e muitas imagens marcantes, como o “ponto de vista do morto” (55), que receberá nomes distintos dependendo da versão – na francesa será David Gray, enquanto na britânica e na alemã será Allan Gray. O cineasta não abandonaria o uso de intertítulos em seu primeiro filme falado, ainda que tenha adorado o advento do falado - para Jean-Marie Straub, O Vampiro é o mais sonoro de todos os filmes. Os diálogos das versões (francesa, inglesa e alemã) foram gravados nos estúdios da UFA, na Alemanha. O número reduzido de diálogos contribui para um clima de indecisão que atravessa o filme – ao contrário do que se possa imaginar, tal clima tem mais relação com a incapacidade do elenco em relação a outros idiomas do que a exigências do roteiro. Poucos diálogos e um papel ativo para a música, que na opinião de Sémolué acompanha a ação sem enfatizar em excesso (56).


“Para  além  de  ser  maravilhosamente  sonoro  e  inteligentemente
falado O  Vampiro  interroga  um  domínio raramente explorado pelo
cinema: a escuta. Os poucos diálogos não são trocas de enunciados onde
 o ouvinte  (espectador  e  personagem)  recebe  informações   completas.
Existe em cada mensagem escutada  uma  região  turva,  um pedaço que
escapa e, nessa  falta,  aquilo  que  alucina. Razão pela qual o memorável
encontro  entre  o  doutor  e  David  Gray  rapidamente  se  transforma
 num  ‘diálogo  de  surdos’  que  o  espectador  não  consegue  julgar”

Charles Tesson (57)

Seguindo uma política característica no cinema finlandês, nos primeiros dez anos da independência do país (declarada em 1917) o tema sempre foi os próprios finlandeses – considerando que a produção total foi de apenas quarenta longas-metragens, sua divisa patriótica era: “A Finlândia deve ser tornada familiar para os finlandeses e para o mundo todo” (58). A modesta, porém florescente, indústria cinematográfica finlandesa entraria em crise com a chegada da crise econômica internacional. Alguns investimentos equivocados exauriram as finanças da produtora e distribuidora Suomi-Filmi, e o ano de 1930 viu apenas três produções ganharem as telas, todos filmes mudos.  Juntamente com a chegada do cinema sonoro na Finlândia, estabeleceu-se na capital do país uma empresa, Lahyn-Filmi, que começou a fazer experiências com som em 1926. Como tantos filmes noutros países, Dressed Like Adam and a Little Like Eva (Aatamin Puvussa ja Vähän Eevakin, 1931) era um filme mudo ao qual foi adicionada uma trilha sonora por Lahyn-Filmi, porque Suomi-Filmi ainda não dispunha do equipamento. No folheto da Suomi-Filmi para o lançamento lia-se: “O cinema sonoro invadiu o mundo! O espírito empreendedor finlandês e o poder de iniciativa triunfaram neste filme – o primeiro filme sonoro nacional é até mesmo gravado em nosso país. Tal honra foi conferida a poucos países!” (59). O primeiro filme com som realmente sincronizado foi produzido pela Lahyn-Filmi em 1931, Fale em Finlandês (Sano se Suomeksi), mas foi apenas no final daquele ano que estreou o primeiro filme com diálogos reais, The Lumberjack’s Bride (Tukkipojan Morsian) (60). (imagem abaixo, A Paixão de Joana d’Arc)


O cinema produzido na Noruega entre 1906 e 1919 possui um tom vagamente internacional – melodramas eróticos explorando a vida na cidade moderna. Depois de 1920, o campo e o romantismo rural tornam-se o filão mais rentável, evidenciando um “olhar” norueguês local e nacional sobre seu próprio país.  Entre 1920 e 1930, de 29 longas-metragens apenas 5 são ambientados na cidade. Kristine, a Filha de Valdres (Kristine Valdresdatter, direção Ramus Breistein, 1930), último filme mudo realizado na Noruega, faz parte dessa longa tradição do filme rural. Segundo Gunnar Iversen, parece natural que num país de então recente urbanização as pessoas sintam essa nostalgia. Pela primeira vez os filmes noruegueses conseguiam ter sucesso na competição com o produto norte-americano. Em 1931, e mesmo sendo um filme mudo, Kristine foi o filme de maior audiência em Oslo, suplantando novidades como a trilha musical em Luzes da Cidade, de Chaplin, e o cinema falado em Nada de Novo no Front – respectivamente, terceiro e quinto lugares na preferência do público naquele ano. Apesar da crise econômica naquela década, o cinema falado estreou apresentou uma nova visão da cidade, com o novo realismo de The Big Christening (Den Store Barnedåpen, direção Tancred Ibsen e Einar Sissener, que também atuou no filme, 1931). Agora o foco passa do fazendeiro para o trabalhador industrial (61). Na Hollywood da mesma época, o imigrante escandinavo será sempre amarrado ao estereótipo do fazendeiro caipira, embora a Dinamarca tivesse pouquíssima natureza, muita área cultivada e alto grau de urbanização quando comparada a seus vizinhos (62). No caso da Suécia, por exemplo, ao considerar o desenvolvimento de sua indústria cinematográfica deve-se ter em mente que no início do século XX o país era muito pobre e subdesenvolvido. Até a Primeira guerra Mundial a Suécia, depois da Finlândia e da Itália, foi o país mais agrário da Europa ocidental (63).

