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Roberto Acioli de Oliveira

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18 de ago. de 2008

Conexão Nibelungos: O Caso Fritz Lang (II)


Entre Ser e Parecer

Com tantas versões de um texto cuja escritura se perde nas brumas do passado, devemos perguntar se e como cada uma das releituras poderia modificar as cenas na repetição do relato original. As modificações no filme de Lang respondiam à necessidade de fazer frente ao sucesso do cinema de Hollywood na Alemanha no começo da década de 20 do século passado. Esta preocupação ia além da produção de mais filmes naquele país. Os personagens da saga foram revistos em função de qualidades que poderiam ser compreendidas em termos das ansiedades contemporâneas a respeito da cultura cinematográfica alemã – como, por exemplo, platéias ingênuas e perda de controle sobre a representação visual (1).


Um dos pontos mais controversos, tanto da tetralogia de Wagner quanto do filme de Lang, é o fato de que os vilões da saga tendiam a parecerem judeus. A “questão judia” nestas obras, sugere Levin, deveria nos levar a um debate a partir de uma articulação entre ideologia e estética. As discussões a respeito do lugar dos judeus nestes trabalhos tendem a privilegiar questões de conteúdo, intencionalidade e biografia, deixando as questões de forma em segundo plano. Tendemos a perguntar, essas figuras seriam judeus? Suas qualidades são intencionais ou uma coincidência? Esses personagens existem na vida real? Supondo que se faça uso de estereótipos anti-semitas, essas obras e seus criadores seriam anti-semitas? (2)


Levin acredita que seria mais interessante fazer estas perguntas examinando os personagens em questão do ponto de vista de suas funções estéticas. O Alberich de Fritz Lang, assim como o Mime de Richard Wagner, são construtos estéticos. Portanto, a aparência deles tem algo a nos dizer. Esses personagens incorporam suas funções de vilania também no nível estético. Não apenas possuem uma aparência terrível, mas essa aparência constrói uma terrível identidade estética. Estes vilões carregam a “aparência do mal”. (imagens: no alto Siegfried chega a Worms; antes de lá chegar, Alberich embosca Siegfried, mas é descoberto; acima, o Mime de Fritz Lang vigia os passos de seu aluno, Siegfried; ao lado, Hagen presta atenção ao encontro de Siegfried e Kriemhild)
i
Monumentalismo e Simetria


Lotte Eisner critica a interpretação de Siegfried Kracauer em De Caligari a Hitler, para quem o filme de Fritz Lang é um laboratório visual para a estética fascista de ordenamento das massas. Lotte Eisner, biógrafa oficial de Lang, questiona esse ponto de vista. Em sua opinião, o monumentalismo é característico da mente alemã. Na opinião de Eisner, na cena em que Siegfried chega ao castelo de Brunhild, o que temos é a atmosfera de um Walhalla bárbaro. Um cenário de pedras, desértico, árido e desolado rodeando o castelo, que se ergue como um recife rodeado de chamas que intimidam a tropa que acompanha Siegfried. (ao lado, o castelo Worms na imaginação de Siegfried; lá encontram-se a corte de Borgonha e Kriemhild)


Um horizonte de céu frio atrás dos sombrios rochedos onde se desenrola a luta entre a indomável Brunhild e Gunther (que é auxiliado por Siegfried sob um manto que lhe dá invisibilidade). Estas são visões que emanam diretamente da concepção germânica do tenebroso. E antes disso, palpita de mistério a cena em que Alberich, criatura do mundo subterrâneo, espreita Siegfried para estrangulá-lo, esticando seus dedos que parecem as pernas longas de uma aranha. Fritz Lang tinha uma quase obsessão por covas fantásticas em misteriosos subterrâneos, como mostrou na caverna do tesouro de Alberich (3). (mesmo personagens sem importância adquirem um valor estético alto no filme de Fritz Lang; à esquerda corneteiro fazendo um contrapaonto entre o céu e a pedra do castelo de Worms)