Desde 1907 o mais antigo estúdio de cinema na Suécia, Svenska Biografteatern (Svenska Bio), produzia filmes sonorizados, onde atrizes e atores famosos como Rosa Grünberg e Carl Barcklind cantavam e dançavam durante pequenas peças de óperas e operetas. O canto e a dança eram gravados em cilindros fonográficos e sincronizados com as imagens durante a projeção - este processo já era utilizado no país desde 1903. No começo da década de 1930 o cinema sueco estava em crise, o surgimento do som no cinema trouxe apenas mais dúvidas. Entre 1919 e 1920, a indústria cinematográfica sueca estava em seu ápice, mas sofreria com a chegada do rádio – embora os impostos também tenham sido um importante elemento de pressão: pelo menos 10% de cada ingresso vendido, numa época de crise econômica mundial e insegurança institucional no país. Primeiro filme sonoro sueco, A Melodia da Felicidade (Säg det i Toner, direção Edvin Adolphson e Julius Jaenzon, 1929) era um musical sem diálogos e não despertou mais do que um entusiasmo moderado. Durante alguns anos, a Svensk Filmindustri utilizou o sistema alemão da Tobis, mas o preço de alugue era muito alto. Finalmente, o sistema sueco Aga-Baltic, em combinação com o dinamarquês Petersen & Poulsen, se estabeleceu no país como o padrão dominante de gravação e reprodução. Tentativas de avançar sobre o mercado internacional levaram à produção de versões dos filmes suecos dubladas em vários idiomas, o que não deu muitos frutos – os filmes eram feitos na frança. Da mesma forma, o público sueco não aprovou a dublagem de filmes estrangeiros para seu idioma, daí em diante as legendas passaram a ser o padrão.


Originalmente    contratada    para    estrelar    Anjos   do   Inferno 
(Hell’s    Angels,   1930),    filme    de    guerra  aérea    produzido   pelo
milionário   estadunidense    Howard    Hughes,    a    norueguesa   Greta
Nissen foi substituída pela então desconhecida Jean Harlow, com o papel
que   faria   dela   uma   estrela.   Hughes  decidiu   transformar  seu  filme
mudo  em   cinema   falado,   e   Nissen   tinha   um   sotaque   carregado
   demais  para  fazer o papel   de   uma    moça  dos   Estados  Unidos (64)

Arne Lunde mostrou a que nível os corpos de atores e atrizes escandinavos foram confrontados com suas vozes carregadas de sotaque estrangeiro em Hollywood. Ao serem forçados a utilizar a própria voz, todos ficaram “visíveis”, e por um bom tempo sua situação oscilou entre o exótico, o estranho e o ridículo – de fato, Lunde se refere a um sotaque cômico de caipira típico atribuído aos imigrantes escandinavos que, embora tenha sido capturado pelo vaudeville e outras formas de cultura popular, haviam sido neutralizados pela “mudez do cinema” até então. Para um país como os Estados Unidos... o advento do cinema falado colocou em primeiro plano a questão da origem étnica enquanto diferença. Durante o período final do cinema mudo nos Estados Unidos, atores e atrizes escandinavos apresentavam apenas seus corpos brancos, olhos azuis e cabelos louros na tela sem que suas vozes apontassem para algo não assimilado ou estrangeiro. Enquanto sua voz não se fez presente, a brancura de seus corpos funcionava como uma personificação étnica e racial que falava aos “outros” a respeito das leis raciais não escritas da cultura norte-americana. Na opinião de Lunde, entre as décadas de 1910 e 1920, atores e atrizes imigrantes da Suécia, Dinamarca e Noruega (como Greta Garbo, Lars Hanson, Jean Hersholt, Anna Q. Nilsson, Nils Asther, Greta Nissen [imagem acima] e Einar Hansen) apresentaram esse disfarce étnico na tela com grande sucesso (65).

(...) Embora  durante  esse  período  de  transição  a  prática 
de  dublagem   de   voz    realmente   acontecesse   (especialmente
para  segmentos   cantados),   os  estúdios  [nos  Estados   Unidos] trabalharam duro para manter isso como um segredo (...) (66)

No final dos anos 1920, Greta Garbo (nascida Greta Gustafsson, 1905-1990) era a estrela estrangeira mais popular em Hollywood, seu último filme mudo foi O Beijo (The Kiss, direção Jacques Feyder, 1929). Antes do advento do cinema falado, Garbo possuía tantos tipos de voz quantos eram seus admiradores atribuíam a ela. De acordo com Michel Chion, existia um pacto implícito entre Garbo e sua platéia em torno da voz dela. A atriz foi contratada pela MGM juntamente com outro sueco, o cineasta Mauritz Stiller (na verdade, ela era sua protegida) para interpretar uma condessa italiana em A Saga de Gösta Berling. Em seus dois primeiros filmes mudos em Hollywood, Garbo foi personagem espanhola e francesa, o estúdio hollywoodiano tentou construir a imagem dela como uma vamp latina. Nos oito filmes seguintes, entre 1927 e 1929, Garbo representou o papel de mulher estadunidense uma só vez, aparecendo geralmente como uma européia de origem variada e às vezes pouco evidente, o que acabou construindo para ela uma aura de figura internacional para além de fronteiras. Cada vez mais os filmes tinham como função apenas mostrar o rosto simétrico de Garbo em close-up – é fato que muito da aparência dela havia sido literalmente construída em Hollywood, desde o corte de cabelo até algumas plásticas.


(...) Outras   estrelas   europeias   exóticas   e   vamps  com  sotaque, 
como  Vilma   Banky  e  Pola   Negri,  não  haviam  conseguido realizar
 uma  transição bem  sucedida [...].  Mesmo  estrelas nascidas nos Estados  Unidos como  John Gilbert e  Clara Bow estavam se tornando vítimas da
transição  para  o  cinema  falado,  no primeiro caso em função de uma
  ‘voz  aguda’ no  segundo,  por  causa de um sotaque do Brooklin” (67)

Quando finalmente chegou a hora do inevitável, a MGM criou o slogan “Garbo Fala!”. O ano era 1930, o estúdio escolheu a atriz para o papel principal em Anna Christie (direção Clarence Brown) (imagem acima) – existe uma versão muda realizada em 1923. Agora, como concluiu Chion, o cinema falado reduziu Garbo a uma única voz, a sua própria. Havia muita expectativa popular em torno de Garbo e ela era a maior estrela da MGM naquele momento, o que levou o estúdio a protelar ao máximo a revelação – com exceção de Lon Chaney e de Garbo, todas as outras estrelas da MGM já haviam sido apresentadas aos microfones. O estúdio reconheceu que não havia como disfarçar o sotaque da atriz, mas também não desejavam que a voz dela parecesse ridícula ou cômica. A escolha de Anne Christie não foi casual, trata-se de uma peça de Eugene O’Neill que recebeu o Prêmio Pulitzer em 1920. O estúdio acreditava que essa escolha permitiria transformar o sotaque da atriz num trunfo. O Pulitzer imprimia um pedigree de legitimidade cultural, enquanto se descobria se Garbo conseguiria falar seus diálogos e se apresentar como atriz de teatro. Além do mais, O’Neill já havia demonstrado interessa na Escandinávia em peças anteriores. As primeiras palavras de Garbo (finalmente aos 16 minutos), que chega cansada de viagem carregando uma mala (segundo Lunde, uma situação que poderia muito bem simbolizar a reintegração da atriz/imigrante em Hollywood), surgem para pedir uma bebida no bar. Para Lunde, a disputa entre um irlandês e um sueco pelo afeto de Anna parece um duelo de vaudeville entre dois estereótipos de sotaques estrangeiros, enquanto a fala de Garbo é mais natural e seu sotaque não soa cômico – também foi produzida uma versão dublada em alemão, idioma com o qual Garbo se sentia muito mais a vontade. A estratégia foi permitir, conclui Lunde contra todas as expectativas da nova tecnologia, que Garbo inspirasse a mesma seriedade essencial e densidade que transmitiu à tela durante o período do cinema mudo.

Poética da Pós-Sincronia?

Apesar   de   paradoxalmente 
hegemônica no final do século
passado, a pós-sincronização da voz humana é usada mais como uma etapa funcional passiva do que uma operação criativa (68)

Com relação a O Cantor de Jazz, “oficialmente” o primeiro filme falado, Michel Chion procurou lançar ainda mais luz sobre vários mitos. É preciso dizer que a música de acompanhamento era pré-gravada (como em Don Juan) e a maioria dos diálogos é acompanhado de intertítulos, como nos filmes mudos. Apenas uma cena do filme é realmente falada, quando Al Jolson promete a sua mãe que ela será tratada como uma rainha quando ele alcançar o sucesso – seguido de alguns protestos da progenitora. Na verdade, esta cena primordial do cinema de ficção é mais um monólogo (acompanhado ao piano) do que um diálogo. Além disso, nem estava prevista inicialmente, tendo sido “capturada” durante improvisações no ensaio. Na opinião de Chion, é como se o cinema tivesse “embarcado” sem problemas no cantado (ancorado no playback; não necessariamente na música ao vivo), mas hesitasse no rio do falado a colocar os pés na terra firme do realismo. Não nos esqueçamos, insistiu Chion, que o cinema mudo já contava com acompanhamento musical e que tudo nele apontava para a ópera. Contudo, a possibilidade que o cinema mudo abria para montagens não lineares tende a se perder no padrão realista do som sincronizado (69). (imagens acima e abaixo, Sob os Tetos de Paris, direção René Clair, 1930)