Os filmes alemães da década de 20 do século 20 são indistintamente chamados de expressionistas. Entretanto, esse expressionismo não é tão aparente quanto parece. No caso da arquitetura em Os Nibelungos, é a aplicação de alguns princípios do expressionismo que vemos na estilização expressiva das superfícies vastas: a busca da essência, da linha geral, de uma fusão absoluta de formas abstratas. A Cultura Alemã se forja no granito, material em que só se podem talhar formas grandes. É por este motivo, afirma Eisner, que o objetivo final dos alemães é o monumental. (ao lado, Brunhild, a guerreira das terras do norte, despreza o rei Gunther seu pretendente. Hagen impõe uma condição para que Siegfried tenha sua amada Kriemhild, ele deve ajudar o rei a conquistar Brunhild)

Lang deve compor vastos afrescos para o filme, proporções monumentais que já convinham ao espírito germânico. Citando Paul Rotha, Eisner sugere que a arquitetura dos filmes alemães exprime a estrutura da alma: “As arquiteturas imensas de Os Nibelungos constituem um quadro ideal para a estatura poderosa desses heróis de epopéia. Visando efeitos espetaculares, Lang anima a rigidez grandiosa da arquitetura com a introdução da iluminação” (4). (ao lado, Siegfried, tendo matado um dragão, tornado-se invencível, vencido Alberich e tornado-se rico e poderoso, chega finalmente a Worms para pedir a mão de sua amada Kriemhild; ao chegar ele encontra Gunther, um rei covarde, e Hagen, seu fiel protetor)


Lang também utiliza muitos jogos de simetria e contrapontos. Como no batente de uma porta, sob um arco, onde podemos sempre ver uma figura de pé, cuidadosamente enquadrada. Ou quando Siegfried, inclinado sobre a fonte onde será alcançado pela lança fatal de Hagen, tem sua cabeça de frente para uma bétula; ferido, se erguerá diante da mesma bétula. Muitas são as cenas que, com planos estáticos, formam quadros. Como quando Hagen, sentado, espera Kriemhild imóvel como uma pedra, com a espada deitada sobre as coxas. Ou como Brunhild, atrás dos rochedos, espreita a chegada do cortejo de Siegfried e Gunther. Ela é uma silhueta oblíqua contra o céu cinzento onde tremula a aurora boreal dos céus do norte (5). (ao lado, Worms)


Na cena onde Gunther e Siegfried tornam-se irmãos de sangue, podemos perceber como que uma composição heráldica. Cada um de um lado, ladeados paralelamente pelos dois irmãos do rei Gunther e dois companheiros de armas de Siegfried. O corpo alto de Hagen atrás deles marca essa distribuição espacial. Temos um movimento cuneiforme quando o séqüito das duas rainhas se encontra nas escadarias da catedral. Brunhild com seu grupo sombrio, enquanto os seguidores de Kriemhild vestem tons claros. É nesse momento que a própria Kriemhild, ao provocar a ira de Brunhild, sela o destino de Siegfried. (ao lado, no castelo Worms mesmo os personagens sem importância marcam uma presença forte no nível estético)


Sempre que aparecem, os corneteiros se destacam contra um céu claro. Eles fazem eco às estruturas arquitetônicas que fazem contraponto ao céu. Desumanizados também são os inúmeros soldados dispostos em intervalos regulares, com posturas idênticas, com ornamentos em seus escudos e um capacete que lhes confere um aspecto impessoal (6).

Lotte Eisner, nos esclarecendo mais e mais a respeito do espírito alemão, afirma que a evocação de atmosferas com sentimentos vagos revelando pouco a pouco o segredo de almas sensíveis com toques insinuantes é em si muito germânico. Podemos ver esse clima se formar na cena em que, já no castelo de Gunther, Siegfried e Kriemhild se aproximam um do outro, muito lentamente (o que Eisner chama de “interpretação intensificada”). Ela traz a taça de boas vindas para oferecer a Siegfried. Nem ele nem ela abandonam uma rigidez hierática (ao lado). Entretanto, a cena posterior, em que Gunther e Siegfried bebem juntos para selar uma irmandade de sangue, não é mostrada com tanta religiosidade (7).

Notas:

1. LEVIN, David J. Richard Wagner, Fritz Lang, and The Nibelungen. The Dramaturgy of Disavowal. Princeton University Press: USA, 1998. P. 9 e capítulo 3.
2. Idem, p. 10.
3. EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca. As Influências de Max Reinhardt e do Expressionismo. Tradução Lúcia Nagib. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Pp.107 e 162.
4. Idem, p. 109.
5. Ibidem.
6. Ibidem, p. 110.
7. Ibidem, p. 136.

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