“Esperamos que o cinema sonoro produza um gênero
 de música inteiramente   novo  (...),  tão   estreitamente ligado
  ao  filme   que   será   quase    impossível     separá-los” 

Michel Chion afirma que esse comentário 
de René Clair levou a muitos equívocos (70)

Segundo Chion, foi o advento do som sincronizado que obrigou o cinema a fixar e estabilizar a velocidade de gravação e reprodução das imagens em 24 quadros por segundo. Os sons não-musicais começaram a forçar uma fixidez do tempo, orientado para apenas um sentido. Felizmente, ainda segundo Chion, o filme falado conservou a música como uma máquina de parar, dilatar e contrair o tempo. René Clair reclamava mais do sincronismo na reprodução do som e da imagem do que pelo fato de o cinema passar a ser sonoro/falado. De qualquer forma, o som sincronizado vai recolocar a questão do realismo. Em 1929, na União Soviética, Grigori Kozintsev e Leonid Trauberg realizaram A Nova Babilônia (Novyy Vavilon, 1929). Mais um filme mudo lançado quando o cinema falado já estava operacional, contava com uma trilha sonora musical composta pelo também soviético Dmitri Shostakovich (1906–1975). Contudo, parece que pouco antes da estréia os censores do governo bolchevique de Joseph Stalin cortaram algumas cenas, o que inviabilizou a reprodução da trilha musical. Michel Chion nos mostra assim que naquela época a sincronização não era tão simples quanto parece. Muita coisa da música clássica foi incorporada, como o leitmotiv, que veio de compositores como Richard Wagner, Hector Berlioz e de toda a literatura lírica e dramática do final do século XIX e começo do XX. A mesma coisa acontece com um procedimento musical proveniente do balé, a pantomima - que recebeu o nome depreciativo de mickeymousing (ou ênfase): um sincronismo total entre som/música e ação. O termo tem origem nos desenhos animados de Mickey Mouse, onde Walt Disney fez desse procedimento uma utilização sistemática, sendo elevado à caricatura no início do cinema falado por Max Steiner (1888-1971) – a trilha musical que ele elaborou para a primeira versão de King Kong (1933) contém muito mickeymousing.

Chion chama atenção para a ironia do final do século XX, quando a pós-sincronização do som se tornou dominante (por razões econômicas, políticas e estéticas) na maior parte do cinema mundial – especialmente o francês. Ainda mais curioso, lembrou Chion chamando atenção dos cinéfilos, o tão festejado neorrealismo no cinema italiano do pós-guerra só foi possível a partir de uma “sonorização irreal” (pós-sincronizada) - ou, pelo menos, não rompeu com esta prática corrente no cinema italiano, se é que algum dia pretendeu. Luchino Visconti (1906-1976) até tentou em A Terra Treme (La Terra Trema – Episodio del Mare, 1948), mas acabou traindo o som direto com a dublagem – ninguém na Itália compreendia o dialeto siciliano dos pescadores. Nas palavras de Chion, aqueles que distraidamente defendem o som direto se esquecem de como é difícil realizá-lo fora do estúdio – os cineastas da Nouvelle Vague francesa que o digam. Situação impensável no começo do período de sincronização do som no cinema, o som direto se torna uma prática minoritária no final do século passado. Robert Bresson (1901-1999), Jacques Tati, Josef von Sternberg (1894-1969), Pier Paolo Pasolini (1922-1975) e Federico Fellini (1920-1993) são citados por Chion como exemplo de cineastas europeus que se empenharam na busca de uma “poética do som pós-sincronizado”. De qualquer forma, Chion observa que, em geral, toda essa polêmica em torno do som sincronizado se refere apenas à voz humana, não havendo muitos escrúpulos em relação à introdução de efeitos sonoros nos filmes. Para o francês Jean Renoir (1894-1979), que se opunha à pós-sincronização e defendia o som direto, a utilização da dublagem contradiz a própria contribuição básica do cinema falado: a unidade da pessoa humana (unidade entre o ator e seu corpo/voz). Admitir a dublagem, Renoir insistiu, implica deixar de acreditar nesta unidade. Defendendo a pós-sincronização em 1971, Fellini explicou que “o efeito sonoro deve ter como objetivo enfatizar a imagem (...). Os ruídos que procuramos conseguir são melhores quando trabalhados em estúdio de mixagem, a partir de artifícios e truques, do que quando captados com som direto (...). No estúdio, podemos (...) fazer verdadeiramente o que desejamos” (71). Com relação à dublagem, Sternberg explicou que muitas vezes juntou a imagem de um ator gravada na primeira tomada com a voz do mesmo ator, gravada na quarta tomada. (imagem acima, O Milhão, direção René Clair, 1931)

“Deve-se notar que, no entanto, se existe uma escola, um mito, uma teoria do som direto – proporcional ao abandono desta prática -, isso não existe ou apenas em menor grau para o som pós-sincronizado, raramente reivindicado como escolha estética. Talvez nos escritos de [Hans-Jürgen] Syberberg [(1935)], em algumas intervenções pontuais de Fellini, Pasolini, Sternberg, poderemos encontrar uma espécie de poética do som pós-sincronizado. Mas essas intervenções para defender o procedimento apontam mais as comodidades práticas e questões de método do que levantam uma bandeira estética (vantagem, reivindicada por Fellini, Sternberg ou Pasolini, para liberar a filmagem e permitir a criação de um personagem novo a partir de elementos de corpos e de vozes inicialmente separados). Não obstante, esta reivindicação da dignidade do som não-direto continua rara entre nós” (72) 

O que Dizer? Quem vai Ouvir?

Dentre os países do grupo que Finler chamou de “maiores produtores”, o Japão e a ex-União Soviética foram os mais lentos na adoção do novo sistema (73). Contudo é preciso dizer que dos nomes famosos que marcaram o cinema mudo da década de 1920, Dziga Vertov (que é um pseudônimo!) pode ser citado como alguém que nunca teve dúvidas em relação ao cinema falado. Em 1929, Um Homem com Uma Câmera (Chelovek s kino-apparatom, também conhecido como O Homem com uma Câmera e O Homem da Câmera), mítico documentário de Dziga Vertov, foi seu último filme mudo. Vertov já utilizava efeitos sonoros e musicais em seus últimos filmes mudos, como O Décimo Primeiro Ano (Odinnadtsatyy, 1928) e o já citado Um Homem com Uma Câmera. Vertov foi também o primeiro a escrever sobre o assunto, e seus experimentos a respeito são anteriores a estréia como cineasta. Já em 1923, quatro anos antes do primeiro filme falado, Vertov previu a extensão do Cinema-Olho ao reino do som num artigo intitulado Cine-Eyes: A Revolution. De acordo com Steven Hicks, não se detecta em Vertov qualquer traço da “atitude cautelosa” em relação à “invenção de dois gumes” que transparece na famosa declaração de 1928 de Eisenstein, Pudovkin e Grigori V. Alexandrov (1803-1983) a respeito do cinema sonoro (74) - quem sabe a postura cautelosa tenha menos a ver com minúcias técnicas e/ou estéticas do que com uma tentativa de se proteger dos delírios bolcheviques que tornavam a vida dos cineastas soviéticos um inferno... (75).

“Atualmente,    o    cinema, 
trabalhando   com   imagens
visuais,       tem       um       efeito
poderoso    sobre   as   pessoas  e
com  todo  o  direito  assumiu  um
dos primeiros lugares entre as artes.
(...) Gravação de som é uma invenção
de  dois  gumes,  e  é  mais  provável
que  seu uso ocorrerá ao  longo  da
 linha da menor resistência, isto é, 
ao longo da linha da satisfação
 da   simples   curiosidade

Serguei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin, Grigori Alexandrov,
Sobre o Futuro do Cinema Sonoro, 1928 (76)

Vertov também não acreditava, como tantos, que o som acabaria com os documentários. Chegaram mesmo a dizer que a gravação do som fora do estúdio seria impossível! Vertov se manteve inflexível, até que com Entusiasmo (Entuziazm (Simfoniya Donbassa), 1931) apresenta o primeiro documentário totalmente sonorizado. Para Hicks, o filme demonstrou a aplicabilidade do som aos métodos vertovianos de gravação escondida e de surpresa. Sendo assim, os primeiros anos do cinema falado na União Soviética foram dominados pelo documentário. Pelo menos numa coisa Vertov e Eisenstein concordavam, a introdução do som poderia transformar o diálogo sincronizado uma via de mão única em direção à re-teatralização do cinema – o mesmo receio de René Clair –, o que acabou levando ambos a adotarem a trilha musical até o final da década de 1930. Mas na União Soviética a questão dos diálogos nos filmes também implicou outro tipo de preocupação. Embora Peter Kenez afirme, em defesa do cinema mudo, que leva mais tempo para o ouvido compreender um diálogo do que para o olho compreender uma imagem, o que interessava ao Partido Comunista Soviético no cinema era o caráter de massificação. Logo os bolcheviques perceberam as vantagens do cinema falado num país de muitos analfabetos na década de 1930. Além disso, como se trata aqui de um país com muitos idiomas, a estratégia da produção de versões em diferentes línguas era uma conclusão lógica (77). Pelo menos, até que o idioma russo tivesse sido disseminado a ponto de homogeneizar a população de todas as repúblicas soviéticas do ponto de vista linguístico.(imagem abaixo, O Milhão)


Ao introduzir barreiras de idioma, a chegada do cinema falado pareceu inicialmente oferecer uma oportunidade dourada às indústrias cinematográficas cuja matriz linguística não era o inglês. Richard Dyer e Ginette Vincendeau mostraram como no começo dos anos 1930 as plateias europeias resistiram aos filmes falados em inglês e/ou adaptados apressadamente a seus idiomas. Ao final da curta vida da experiência de produzir versões de um mesmo filme em vários idiomas, a dublagem e a legendagem se estabeleceram na Europa. Isso não apenas ajudou a cimentar a hegemonia de Hollywood (pois ela detinha as patentes dos sistemas de som, que impôs à maioria dos europeus, o que gerou um ganho extra), a babel de idiomas europeus afetava negativamente a exportação entre a Europa e os Estados Unidos (o grande mercado almejado por todos). Dyer e Vincendeau sabem que essa inexportabilidade do cinema europeu está também diretamente ligada à centralidade do idioma na questão da identidade nacional. Contudo, Dyer e Vincendeau são otimistas quanto ao futuro:

“(...) Embora a aceitação de filmes dublados e legendados provenientes dos Estados Unidos (e da televisão em língua inglesa) atualmente seja parte da paisagem midiática europeia (com exceção da Grã-Bretanha e Irlanda), padrões para a exibição de filmes de outros idiomas estrangeiros estão longe de serem unificados em toda a Europa: onde alguns países dublam sistematicamente (Alemanha, Itália), outros, como Grécia, Portugal [cujo primeiro filme sonoro no próprio idioma foi A Severa, 1931] e Holanda apresentam todos os filmes em cópias legendadas. Outros ainda, como a França, utilizam uma combinação das duas fórmulas. Tais escolhas, motivadas econômica e historicamente, mostram que não há nada intrínseco à aceitação ou rejeição das plateias em relação a vozes estrangeiras, e que a ‘barreira da língua’ poderia ser superada na busca de estabelecer iniciativas de cinema pan-européias” (78)


Leia também:


Notas:

1. BRESSON, Robert. Notas Sobre o Cinematógrafo. Tradução Evaldo Mocarzel e Brigitte Riberolle. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda., 2008. P. 52.
2. Introdução ao documentário (2003) nos extras do DVD de Luzes da Cidade, lançado no Brasil por Warner Bros Entertainment Inc. e Mk2 S.A., 2004.
3. GALE, Matthew. Un Chien Andalou. In: GALE, Matthew (Ed.). Dali & Film. London: Tate Publishing, 2007. P 90. Catálogo de exposição.
4. FINLER, Joel H. Silent Cinema. World Cinema Before the Coming of Sound. London: B. T. Batsford Ltd., 1997. Pp. 179, 184. 
5. Idem, pp. 179, 182-5.
6. Ibidem, p. 183.
7. Mesmo em Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940), quase totalmente coberto por música, exceto nos momentos especiais. Em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955), entre o final do baile e a cena no telhado, um minuto e vinte segundos de silêncio. Em Cortina Rasgada (Torn Curtain, 1966), com exceção de alguns comentários da vítima, toda a sequência do assassinato é muda. Hitchcock não havia planejado som para o assassinato em Psicose (Psycho, 1960), mas muda de ideia ao ouvir a música de Bernard Herrmann (1911-1975). Em Os Pássaros (The Birds, 1963) Hitchcock amplia os limites do silêncio. “Hitchcock e Herrmann sabiam bem que para que uma trilha sonora seja rica, ela não deve se limitar à música, aos ruídos e aos diálogos. O Silêncio é de ouro” (EUGÈNE, Jean-Pierre. La Musique dans les Films d’Alfred Hitchcock. Paris: Dreamland Éditeur, 2000. Pp. 107, 162-5).
8. TRUFFAUT, François. Hitchcock/Truffaut: entrevistas, edição definitiva. Tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. P. 68. 
9. Título em Portugal.
10. KENEZ, Peter. Cinema and Society. From the Revolution to the Death of Stalin. London/New York: I. B. Tauris, 2008. Pp. 79, 118, 123-4.
11. AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Sonoro. In: Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Tradução Eloísa Araújo Ribeiro. Campinas/SP: Papirus, 2ª Ed. 2006. P. 277.
12. No caso do cineasta japonês Yasujiro Ozu e de Charles Chaplin, inglês radicado nos Estados Unidos, a resistência foi enorme. Justifica-se a inclusão de Chaplin e Ozu aqui devido a grande influencia de ambos no panorama mundial. Enquanto Ozu simplesmente se recusou a mudar, Chaplin insistiria até 1940, quando lançou O Grande Ditador – a seguir realizaria apenas mais quatro filmes antes de encerrar a carreira. Enquanto Ozu realizou vários filmes mudos, Chaplin lançaria apenas O Circo (The Circus, 1928; esta data é quase um acaso, pois a conturbada história da produção deste filme teve início dois anos antes), Luzes da Cidade e Tempos Modernos (Modern Times, 1936).
13. FINLER, Joel H. Op. Cit. pp. 73, 103.
14. EISENSTEIN, Serguei. M. A Forma do Filme. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. P. 225.
15. HICKS, Jeremy. Dziga Vertov. Defining Documentary Film. London/New York: I. B. Tauris, 2007. Pp. 71, 153n3.
16. BALÁZS, Béla. L’Esprit du Cinéma. Paris: Éditions Payot & Rivages, 2011. P 332.
17. ABEL, Richard. Survivre à un “nouvel ordre mondial”. In: KERMABON, Jacques (org.). PATHÉ. Premier Empire du Cinéma. Paris: Éditions du Centre Georges Pompidou, 1994. Pp. 187, 188. Catálogo de exposição.
18. AZOURY, Philippe; LALANNE, Jean-Marc. Cocteau et le Cinéma. Désordres. Paris: Cahiers du Cinéma/Centre Pompidou, 2003. Catálogo de exposição. P. 20.
19. Além do equívoco que constitui citar René Clair como alguém totalmente contra o cinema sonoro, nos lembramos dele, geralmente, apenas quando falamos a respeito da filmografia de Charles Chaplin. No filme mudo Tempos Modernos (Modern Times, 1936), afirmam alguns, a famosa cena da linha de montagem da fábrica é um plágio, pois já havia sido apresentada no filme falado A Nós a Liberdade (À Nous la Liberté, 1931). Na realidade, todo o processo judicial foi induzido pelos produtores alemães do filme de Clair – a produtora parisiense Tobis era filial francesa da matriz alemã – e pelo capital e a igreja católica norte-americanos. Chaplin também foi acusado nos Estados Unidos de ser comunista por causa da cena de Carlitos agitando a bandeira vermelha e a seguir se misturando sem querer com uma greve de operários. René Clair desfez o mal entendido ao declarar que “se sentiria honrado em ter contribuído para a obra daquele que considerava um gênio, e seu principal mestre”.
20. BICKERTON, Emilie. A Short History of Cahiers du Cinéma. London/New York: Verso, 2009. Pp. 3-5.
21. CHION, Michel. La Parole au Cinéma. La Toile Trouée. Paris: Editions de l’Etoile, 1988. P.72.
22. GALE, Matthew. Darkened Rooms. In: GALE, Matthew (Ed.). Op. Cit. Pp. 61-2.
23. ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. P. 205.
24. Disponível nos extras do DVD de O Milhão, lançado no Brasil pela distribuidora Continental.
25. LIANDRAT-GUIGUES, Suzanne; LEUTRAT, Jean-Louis. Alain Resnais. Liaisons Secrètes, Accords Vagabonds. Paris: Cahiers du Cinéma, 2006. P. 188.
26. VIDAL, Agustín Sánches. La Chèvre Sanitaire. In: GALE, Matthew (Ed.). Op. Cit. P. 107.
27. MARIE, Michel. Le Cinéma Muet. Paris: Cahiers du Cinéma, 2005. P. 64.
28. GOUDET. Stéphane. Jacques Tati, de François le Facteur à Monsieur Hulot. Paris: Cahiers du Cinéma, 2002. Pp. 25-9, 66-7.
29. Idem, p. 77.
30. Ibidem, p. 66-7.
31. DANEY, Serge. A Rampa. Cahiers du Cinéma 1970-1982. Tradução Marcelo Rezende. São Paulo: Cosac Naify, 2007. Pp. 159-60.
32. GOUDET. Stéphane. Op. Cit., p. 74.
33. TRUFFAUT, François. Os Filmes de Minha Vida. Tradução Vera Adami. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1989. P. 273.
34. LUNDE, Arne. Nordic Exposures. Scandinavian Identities in Classical Hollywood Cinema. Seattle/London: University of Washington Press, 2010. P. 108.
35. BRUNETTA, Gian Piero. The History of Italian Cinema. A guide to Italian film from its origins to the twenty-first century. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2009. P. 78.
36. CASETTI, Francesco. Ten Footnotes to a Mistery. In: RASCAROLI, Laura; RHODES, John David (orgs.). Antonioni. Centenary Essays. London: Palgrave MacMillan/BIF, 2011. P. 213.
37. RICCI, Steven. Cinema & Fascism. Italian Film and Society, 1922-1943. Berkeley: University of California Press, 2008. Pp. 4, 61, 63-4, 107, 201n25.
38. LANZONI, Rémi Fournier. Comedy Italian Style. The Golden Age of Italian Film Comedies. New York/London: Continuum, 2008. Pp. 11-2.
39. WAHL, Chris. UFA (1922-1933). In: Hochschule für Film und Fernsehen “Konrad Wolf” (Eds.). 100 Years Studio Babelsberg. The Art of Filmmaking. Kempen, Germany: teNeues Verlag GmbH, 2012. P. 210.
40. HAKE, Sabine. German National Cinema. London/New York: Routledge, 2ª ed., 2008. Pp. 55.
41. WAHL, Chris. Op. Cit., pp. 208, 210, 211.
42. Idem, p. 210.
43. Ibidem, p. 208.
44. KERMABON, Jacques. Un Cinéma pour le Paradis. In: KERMABON, Jacques (org.). Op. Cit., pp. 226-7, 227n4.
45. HAKE, Sabine. Op. Cit., pp. 55-6.
46. Idem, p. 57.
47. Ibidem, pp. 56-7.
48. MAGNY, Jöel. L’Aurore de Murnau. Cahiers du Cinéma/CNDP, 2005. P. 65.
49. CHION, Michel. La Voix au Cinéma. Paris: Editions de l’Etoile/Cahiers du Cinéma, 1993. P. 143.
50. MAGNY, Jöel. Op. Cit., p. 65.
51. BERRIATÚA, Luciano. Los Proverbios Chinos de F. W. Murnau (etapa americana). Madrid: Filmoteca Española/Instituto de Cinematografia y de lãs Artes Audiovisuales/Ministerio de Cultura, 1990. P. 546.
52. Idem, pp. 543, 576-8, 581, 592, 624.
53. CHION, Michel. La Voix au Cinéma. Op. Cit., p. 18.
54. WIDDING, Astrid Söderbergh. Denmark. In: IVERSEN, Gunnar; WIDDING, Astrid Söderbergh; SOILA, Tytti. Nordic National Cinemas. London: Routledge, 1998. Pp. 11-3.
55. VERNET, Marc. Figures de l’Absence. Paris: Éditions de l‟Etoile, 1988. P. 49.
56. SÉMOLUÉ, Jean. Carl Theodor Dreyer. Le Mystère du Vrai. Paris: Cahiers du Cinéma, 2005. Pp. 8, 70, 91, 93, 94.
57. Idem, p. 94.
58. SOILA, Tytti. Finland. In: IVERSEN, Gunnar; WIDDING, Astrid Söderbergh; SOILA, Tytti. Nordic National Cinemas. London: Routledge, 1998. P. 35.
59. Idem, p. 41.
60. Ibidem, p. 37.
61. IVERSEN, Gunnar. Norway. In: IVERSEN, Gunnar; WIDDING, Astrid Söderbergh; SOILA, Tytti. Nordic National Cinemas. London: Routledge, 1998.  Pp. 108-11.
62. WIDDING, Astrid Söderbergh. Op. Cit., p. 7.
63. SOILA, Tytti. Sweden. In: IVERSEN, Gunnar; WIDDING, Astrid Söderbergh; SOILA, Tytti. Nordic National Cinemas. London: Routledge, 1998. Pp. 146-7, 152-3, 169.
64. LUNDE, Arne. Op. Cit., p. 105.
65. Idem, pp. 90-1, 93-8.
66. Ibidem, pp. 104-5.
67. Ibidem, p. 96.
68. CHION, Michel. Le Son au Cinéma. Paris: Editions de l’Etoile, 1992 (?). P. 71.
69. Idem, pp. 59-61, 70, 105, 179-80, 182.
70. Ibidem, p. 111n1.
71. Ibidem, p. 74.
72. Ibidem.
73. No caso do Japão, Finler mostrou que as razões eram culturais. O cinema mudo estava muito enraizado no hábito das platéias, devido ao sistema de comentários conhecido como Benshi – acompanhados por música, comentadores posicionados ao lado das telas explicavam o filme através de uma interpretação e comentários muito pessoais. Cineastas japoneses de renome mundial como Yasujiro Ozu (1903-1963) e Kenzo Mizoguchi (1898-1956) continuaram a fazer filmes silenciosos até meados da década de 30. De fato, tendo filmado desta maneira até 1935, Finler considera Ozu como o último grande diretor do cinema mudo – tendo realizado filmes silenciosos até 1936. Ozu resumiu seu objetivo com essa insistência: “(...) Com todo mundo correndo para o som, eu queria encenar uma última batalha pelo filme mudo. Eu sei que os filmes falados vencerão quando tudo acabar, mas eu queria adiar até o final para mostrar como os filmes mudos podiam ser bons” (FINLER, Joel H. Op. Cit. Pp. 182-3).
74. HICKS, Jeremy. Op. Cit., pp. 72, 79-80, 81.
75. KENEZ, Peter. Op. Cit., p. 124.
76. EISENSTEIN, Serguei. Op. Cit., p. 225.
77. KENEZ, Peter. Op. Cit., 120.
78. DYER, Richard; VINCENDEAU, Ginette (orgs.). Popular European Cinema. London/New York: Routledge, 1992. P. 9.

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